Alvo de investigação

Presidente do TRT paulista se diz vítima de perseguição política

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2 de agosto de 2004, 9h53

A presidente do Tribunal Regional do Trabalho, em São Paulo, Maria Aparecida Pellegrina, 65, afirma que é vítima de “perseguição política” e que o “período negro” que marcou a gestão do ex-presidente Nicolau dos Santos Neto é página virada.

“Acho que não há mais corrupção no TRT e que este tribunal está limpo. Acho que isso é uma página virada, mas só os anos irão mostrar”, disse anteontem a presidente, alvo de investigações do Ministério Público Federal.

Em ação penal, a juíza foi acusada de suposto direcionamento de licitação para a compra de móveis no valor de R$ 3,7 milhões. Ela é investigada ainda por dois contratos, um que garantiu a concessão, por 20 anos, da exploração comercial do estacionamento do fórum a uma empresa privada e outro assinado com uma empresa pertencente a um dos diretores da Construtora OAS, empreiteira responsável pela conclusão da obra, para manutenção da frota de carros.

“As acusações são injustas e inverídicas”, disse a juíza, que chorou e ficou com a voz embargada várias vezes durante as duas horas de entrevista.

O novo prédio do fórum trabalhista na Barra Funda (região central de São Paulo), conhecido pelas denúncias de desvio de R$ 169,5 milhões que envolveram o juiz Nicolau, foi inaugurado por Pellegrina em março.

Leia a entrevista concedida pela juíza ao jornal Folha de S. Paulo:

Folha – Por que a sra. é hoje alvo de diferentes ações do Ministério Público Federal?

Pellegrina – É simples. O que existia lá na avenida Marquês de São Vicente [endereço do novo prédio do TRT]? Um esqueleto que era o símbolo da corrupção, um grande trunfo para pessoas mal-intencionadas que não queriam que a obra fosse concluída. Mas o prédio foi concluído. As pessoas que fizeram a denúncia anterior [contra o juiz Nicolau], que ficou provada e da qual nós nos envergonhamos, são as mesmas que viram esse símbolo de corrupção desmoronar.

Folha – Quem é esse grupo? E por que, se denunciaram, hoje teriam interesse em esquemas escusos?

Pellegrina – Não vou falar nomes para não acusar sem provas. Mas são pessoas que têm um desafeto grande por mim, não gostariam que o prédio fosse concluído e têm interesses pessoais em manipular o tribunal. Eu tinha perfeita noção do passado negro da Justiça do Trabalho e, por isso, tomei todas as precauções. Todo mês, fiz prestações espontâneas de contas ao TCU [Tribunal de Contas da União], ao TST [Tribunal Superior do Trabalho] e ao Confea [Conselho Federal de Engenharia e Arquitetura]. Coloquei na internet até a última prestação da obra. Minha preocupação com a transparência foi até exagerada.

Folha – O empenho que a sra. disse ter dedicado à obra pode ter atropelado algumas fases da conclusão da obra?

Pellegrina – Acho que essas acusações viriam de qualquer forma. Sobre a questão dos móveis, por exemplo. Eu realmente queria acabar este prédio. Se eu não o fizesse, não sei quando terminaria. E terminei cinco meses antes do prazo previsto porque não havia mais condição de trabalhar nos prédios antigos. O da avenida Rio Branco era uma tragédia. Num dia, houve o refluxo de um vaso sanitário, que espalhou detritos orgânicos pelas dependências do prédio. Foram os funcionários, de calças arregaçadas, que salvaram os computadores e os processos.

Folha – Mas, de acordo com o relatório do TCU, essa aceleração causou um prejuízo de aproximadamente R$ 700 mil.

Pellegrina – Isso é açodado, como isto aqui também é açodado [a juíza exibe reportagem da Folha, da última sexta-feira, sobre as investigações contra ela]. Eu apresentei meus argumentos ao TCU. Disse que a aceleração da obra teve um aspecto econômico favorável. E estou certa de que o meu argumento será acolhido. O Ministério Público tem de fiscalizar, mas que o faça de uma forma correta. Estou indignada porque isso mancha o meu nome [fica com a voz embargada e lágrimas nos olhos]. Tenho 65 anos e a coisa mais próxima que tenho da ilicitude é multa de trânsito. Por isso tive tanta cautela. Concluímos a obra e não faltou um parafuso.

Folha – Segundo depoimentos na Procuradoria, a obra não estava pronta. A porta corta-fogo, por exemplo, não tinha maçaneta.

Pellegrina – Foi inaugurada com maçaneta. Arrancaram depois. Aquilo é quase uma cidade. Passam pelo prédio de 15 mil a 20 mil pessoas por dia. Mas a obra foi entregue inteira, conforme o edital.

Folha – A sra. foi citada em ação penal por prevaricação no contrato de compra de móveis para o TRT…

Pellegrina – Eu pedi para me citarem porque não fui ouvida pelo Ministério Público. Mas eu não entendo. Com esse contrato, o TRT conseguiu um valor abaixo do esperado. Nunca ouvi dizer que um subfaturamento gerasse desconfiança [a Informov, que ganhou a licitação, propôs R$ 3,89 milhões. O valor orçado pelo TRT era de R$ 5,4 milhões. Mas, segundo a denúncia, esse orçamento teria sido feito pela própria licitante, o que ela nega]. Naquele período, que chamamos de período negro do TRT, as irregularidades ocorreram porque o órgão não tinha capacidade de fiscalização. Eu usei técnicos do BB. Temos um único cargo de engenheiro e o resto são meros auxiliares.

Folha – Justamente por isso o TRT-SP criou, em 1998, após as denúncias contra o juiz Nicolau, um serviço próprio de engenharia. Por que esse setor foi desmontado?

Pellegrina – Não foi desmontado. Houve uma necessidade de reestruturar a casa. Estamos há 12 anos sem concurso público e novas varas foram criadas. Uma das moças, que hoje causa tantos problemas [Adriana Marcelino Carvalho], foi retirada do setor porque não trabalhava de acordo com a presidência. Ela apenas atendia ao então diretor de apoio administrativo [César Gilli].

Folha – Adriana, que é engenheira e era encarregada de fiscalizar a construção, disse que a sra. a proibiu de “pisar na obra”.

Pellegrina – Ela não foi proibida de pisar na obra. Foi proibida de criar problemas. Eles provocavam entraves por motivos políticos e eu precisei de coragem, de dar a cara para bater, para terminar a obra.

Folha – Joaquim Andrade Filho, do BB, disse que a obra seria concluída por R$ 45 milhões. “Não adianta falar que vai custar pouco e depois fazer aditivos”, ele afirmou. Porém, foram feitos 12 aditivos. A obra ficou em R$ 75 milhões.

Pellegrina – Não. Eu fiz as contas. Os aditivos somam R$ 12.985.778,69. A conclusão da obra custou R$ 68.247.556,93 [o sítio do TRT-SP na internet, no entanto, informa que o custo total foi de R$ 75,25 milhões]. Não houve irregularidade. Tudo foi feito com transparência e licitude para a obra ser concluída.

Folha – Por que o TRT, no contrato para manutenção dos carros, contratou a empresa que ficou em terceiro lugar na concorrência e oferecia uma preço três vezes maior?

Pellegrina – Ganhou a Uzeda, que demonstrou, num recurso minucioso, que os valores das duas primeiras colocadas eram absolutamente inviáveis. Se qualquer uma das duas fosse contratada, eu arrebentaria a frota de carros, que já é muito velha.

Folha – A desqualificação foi baseada exclusivamente no relatório da empresa que perdeu?

Pellegrina – Já achávamos que os valores oferecidos eram inviáveis. Quando veio esse recurso, a comissão de licitação do TRT, que é autônoma, fez um estudo mostrando que só a terceira colocada poderia ganhar.

Folha – A sra. sabia que a empresa escolhida é de um diretor da OAS, que fez a obra?

Pellegrina – Inicialmente, não. Eram muitas empresas. Depois tive conhecimento, mas a lei não proíbe. Esse contrato custa R$ 7.000 por mês. Acho que há uma vontade de criar uma celeuma, especialmente em torno da presidência. Mas um administrador público não pode se acovardar e foi o que tentei fazer. E fiz. As informações contra mim estão contaminadas e direcionadas para me desmoralizar. Eu me sinto vilipendiada, injustiçada e magoada. Mas nada tira a minha coragem para cumprir as minhas obrigações até o último dia do meu mandato. E eu não me arrependo de nada do que fiz

* Notícia transcrita do jornal Folha de S. Paulo

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