Cartão de crédito

Dívida de cliente com Credicard é de R$ 12 mil e não de R$ 200 mil

Autor

4 de agosto de 2004, 19h18

A Credicard teve decisão desfavorável na ação em que acusa um de seus clientes de uma dívida de mais de R$ 200 mil. Em agosto de 1999, a operadora de cartões, inclusive, confiscou um veículo da marca Mercedes do cliente para o pagamento do débito. Ainda cabe recurso.

A Justiça paulista entendeu que a quantia era fruto de estornos indevidos lançados nas faturas de cinco diferentes cartões de crédito do cliente, em abril de 1996. O valor lançado pela Credicard, num período de seis meses, era cerca de 300% acima do limite de cada cartão.

Segundo a sentença, os estornos foram feitos de forma ilegal. A dívida real, que foi mantida pela Justiça, era de apenas R$ 12 mil, decorrente de um financiamento ainda em andamento à época dos fatos. O réu alegou que vinha pagando o financiamento rigorosamente em dia. Apesar da sentença, o carro continua sob poder da Credicard, que não foi obrigada a pagar IPVA do automóvel. De acordo com o réu, o valor já atinge pelo menos metade do valor de mercado do veículo, já que se passaram cinco anos desde o início da ação.

Leia trechos da sentença

Vistos, etc.

CREDICARD S/A ADMINISTRADORA DE CARTÕES DE CRÉDITO, qualificada na inicial, moveu AÇÃO MONITÓRIA, contra WAGNER PENHALVES, visando o recebimento de R$ 201.041,47, saldo devedor decorrente da utilização de cartões de crédito pelo réu, inclusive cerca de 300% acima do limite de cada cartão, em prazo restrito de menos de 06 meses de uso.

A autora juntou documentos (fls. 07/112). O réu apresentou defesa, por intermédio de Embargos (fls. 144/147), alegando, em preliminar, a incompetência deste foro, desde que o domicílio do réu se situa no Município de Foz do Iguaçu (PR).

Por outro lado, a autora juntou documentos pertencentes à empresa DINERS CLUB. No mérito, o contrato de prestação de serviços juntado pela autora, não identifica as partes, não contendo a assinatura do réu ou de testemunhas ou data. A autora não comprovou ter enviado dito contrato ao réu. A autora não emite extratos numerados, nem os explica, não passando de meros demonstrativos, sem referência aos locais de compra. A autora não esclarece o débito alegado, chegando a afirmar que o réu teria efetuado pagamentos “provavelmente” com cheques sem fundos.

Não se justifica a autora alegar situação de “perfeita normalidade”, em face de um suposto débito de R$ 201.041,47. Se houvesse saldo devedor 300% acima do limite dos cartões, algum funcionário da autora autorizava a liberação do cartão. Três cartões foram utilizados pelo réu por prazo superior a 06 meses. Várias faturas foram enviadas pela autora ao endereço do réu, não sendo correto afirmar que o réu não era encontrado.

O réu sempre foi convidado pela autora para ingressar no sistema. O réu apresenta vários comprovantes de pagamento. Juntou documentos (fls. 148/224). Foi designada audiência de conciliação (fls. 228 – 2o volume). A autora replicou (fls. 229/233), juntando novos documentos (fls. 234/235). Na audiência designada, rejeitada a conciliação (fls. 242), o feito foi saneado, determinando-se a realização de perícia contábil.

A autora juntou, por determinação judicial, planilha demonstrativa do débito (fls. 273/301). O d. perito judicial apresentou seu laudo (fls. 336/351), com anexos (fls. 352/475 – 3o volume). Manifestaram as partes (fls. 494/498 – réu; fls. 510/514 – autora). O d. assistente técnico da autora apresentou seu laudo (fls. 516/523). O d. perito judicial apresentou esclarecimentos (fls. 525/529). Sobrevieram novas manifestações das partes (fls. 533/535 e 539/547). Foi designada audiência de instrução e julgamento (fls. 548). Nova manifestação do réu a fls. 566/571, juntando documentos (fls. 572/624 – 4o volume). Foi realizada a audiência de instrução e julgamento (fls. 641), na qual foram tomados os depoimentos pessoais do representante legal da autora (fls. 643/644) e do réu (fls. 645/647). Foi determinado a expedição de ofício à Caixa Econômica Federal (fls. 641 e 679). Manifestaram-se as partes (fls. 692/693, 704/705, 710/711). A Caixa Econômica Federal respondeu ao ofício enviado (fls. 713/714), juntando documentos (fls. 715/752). Novas manifestações do réu a fls. 762/773 e 777/780, juntando documentos (fls. 781/799). Retornou a autora com novos requerimentos (fls. 803/806 e 814/816 – 5o volume). Foi encerrada a instrução processual (fls. 817), decisão agravada pela autora – A.I. nº 1.172.841-7, a final improvido (fls. 859/861). As partes apresentaram suas alegações finais por peças em apartado (fls.870/874 e 876/886), ambas insistindo em suas anteriores alegações. O julgamento foi convertido em diligência (fls. 887), para novos esclarecimentos do d. perito. O perito prestou os esclarecimentos solicitados (fls. 895/902), com novos anexos (fls. 903/1.136 – 6o volume). Manifestaram-se as partes (fls. 1.144/1.146, 1.150/1.175, 1.209/1.211, 1.219/1.222 e 1.133/1.138). Em apenso ao 2o volume, encontram-se os autos de AÇÃO CAUTELAR DE ARRESTO, entre as mesmas partes – Proc. nº 097.373-5/99, no qual foi deferida a liminar (fls. 56), efetivado o arresto (fls. 101) e sentenciado o feito (fls. 109/110). O réu desistiu da apelação (fls. 136), o que foi homologado (fls. 137).


DECIDO

Resultou incontroverso que o réu recebeu e se utilizou de 06 cartões de crédito administrados pela autora e que estão descritos e identificados no laudo pericial (fls. 350 – 2o volume). A divergência primordial entre as partes e que se constitui no núcleo do trabalho pericial, consiste na alegação do réu de que a dívida objeto da ação já se encontra paga, quiçá havendo até mesmo saldo credor em prol do réu (fls. 146 – “in fine” e 147).

Segundo se constata dos autos, o crédito alegado pela autora na verdade se constitui de estornos contábeis, conforme esclareceu o d. perito, “verbis” (fls. 341) “…Conforme planilhas o réu pagou a totalidade dos débitos, sendo que posteriormente alguns desses pagamentos foram estornados pela administradora (anexo 1). O perito solicitou da administradora os documentos que geraram os estornos, tendo recebido carta (anexos 3 e 5) onde informa que a administradora não tem os documentos e propugna para que o réu apresente os documentos de quitação devidamente autenticados.”

Registre-se, desde logo, que a presente sentença não levará em consideração qualquer tipo de raciocínio ou julgamento, que não se situe estritamente no campo cível, do que decorrer das relações jurídicas contratuais mantidas entre as partes e colocadas “sub judice”, quais sejam, os contratos de cartão de crédito e seus desdobramento.

Em outras palavras, a presente sentença procurará apenas e tão somente responder à singela indagação, a respeito do montante da dívida cobrada, seus encargos e os pagamentos alegados pelo réu. Verifico, assim, que a tese da autora demonstra-se vacilante e lacunosa, dificuldade da qual não logrou êxito em superar, não obstante o longo trâmite processual, o volume de documentos trazidos aos autos e os esforços do d. perito.

Por primeiro, é estranho que desde a inicial a própria autora revele-se perplexa, alegando que “…os cartões apresentavam saldos devedores elevadíssimos, cerca de 300% (trezentos por cento) a mais que o limite de cada cartão…” (fls. 03 – “in fine). Isso em período inferior a 06 meses (idem).

Ora, a autora deveria culpar seu próprio sistema de controle contábil, que não identificou e não interrompeu o uso de 06 cartões, em volume tão superior ao limite de crédito. Caberia à autora trazer os esclarecimentos necessários ao Juízo e não o contrário. Haveria, por acaso, envolvimento doloso ou simples irresponsabilidade, de algum funcionário da autora?

Em nenhum momento encontra-se nos autos resposta a esta indagação. Para completar esse temerário quadro, a autora informou que “…o requerido entrava em contato com a empresa autora e alegava que havia efetuado os pagamentos de suas faturas. Face a esta informação, a requerente efetuava os créditos nos respectivos cartões e solicitava a comprovação dos pagamentos, que foram enviados via fax com toda a aparência de direito”. (fls. 511 – 3o volume)

Assim, a autora deixa a impressão de que um simples telefonema do réu ou de um outro cliente qualquer é suficiente para que a autora considere quitado débito. Acrescente-se que essa impressão é bastante real, pois, o representante legal da autora também informou em seu depoimento pessoal que (fls. 643 – 4o volume) “…declara que uma simples comunicação telefônica à autora é suficiente para que seja feito o crédito na conta corrente do cliente…”

O d. perito identificou os estornos praticados pela autora em cada um dos cartões de crédito, totalizando R$ 101.399,73 (fls. 350 – 2o volume). Desconsiderados os estornos, o débito do réu seria de R$ 12.085,85 (idem). A autora declara que o débito estornado se refere a pagamentos fraudados que o réu teria realizado por intermédio de um banco conveniado, no caso, a Caixa Econômica Federal (fls. 413 – “in fine” e 511 – 3o volume).

Não possuindo os documentos que embasaram os estornos, a autora declara que “…a realização dos estornos são sistêmicas, o documento gerado não é individual, mas, pode e foi constatado através dos documentos juntados aos autos, ou seja, o levantamento de conta (extrato)”. (fls. 421 – 3o volume). Ressalte-se, quanto a esse aspecto, que, deferida a remessa de ofício à Caixa Econômica Federal em 26.06.02 (fls. 641 – 4o volume), foi o ofício protocolado naquela instituição em 16.07.02 (fls. 690 – idem) e respondido em outubro/02 (fls. 713/714).

Os documentos alegados pela autora, que se constituiriam de falsos comprovantes de pagamento de faturas, mediante autenticações falsas, não foram localizados por aquela instituição financeira, “verbis” (fls. 713): “…No curso desta empreita, por várias vezes o Escritório de Advocacia RM Rangel e Martinelli representante da autora – Credicard S/A nos contatou, chegando a nos enviar relações de pagamentos e cópias de comprovantes, diante dos quais efetuamos novas pesquisas tendo localizado apenas mais um documento, o qual também não confere com os números dos cartões em questão”.


O d. perito, após esclarecer o conceito de estorno como “…retificação de erro cometido pelo lançamento de uma parcela em crédito ou débito e assentamento da quantia igual na conta oposta” (fls. 526 – 3o volume), discriminou em cada um dos cartões, as quantias individuais estornadas (fls. 527/528) e as respectivas datas dos estornos.

Todavia, a seguir o réu juntou documentos confiáveis, não impugnados pela autora, que comprovam o pagamento legítimo de alguns dos valores estornados. Quanto ao cartão nº 0036.2245.5665.0004 (fls. 528), o valor de R$ 2.432,89, que foi lançado como pago pela autora (fls. 574), foi pago pelo cheque nº 000.208, do Banco Bradesco, emitido pelo réu em 06.02.96 (fls. 575), efetivamente compensado na conta corrente do réu (fls. 577).

No mesmo cartão de crédito, o valor de R$ 790,00 (fls. 528), foi pago pelo cheque nº 000.221 (fls. 579), também compensado na conta corrente do réu (fls. 581) e considerado pago pela autora (fls. 582). Ainda no mesmo cartão de crédito, o valor de R$ 8.998,12 (fls. 528), considerado pago pela autora (fls. 585), foi pago pelo cheque 333.141, do mesmo Banco Bradesco (fls. 586) e compensado na conta corrente do réu (fls. 588).

Quanto ao cartão nº 5448.8173.3263.0249 (fls. 527), o valor estornado de R$ 2.500,00, dado como pago pela autora (fls. 590), foi pago pelo cheque nº 165.340, do mesmo valor, emitido pelo réu contra o Banco Bradesco (fls. 591) e efetivamente compensado na conta corrente do réu (fls. 593).

A autora foi cientificada da juntada desses documentos e seu d. patrono retirou os autos no mesmo dia (fls. 628 – 4o volume), mas não os impugnou. Verdade que, ao responder ao 2º quesito formulado pelo juízo, no despacho de conversão do julgamento em diligência (fls. 887 – 5o volume), o d. perito sustentou que “…Os cheques agora juntados não foram estornados. Os pagamentos feitos com esse cheques foram todos reconhecidos pela autora, creditados a favor do réu e não constam dos estornos” (fls. 898).

Também a fls. 901 o d. perito reiterou seu posicionamento. Todavia, os pagamentos reconhecidos pela autora (planilhas de fls. 353/361 – 2o volume), foram posteriormente estornados, conforme reconheceu expressamente o d. perito (fls. 350), que demonstrou os valores individuais dos estornos (fls. 527/528). Nesse ponto, afasto-me da conclusão do d. perito, que se revela contraditória.

Para finalizar, dois outros pontos ainda merecem comentários. Por primeiro, o d. perito demonstrou que o valor reivindicado na inicial – R$ 201.041,47, se constitui do principal de R$ 125.527,50, acrescidos de juros e correção monetária (fls. 898 – 5o volume). Todavia, conforme visto, o laudo encontrou estornos no total de R$ 101.399,73 (principal), o que indica uma diferença de R$ 24.127,79, que em nenhum momento foi explicada, nem pela perícia, nem pela autora.

Finalmente, a respeito dos “lançamentos ou estornos sistêmicos”, também afasto-me da conclusão do laudo (fls. 900), pois embora se entenda dessa expressão que os lançamentos são realizados dentro de um sistema informatizado, de computação eletrônica, “on line” ou via internet, para efeitos contábeis, o lançamento de crédito, débito ou estorno, deve ter suporte em algum documento, que lhe dê orígem e legitimidade.

Caso contrário, bastaria alguém exigir uma dívida de outrem, apenas alegando que consta tal débito de seu “sistema computadorizado”. Evidentemente, que tal raciocínio não se sustenta, à luz das normas jurídicas que regulam o direito obrigacional e os títulos de crédito. Quanto às taxas de juros praticadas pela autora, não assiste razão ao réu, sobretudo em face da recente Súmula nº 283, do Superior Tribunal de Justiça: “As empresas administradoras de cartão de crédito são instituições financeiras e, por isso, os juros remuneratórios por elas cobrados não sofrem as limitações da lei da usura”.

Ademais, o artigo 192, § 3º, da Constituição Federal foi revogado pela Emenda Constitucional nº 40/2.003. Aplica-se o entendimento da Súmula n.º 596, do E. Supremo Tribunal Federal: 596 – As disposições do Decreto n.º 22.626/33 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições financeiras públicas ou privadas que integram o sistema financeiro nacional.

Finalmente, no tocante aos juros capitalizados, estão liberados no País, nos termos da Medida Provisória nº 1.963-17 – artigo 5o, mantido pelas MPs 2.087, de 27.12.2.000 e 2.170-36, de 23.08.01, conforme disposto no artigo 2o, da Emenda Constitucional nº 32, de 11.09.01, “verbis”: “As medidas provisórias editadas em data anterior à da publicação desta emenda continuam em vigor até que medida provisória ulterior as revogue explicitamente ou até deliberação definitiva do Congresso Nacional”.

Em resumo, a tese da autora demonstrou-se extremamente frágil, contraditória e sem suporte em documentos contábeis confiáveis. Daí a presente sentença reconhecer o débito do réu pela quantia de R$ 12.085,85 (fls. 350 – 2o volume). O arresto será mantido, para garantia do débito reconhecido, remetendo-se as partes às vias ordinárias, no que diz respeito à conservação do veículo e pagamento dos impostos e taxas incidentes.

ISTO POSTO e considerando o que mais dos autos consta, JULGO PROCEDENTE EM PARTE A AÇÃO, declarando constituído o título judicial, pelo valor de R$ 12.085,85, acrescido da correção monetária, desde a propositura da ação e juros legais, desde a citação. As custas e despesas processuais, incluindo-se os honorários periciais, serão rateadas entre as partes, na proporção das respectivas sucumbências. Isento as partes de honorários advocatícios, uma vez que o critério da proporcionalidade anularia os efeitos da parte condenatória da presente sentença. P. R. I .C.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!