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Prova da PF não pode exigir capacidade física de deficiente

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3 de agosto de 2004, 19h57

Deficientes físicos que concorrem aos cargos de perito e escrivão da Polícia Federal de Porto Alegre não precisam fazer as provas de capacidade física. A União deve apenas exigir deles os requisitos estritamente necessários ao desempenho das atividades para as quais se inscreveram.

A determinação é do juiz federal substituto Andrei Pitten Velloso, da 2ª Vara Federal da Justiça Federal de Porto Alegre, que acatou a Ação Civil Pública com pedido de liminar impetrada pela Fredef — Federação Rio-grandense de Entidades de Deficientes Físicos. O juiz determinou que seja publicado um edital retificador do concurso, que seja compatível à decisão, no prazo de 48 horas.

Vellso determinou também o limite mínimo de 5% de reserva de vagas para os deficientes físicos que concorram a qualquer cargo oferecido pelo concurso.

O advogado da entidade, Charles Alexandre Lourenço Pinto pleiteou o “afastamento de exigências arbitrárias, que obstacularizam o seu acesso (dos deficientes) aos cargos públicos em questão”. As condições a que ele se referia estavam no edital do concurso, que previa que a capacidade física teria caráter eliminatório.

Os candidatos teriam, então, que participar de testes em barras fixas, de impulsão horizontal, e corrida de doze minutos e de natação, o que segundo o juiz é “um absurdo”. Velloso entendeu que as atividades de perito e escrivão, ao contrário da dos agentes, são exclusivamente intelectuais. Não é viável que se exija de um deficiente físico “estado de saúde necessário ao desempenho de atividades que não lhe podem ser exigidas”.

Em sua decisão, Velloso citou o artigo 37, VI, da Constituição Federal, que prevê a obrigatoriedade da reserva de cargos e empregos públicos para pessoas portadoras de deficiências. O preceito constitucional, regulamentado pela Lei nº 8.112/90, determina que no máximo 20% das vagas sejam oferecidas aos portadores de deficiência.

ACP nº 2004.71.00.030628-7

Leia a liminar:

Processo 2004.71.00.030628-7

Decisão

Trata-se de ação civil pública ajuizada pela Federação Rio-grandense de Entidades de Deficientes Físicos – FREDEF, em que postula, em sede de liminar, a determinação à União de que publique edital de retificação possibilitando a inscrição de deficientes físicos concorrendo à reserva de vagas na forma da lei, com o afastamento de exigências arbitrárias, que obstaculizam o seu acesso aos cargos em questão.

Determinada a oitiva da União, ela manifestou-se às fls. 98/104, postulando o indeferimento da liminar postulada.

Há perigo na demora do resguardo ao direito postulado na exordial, diante da iminência do encerramento do prazo para as inscrições no concurso, que se encerram em 15 de agosto de 2004, fls. 45 e 61. Os fatos alegados na inicial estão devidamente provados. O fundamento, por sua vez, é relevante, como passo a expor.

Existem inúmeras questões a serem abordadas, motivo pelo qual passo a analisá-las separadamente.

1. Teste físico para perito e escrivão e adequação do curso de formação

As atividades de perito e escrivão, diversamente da atividade de agente, são exclusivamente intelectuais. Ao exercício daqueles cargos é prescindível, pois, capacidade física equivalente às dos agentes.

Ocorre que os editais prevêem que a prova de capacidade física terá caráter eliminatório, sem ressalvar os cargos de perito e escrivão. Por isso, os deficientes físicos que almejassem tais cargos teriam que se submeter às provas previstas na Instrução Normativa n. 03/2004-DGP/DPF (teste em barra fixa, teste de impulsão horizontal, teste de corrida de doze minutos e teste de natação), o que é um absurdo. Com isso, afronta-se a Constituição, que pretende incluir deficientes físicos na sociedade e assegurar-lhes plena igualdade fática para o desempenho de atividades para as quais são capazes.

Por tais motivos, o curso de formação também deve ser compatível com as atribuições inerentes ao cargo. Aos deficientes físicos, portanto, devem ser assegurados todos os meios necessários à sua freqüência e, por outro lado, não podem ser exigidas atividades incompatíveis com os requisitos necessários ao exercício do cargo.

2. Exames Médicos

Por coerência, os exames médicos deverão limitar-se a aferir as condições de saúde estritamente necessárias ao exercício dos cargos, não sendo viável, por isso, que se exija, de um deficiente físico, estado de saúde necessário ao desempenho de atividades que não lhe podem ser exigidas no Curso de Formação.

3. Reserva de Vagas

Como prevê o art. 37, VI, da Constituição Federal, a lei deve reservar percentuais dos cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiência, definindo os critérios de sua admissão.

“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:”

(…)

VIII – a lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiência e definirá os critérios de sua admissão;

A Lei 8.112/90, que dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, veio a regulamentar, em seu art. 5º §2º, Esse preceito constitucional, ao reservar até 20% das vagas oferecidas no concurso aos candidatos portadores de deficiência:

§ 2º Às pessoas portadoras de deficiência é assegurado o direito de se inscrever em concurso público para provimento de cargo cujas atribuições sejam compatíveis com a deficiência de que são portadoras; para tais pessoas serão reservadas até 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas no concurso.

Verifica-se, assim, que a Lei nº 8.112/90 fixa o limite máximo das vagas reservadas aos deficientes, mas não o percentual mínimo.

Esse percentual foi determinado pelo Decreto nº 3.298/99, que regulamenta a Lei nº 7.853/89 (a qual dispõe sobre o apoio às pessoas portadoras de deficiência), nos seguintes termos:

Art.37.Fica assegurado à pessoa portadora de deficiência o direito de se inscrever em concurso público, em igualdade de condições com os demais candidatos, para provimento de cargo cujas atribuições sejam compatíveis com a deficiência de que é portador.

§ 1º O candidato portador de deficiência, em razão da necessária igualdade de condições, concorrerá a todas as vagas, sendo reservado no mínimo o percentual de cinco por cento em face da classificação obtida.

§ 2º Caso a aplicação do percentual de que trata o parágrafo anterior resulte em número fracionado, este deverá ser elevado até o primeiro número inteiro subseqüente.

Tais norma são plenamente aplicáveis ao caso sub judice, não sendo nem mesmo que se proceda ao recurso da analogia.

4. Suspensão do concurso

Não é necessária, contudo, a suspensão do concurso e tampouco a publicação de novo edital, o que somente viria de encontro ao interesse público. O cumprimento desta decisão deverá dar-se com a realização dos certames, por meio de sua adequação aos direitos ora resguardados.

Diante do exposto, concedo em parte a liminar postulada para:

a) declarar a desnecessidade de os deficientes físicos que concorrem aos cargos de perito e escrivão se submeterem às provas de capacidade física;

b) determinar à ré que, nos exames médicos e no curso de formação, somente exija dos deficientes físicos os requisitos estritamente necessários ao desempenho das atividades inerentes aos cargos, nos termos supra-expostos e

c) reservar aos deficientes físicos vagas mínimas, nos termos do art. 37 do Decreto n. 3.289/99.

Intime-se. Cite-se

Porto Alegre, 28 de julho de 2004.

ANDREI PITTEN VELLOSO

JUIZ FEDERAL SUBSTITUTO DA 2ª VARA FEDERAL

NO EXERCÍCIO DA TITULARIDADE PLENA

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