Propriedade Intelectual

Propriedade Intelectual deveria ser obrigatória em faculdades

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  • Nehemias Gueiros Jr

    é advogado especializado em Direito Autoral Show Business e Internet professor da Fundação Getúlio Vargas-RJ e da Escola Superior de Advocacia — ESA-OAB/RJ consultor de Direito Autoral da ConJur membro da Ordem dos Advogados dos Estados Unidos e da Federação Interamericana dos Advogados – Washington D.C. e do escritório Nelson Schver Advogados no Rio de Janeiro.

9 de agosto de 2004, 17h05

Qualquer pessoa medianamente informada sabe que tecnologia digital é sinônimo de velocidade, precisão e representa o futuro. Porém, o maior desafio para aqueles que desenham produtos digitais reside no fato simples de que nenhum ser humano percebe e experimenta a realidade através da linguagem binária de “0s” e “1s”.

O mundo natural, em termos físicos e de engenharia, é composto por infinitas variáveis analógicas de som, luz, temperatura, pressão e campos magnéticos. O resultado mais imediato disso é que a revolução digital por que o mundo está passando nas duas últimas décadas (desde o advento do CD em 1983) vem na realidade incrementando incontáveis aperfeiçoamentos na engenharia eletrônica analógica, um campo anacrônico mas extremamente necessário para oferecer-nos milhares de produtos que sejam capazes de traduzir a realidade de zeros e uns dos computadores para formatos perceptíveis aos seres humanos.

Numa câmera digital, por exemplo, chips analógicos “traduzem” intensidades e comprimento de ondas luminosas em código binário e, para que o fotógrafo possa visualizar a imagem captada, re-traduzem essa informação numa imagem visual no display do aparelho. Essas traduções e re-traduções também se aplicam a mecanismos de tempo, filtragem de sinais e desempenho de baterias. Uma das empresas que melhor compreendeu essa curiosa necessidade, que mantém um padrão antiquado num admirável mundo novo, foi a Texas Instruments Inc., que no limiar do novo milênio decidiu investir substancialmente em tecnologia analógica atreladas a seus produtos de tecnologia digital de ponta.

No ano passado, a TI tornou-se a líder global do mercado mundial de chips analógicos, estimado em US$ 26,8 bilhões. Segundo seu vice-presidente Gregg. A. Lowe, “a maioria das pessoas pensa que por estar o mundo envolta na era digital a tecnologia analógica é antiquada e ineficiente mas não sabe que para cada processador digital utilizado são necessários cerca de 15 chips analógicos”.

Quando os executivos da empresa demonstram seus produtos em feiras e convenções, apresentando celulares minúsculos, câmeras digitais e reprodutores de vídeo e discos do tamanho da palma da mão, a primeira coisa de que falam é quase sempre um processador digital de sinais, mas na mesma medida em que esses engenhos são as estrelas do espetáculo da tecnologia da informação, a quantidade de equipamentos analógicos embutida nesses aparelhos vem se tornando cada vez mais significativa.

A Texas Instruments desempenhou papel mercurial na história da tecnologia analógica, que pode ser tracejado até os anos 30 do século passado, quando desenvolveu um método para as companhias petrolíferas explorarem veios de petróleo através de ondas sonoras. Em seguida participou do aperfeiçoamento do radar, outra tecnologia analógica, fabricando equipamento para os militares na Segunda Guerra Mundial.

Apesar desse envolvimento com tecnologia analógica, não foi senão nos anos 90 que ela se tornou-se prática central da política comercial da empresa. Foi nesta década que a companhia se desfez de varias de suas unidades anteriores, vendendo sua divisão petrolífera à Halliburton, de mísseis e sistemas eletrônicos para a Raytheon e de computadores para a Hewlett-Packard e a Acer.

A partir daí a Texas Instruments concentrou-se em adquirir outras empresas para expandir sua presença no setor de semi-condutores analógicos e capacitar-se para produzir chips com dupla capacidade: digital e analógica. Embora o mercado analógico ainda seja muito fragmentado e seus produtos muito baratos em contraste com os digitais, a necessidade rapidamente crescente de atendimento ao formato analógico-para-digital está modificando amplamente a paisagem comercial. “Qualquer pessoa que seja um pouco mais versada em tecnologia analógica está sentada sobre um modelo de negócio altamente lucrativo hoje em dia”, diz Robert Swanson Jr., presidente da Linear, baseada na Califórnia.

Mesmo quando o estouro da bolha da Internet diminuiu as vendas da empresa em quase 50% em 2001, sua margem de lucro jamais foi menor do que 38%, justamente por apostar na tecnologia analógica.

E o que está acontecendo agora no mercado americano é uma verdadeira reviravolta, pois os fabricantes de produtos empregando tecnologia analógica têm à sua disposição todos os recursos e a precisão de que necessitam – e antes da era digital não tinham – para a fabricação de seus equipamentos, fornecidos justamente pelos fabricantes de produtos digitais que empregam tecnologia analógica.

Entretanto embutir nos chips analógicos as grandes quantidades de tarefas necessárias para um produto ser considerado satisfatório no mundo digital representa uma colossal barreira de engenharia e design, precisamente porque a tecnologia digital é considerada “de ponta” e ainda encontra-se muito poucos engenheiros qualificados em tecnologia analógica e os raros profissionais capacitados em ambos os campos são considerados especialmente valiosos pelas empresas.

Algo de similar ocorre no campo jurídico, pois podemos traçar uma analogia entre a análise extremamente técnica descrita acima com o mundo jurídico contemporâneo, às voltas desde o advento da Era Digital com a prometéica tarefa de tentar controlar informações e obras intelectuais protegidas pelo Direito de Autor após o advento da Internet. Enquanto os métodos e sistemas tornados disponíveis para a fiscalização e o controle da propriedade intelectual eram analógicos, a tarefa do legislador e dos terceiros interessados era substancialmente mais fácil, na medida em que eram conhecidos, limitados e substancialmente mais possível de se coibir os crimes dessa natureza.

Com a invasão dos computadores pessoais e a migração da sociedade para a Internet (com exceção de alguns bolsões de pobreza no mundo), o dever-de-casa de advogados, juristas, legisladores e juízes tornou-se absurdamente mais difícil, justamente por força da entrada em cena da tecnologia digital, que transformou tudo em “zeros” e “uns”, em forma eletrônica e manipuláveis à velocidade da luz de qualquer ponto do planeta.

Inúmeras têm sido as tentativas de encontrar-se um modelo resistente à pirataria e à manipulação desautorizada de obras intelectuais desde então e o maior progresso até agora alcançado têm sido justamente as workshops internacionais sobre a questão da lei cibernética (cyberlaw) e as – ainda parcas – decisões de tribunais (predominantemente americanos e europeus) nesse sentido.

Salta aos olhos do observador mais aguçado desse novo e bravo mundo jurídico do Terceiro Milênio, um efeito bastante similar ao registrado pelas empresas de tecnologia digital que não têm alternativa a não ser recorrer ao velho método analógico para incrementar o desempenho de seus engenhos e aparatos: a necessidade cada vez mais premente de advogados e profissionais especializados no bom e velho Direito Autoral, para analisar, conduzir e fazer valer as premissas do novo mundo preconizado, entre tantos outros, por George Orwell, Aldous Huxley, Stanley Kubrick e Isaac Asimov.

Sem o conhecimento básico e fundamental das noções mais simples do Direito de Autor e daqueles que lhe são conexos, da amplitude dos direitos morais e das restrições dos direitos patrimoniais, da territorialidade e das complexidades resultantes da globalização das comunicações, todas noções bastante anteriores à chamada Revolução Digital, pessoas e empresas invariavelmente descobrem-se desprovidas de assessoria jurídica adequada e “antenada” com as necessidades do mundo conectado, em que as fronteiras geográficas não mais existem e a noção de tempo modificou-se radicalmente.

Cada vez mais governos e empresas vêem-se às voltas com situações jurídicas novas e complexas, diretamente ligadas às suas vertiginosas atividades interestaduais e/ou internacionais, em que os acontecimentos mais simples do cotidiano dos negócios não estão mais sujeitos aos antigos códigos de conduta e resultados do chamado “mundo analógico”, mas, virtualmente dependentes da tecnologia digital e seus desdobramentos na esfera jurídica. Transmissão e recepção via satélite em tempo real, reprodução ilimitada de textos, sons e imagens via Internet, utilização desautorizada total ou parcial de obras intelectualmente protegidas, necessidade de certificação e validação cartorária eletrônicas de documentos, todos são tópicos novíssimos que estão invadindo os departamentos jurídicos de companhias, corporações e instituições governamentais, deixando no ar colossais pontos-de-interrogação quanto à sua organização e conduta, sua proteção e salvaguarda e seu registro adequado em função da autoria/titularidade.

Nessa paisagem ainda nem um pouco pacificada mas há muito preconizada, voltamos a bater na velha tecla do aperfeiçoamento do ensino superior jurídico no Brasil, objetivando a reorganização da grade de disciplinas necessárias para a formatura de um bacharel em Direito, no sentido de que seja incluída, sem mais delongas, uma cadeira obrigatória de Propriedade Intelectual em todos os cursos jurídicos brasileiros, que inclua não apenas o Direito Autoral como também seu congênere da propriedade industrial, como única forma de preparar a sociedade brasileira para os colossais desafios do Terceiro Milênio, na inexorável busca para proteger o bem mais valioso da humanidade: a informação representada pela criação intelectual

* Com informações de Barnaby J. Feder – The New York Times

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  • é advogado especializado em Direito Autoral, Show Business e Internet, professor da Fundação Getúlio Vargas-RJ e da Escola Superior de Advocacia — ESA-OAB/RJ , consultor de Direito Autoral da ConJur, membro da Ordem dos Advogados dos Estados Unidos e da Federação Interamericana dos Advogados – Washington D.C. e do escritório Nelson Schver Advogados no Rio de Janeiro.

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