Laço desfeito

Roberto Requião questiona no STF licitação da Petrobrás

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9 de agosto de 2004, 11h09

Aliado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em quatro eleições, o governador do Paraná, Roberto Requião, resolveu questionar a licitação do leilão que a Petrobrás fará no dia 17 de agosto. O governador envia, nesta segunda-feira (9/8), uma representação ao procurador-geral da República, Cláudio Fonteles, e uma Ação Direta de Inconstitucionalidade ao Supremo Tribunal Federal.

A representação e a ADI são assinadas pelo procurador-geral do Paraná, Sérgio Botto de Lacerda. Segundo ele, os artigos 26 e 60 da Lei nº 9.478 de 1997, conhecida como “Lei do petróleo”, estão em “confronto com princípios fundamentais da República Federativa do Brasil, como a soberania (art. 1.º, inciso I), a garantia do desenvolvimento nacional (art. 3.º, inciso II), bem como com os princípios setoriais gerais da atividade econômica dispostos na Constituição Federal, em especial, os artigos 170, inciso I; 175, caput; 172, incisos I, II e III, § 1.º e 2.º, incisos I, II e II, além do disposto no artigo 219, todos dispostos no Diploma Fundamental”.

A lei regulamenta a política energética nacional e as atividades relativas ao monopólio do petróleo.

O procurador pede que seja declarada a inconstitucionalidade do artigo 60 da lei, que “defere competência à ANP para a autorização de exportação do petróleo, em total descompasso com o reconhecimento constitucional de tal bem como estratégico para a nação”.

De acordo com ele, o “novo leilão de licitação para exploração petrolífera (o 6º) está para ocorrer”, o que justifica a urgência da liminar.

Leia a ADI

Excelentíssimo Senhor Ministro Presidente do Supremo Tribunal Federal

ROBERTO REQUIÃO DE MELLO E SILVA, GOVERNADOR DO ESTADO DO PARANÁ assistido por Sérgio Botto de Lacerda, Procurador Geral do Estado e por Clèmerson Merlin Clève, Procurador do Estado, com fulcro nos artigos 102, inciso I, letra ‘a” e 103, inciso V, da Constituição da República Federativa do Brasil, vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, propor a presente

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE, COM PEDIDO DE CONCESSÃO DE MEDIDA CAUTELAR, NA FORMA DO § 3º, DO ART. 10 DA LEI 9.868/99, EM FACE DO DISPOSTO NOS ARTS. 26, CAPUT E SEU § 3º, 28, I E II, 37, I E PARÁGRAFO ÚNICO, 43, II E PARÁGRAFO ÚNICO, PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 51 E ART. 60 DA LEI Nº 9.478, DE 6 DE AGOSTO DE 1997

por afronta aos artigos 1º, 3º, 4º, 20, V e IX, 23, I e X, 170, e 177, caput, incs. I a IV e §§ 1º e 2º, da Constituição Federal, conforme adiante exposto.

Dos Dispositivos Legais Impugnados.

Os dispositivos legais impugnados, da Lei 9.478/97, cuja cópia integral acompanha a presente inicial, têm a seguinte redação (os trechos destacados serão os enfrentados na ação):

Art. 26. A concessão implica, para o concessionário, a obrigação de explorar, por sua conta e risco e, em caso de êxito, produzir petróleo ou gás natural em determinado bloco, conferindo-lhe a propriedade desses bens, após extraídos, com os encargos relativos ao pagamento dos tributos incidentes e das participações legais ou contratuais correspondentes.

§ 1º Em caso de êxito na exploração, o concessionário submeterá à aprovação da ANP os planos e projetos de desenvolvimento e produção.

§ 2º A ANP emitirá seu parecer sobre planos e projetos referidos no parágrafo anterior no prazo máximo de 180 (cento e oitenta dias).

§ 3º Decorrido o prazo estipulado no parágrafo anterior sem que haja manifestação da ANP, os planos e projetos considerar-se-ão automaticamente aprovados.

Art. 28. As concessões extinguir-se-ão:

I – pelo vencimento do prazo contratual;

II – pelo acordo entre as partes;

III – pelos motivos de rescisão previstos em contrato;

IV – ao término da fase de exploração, sem que tenha sido feita qualquer descoberta comercial, conforme definido no contrato;

V – no decorrer da fase de exploração, se o concessionário exercer a opção de desistência e de devolução das áreas em que, a seu critério, não se justifiquem investimentos em desenvolvimento.

§ 1º. A devolução de áreas, assim como a reversão de bens, não implicará ônus para a União ou para a ANP, nem conferirá ao concessionário qualquer direito de indenização pelos serviços, poços, imóveis e bens reversíveis, os quais passarão à propriedade da União e à administração da ANP, na forma prevista no inciso VI do art. 43.

§ 2º. Em qualquer caso da extinção da concessão, o concessionário fará, por sua conta exclusiva, a remoção dos equipamentos e bens que não sejam objetos de reversão, ficando obrigado a reparar ou indenizar os danos decorrentes de suas atividades e praticar os atos de recuperação ambiental determinados pelos órgãos competentes.

Art. 37. O edital da licitação será acompanhado da minuta básica do respectivo contrato e indicará, obrigatoriamente:

I – o bloco objeto da concessão, o prazo estimado para a duração da fase de exploração, os investimentos e programas exploratórios mínimos;

II – (…) omissis

Parágrafo único. O prazo de duração da fase de exploração, referido no inc. I deste artigo, será estimado pela ANP, em função do nível de informações disponíveis, das características e da localização de cada bloco.

Art. 43. O contrato de concessão deverá refletir fielmente as condições do edital e da proposta vencedora e

terá como cláusulas essenciais:

I – a definição do bloco objeto da concessão;

II – o prazo de duração da fase de exploração e as condições para a sua prorrogação.

III – (…) omissis

Parágrafo único. As condições contratuais para prorrogação do prazo de exploração, referidas no inciso

II deste artigo, serão estabelecidas de modo a assegurar a devolução de um percentual do bloco, a critério da ANP, e o aumento do valor do pagamento pela ocupação da área, conforme disposto no parágrafo único do art. 51.”

Art. 51. O edital e o contrato disporão sobre o pagamento pela ocupação ou retenção da área, a ser feito anualmente, fixado por quilômetro quadrado ou fração de superfície do bloco, na forma da regulamentação por decreto do Presidente da República.

Parágrafo único. O valor do pagamento pela ocupação ou retenção de área será aumentado em percentual a ser fixado pela ANP, sempre que houver prorrogação do prazo de exploração

.

Art. 60. Qualquer empresa ou consórcio de empresas que atender ao disposto no art. 5º poderá receber autorização da ANP para exercer a atividade de importação e exportação de petróleo e seus derivados, de gás natural e condensado.

Parágrafo único. O exercício da atividade referida no caput deste artigo observará as diretrizes do CNPE, em particular as relacionadas com o cumprimento das disposições do art. 4º, da Lei 8.176, de 8 de fevereiro de 1991, e obedecerá às demais normas legais e regulamentares pertinentes.

II – Da Pertinência Temática (caso exigível).

O Estado do Paraná, sendo parte indissolúvel da República Federativa do Brasil, tem nos fundamentos e objetivos desta os seus, além do evidente interesse que esta se guie e se fie naqueles, pois sendo uma parte do todo, qualquer ação ou omissão de parte deste mesmo todo – a união, por exemplo – que não esteja de acordo com estes fundamentos ou objetivos, representará, no mínimo, atraso para que estes sejam alcançados, quando não a própria inviabilização disto, com conseqüências danosas para o todo e para cada parte, indistintamente, incluindo o Estado membro.

Afora isto, o artigo 23, I, da Constituição Federal dispõe que:

“Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:

I – zelar pela guarda da Constituição, das leis e das instituições democráticas e conservar o patrimônio público.

Assim, a pertinência temática que toca o legitimado ativo no caso dos autos, caso exigível, se mostra bifronte, pois tanto se lastreia na competência de zelar pela guarda da Constituição (e combater uma inconstitucionalidade é indubitavelmente um meio de guardar, de zelar pela Constituição, tal como deve fazer uma sentinela de uma fortaleza), como se baseia na competência para conservar o patrimônio público.

Com efeito, sábio o constituinte ao incluir a conservação do patrimônio público na competência comum dos entes da federação, pois este é o substrato para a manutenção da atual e das futuras gerações. Inviável desperdiçar ou mesmo dispor deste patrimônio, “beneficiando” uma geração, em detrimento dos filhos e netos da Nação, condenados a severas restrições.

No caso dos autos, o patrimônio público envolvido é crucial, não renovável, e já objeto de conflitos bélicos de grandes dimensões em outras partes do mundo.

E a conservação deste patrimônio toca nitidamente com os dispositivos legais impugnados, e com a própria idéia transmitida pela Lei 9.478/97, de que as reservas de petróleo – fonte de energia vital para o desenvolvimento de qualquer nação – tenha a titularidade transferida para quem adquira o direito de extraí-lo do subterrâneo.

Além do mais, o regime adotado pela sobredita lei compele a extração e produção, com a decorrente necessidade de escoamento, inclusive para fora do país, caso não haja aqui demanda suficiente, comprometendo seriamente as gerações futuras e o essencial período de transição para permitir o uso de energias renováveis locais, referidas no tópico seguinte.

Antes, porém, cumpre ressaltar que o Art. 23, X, impõe aos Entes da Federação a competência comum de “combater as causas da pobreza e os fatores de marginalização, promovendo a integração social dos setores desfavorecidos”.

Como se verá adiante, o risco de ficarmos sem nossas reservas de petróleo justamente quando esta matriz energética se tornar escassa mundialmente será grande fator de pobreza e desagregação, inviabilizando qualquer projeto de nação, com nefastas consequências na área social.

De todo o exposto, dessume-se a total pertinência de Governador de Estado pleitear a este Excelso Pretório o reconhecimento da inconstitucionalidade de lei que ameaça patrimônio público essencial e compromete o futuro da República Federativa do Brasil, nela incluído o Estado Membro.

III – Do Contexto Fático.

Embora da leitura dos dispositivos impugnados, transcritos no tópico I, principalmente dos trechos grifados, já se vislumbra a inconstitucionalidade que eiva a Lei 9.478/97, necessário se faz um brevíssimo resumo, para que seja depreendida a questão fulcral que a matéria ocupa para o presente e futuro da sociedade brasileira.

Isto porque tratamos aqui de energia – definida pela ciência como capacidade de produzir trabalho – sem a qual nada se move, nada se transforma. Ela é imprescindível para o homem realizar qualquer esforço muscular. A ausência de energia é a morte. Sem ela não se transforma uma pedra em um foguete, não se opera uma fábrica, não se produz alimentos, não se constrói ou mantém qualquer nação!

Diante desta inarredável lei da física e seus desdobramentos, cumpre verificar que a principal fonte de energia da humanidade na era contemporânea tem sido os combustíveis fósseis. Inicialmente o carvão mineral e posteriormente o petróleo.

Percebeu-se, no entanto, que tal matriz energética, absolutamente necessária, apresenta duas graves desvantagens: é uma fonte finita e é enormemente poluidora, causa de graves mudanças no clima e desastres ecológicos.

Embora o homem venha insistindo em ignorar a segunda desvantagem, a primeira delas tornou-se evidente. O ocaso dos combustíveis fósseis determinou o incremento da ação militar nas regiões produtoras de petróleo (afinal, sem energia não se mantém uma nação) e países que não puderam optar por esta via estão literalmente desesperados, embora sem o demonstrar, em busca de uma alternativa que os mantenha vivos quando, num futuro próximo, os últimos barris tenham como destino os países que mantém suas bases militares nas regiões produtoras, e só para estes, evidentemente.

Neste contexto, infere-se, de início, que o preço do barril do petróleo não é composto pelos custos da produção, e sim, primeiramente, por injunções políticas centrais de soberania nacional, que envolvem intervenções bélicas e seus ressarcimentos, e somente secundariamente pela oferta e demanda. De qualquer forma, todos os fatores apontam para a vertiginosa alta do preço do produto, com o aumento dos custos militares, aumento da demanda (China e Índia à frente) e declínio da oferta, com o exaurimento das reservas.

Não se deve olvidar, porém, que o petróleo tem um valor intrínseco maior do que qualquer quantificação monetária do preço do barril, pois se trata de um produto estratégico, imprescindível para a sobrevivência nacional num prazo em torno de duas décadas!

Ou seja, por ser o bem uma fonte de energia, sem a qual não se produz trabalho, inexoravelmente teremos que obtê-lo. Noutro enfoque, por mais estratosférico que seja o preço do barril, não poderemos vendê-lo, pois de nada adiantaria o dinheiro recebido se toda a atividade produtiva restar paralisada, a começar pelos meios de transporte. Isto se dá porque é a energia que move o mundo, e não o dinheiro, como se costuma afirmar. Este sem aquela não passa de ouro de tolo.

De todo modo, a evidência da alta dos preços importa em aumento do custo de seus derivados, que ficarão inacessíveis para grande parte da população. Além disto, os gastos para obtê-lo comprometerão o mercado de consumo e as reservas dos entes da federação, acarretando também uma prostação em tudo contrária ao desenvolvimento nacional.

Em contrapartida, sendo o país temporariamente auto-suficiente em combustíveis fósseis ou seus substitutos de origem vegetal, caberiam medidas econômicas para adequar os preços à realidade nacional, ao custo da produção e à própria possibilidade de vida do povo. Caso não disponha dessas reservas, tal não poderá ser feito. A supressão das reservas é um gravíssimo fato de natureza geopolítica.

Em relação aos substitutos de origem vegetal – energia da Biomassa – é importante ressaltar que embora o Brasil seja o único país do mundo, como o continente dos trópicos, capaz de dar uma solução ermanente e limpa, equacionando as desvantagens dos combustíveis fósseis – sua finitude e emissão de gases causadores do efeito estufa -, a nível mundial, isto exige um período de transição de cerca de duas décadas, para realizar os ajustes da estrutura econômica, tecnológica e social(1), condizentes com esta nova forma energética, predominante após a almejada transição. Este é precisamente o período garantido pelas reservas de petróleo conhecidas no Brasil. Qualquer redução nestas reservas comprometeria seriamente o futuro do país.

Deste modo, o efetivo controle da República Federativa do Brasil sobre nossas reservas petrolíferas é vital não só em relação ao petróleo em si, com seus aspectos econômicos envolvidos, mas principalmente como condição para guiar e assenhorar-se do nosso destino, assentado nos fundamentos insculpidos no art. 1º do Texto Maior, da soberania, cidadania e dignidade da pessoa humana.

Afora isto, impensável que atinjamos nossos objetivos fundamentais, expressos no art. 3º da Constituição Federal, de construir uma sociedade livre, justa e solidária, com o desenvolvimento garantido, a pobreza, marginalização e desigualdades regionais erradicadas, e o bem de todos promovidos empiricamente, sem que as condições materiais para tanto nos sejam fornecidas. O acesso a uma fonte de energia é a principal delas. Seria uma afronta que justamente o Brasil se tornasse mais um país dependente nesta área, justamente o que a Lei 9.478/97 está a promover!

IV. – Da Inconstitucionalidade dos Dispositivos Impugnados.

IV.1. – Da Inconstitucionalidade da expressão “conferindo-lhe a propriedade desses bens, após extraídos,” constante do art. 26, caput, da Lei Nº 9478/97.

É de uma clareza ofuscante a inconstitucionalidade da expressão supra, constante da lei em exame. De uma só pena põe abaixo uma das maiores lutas cívicas do país, que teve vários anos de duração e representou uma das maiores conquistas do seu povo, ao fazer inserir na ordem jurídica pátria o monopólio do petróleo, hoje previsto no art. 177 da Constituição vigente, assim redigido, in verbis:

“Art. 177. Constituem

monopólio da União:

I – a pesquisa e a lavra das jazidas de petróleo e gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos;

II – a refinação do petróleo nacional ou estrangeiro;

III – a importação e exportação dos produtos e derivados básicos resultantes das atividades previstas nos incisos anteriores;

IV – o transporte marítimo do petróleo bruto de origem nacional ou de derivados básicos de petróleo produzidos no País, bem assim o transporte, por meio de conduto, de petróleo bruto, seus derivados e gás natural de qualquer origem;

V – (…) omissis

§ 1º A união poderá contratar com empresas estatais ou privadas a realização das atividades previstas nos incisos I a IV deste artigo, observadas as condições estabelecidas em lei.

§ 2º A lei a que se refere o § 1º disporá sobre:

I – a garantia do fornecimento dos derivados de petróleo em todo território nacional;

II – as condições de contratação;

III – a estrutura e atribuições do órgão regulador do monopólio da União.”

O termo monopólio tem um sentido unívoco que condiz com a exclusividade na titularização de um produto ou serviço. Ora, a partir do momento que o art. 26 da Lei nº 9478/97 confere a titularidade do petróleo extraído a pessoa diversa da União, está se diante da quebra pura e simples do monopólio, insculpido na Constituição, pois haverá mais de uma pessoa comercializando o produto, a título próprio.

Neste sentido, quisesse o Constituinte desprestigiar o monopólio no setor de petróleo, simplesmente excluiria os incisos I a IV do art. 177 da Constituição Federal, remanescendo exclusivamente para o setor nuclear, que é previsto no inc. V do mesmo artigo.

Nesta hipótese argumentativa, o regime aplicável ao setor petrolífero seria o mesmo do art. 176, que expressamente consigna: “garantida ao concessionário a propriedade do produto da lavra”, e a expressão combatida do art. 26 da Lei 9.478/97 nada acrescentaria ao regime.

Não foi isto o que ocorreu. Justamente por cuidar de um bem vital para a sobrevivência da nação – nada se move, nada se transforma sem energia – o monopólio do setor do petróleo foi preservado. Assim, a leitura do §1º do sobredito dispositivo constitucional deve ser feita em consonância com o caput, para se extrair o sentido exato do texto, a vontade da Constituição.

Uma vez fixado isto, claramente se percebe que a expressão legal que confere a propriedade deste recurso energético ao explorador exorbita do texto constitucional, em ponto em que as idéias de restrição, de preservação, são os valores mais importantes.

Poder-se-ia argumentar que a titularidade do petróleo ou gás natural está sendo conferida como remuneração das atividades de exploração, desenvolvimento e produção. Isto, de início, revela o erro de procurar-se interpretar a Constituição a partir da lei, e mesmo assim não conduziria à constitucionalidade desta titularização legal, pois remanesce a violação ao sentido do termo monopólio constitucionalmente instituído.

Ademais, vale lembrar que não é correto vincular-se a remuneração das citadas atividades com o preço do petróleo no mercado mundial, pois tal preço é completamente desvinculado do que seria o seu custo de produção, mais o lucro normal de uma atividade produtiva, estando fixado muito acima disto, como já ressaltado.

Assim, uma interpretação que parta da Constituição Federal, procurando harmonizar a regra do caput com o seu § 1º, necessariamente conduziria à permissão da União contratar empresas estatais ou privadas para executar as atividades do setor de petróleo, devendo remunerá-las com valores justos, sem, entretanto, entregar o petróleo retirado do subsolo, no caso da produção petrolífera, como forma de pagamento das atividades exercidas, pois isso retira a titularidade da União sobre tal bem, transferindo à empresa o almejado benefício que este monopólio deveria representar.

Assinala-se que o artigo 177 da Constituição Federal deve ser interpretado em ligação com o artigo 20, incisos V e IX do mesmo Diploma, normas que declaram pertencer à União “os recursos minerais, inclusive do subsolo” e “os recursos naturais da plataforma continental e da zona exclusiva”. Portanto, para que a União pudesse transferir a outrem a propriedade desses bens, teria que haver uma expressa exceção ou ressalva no próprio texto constitucional, o que não ocorre no art. 177, mas apenas no art. 176.

Neste sentido, não há compatibilização possível entre a expressão combatida e o regime instituído pela Constituição para o estratégico setor do petróleo. Como única alternativa resta extirpar aquela do ordenamento jurídico, declarando sua inconstitucionalidade, com o que se estará zelando pela Constituição.

É o que se requer.

IV.2. – Da Inconstitucionalidade do § 3º do art. 26 da Lei Nº 9478/97.

Determina o art. 177, § 2º, I, da Constituição:

“Art. 177. (…) omissis:

§ 2º. A lei a que se refere o § 1º disporá sobre:

I – a garantia do fornecimento dos derivados de petróleo em todo território nacional;

O preceito constitucional determina ao legislador ordinário a expedição de comando normativo que assegure a plena eficácia das normas constitucionais que visam resguardar o monopólio do setor petrolífero.

Por sua vez, o § 3º do art. 26 da Lei Nº 9.478/97, a seguir transcrito, traduz uma conduta negativa da administração, significando descaso com a garantia e eficácia das normas constitucionais, portanto passível de ação direta de inconstitucionalidade.

“§ 3º Decorrido o prazo estipulado no parágrafo anterior sem que haja manifestação da ANP, os planos e projetos considerar-se-ão automaticamente aprovados.”

O prazo legal aludido no parágrafo é de 180 dias. Referido dispositivo legal cuida da aprovação tácita dos planos e projetos de desenvolvimento e produção do bloco que couber ao concessionário. Atribuir ao silêncio da administração o efeito deferidor da pretensão do administrado, afastando a necessidade de pronunciamento expresso em matéria tão especial, que teve do Poder Constituinte regramento diferenciado, no qual as idéias de preservação e restrição são as mais importantes, é uma consequência por demais grave para assunto desta magnitude, e a sua disciplina contraria os princípios contitucionais da soberania (arts. 1º, I e 170, I, CF) e da garantia do desenvolvimento nacional (art. 3º, II, CF), para ficar apenas em dois exemplos.

Além disto, vislumbra-se que o monopólio e controle da União, previstos na Constituição, tornam-se letra morta por uma circunstância tão comum como a passagem do tempo, que pode, inclusive, estar ligada à desídia de algum funcionário.

Assim, tem-se uma afronta que, na realidade, acarreta uma sanção muito dura para o povo brasileiro, que não pode arcar com tamanho ônus. Caso se verifique desídia na análise dos ditos planos e projetos, que se usem dos meios administrativos para responsabilizar-se o funcionário e movimentar o processo. Em não havendo tal sorte de responsabilidade, restará ainda mais claro o despropósito da aprovação automática.

O parágrafo ora impugnado também deve ser extirpado do ordenamento jurídico pátrio, por não se coadunar com o regime constitucional que reconhece a imprescindibilidade do bem, principal matriz energética da era contemporânea, tratando-o como um pleito administrativo qualquer.

IV.3. – Da Inconstitucionalidade dos arts. 28, I e II, 37, I e Parágrafo único, 43, II e Parágrafo único, Parágrafo único do art. 51 e art. 60 da Lei nº 9.478/97.

Para a análise que se segue, vale repisar o teor do art. 177, caput e seu § 2º, I, da Constituição Federal, abaixo transcrito:

“Art. 177. Constituem monopólio da União:

I – (…) omissis

§ 2º. A lei a que se refere o § 1º disporá sobre:

I – a garantia do fornecimento dos derivados de petróleo em todo território nacional;

Da dicção do comando constitucional supra se percebe: i) o tratamento especial reservado ao setor do petróleo, instituído o regime de monopólio e; ii) o suprimento nacional dos derivados de petróleo há de ser garantido, criando-se o mecanismo legal a isto inerente.

Como o petróleo é um bem finito, a garantia de suprimento de seus derivados, exigida constitucionalmente e instrumentalizada legislativamente, estender-se-á até o fim de sua reservas. Esgotadas estas, a norma constitucional perde a eficácia, o seu próprio campo de aplicação.

Pois bem, é de rigor que se emprestem às normas constitucionais a maior eficácia possível. Traduzindo-se isto para o dispositivo enfocado, há que se entender que esta garantia de fornecimento, constitucionalmente determinada, deve-se referir ao maior período de tempo possível, pois só assim atender-se-á eficientemente ao comando constitucional, atribuindo-se a maior duração possível da eficácia da norma. Menos do que isto é desobedecer a Constituição.

Assim, não atende o comando constitucional a norma que garanta o suprimento de derivados de petróleo por um dia, um mês ou um ano, mas sim aquela que o garanta pelo maior prazo possível, ou o mais próximo disto.

Para fazê-lo, deve-se principiar por queimar-se o mínimo possível as reservas nacionais de petróleo. Possível fosse desconsiderar qualquer outro fator, tal seria proporcionado pela aquisição, no estrangeiro, do petróleo de hoje, para garantir-se o de amanhã com a produção interna.

No entanto, não é esta a realidade, seja pela impossibilidade de a nação despender vultosas quantias para adquirir tal bem, seja pelo cenário externo desfavorável, com grande beligerância e escassez de oferta. Deste modo, a única saída para o Brasil é a utilização de suas próprias reservas.

Uma vez então configurada a imperiosidade de valermo-nos de nossas reservas, tal deverá ser feito de forma racional, gastando-se o mínimo possível delas, para se atender ao disposto no § 2º, I, do art. 177 do Texto Maior.

Assim, o comando constitucional de garantia, pelo maior prazo possível, do suprimento dos derivados de petróleo no território nacional só será atendido com o equilíbrio entre a produção e a demanda, de maneira que a primeira supra a segunda, com certa margem de segurança, e não mais do que isto. Esta situação denomina-se auto-suficiência.

Desta forma, o comando supra mencionado impõe, e o cenário externo recomenda, que a nação permaneça nesta situação favorável pelo máximo período de tempo, pois a partir do momento que nossas reservas não permitirem mais uma produção equivalente à demanda, voltaremos a depender do mercado externo, não submetido ao ordenamento jurídico pátrio e ao comando supra mencionado.

Neste sentido, quanto maior o desequilíbrio entre a produção e a demanda, menor a eficácia do comando que visa garantir, pelo maior prazo possível, o suprimento dos derivados de petróleo no território nacional.

Isto porque, caso a produção sobrepuje a demanda, haverá uma diminuição mais rápida das nossas reservas, com proporcional redução do período de auto-suficiência e menor eficácia temporal do comando constitucional, pois abreviado o retorno à dependência externa.

Por outro lado, caso a demanda sobrepuje a produção, o aspecto temporal da eficácia do comando constitucional seria elastecido, mas o prejuízo recairia sobre o aspecto material, eis que sempre existiria a dependência do mercado externo, não abarcado pela Constituição da República Federativa do Brasil, e não se poderia garantir em nenhum momento o fornecimento da parcela faltante destes derivados no território nacional.

Destarte, evidencia-se que o equilíbrio entre a produção e a demanda interna é a única forma de dar maior e integral eficácia ao comando constitucional do § 2º, I, do art. 177 da Constituição Federal, que de forma precavida manda garantir o suprimento deste imprescindível bem para a economia mundial, nacional, estadual, distrital e municipal.

Fixado isso, passa-se à análise dos artigos mencionados, e verifica-se que todos eles ignoram esta questão, quando não poderiam sem violar a Constituição, e ainda, não se contentando com isto, inadvertidamente compelem ao desequilíbrio entre a produção e a demanda, restringindo a eficácia da norma constitucional, de espécie diversa das que admitem tal proceder legislativo.

O art. 28, I, cuida das hipóteses de extinção dos contratos de concessão e tem a seguinte redação:

“Art. 28. As concessões extinguir-se-ão:

I – pelo vencimento do prazo contratual;”

Ao prever a extinção do contrato pelo decurso do prazo, sem qualquer ressalva ou combinação de fatores, a lei 9.478/97 trata o petróleo como qualquer outro produto ou serviço, olvidando-se da essencialidade do bem para os interesses pátrios e sua posição de destaque no corpo constitucional, ignorando por completo a determinação de garantia do suprimento dos seus derivados em todo o território nacional.

Não se pretende negar, obviamente, a imprescindibilidade do estabelecimento de prazo num contrato de concessão, mas sim demonstrar que este mesmo prazo isolado, natural em outros contratos, pode vir a afrontar o disposto no § 2º, I, do art. 177, da Constituição Federal.

Isto porque, ao determinar a extinção da concessão ao fim de determinado período, a norma legal traz ínsita a idéia de que o concessionário deverá explorar a atividade neste período de tempo, sob pena de não tirar o proveito máximo do capital investido.

Neste desiderato, estará em última análise produzindo independentemente da relação com a demanda interna, o que contraria o comando que visa garantir o suprimento dos derivados do petróleo pelo maior período de tempo possível, pelo simples fato de que, atendida temporariamente a demanda interna, só restará a exportação como saída para o aproveitamento do conteúdo do contrato durante todo o seu prazo, e então teremos diminuída a eficácia temporal da norma insculpida no § 2º, I, do art. 177, do Texto Maior.

Mas, como já dito, a demanda interna pode ser suprida por um momento, mas não o será para sempre, e então este mesmo petróleo que a lei compele o concessionário a exportar, fará falta num momento futuro, gerando a dependência externa, num período de maior escassez, maiores preços, ou quiçá no próprio ocaso! Nada mais contrário ao comando constitucional enfocado do que comprometer estupidamente as nossas reservas petrolíferas, essenciais para a almejada e necessária transição para os combustíveis líquidos vegetais.

E note-se que a simples denegação da autorização para exportação, exigida no art. 60 da lei em tela, esvaziaria o conteúdo econômico do contrato, procedimento vedado, a exigir indenização ao concessionário. Neste caso, o comando do § 2º, I, do art. 177 seria obedecido, mas, em última análise, pagaríamos para nossas reservas ficarem onde estão!

Por conta disto, tal artigo de lei deve ter a inconstitucionalidade reconhecida e declarada. (Poder-se-ia pensar que tal se desse sem a redução de texto, desde que para extirpar qualquer interpretação que force o concessionário a exportar petróleo, como forma de aproveitar o conteúdo econômico do contrato).

A norma do art. 28, III, da Lei 9.478/97 tem a seguinte redação:

“Art. 28. As concessões extinguir-se-ão:

III – pelos motivos de rescisão previstos em contrato;”

Ao prever uma cláusula aberta deste tipo, o dispositivo mencionado coloca-se em choque com o regime do monopólio estatal, possibilitando que cláusulas com a mesma idéia do tópico anterior permeiem o contrato de concessão deste bem que, de tão essencial, conduz à guerra milhares de jovens para garantir seu suprimento à algumas das nações não produtoras.

Assim é que, novamente, ao não fazer qualquer ressalva, o comando legal permite que todos os contratos contenham cláusulas com prazos limites para início e fim de todas as etapas do processo extrativo, sob pena de extinção da concessão – como de fato têm acontecido – compelindo à produção e comercialização do bem, independentemente de haver ou não mercado interno.

Ou seja, uma vez mais a lei impõe como única saída a exportação, caso temporariamente – por se tratar de um bem finito -, auto-suficiente o mercado interno.

Desta forma, o regime resultante desta Lei é justamente o contrário do constitucionalmente previsto, com o monopólio das atividades relacionadas ao setor do petróleo e à “garantia do fornecimento dos derivados do petróleo em todo território nacional” (art. 177, § 2º, I), pelo maior tempo possível, para se emprestar à norma a máxima eficácia.

A Constituição Federal, quando determina que a lei disporá sobre a garantia do fornecimento, deixa claro que o bem é essencial para o desenvolvimento da nação, daí não compactuar com sua falta. A lei, no entanto, além de não criar nenhum mecanismo seguro para evitar mal tão grave, inadvertidamente compele o esgotamento das reservas, por determinar que se explore os blocos concedidos, seja qual for o cenário interno ou externo!

Por conta disto, também este artigo legal padece de inconstitucionalidade, a ser reconhecida e declarada por este Excelso Pretório.

O art. 37, I, e seu parágrafo único, da lei mencionada, têm a seguinte redação:

“Art. 37. O edital de licitação será acompanhado da minuta básica do respectivo contrato e indicará, obrigatoriamente:

I – o bloco objeto da concessão, o prazo estimado para a duração da fase de exploração, os investimentos e programas exploratórios mínimos

Parágrafo único. O prazo de duração da fase de exploração, referido no inc. I deste artigo, será estimado pela ANP, em função do nível de informações disponíveis, das características e da localização de cada bloco.”

Neste ponto, mais uma vez, vê-se o estabelecimento de prazo sem qualquer ressalva relativa à demanda interna, apta a preservar os interesses nacionais e garantir o suprimento dos derivados do bem. Isto causa um choque tão violento com o disposto no § 2º, I, do art. 177 da Constituição Federal que até mesmo a Petrobrás – Petróleo Brasileiro S.A. – teria que passar à fase de produção, subsequente a da exploração (conforme art. 24, da Lei em exame), para não perder o contrato de concessão.

Por conta disto, tal dispositivo legal também é inconstitucional, por ferir o comando do § 2º, I, do art. 177 da Lei Maior.

O art. 43, II, e seu Parágrafo único, assim dispõem:

“Art. 43. O contrato de concessão deverá refletir fielmente as condições do edital e da proposta vencedora e terá como cláusulas essenciais:

I – a definição do bloco objeto da concessão;

II – o prazo de duração da fase de exploração e as condições para a sua prorrogação.

Parágrafo único. As condições contratuais para prorrogação do prazo de exploração, referidas no inciso II deste artigo, serão estabelecidas de modo a assegurar a devolução de um percentual do bloco, a critério da ANP, e o aumento do valor do pagamento pela ocupação da área, conforme disposto no parágrafo único do art. 51.”

Da mesma forma que o art. 37, I, o artigo supra transcrito também prevê um prazo para fim da fase de exploração e início da fase de produção e desenvolvimento. Embora faça uma salutar ressalva, remetendo às condições para prorrogação, no seu Parágrafo único impõe desvantagens econômicas a tal expediente, novamente forçando a exploração máxima das reservas, durante o prazo da concessão, sem se preocupar com a garantia do suprimento dos derivados e ignorando por completo a essencialidade do bem, objeto de tratamento especial pela Constituição Federal, e de guerras cruentas em regiões produtoras.

Nesta linha de idéias, o Parágrafo único do art. 51, abaixo transcrito, só complementa a idéia de maiores ônus econômicos para a prorrogação, reforçando o regime de aproveitamento máximo e rápido das reservas, como se fosse o petróleo um bem perecível! Pereceremos nós se não o tivermos em médio prazo!

“Art. 51. O edital e o contrato disporão sobre o pagamento pela ocupação ou retenção da área, a ser feito anualmente, fixado por quilômetro quadrado ou fração de superfície do bloco, na forma da regulamentação por decreto do Presidente da República.

Parágrafo único. O valor do pagamento pela ocupação ou retenção de área será aumentado em percentual a ser fixado pela ANP, sempre que houver prorrogação do prazo de exploração.

Ou seja, o dispositivo legal em tela também obriga o aproveitamento rápido das reservas, pois a prorrogação acarretará maiores ônus. Assim, novamente a saída para contornar este entrave será a exportação do bem, com a diminuição suicida de nossas reservas. Isto é uma afronta à inteligência do nosso povo, ao regime constitucionalmente previsto no art. 177 e ao disposto no seu § 2º, I.

Por conta disto, tais dispositivos violam a Constituição Federal, em ponto de essencialidade tão fundamental (art. 177, caput, incs. I a IV e §§, que garante as condições materiais para a observância dos seus fundamento e a consecução de seus objetivos fundamentais.

IV.4. – Da Inconstitucionalidade do art. 60 da Lei Nº 9.478/97.

O art. impugnado tem a seguinte redação:

“Art. 60. Qualquer empresa ou consórcio de empresas que atender ao disposto no art. 5º poderá receber autorização da ANP para exercer a atividade de importação e exportação de petróleo e seus derivados, de gás natural e condensado.

Parágrafo único. O exercício da atividade referida no caput deste artigo observará as diretrizes do CNPE, em particular as relacionadas com o cumprimento das disposições do art. 4º, da Lei 8.176, de 8 de fevereiro de 1991, e obedecerá às demais normas legais e regulamentares pertinentes”.

Tal artigo de lei comete à ANP a competência de expedir autorização para a exportação de petróleo. Embora só difícil vislumbrar a razoabilidade de exportá-lo, o fato é que tal tema cinge-se a uma questão de Estado – e o conflito bélico no Oriente Médio confirma tal assertiva – e por isto só poderia ser decidida neste ambiente, e não num ambiente técnico como o da ANP.

Ou seja, somente o representante máximo da nação, ou o Ministro da área, com delegação específica, poderia decidir tema tão crucial, pois envoltos nas injunções políticas de soberania e sobrevivência nacional, ao contrário do que se passa no autarquia da ANP, sem qualquer demérito a esta, por simplesmente não se incumbir de questões desta grandeza.

Por isto que não se coaduna com o regime de monopólio, instituído no art. 177 da Constituição justamente por reconhecer a importância estratégica de tal bem – matriz energética da nossa era – deferir-se o poder à autarquia acerca de decisão sobre questão que envolve a própria soberania nacional.

Assim, também a inconstitucionalidade de tal dispositivo deverá ser reconhecida.

V – Da Necessidade de Concessão de Medida Cautelar no Bojo desta Ação.

V.1. – Da Plausibilidade Jurídica.

A plausibilidade jurídica do pedido de declaração de inconstitucionalidade é cristalina, mormente em relação à expressão contida no art. 26 da Lei Nº 9478/97, que confere a titularidade do petróleo extraído ao concessionário, em direta afronta ao caput do art. 177 da Constituição Federal, que estabelece o monopólio da União. Não há monopólio com mais de um titular!

Quanto aos demais artigos mencionados, a plausibilidade jurídica da tese invocada demanda o conhecimento de alguns fatores extra-jurídicos, de crucial importância para a humanidade. A atual conjuntura internacional, no entanto, com o recrudescimento das intervenções bélicas nas regiões ricas em petróleo, facilita a percepção da finitude próxima da matriz energética atual, de maneira que os dispositivos legais combatidos, ao estabelecerem um ritmo frenético de exploração e produção, independentemente da demanda interna, mostram-se contrários ao disposto no § 2º, I, do art. 177 da Constituição Federal, que determina a garantia de fornecimento dos derivados de petróleo em todo o território nacional – e tal só pode ser pelo maior tempo possível -, e do próprio regime constitucional monopolista, expressão da importância e necessidade de preservação de tal bem.

Também o art. 60, ao deferir à ANP a competência para autorizar exportação do produto, não vê o petróleo como uma “questão de Estado”, ao contrário do constitucionalmente previsto.

V.2. – Do Perigo de Ineficácia de um Provimento dado somente ao Final.

Ante a crucialidade do petróleo para a sobrevivência a curto prazo do Brasil como nação digna e soberana, inviável que o regime da Lei Nº 9.478/97 seja mantido enquanto a presente ação aguarda seu julgamento. Até isto ocorrer, pela assoberbação da pauta deste Pretório Excelso, as consequências danosas do tratamento a tal bem pela Lei serão irreversíveis.

Com efeito, tal Lei, grosso modo, trata o petróleo como se fosse um bem perecível, e não um bem estratégico, determinando sua exploração rápida e eficaz, o quanto antes, obrigando inclusive a exportação do mesmo, sob pena de se extinguir o contrato ou se esvaziar o seu conteúdo econômico.

Assim, enquanto esta ação aguardaria seu julgamento, o petróleo, essencial às nossas justas expectativas de atingirmos os objetivos fundamentais previstos no art. 3º da Constituição da República, estará sendo extraído e exportado, comprometendo nossas reservas, tão necessárias num futuro próximo de débâcle.

Sem o acesso a esta matriz energética base de nossa produção e de nossa tecnologia, não haverá mais atividade no País e será obstado o caminho de transição para o controle nacional de uma fonte de energia limpa e renovável, capaz de suprir o mundo e equacionar o problema da poluição, fazendo grassar aqui a nação mais generosa e esplendorosa da Terra, lastreada nos princípios fundamentais de sua Constituição!

Veja-se que a tão esperada auto-suficiência, prestes a ser alcançada, não poderá ser mantida por muito tempo, diminuído proporcionalmente a cada gota de petróleo exportado.

Por outro lado, o perigo é cada vez mais evidente, conforme se recrudescem os conflitos bélicos em torno deste bem estratégico, inclusive com intervenções militares dantes nunca vistas.

Não se pretende valer-se de um argumento ad terrorem, mas simplesmente realçar a importância vital do petróleo, ao ponto de fazer nações constitucionalmente pacíficas, como o Japão, enviarem tropas para a zona de beligerância, justamente para buscarem fazer parte do seleto grupo de países que receberão o suprimento da matriz energética quando a escassez aprofundar-se.

Assim, a República Federativa do Brasil, por seus poderes constituídos, não pode permitir que o regime da Lei combatida persevere, inclusive em relação aos novos blocos, em vias de licitação, que terá este mesmo regime nefasto aos objetivos do País, com maiores dificuldades de reversão após o leilão ou após as respectivas assinaturas dos contratos, geralmente ocorridas no mês subsequente.

Neste sentido, merece transcrição a frase dita na imprensa pelo Brigadeiro Sérgio Xavier Ferolla, ex-presidente do Egrégio Supremo Tribunal Militar:

“Numa situação de grande tensão mundial, com crescente escassez de petróleo, no futuro as Forças Armadas brasileiras não terão o poder de dissuasão para evitar que plataformas de petróleo operadas por empresas estrangeiras, em nosso mar territorial, entreguem suas produções para petroleiros que as levem diretamente para o exterior.

Tal assertiva, feita por um militar da mais alta patente, conhecedor das questões jurídicas, demonstra quanto mais difícil será a necessária reversão deste regime inconstitucional, quanto mais passar o tempo, para não se falar no perigo real de não se poder fazer cumprir uma decisão neste sentido, por cuidar de um bem vital para a sobrevivência das nações, que procurarão garantir seu suprimento, não importando os custos diplomáticos ou militares, como já visto alhures e com forte tendência a piorar.

Ademais, o próprio termo medida cautelar, aqui requerida, invoca a noção de resguardo, de proteção a um bem, que não pode perecer durante a tramitação do processo. Este bem, no caso, é a própria razão de ser do Supremo Tribunal Federal e da República Federativa do Brasil, insculpidos nos princípios fundamentais da Constituição Federal, referentes à soberania e dignidade da pessoa humana – que somente será digna se houver condições materiais para tanto – mesmo requisito para se atingir os objetivos fundamentais de formar aqui uma nação livre, justa, solidária, desenvolvida, rica e bem aventurada!

A não concessão da cautelar, com a conseqüente manutenção do regime combatido da Lei Nº 9.478/97, colocaria óbice intransponível para o atingimento dos fins últimos do Estado, ao minar a matriz energética protegida constitucionalmente, que alimentaria o motor da grande transformação do País rumo a uma nação da mais alta grandeza.

A concessão da medida cautelar, por outro lado, resguardaria a República Federativa do Brasil de uma situação extremamente difícil de ser revertida num futuro próximo, ao profligar do regime da Lei combatida a transferência de titularidade da matriz energética, prevista no art. 26, caput, bem como o inexorável escoamento das reservas para o exterior, em decorrência da breve auto-suficiência do mercado interno aliada à obrigação de produção imposta sem ressalvas aos concessionários.

VI – Dos Pedidos.

Por todo o exposto, é a presente Ação Direta de Inconstitucionalidade para requerer a urgente concessão de medida cautelar, tendo-se em vista a quase imediata realização do 6º leilão de área de exploração de petróleo, para retirar a eficácia da expressão “conferindo-lhe a propriedade desses bens, após extraídos“, constante do caput do art. 26 da Lei Nº 9.478, de 6 de agosto de 1997, por afronta ao art. 177, caput, da Constituição Federal, e dos artigos dos arts. 28, I e III, 37, I, segunda parte, e seu parágrafo único, 43, II e seu Parágrafo único e Parágrafo único do art. 51 da referida lei, por imporem à necessidade de exportação do petróleo produzido como única saída do concessionário para o aproveitamento do contrato, em detrimento da garantia de fornecimento para o território nacional, por afronta ao art. 1º, 3º, 23, I e X e 177, caput e § 2º, I, do Texto Maior.

Requer-se, ao final, seja a presente ação conhecida e julgada procedente para declarar inconstitucional a expressão “conferindo-lhe a propriedade desses bens, após extraídos”, constante do caput do art. 26 da Lei Nº 9.478, de 6 de agosto de 1997, por violação direta ao art. 177, caput e incisos I a IV da Constituição da República Federativa do Brasil, bem como aos Princípios Fundamentais da mesma, insculpidos nos arts. 1º e 3º.

Requer-se, ademais, seja declarado inconstitucional o § 3º do art. 26 da referida lei, por violação ao princípio da razoabilidade e ao regime de preservação que o art. 177, caput e incisos I a IV da Constituição da República Federativa do Brasil reserva à matriz energética petróleo.

Requer-se, ainda, sejam declarados inconstitucionais os arts. 28, I e III, 37, I, segunda parte, e seu parágrafo único, 43, II e seu Parágrafo único e Parágrafo único do art. 51, todos da Lei Nº 9.478/97, por violação ao disposto no § 2º, I, do art. 177 da Constituição Federal, que cuida da garantia de suprimento de tal bem em todo o território nacional, em atendimento aos fundamentos e objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil.

Requer-se, por fim, seja declarada a inconstitucionalidade do art. 60, caput, da combatida lei, que defere competência à ANP para a autorização de exportação do petróleo, em total descompasso com o reconhecimento constitucional de tal bem como estratégico para a nação.

Termos em que,

pede deferimento.

Curitiba, 06 de agosto de 2004.

Roberto Requião de Mello e Silva

GOVERNADOR DO ESTADO DO PARANÁ

Sergio Botto de Lacerda

PROCURADOR GERAL DO ESTADO

Clèmerson Merlin Clève

PROCURADOR DO ESTADO

Nota de rodapé:

1.Interessante como a exploração da Biomassa poderá representar o fim do desemprego, do conflito agrário, além da diminuição das grandes aglomerações urbanas, com a violência a isto inerentes, para não se falar no aspecto mais evidente da geração de riquezas.

Conheça a Representação

EXCELENTÍSSIMO SENHOR PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA

ROBERTO REQUIÃO DE MELLO E SILVA, Governador do Estado do Paraná, assistido pelo Procurador-Geral do Estado e por Procurador do Estado, ao fim assinados, vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, com fulcro nos artigos 103, inciso V; 127, caput e 129, inciso II todos da Constituição Federal, bem como nos artigos 5.º, incisos I, II e II; 6.º, inciso I e artigo 46, parágrafo único, inciso I da Lei Complementar n.º 75 de 20 de maio de 1993, apresentar a presente REPRESENTAÇÃO para propositura da respectiva AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE com pedido de concessão de medida cautelar liminar visando a proteção de interesses sociais e direitos constitucionais violados em dispositivos da Lei Federal n.º 9478 de 06 de agosto de 1997 e nas políticas públicas daí decorrentes, conforme se passa a expor.

1. NOTA PRELIMINAR

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade com pedido de concessão de medida cautelar liminar contra os artigos 26 e 60 da Lei n.º 9478 de 1997 (“Lei do petróleo”) que estão em confronto com princípios fundamentais da República Federativa do Brasil, como a soberania (art. 1.º, inciso I), a garantia do desenvolvimento nacional (art. 3.º, inciso II), bem como com os princípios setoriais gerais da atividade econômica dispostos na Constituição Federal, em especial, os artigos 170, inciso I; 175, caput; 172, incisos I, II e III, § 1.º e 2.º, incisos I, II e II, além do disposto no artigo 219, todos dispostos no Diploma Fundamental.

A Lei n.º 9478 de 1997 veio regulamentar a política energética nacional e as atividades relativas ao monopólio do petróleo, para o que instituiu o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) e a Agência Nacional do Petróleo (ANP), em atendimento ao disposto na Emenda Constitucional n.º 9 de 09 de novembro de 1995 que, no ensejo da reforma estatal fomentada pelo Poder Executivo em tal período, conferiu a seguinte redação ao artigo 177 da Constituição Federal:

“§ 1.º A União poderá contratar com empresas estatais ou privadas a realização das atividades previstas nos incisos I a IV deste artigo, observadas as condições estabelecidas em lei;

§ 2.º A lei a que se refere o 1.º disporá sobre:

I – a garantia do fornecimento dos derivados de petróleo em todo o território nacional;

II – as condições de contratação;

III – a estrutura e atribuições do órgãos regulador do monopólio da União.”

Em face do sistema constitucional, fundamento de validade de todo o ordenamento jurídico, o conjunto normativo resultante da atividade do legislador ordinário não pode, sob pena de nulidade, afrontar as premissas originárias do Estado Democrático de Direito instituído. Não se trata de mera inconstitucionalidade formal, mas sim de gravíssima afronta material desafiadora de censura da Excelsa Corte Suprema no exercício da jurisdição constitucional.

Como é sabido, a Constituição Federal, em seu artigo 103, inciso V, possibilitou aos governadores de Estado participarem no controle abstrato de constitucionalidade através da legitimação ativa, o que, entretanto, deve ser realizado desde que haja pertinência temática entre os interesses do Estado e a inconstitucionalidade apontada. Diante disso, entende-se que em virtude da competência comum dos entes da federação de zelar pela guarda da Constituição e conservar o patrimônio público (art. 23, inciso I, CF), a pertinência temática estaria atendida para a propositura da ação direta de inconstitucionalidade diretamente pelo Governador. No entanto, tal não é o entendimento do Supremo Tribunal Federal, razão pela qual recorre-se Vossa Excelência para o aforamento da ação de inconstitucionalidade em questão.

2. PRINCÍPIOS GERAIS DA ATIVIDADE ECONÕMICA E EXPLORAÇÃO DE PETRÓLEO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

A finalidade precípua da ordem econômica na Constituição Federal esta definida com meridiana clareza no art. 170 da CF:

“Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

I – soberania nacional;”

Certas atividades econômicas (é o caso do petróleo), foram resguardadas pelo Constituinte devido à inegável relevância para a segurança nacional e o interesse coletivo:

“Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.”

(…)

“Art. 177. Constituem monopólio da união:

I – a pesquisa e a lavra das jazidas de petróleo e gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos;

II – a refinação do petróleo nacional ou estrangeiro;

III – a importação e expostação dos produtos e derivados básicos resultantes das atividades previstas nos incisos anteriores;

IV – o transporte marítimo do petróleo bruto de origem nacional ou de derivados básicos de petróleo produzidos no País, bem assim o transporte, por meio de conduto, de petróleo bruto, seus derivados e gás natural de qualquer origem;

V – a pesquisa, a lavra, o enriquecimento, o reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios e minerais nucleares e seus derivados.

§ 1.º A União poderá contratar com empresas estatais ou privadas a realização das atividades previstas nos incisos I a IV deste artigo, observadas as condições estabelecidas em lei.

§ 2.º A lei a que se refere o § 1.º disporá sobre:

I – a garantia do fornecimento dos derivados de petróleo em todo o território nacional;

II – as condições de contratação;

III – a estrutura e atribuições do órgão regulador do monopólio da União.”

O petróleo, enquanto fonte de energia das mais importantes, tem ligação direta com o desenvolvimento econômico.

“Art. 3.º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

II – garantir o desenvolvimento nacional;”

“Art. 219. O mercado interno integra o patrimônio nacional e será incentivado de modo a viabilizar o desenvolvimento cultural e sócio-econômico, o bem-estar da população e a autonomia tecnológica do País, nos termos de lei federal.”

A atividade petrolífera tem relevância para o interesse coletivo de desenvolver as potencialidades nacionais, além de garantir a necessária soberania do país. Diante disso, pode ser considerado patrimônio nacional irrenunciável.

3. O REGIME CONSTITUCIONAL DE ATIVIDADE ECONÔMICA DE PETRÓLEO DE MONOPÓLIO DA UNIÃO

O regime constitucional de monopólio da União é condizente com a absoluta necessidade do petróleo e a grave característica de finitude desta fonte energética. Diante disso, tratou o Constituinte de resguardar o desenvolvimento nacional destinado a exploração deste recurso ao atendimento da demanda no mercado interno.

Sabe-se que o petróleo é um produto estratégico para a soberania nacional face ao contexto internacional beligerante que o cerca. Disso resulta que o preço do barril de petróleo não é determinado pelos custos de produção, mas sim por injunções políticas instáveis e pela oferta e procura inversamente proporcionais no cenário geopolítico (crescente demanda de produto face ao vertiginoso declínio da oferta) .

Para o desenvolvimento nacional importa saber que a alta dos preços do petróleo repercute na alta do custo de seus derivados, nem sempre acessíveis à população mais carente. A ligação entre desenvolvimento nacional e monopólio do petróleo está estabelecida, de modo que torna-se inegável a necessidade de garantir uma exploração racional do recurso mineral para adequar os custos de sua produção à realidade pátria.

Eis a alma da proteção constitucional do monopólio petrolífero, resguardar o futuro do país de indiscriminada redução das reservas nacionais, que podem levar mais rapidamente à dependência externa em afronta à soberania.

Diante do regime constitucional do monopólio petrolífero, transparece a inconstitucionalidade dos dispositivos da Lei n.º 9478 de 1997 impugnados.

4. OFENSA AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS NA LEI N.º 9478 DE 1997

Transcreve-se os dispositivos em flagrante confronto com os princípios acima mencionados, destacando-se os pontos que desafiam a decretação de inconstitucionalidade.

Art. 26. A concessão implica, para o concessionário, a obrigação de explorar, por sua conta e risco e, em caso de êxito, produzir petróleo ou gás natural em determinado bloco, conferindo-lhe a propriedade desses bens, após extraídos, com os encargos relativos ao pagamento dos tributos incidentes e das participações legais ou contratuais correspondentes.

§ 1º Em caso de êxito na exploração, o concessionário submeterá à aprovação da ANP os planos e projetos de desenvolvimento e produção.

§ 2º A ANP emitirá seu parecer sobre planos e projetos referidos no parágrafo anterior no prazo máximo de 180 (cento e oitenta dias).

§ 3º Decorrido o prazo estipulado no parágrafo anterior sem que haja manifestação da ANP, os planos e projetos considerar-se-ão automaticamente aprovados.

Art. 28. As concessões extinguir-se-ão:

I – pelo vencimento do prazo contratual;.

II – pelo acordo entre as partes;

III – pelos motivos de rescisão previstos em contrato;

IV – ao término da fase de exploração, sem que tenha sido feita qualquer descoberta comercial, conforme definido no contrato;

V – no decorrer da fase de exploração, se o concessionário exercer a opção de desistência e de devolução das áreas em que, a seu critério, não se justifiquem investimentos em desenvolvimento.

§ 1º. A devolução de áreas, assim como a reversão de bens, não implicará ônus para a União ou para a ANP, nem conferirá ao concessionário qualquer direito de indenização pelos serviços, poços, imóveis e bens reversíveis, os quais passarão à propriedade da União e à administração da ANP, na forma prevista no inciso VI do art. 43.

§ 2º. Em qualquer caso da extinção da concessão, o concessionário fará, por sua conta exclusiva, a remoção dos equipamentos e bens que não sejam objetos de reversão, ficando obrigado a reparar ou indenizar os danos decorrentes de suas atividades e praticar os atos de recuperação ambiental determinados pelos órgãos competentes.

Art. 37. O edital da licitação será acompanhado da minuta básica do respectivo contrato e indicará, obrigatoriamente:

I – o bloco objeto da concessão, o prazo estimado para a duração da fase de exploração, os investimentos e programas exploratórios mínimos;

II – (…) omissis

Parágrafo único. O prazo de duração da fase de exploração, referido no inc. I deste artigo, será estimado pela ANP, em função do nível de informações disponíveis, das características e da localização de cada bloco.

Art. 43. O contrato de concessão deverá refletir fielmente as condições do edital e da proposta vencedora e terá como cláusulas essenciais:

I – a definição do bloco objeto da concessão;

II – o prazo de duração da fase de exploração e as condições para a sua prorrogação.

III – (…) omissis

Parágrafo único. As condições contratuais para prorrogação do prazo de exploração, referidas no inciso II deste artigo, serão estabelecidas de modo a assegurar a devolução de um percentual do bloco, a critério da ANP, e o aumento do valor do pagamento pela ocupação da área, conforme disposto no parágrafo único do art. 51.”

Art. 51. O edital e o contrato disporão sobre o pagamento pela ocupação ou retenção da área, a ser feito anualmente, fixado por quilômetro quadrado ou fração de superfície do bloco, na forma da regulamentação por decreto do Presidente da República.

Parágrafo único. O valor do pagamento pela ocupação ou retenção de área será aumentado em percentual a ser fixado pela ANP, sempre que houver prorrogação do prazo de exploração

.

Art. 60. Qualquer empresa ou consórcio de empresas que atender ao disposto no art. 5º poderá receber autorização da ANP para exercer a atividade de importação e exportação de petróleo e seus derivados, de gás natural e condensado.

Parágrafo único. O exercício da atividade referida no caput deste artigo observará as diretrizes do CNPE, em particular as relacionadas com o cumprimento das disposições do art. 4º, da Lei 8.176, de 8 de fevereiro de 1991, e obedecerá às demais normas legais e regulamentares pertinentes.

O monopólio estatal sobre o petróleo ainda hoje previsto na Constituição vigente teve ensejo na década de 60 com a criação da Petrobrás, através da Lei n.º 2004 de 05 de outubro de 1953. Na Constituição Federal de 1967, o tema foi alcançado à hierarquia máxima do ordenamento jurídico. Com a Constituição federal de 1988 foram privilegiadas as disposições preliminares da Lei n.º 2004 de 1953, acrescentando-se importante dispositivo referente à importante e exportação dos produtos e derivados básicos resultantes de atividades de pesquisa, lavra a refinação de petróleo (art. 177, inciso III da Constituição Federal).

O termo monopólio significa a exclusividade na titularidade de certo produto ou serviço, diante disso, a Constituição federal de 1988 ao conferir o monopólio das atividades econômicas do petróleo à União, conferiu a correspondente titularidade do recurso mineral e sua comercialização.

O tema, de evidente interesse nacional, sofreu alteração em 1995 com a edição da Emenda Constitucional n.º 09, fruto da reforma de Estado. No entanto, o repúdio de segmentos sociais à pretensa quebra do monopólio petrolífero levou os legisladores a mantê-lo, deixando, entretanto, em aberto, na redação da Emenda Constitucional n.º 09, a possibilidade de lei posterior tratar do tema. Está-se a referir à lei ora questionada.

Frise-se que se por hipótese, com a Emenda Constitucional n.º 09 de 1995 tivesse havido legítima quebra de monopólio do setor petrolífero, esta se daria tão somente quanto às atividades da Petrobrás, e não quanto à titularidade da União. Essa titularidade sobre a atividade econômica em comento engloba, necessariamente, a propriedade sobre o recurso mineral em exploração.

Não foi o que ocorreu, pois, em atenção à fundamentalidade da fonte de energia que é o petróleo, o monopólio foi preservado.

O §1º do art. 177 da Constituição Federal que permite a contratação de empresas estatais para a realização das atividades que menciona, não é ponto isolado da normação constitucional sobre o tema. A modificação introduzida deve ser compreendida de acordo com o caput, sem o que não se extrai o sentido exato do texto.

Uma interpretação constitucional que harmonize a regra do caput e do §1º do art. 177 da Constituição Federal conduz necessariamente à titularização da União sobre o petróleo resultante da atividade desenvolvida por empresa estatal ou não.

Diante disso, flagrante é a inconstitucionalidade da expressão “conferindo-lhe a propriedade desses bens, após extraídos”, constante do artigo 26, caput, da Lei n.º 9.478 de 1997.

A propriedade não pode ser transferida à título de remuneração, que deve ocorrer, porém, com valores justos sem a entrega do petróleo para pagamento da atividade explorada.

No regime constitucional que reconhece a imprescindibilidade do petróleo e o eleva a categoria de monopólio estatal está disposto diretriz expressa para o legislador ordinário garantir o fornecimento dos derivados de petróleo em todo território nacional (art. 177, §2º, inciso I, da CF).

A afronta a este preceito transparece em vários dispositivos da Lei n.º 9478 de 1997.

Art. 26. (…)

§ 3º Decorrido o prazo estipulado no parágrafo anterior sem que haja manifestação da ANP, os planos e projetos considerar-se-ão automaticamente aprovados

Art. 28. As concessões extinguir-se-ão:

I – pelo vencimento do prazo contratual;.

Art. 37. O edital da licitação será acompanhado da minuta básica do respectivo contrato e indicará, obrigatoriamente:

I – o bloco objeto da concessão, o prazo estimado para a duração da fase de exploração, os investimentos e programas exploratórios mínimos;

Art. 43. O contrato de concessão deverá refletir fielmente as condições do edital e da proposta vencedora e terá como cláusulas essenciais:

(…)

II – o prazo de duração da fase de exploração e as condições para a sua prorrogação.

(…)

Parágrafo único. As condições contratuais para prorrogação do prazo de exploração, referidas no inciso II deste artigo, serão estabelecidas de modo a assegurar a devolução de um percentual do bloco, a critério da ANP, e o aumento do valor do pagamento pela ocupação da área conforme disposto no parágrafo único do art. 51.”

Art. 51. O edital e o contrato disporão sobre o pagamento pela ocupação ou retenção da área, a ser feito anualmente, fixado por quilômetro quadrado ou fração de superfície do bloco, na forma da regulamentação por decreto do Presidente da República.

Parágrafo único. O valor do pagamento pela ocupação ou retenção de área será aumentado em percentual a ser fixado pela ANP, sempre que houver prorrogação do prazo de exploração.

Todos este dispositivos têm a característica de tratar o petróleo como bem perecível, como se houvesse a necessidade de aproveitamento rápido e eficiente das suas reservas. Isso porque, de forma generalizada, estimulam as concessionárias a atender apenas prazos e não a demanda interna do produto, como faria uma empresa atenta à políticas de longo prazo para resguardo da soberania e desenvolvimento nacional.

O §3º do art. 26 da Lei n.º 9478 de 1997, ao afastar a necessidade de pronunciamento expresso da ANP sobre planos e projetos da concessionária da atividade petrolífera contraria os princípios constitucionais da soberania (arts. 1º, inciso I e 170, inciso I da CF) e da garantia do desenvolvimento nacional (art. 3º, inciso II, CF) de forma gritante por transformar o regime constitucional do petróleo em letra morta.

O inciso I do art. 28 da lei n.º 9478 de 1997 remete o concessionário à exploração da atividade com maior proveito possível dentro do prazo contratual, independentemente da garantia de suprimento do mercado interno a médio e longo prazo. Se nesse período a produção for superior a demanda interna, não lhe restará outra alternativa para incremento dos lucros, que exportar o petróleo. Assim, contraria a necessidade de reserva para auto suficiência nacional durante crises externas que fatalmente elevam o custo de vida da população.

É o mesmo caso dos arts. 37, inciso I e 43, inciso II e parágrafo único da Lei n.º 9478 de 1997. Tais dispositivos ignoram por completo a essencialidade e finitude do bem cativo de tratamento especial na Constituição Federal.

O art. 51, parágrafo único tem incita a direção de rápido aproveitamento das reservas, já que uma possível prorrogação de contrato elevaria os ônus da atividade do concessionário.

A Lei 9478 de 1995 atribui a uma autarquia incumbir-se de questões de Estado que envolvem complexas injunções políticas de soberania da maior grandeza. É assim que pelo disposto em seu artigo 60, atividades de importação e exportação de petróleo ficam a cargo da ANP. Tais questões, pela relevância para o futuro de toda a república, devem ser decididas pelo Presidente da república ou Ministro com a devida delegação, por ser medida compatível com o regime de monopólio constitucionalmente tutelado.

5. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE

Por todos os motivos mencionados, o Estado do Paraná entende ser urgente a tutela jurisdicional em sede de controle abstrato perante a Suprema Corte Constitucional, a fim de que seja declarada a inconstitucionalidade dos artigos 26, caput e § 3.º, 28 II, 37, I e parágrafo único, 43, II e parágrafo único, 43, II e parágrafo único 51 e 60 da Lei n.º 9478 de 1997.

As questões expostas evidenciam a plausibilidade jurídica do pedido já pela flagrante violação dos princípios constitucionais estruturantes do Estado Democrático de Direito, tão caros à soberania nacional.

O tratamento destinado pela Lei n.º 9478 de 1997 ao petróleo afronta seu regime constitucional flagrantemente, como exposto.

Tendo em conta que a finalidade das medidas cautelares é a proteção de certos bens que não podem perecer durante a tramitação do processo, é devida sua concessão a fim de evitar situação de difícil reversão, relativa às concessões regidas pela lei inconstitucional em vias de ocorrer, já que novo leilão de licitação para exploração petrolífera (o 6.º) está para ocorrer.

Assim, em atenção a esta representação, espera-se de Vossa Excelência o pronto encaminhamento com as medidas necessárias à formalização da Ação Direta de Inconstitucionalidade com pedido de concessão urgente de medida cautelar liminar para a imediata suspensão dos dispositivos mencionados e conseqüente suspensão dos leilões/licitações neles apoiados, com a posterior proibição definitiva de sua realização a ser determinada pelo Supremo Tribunal Federal.

Com base nas informações nesta representação aduzidas e prontamente analisadas por Vossa Excelência, o Governador do Estado do Paraná solicita seja proposta a AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE através da qual seja requerido ao Supremo Tribunal Federal:

a) o recebimento da petição inicial fundada na representação apresentada e seu processamento segundo o artigo 10, § 3.º da Lei n.º 9868/99, a fim de que seja suspensa a aplicação dos artigos 26, caput e § 3.º, 28 II, 37, I e parágrafo único, 43, II e parágrafo único, 43, II e parágrafo único 51 e 60 da Lei n.º 9478 de 1997 até decisão definitiva;

b) sejam requerida informações necessárias aos órgãos ou autoridades das quais emanou a lei ou atos normativos impugnados (art. 6.º Lei n.º9868/99);

c) seja, ao final, julgado procedente o pedido e declarada a inconstitucionalidade dos artigos impugnados da Lei n.º 9478/97 em face dos dispositivos paramétricos da Constituição Federal, confirmando-se a liminar concedida.

Nestes termos

Pede deferimento.

Curitiba, 06 de agosto de 2004.

ROBERTO REQUIÃO DE MELLO E SILVA

Governador do Estado do Paraná

SERGIO BOTTO DE LACERDA

Procurador-Geral do Estado do Paraná

CLÈMERSON MERLIN CLÈVE

Procurador do Estado

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