Posição da PRE

Procurador quer cassação de registro de candidato do PT em GO

Autor

3 de agosto de 2004, 18h16

A Procuradoria Regional Eleitoral, em Goiás, emitiu paracer opinando pela manutenção da sentença que cassou o registro das candidaturas de Pedro Wilson Guimarães e Misael Pereira de Oliveira aos cargos de prefeito e vice pelo PT à prefeitura de Goiânia.

De acordo com o PRE-GO, os candidatos participaram conscientemente de inaugurações de obras públicas nos três meses que antecedem as eleições, portanto em período vedado pela legislação eleitoral.

Segundo o procurador regional eleitoral Helio Telho, em nenhum momento da defesa, os representados acusaram infedelidade ou omissão nas gravações das fitas apresentadas como provas ou negaram a ocorrência dos fatos noticiados.

Leia a íntegra do parecer:

Processo n.º 1691892004

RECURSO EM REPRESENTAÇÃO ELEITORAL

Recorrente: Pedro Wilson Guimarães e Misael Pereira de Oliveira

Recorrido: Ministério Público Eleitoral

Relatora: Des. Paulo Maria Teles Antunes

Assunto: Participação em inauguração de obra – período vedado – cassação de candidatura

“Dizer que houve liberação para o uso e não inauguração das obras é valer-se de simples e ingênuo eufemismo.”

Colendo Tribunal Regional Eleitoral,

Excelentíssimo Senhor Relator,

O caso

Recorrem Pedro Wilson Guimarães e Misael Pereira de Oliveira contra a sentença que lhes aplicou a pena de cassação dos registros de suas candidaturas aos cargos de prefeito e vice-prefeito de Goiânia, acolhendo representação do Ministério Público Eleitoral que os acusou de participarem de inaugurações de obras públicas nos três meses que antecedem as eleições.

Destaco da sentença: “Pelas provas carreadas aos autos, é inequívoca a participação do primeiro Representado na solenidade ocorrida no Parque Mutirama e de ambos na Marginal Botafogo, no dia 03 de julho de 2004 (…) a degravação da 2.ª Fita VHS, constante de f. 72/73, dos autos, também conferidas a imagem e som por este juízo (fita anexa), o Prefeito Pedro Wilson, (sic) nega que as inaugurações tem (sic) caráter político, demonstrando-se ciente de que a partir de 03 de julho de 2004, não poderia mais participar de inauguração de obra pública (…) A Prefeitura Municipal, em documento divulgado pela Internet, noticiou a inauguração do último trecho da Marginal Botafogo, às 11 horas, do dia 03 de julho de 2004 e a grande festa do Mutirama que comemorou o recebimento do prêmio Prefeito Amigo da Criança, com inauguração de vários brinquedos no dia 03 de julho de 2004, às 10:00 horas, não tendo os Representados impugnado referida prova. (…) O calendário Eleitoral, Res. 21.518/03, do TSE, estabeleceu, claramente, que a partir do dia 03 de julho de 2004, era vedado aos candidatos a cargo de prefeito e vice-prefeito participar de inauguração de obras públicas.”

Sustentam os recorrentes

Em preliminar: violação ao princípio da igualdade processual, porque ao Ministério Público Eleitoral foi permitido manifestar-se sobre os termos da defesa, gerando prejuízo para os representados e nulidade da sentença; cerceamento de defesa, por indeferimento de perícia nas fitas apresentadas pelo representante, que teriam sido editadas; inconstitucionalidade do art. 77, da lei 9.504/97; a única prova apresentada pelo MPE (a fita VHS) é nula, porque obtida clandestinamente e através de procedimento administrativo concluído sem a observância do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa; as degravações apresentadas pelo MPE são também nulas por unilaterais.

No mérito: “a simples liberação às crianças de brinquedos que há anos funcionam e que foram apenas reformados, não pode ser interpretada como inauguração de obra pública, mesmo porque, em nenhum local tem-se ‘Roda Gigante e Estrela’, ‘Tobogã’ e ‘Autorama’ como sendo obras públicas, pois produtos industrializados previamente (…) não poucas vezes, a imprensa acabou por transformar homens de bem e inocentes em criminosos e vilões em heróis (…) a marginal Botafogo, tal como o Mutirama, já foi inaugurada há muitos anos (fls. 133/135), sendo que a população goianiense, de há muito, se utiliza daquele Parque e, de igual modo, trafega por aquela via Marginal (…) o que ocorreu na Marginal Botafogo, limitou-se a liberação de mais um trecho de sua pista (…) fita de vídeo não periciada pela Justiça Eleitora e manchetes de jornais, não podem ser consideradas provas robustas (…) não existe qualquer prova de que os dois eventos tenham potencialidade para influenciar no resultado da eleição”. Alegam, por fim, que o prazo vedado a participação em inaugurações inicia-se em 4 ou 5 de julho.

Disseram os promotores eleitorais

A possibilidade de oitiva do MPE a respeito do conteúdo da defesa não ofende o princípio da igualdade processual e, inclusive, está prevista tanto no art. 8.º, da Resolução TSE n.º 21.575/2003, quanto no art. 301 do CPC; As degravações foram feitas pelo autor da representação porque assim determina o art. 5.º da Resolução n.º 21.575/2003; A prova testemunhal requerida pelos recorrentes é desnecessária e protelatória; o Boletim Goiânia em Rede – Edição nº 790 – fls.71, que traz toda a agenda de inaugurações que ocorreriam no dia 3 de julho, publicação oficial da Prefeitura, não foi impugnado pelos recorrentes; a vedação em tela não é inconstitucional, porque visa “evitar abusos e contrabalancear a vantagem daqueles que são candidatos à reeleição, ou daqueles que estejam apoiados pelo detentor do mandato executivo, de participar de inaugurações de obras da própria administração e obter dividendos nas urnas em decorrência da vinculação de sua imagem”; o procedimento administrativo aberto para a colheita das provas utilizadas na representação tem natureza inquisitorial e, portanto, não está sujeito ao contraditório ou à ampla defesa; não “é clandestina a filmagem de um evento público, em local público, divulgado na internet pela Secretaria Municipal de Comunicação”. No mérito, sustentam que houve inauguração de obra em período cuja presença de candidatos aos cargos executivos é vedada, fato sobejamente comprovado, e a única penalidade prevista para o caso é a de cassação do registro das candidaturas.


A análise

O recurso é próprio e tempestivo.

As preliminares não procedem:

Preliminar de violação ao princípio da igualdade das partes. Não houve violação ao princípio da igualdade das partes e, mesmo que houvesse, não cuidaram os recorrentes de demonstrar que sofreram prejuízo com isso.

Na manifestação dos promotores eleitorais a respeito da defesa apresentada não houve inovação, não se acrescentou fato novo, novos argumentos ou novos documentos. Limitou-se a rebater as preliminares, pronunciar-se a respeito dos documentos juntados e a reiterar o mérito da acusação. Há guarida legal:

“O juiz poderá encaminhar o feito ao Ministério Público para parecer, a ser proferido no prazo máximo de 24 horas; vencido esse prazo, com ou sem manifestação, os autos deverão ser imediatamente devolvidos ao juiz” (art.8º, Resolução TSE n.º 21.575/2003).

“Se o réu alegar qualquer das matérias enumeradas no art.301, o juiz mandará ouvir o autor no prazo de 10 dias…” (art. 327, CPC).

Na se declara nulidade sem prejuízo demonstrado (Código Eleitoral, art. 219 e Código de Processo Civil, art. 249, § 1º).

Preliminar de cerceamento de defesa. Não houve cerceamento de defesa. A realização de perícia na fita não é providência indispensável ao deslinde da causa. Primeiro, porque os representados não contestam os fatos, mas tão somente a sua conceituação (se inauguração ou se liberação de obra). Segundo, porque outras provas alicerçam a condenação, em especial a agenda oficial da prefeitura, extraída de seu próprio sítio na Internet, documento não contestado pelos recorrentes. Terceiro, porque os recorrentes não apontaram em que consistiram as supostas fraudes na fita, isto é, não indicaram objetivamente quais imagens, diálogos ou transcrições não seriam verdadeiros, teriam sido adulterados ou resultariam de montagens; Quarto, porque os fatos são públicos e notórios, foram divulgados pela própria Prefeitura, em seu sítio oficial na Internet, e tiveram ampla e livre cobertura da imprensa, de modo que a exclusão das fitas do rol das provas não teria o condão de mudar o julgamento do caso; Quarto, porque o rito célere das representações eleitorais não comporta a dilação probatória pleiteada pelos recorrentes.

Idêntico raciocínio se aplica à prova testemunhal requerida pelos recorrentes e indeferida pela juíza eleitoral. Ademais, além de não indicarem, objetivamente, quais fatos narrados na peça de defesa pretendiam comprovar com a referida prova, têm absoluta pertinência as observações lançadas pelos promotores eleitorais, em suas contra-razões, verbis:

“Nessa mesma linha de entendimento, explica-se o indeferimento da prova testemunhal, de caráter manifestamente protelatório, pois, para a comprovação do caráter dos eventos, os representados juntaram vasta documentação, que não seria alterada por qualquer prova oral que viesse a ser produzida. Aliás, que prova oral seria capaz de ilidir o gesto mais característico de uma inauguração, devidamente comprovado e não contestado, que é o descerramento da fita inaugural de trecho da Marginal Botafogo por ambos os recorrentes (fls.60)? Ou mesmo, enfraquecer a imagem do prefeito Pedro Wilson posando ao lado dos brinquedos que estavam sendo reinaugurados (fls. 54)?

Para demonstrar a desnecessidade absoluta da prova testemunhal, façamos algumas reflexões hipotéticas sobre o que as testemunhas declarariam eventualmente em juízo: que o candidato Pedro Wilson e seu vice de chapa não estava lá? Isso certamente não pois os mesmos já admitiram a presença nos eventos? Que o evento não era uma inauguração? Isso já seria interpretação dos fatos e testemunhas não estão autorizadas a interpretar os fatos, e sim somente informar quanto a sua ocorrência,(…)”

Preliminar de nulidade da prova. As duas primeiras fitas juntadas aos autos são produto de cobertura jornalística de fatos públicos, solenidades oficiais divulgadas pela própria Prefeitura, em seu sítio oficial na Internet. A terceira fita contém gravação de uma entrevista jornalística espontânea e conscientemente concedida pelo recorrente Pedro Wilson à TV Record.

Assim, não há que se falar em gravação clandestina ou ilícita.

As degravações foram realizadas como determinam as normas eleitorais, verbis:

“Quando o representante apresentar fita de áudio e/ou vídeo, inclusive com gravação de programa de rádio ou de televisão, esta deverá estar acompanhada da respectiva degravação.” (Parágrafo único, artigo 5º, Resolução TSE n.º 21.575/2003).

Caso houvesse alguma omissão ou infidelidade, caberia aos representados denunciarem-na em suas peças de defesa, inclusive oferecendo degravação alternativa. Se não o fizeram, é porque não têm reparos a fazer à degravação trazida com a inicial da representação. Aliás, sequer houve contestação quanto ao conteúdo das degravações.


É fato que a Constituição garante aos acusados em geral e aos litigantes em processo judicial ou administrativo os direitos ao contraditório e à ampla defesa. Ocorre que não é todo processo judicial ou administrativo que existem as figuras denominadas litigantes ou acusados. Há processos, judiciais e administrativos, em que não há lide nem acusação. Nesses, não há que se falar em contraditório ou ampla defesa.

Assim, nos inquéritos policiais, civis públicos, sindicâncias e demais procedimentos de investigação, por não haver acusação nem lide, não tem lugar o contraditório e nem a ampla defesa. Tais procedimentos têm caráter meramente apuratório, isto é, de investigação e coleta de provas, que poderão ou não servir para embasar futura acusação. Se não há acusação, e enquanto não houver, não há que se falar em defesa ou contraditório, porque não há, ainda, do que se defender. Só se pode deduzir defesa em face de uma acusação formal.

No caso em tela, os promotores eleitorais abriram um procedimento administrativo destinado à apuração dos fatos e coleta das provas. Nessa fase, não havia lide nem acusação formal. Havia, tão somente, notícia de uma infração eleitoral, que precisava ser apurada. Colhidas as provas, cabia aos promotores eleitorais formular representação dirigida à juíza eleitoral encarregada do registro das candidaturas, conforme de fato fizeram. Só a partir de então é que passou a existir uma acusação formal, da qual os recorrentes se defenderam e, posteriormente, recorreram, isto é, exerceram os seus direitos constitucionais de contraditório e de ampla defesa.

No bojo da representação, as fitas VHS, a cópia da agenda oficial da prefeitura e as matérias jornalísticas que a instruíram foram dadas a conhecer aos representados, que tiveram a oportunidade de impugná-las e juntar outras provas em contraposição. Porém, em nenhum momento de sua defesa os representados contestaram a agenda oficial da prefeitura. Também não acusaram infidelidade ou omissão nas degravações das fitas apresentadas. Fizeram alegações genéricas de que as imagens das fitas foram editadas, porém não se dignaram em apontar se um ou mais dos fatos gravados teriam sido deturpados ou alterados por essas edições. Afirmaram que as matérias jornalísticas não podem ser consideradas como provas, mas não negaram a ocorrência dos fatos nelas noticiados e nem mesmo indicaram alguma infidelidade ou deturpação.

Convém lembrar que a representação eleitoral não é instrumento privativo do Ministério Público. O art. 96 da Lei 9.504/97 confere legitimidade concorrente aos candidatos, partidos e coligações. Tivesse sido qualquer dos co-legitimados a manejar a representação em tela, como lhe exigir que garantisse o contraditório e a ampla defesa aos representados na fase pré-processual de apuração do fato e de coleta de prova? O advogado do partido, coligação ou candidato autor de representação tem que, antes de ajuizá-la, dar direito de defesa e de contraditório à futura parte ex-adverso, no âmbito de seu escritório profissional? Ou seria no âmbito do comitê eleitoral? Por aí se vê o absurdo da tese.

Preliminar de inconstitucionalidade da vedação. A vedação aos candidatos a cargos do Poder Executivo, de participarem de inaugurações de obras públicas nos 90 dias que antecedem às eleições, foi incluída no projeto de lei (que resultou na edição da Lei n.º 9.504/97) por insistência de seu relator na Câmara, Deputado Carlos Apolinário (PMDB/SP). Na ocasião, houve forte resistência da bancada governista de então, capitaneada pelo PSDB e pelo PFL que, defendendo os interesses reeleitorais do então presidente Fernando Henrique Cardoso, se opôs ferozmente à vedação e, inclusive, consegui rejeitá-la no Senado.

O seu restabelecimento só ocorreu quando do retorno do projeto de lei à Câmara dos Deputados e graças à intensa mobilização da bancada da oposição de então, que tinha nas suas fileiras, como um de seus mais ilustres membros, o então Deputado Federal Pedro Wilson (PT/GO), ora recorrido.

Na ocasião, em meio à troca de insultos entre o relator, Carlos Apolinário, e o então líder do Governo, Deputado Federal Luiz Eduardo Magalhães (PFL/BA), o fato foi considerado uma derrota do presidente Fernando Henrique Cardoso e de suas pretensões reeleitorais imposta pela oposição, PT à frente, em aliança ocasional com o PMDB e o PPB.

A vedação em tela não é inconstitucional. Ao contrário, constitui-se em relevante proteção ao princípio da igualdade de oportunidade entre os candidatos.

Antônio Augusto Mayer dos Santos ensina:

“Trata-se de vedação absoluta que, mesmo preterindo a melhor técnica redacional, visa prestigiar e, sobretudo, proteger o princípio da impessoalidade ao impedir, conforme ressalta a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral ao final invocada, que eventos patrocinados pelos cofres públicos sejam desvirtuados e utilizados em prol de campanhas personalizadas através de menções elogiosas, presenças eleitorais, personalismos, etc.”


Trata-se de medida salutar, em especial após a introdução do instituto da reeleição em nosso sistema eleitoral, sem necessidade de desincompatibilização. Ao lado das outras vedações impostas aos agentes públicos (art. 73 e seguintes da Lei n.º 9.504/97), a proibição de participação de inauguração de obras públicas nos três meses que antecedem às eleições é providência indispensável à garantia da liberdade do voto, da paridade de armas, da igualdade de oportunidade dos candidatos, pois visa impedir o uso da máquina administrativa como arma na guerra eleitoral.

Se, de um lado, o instituto da reeleição foi introduzido no país como forma de possibilitar ao eleitor conferir um segundo mandato a quem, em seu entender, esteja bem desempenhando o primeiro e se, do mesmo lado, permitiu-se que o candidato à reeleição concorra sem se desincompatibilizar ou se afastar do cargo, como mecanismo de evitar a descontinuidade administrativa, de outro lado, cuidou o legislador de criar mecanismos que evitassem que os detentores do poder dele utilizem para nele se perpetuarem.

A vedação não é inconstitucional. Ao contrário, é republicana e democrática.

O calendário eleitoral, instituído pelo TSE, também não é inconstitucional. Em primeiro lugar, porque o TSE agiu dentro de sua competência constitucional e legal, verbis:

“Lei complementar disporá sobre a organização e competência dos tribunais, dos juízes de direito e das juntas eleitorais”.(Constituição, art. 121)

“Este Código contém normas destinadas a assegurar a organização e o exercício de direitos políticos precipuamente os de votar e ser votado”. (Código Eleitoral, art. 1.º)

“O Tribunal Superior Eleitoral expedirá Instruções para sua fiel execução”. (Código Eleitoral, Parágrafo primeiro do art. 1.º)

“Os Tribunais e juizes inferiores devem dar imediato cumprimento às decisões, mandados, instruções e outros atos emanados do Tribunal Superior Eleitoral” (Código Eleitoral, art. 21)

Em segundo lugar, porque ao instituir o calendário eleitoral, o TSE não inovou e nem legislou. Apenas compilou em um único diploma todos os prazos previstos na legislação eleitoral, na forma de instrução aos tribunais e juízes inferiores sobre as suas respectivas vigências. Cuida-se, aliás, de providência salutar, que evita dúvidas e questionamentos a respeito da contagem dos prazos eleitorais e dos períodos das vedações, garantindo aplicação uniforme em todo o território nacional.

A Instrução do TSE que instituiu o calendário eleitoral foi baixada justamente para que ninguém alegue ignorância ou invoque interpretações particulares sobre a vigência dos prazos eleitorais, segundo as suas próprias conveniências.

No mérito, melhor sorte não aguarda os recorrentes:

Reinauguração de brinquedos reformados. Dizem os representados que “a simples liberação às crianças de brinquedos que há anos funcionam e que foram apenas reformados, não pode ser interpretada como inauguração de obra pública, mesmo porque, em nenhum local tem-se ‘Roda Gigante e Estrela’, ‘Tobogã’ e ‘Autorama’ como sendo obras públicas, pois produtos industrializados previamente”.

Entretanto, o conceito legal de obras não agasalha a pretensão dos recorrentes. Consoante dispõe a Lei n.º 8.666/93, que disciplina as licitações e contratações da Administração Pública, verbis:

Art. 6º Para os fins desta lei, considera-se:

I – Obra – toda construção, reforma, fabricação, recuperação ou ampliação, realizada por execução direta ou indireta;

Assim, não há dúvidas de que a reforma dos brinquedos existentes do Parque Mutirama trata-se de uma obra pública por conceituação legal.

Liberação para o uso e inauguração de obra. Dizem, ainda, os recorrentes que “a marginal Botafogo, tal como o Mutirama, já foi inaugurada há muitos anos (fls. 133/135), sendo que a população goianiense, de há muito, se utiliza daquele Parque e, de igual modo, trafega por aquela via Marginal (…) o que ocorreu na Marginal Botafogo, limitou-se a liberação de mais um trecho de sua pista (…)”.

Entretanto, tal afirmação também não lhes socorre. De fato, o Parque Mutirama foi inaugurado há décadas. Porém, a acusação dos promotores eleitorais não se refere à inauguração do parque, e sim às obras de reforma dos brinquedos. Como se viu, as reformas dos brinquedos se enquadram no conceito legal de obra pública e foram exatamente tais reformas que foram inauguradas no período vedado.

A avenida Marginal Botafogo, é de conhecimento público e notório, não foi construída inteira de uma só vez. Ela vem sendo construída por partes, através de trechos sucessivos, ao longo da última década. A cada trecho concluído e liberado ao uso, a prefeitura realiza a respectiva inauguração.


No caso dos autos, os recorrentes inauguraram o último trecho concluído da avenida Marginal Botafogo. Dizer que houve liberação para o uso e não inauguração das obras é valer-se de simples e ingênuo eufemismo.

De fato, assim o Dicionário Aurélio define o verbete inaugurar:

[Do lat. inaugurare.]

V. t. d.

1. Expor pela primeira vez à vista ou ao uso do público:

2. Introduzir o uso de; estabelecer pela primeira vez; começar, principiar, encetar:

3. Iniciar o funcionamento de:

Não há dúvidas, portanto, de que quando os recorrentes liberaram para o uso do público, pela primeira vez, o último trecho da avenida Marginal Botafogo e os brinquedos reformados do Parque Mutirama, estavam de fato inaugurando obras públicas.

O Boletim Goiânia em Rede – edição nº 790 (fls.71) — não impugnado pelos representados — documento oficial da Prefeitura que trouxe toda a agenda de inaugurações que ocorreram no dia 3 de julho, está assim redigido:

“Pedro Wilson conclui Marginal Botafogo depois de 14 anos”.

O prefeito Pedro Wilson fará amanhã, 03.07, a inauguração do último trecho da Marginal Botafogo, às 11 horas. Depois de 14 anos de construção, a Marginal Botafogo está sendo entregue em sua totalidade “(grifei)

“Grande festa no Mutirama comemora prêmio Prefeito Amigo da Criança”.

O Parque Mutirama reinaugura vários brinquedos e presta homenagem especial a Pedro Wilson, eleito Prefeito Amigo da Criança 2004, amanhã, 03.07, às 10 horas. Das 9 às 12 horas, todos os brinquedos estarão à disposição das crianças gratuitamente”. (grifei)

Das fitas VHS juntadas aos autos e respectivas degravações destacam-se as seguintes cenas próprias de solenidades de inaugurações de obras públicas: discursos, ovações, elogios, foguetórios, descerramento de fita, apertos de mãos, corpo à corpo com eleitores e carreata.

Potencialidade lesiva. Os recorrentes sustentam que não foi comprovada a potencialidade dos atos narrados na inicial influenciarem o resultado das eleições. Como evidência, invoca os resultados das pesquisas eleitorais realizadas antes e depois de 3 de julho, os quais registram queda nas intenções de votos em favor de suas candidaturas.

Entretanto, para aplicação da sanção em referência a legislação não exige que a conduta tenha potencialidade de influenciar no resultado das eleições. Diversamente do que ocorre em relação aos abusos dos poderes econômico e de autoridade, que não têm tipificação legal, ao contrário possuem conceituação doutrinária extremamente aberta, a conduta de que ora se cuida é objetiva e a sanção única.

Para a caracterização do abuso de poder, exige a jurisprudência do TSE, é necessário que o ato tenha potencialidade de influenciar nas eleições. Isso porque a lei eleitoral não define o que seja o abuso de poder e nem tipifica as hipóteses que o caracterizam. Cabe ao julgador analisar, subjetivamente, caso a caso, se houve ou não abuso. Daí, para evitarem-se arbitrariedades e disparidade de tratamentos de casos análogos, é que o TSE firmou entendimento no sentido de que é necessário demonstrar, para a caracterização do abuso de poder, a potencialidade de influenciar nas eleições.

Não é o caso das condutas vedadas aos agentes públicos, entre elas a de participarem os candidatos a cargos do Poder Executivo de inaugurações de obras pública, e da captação ilícita de sufrágio, para as quais a lei trouxe tipos fechados, bem delineados e objetivamente delimitados, inclusive com as respectivas sanções para cada caso, bastando comprovar que infrator praticou o fato descrito na lei como ilícito, independentemente do resultado ou do proveito eleitoral efetivamente.

Nesse sentido, o Tribunal Superior Eleitoral, em precedente citado na inicial e abaixo reproduzido em parte, conferiu plena eficácia à norma prevista no art. 77 da Lei 9.504/97.

“Representação. Prefeito. Candidato à reeleição. Inauguração. Guarnição do Corpo de Bombeiros. Art.77 da Lei 9.504/97. Conduta vedada. 1. A proibição de participação de candidatos a cargo no Poder Executivo em inaugurações de obras públicas tem por fim evitar que eventos patrocinados pelos cofres públicos sejam desvirtuados e utilizados em prol das campanhas eleitorais. 2. É irrelevante para a caracterização da conduta, se o candidato compareceu na posição de mero espectador ou se teve posição de destaque na solenidade. Recurso conhecido e provido.” (Respe 19.404, ac. de 18.09.2001, rel. Min. Fernando Neves)

O eminente Relator, Ministro Fernando Neves, no voto condutor do acórdão, assim deixou claro:

“A vedação constante do art. 77 da Lei nº 9504, no sentido de que os candidatos a cargos do Poder Executivo não podem participar de inaugurações de obras públicas, tem por razão de ser, na minha visão, impedir que eventos patrocinados pelos cofres públicos sejam desvirtuados e utilizados em prol de campanhas eleitorais.

Assim, irrelevante saber se o candidato compareceu como mero espectador ou se teve posição de destaque na solenidade. Se ficou misturado com o público ou no local reservado às autoridades. Se usou da palavra ou se apenas foi elogiado nos discursos como foi o caso dos autos.

A norma em exame é simples e a vedação total; “é proibido aos candidatos a cargos no Poder Executivo participar, nos três meses que precedem o pleito, de inaugurações de obras públicas” (grifamos)


E arrematou:

“O recorrido esteve presente na cerimônia pública de instalação da guarnição do Corpo de Bombeiros, para a qual a população foi convocada pela própria Prefeitura.

A verificação desse fato é suficiente para caracterizar a transgressão da norma e a aplicação da grave e única pena escolhida pelo legislador.

Além disso, o recorrido permaneceu em local de destaque, ao lado dos demais prefeitos da região. Os discursos fizeram menção a ele de forma elogiosa, de modo que sua presença foi notada e associada à inauguração em questão.” (fls.62/72)

O período vedado à participação em inaugurações. Como último argumento, os representados refazem as contas e dizem que o período vedado às suas participações em inaugurações de obras tem início no dia 4 ou 5 de julho, de modo que os fatos descritos na representação foram praticados no período permitido.

Novamente a razão não está com os recorrentes. A Instrução do TSE que instituiu o calendário eleitoral, de observância obrigatória aos tribunais e juízes eleitorais inferiores (como visto acima), é clara no sentido de fixar 3 de julho como sendo o dia a partir do qual os candidatos a prefeito e vice não podem participar de inaugurações de obras públicas.

De fato, quando a lei eleitoral quis estabelecer prazos em horas, ela assim o fez. Quando preferiu estabelecer em dias, também o fez expressamente. Logo, quando estabeleceu o prazo em meses, é porque não quis fazê-lo em horas ou em dias.

Como se sabe, a regra de contagem dos prazos é diferente e varia conforme sejam fixados em horas, dias ou meses.

“A contagem de prazo para este tipo de infração — ensina Antônio Augusto Mayer dos Santos — é feita mês a mês, independentemente do número de dias que formam cada um daqueles. Iniciado o prazo num determinado dia, vence em igual dia do mês seguinte, de tal forma que o prazo de três meses que anteceder, v.g., o pleito municipal de 2004, se insere entre 3 de julho e 3 de outubro do ano eleitoral, não correspondendo ao período de noventa dias do calendário estabelecido pela Lei Nº 810/49.

Sem razão os recorrentes, quando querem aplicar ao prazo fixado em meses as regras estabelecidas para a contagem dos prazos fixados em dias. Correta a observação dos promotores eleitorais, em suas contra-razões, verbis:

“(…) continua em pleno vigor a Lei nº 810, de 06.09.1949, a qual, em seu artigo 2º, estabelece que “considera-se mês o período do tempo contado do dia do início ao dia correspondente do mês seguinte”, ou seja, se o pleito eleitoral está marcado para o dia 03.10.2004, o prazo de três meses, em que a conduta descrita no art. 77 da Lei nº 9.504/97 é vedada, terá seu termo inicial, aproveitando-se a definição da referida lei especial, exatamente no dia 03.07.2004, que é o dia correspondente ao terceiro mês antecedente.”

O próprio recorrente Pedro Wilson Guimarães revelou, em entrevista concedia em 21 de junho (portanto em data anterior aos fatos narrados na representação) ao programa Informe Goiás, da Rede Record de Televisão, que não poderia estar presente nas inaugurações que ocorreriam depois do dia 2 de julho, em razão da vedação imposta pela legislação eleitoral, verbis:.

“Primeiro porque elas tão pronta (sic) as obras. Segundo por causa do prazo eleitoral, nós não podemos. Nós vamos deixar aí mais de 2 (duas) ou (três) dezenas de obras sem podermos inaugurar, por causa que a partir do dia 2 (dois) não pode ter a presença do Prefeito” (Fita VHS no autos, degravação às fls. 72).

O parecer

A Procuradoria Regional Eleitoral manifesta-se pelo conhecimento e improvimento do recurso, mantendo-se a sentença que aplicou aos recorridos Pedro Wilson Guimarães e Misael Pereira de Oliveira a sanção de cassação dos registros de suas candidaturas aos cargos de prefeito e vice-prefeito de Goiânia, por terem conscientemente participado de inaugurações de obras públicas em período vedado pela legislação eleitoral.

Goiânia, 02 de agosto de 2004.

Hélio Telho Corrêa Filho

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!