Regras do jogo

Lei de Imprensa não se aplica para ofensa publicada em panfletos

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1 de agosto de 2004, 10h53

As regras da Lei de Imprensa não se aplicam a ofensas publicadas em panfletos sindicais. Nestes casos, aplica-se o artigo 156 do Código Civil para reparação do dano moral sofrido pelo autor da ação. O entendimento é do desembargador Clarindo Favretto, da 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que condenou o Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Materiais Elétricos de Caxias do Sul, por danos morais.

O sindicato tentou se livrar da condenação alegando a decadência do direito e a ilegitimidade passiva para responder a ação. Os argumentos foram rejeitados. Ainda cabe recurso.

O relator baseou a sentença nos artigos 152, inciso III e artigo 1.523 do Código Civil. Segundo o desembargador, o sindicato é responsável pelo ato de seus funcionários. “A exposição atingiu os chamados direitos de personalidade, entre eles e o seu bom nome, sua imagem e a integridade de sua esfera íntima”, afirmou.

Fravetto ressaltou que “no que toca à existência ou não de dano moral, é de se ressalvar que a prova carreada aos autos é mais do que suficiente para o seu reconhecimento. Com efeito, o panfleto distribuído difamou o autor, imputando-lhe ofensas de cunho pessoal”.

Ele afirmou, ainda, que “a despeito de haver entre o funcionário do réu/apelante, que escreveu as ofensas no panfleto distribuído pelo réu, e o autor qualquer diferença de foro íntimo, ou qualquer motivação, por mais relevante que seja, o funcionário do Sindicato réu utilizou-se de meio desnecessário e imoderado, na medida em que externou, à vista de todos, menções injuriosas e difamatórias contra a pessoa do autor, não tendo o responsável, Sindicato, tomado as devidas precauções”.

Para o advogado especialista em crimes de imprensa, Nilson Jacob, do escritório Nilson Jacob Advogados Associados, “o caso pode configurar crime previsto no Cógo Penal, nos artigos 138, 139 e 140, e não na Lei de Imprensa por não se tratar de um jornal, revista ou periódico”.

Segundo o advogado, aplicar ao caso a Lei de Imprensa seria o mesmo que aceitar, por exemplo, que um bilhete com ofensas tivesse o mesmo tratamento.

Histórico

O sindicato apelou da decisão de primeiro grau, que fixou condenação por dano moral no valor de 150 salários mínimos.

O relator acolheu o pedido do sindicato, mas reduziu o valor para 80 salários mínimos. “Qualquer quantia a mais do que necessário à reparação do dano moral importará no enriquecimento sem causa”, disse.

Votaram de acordo com o relator, o desembargador Marco Aurélio dos Santos Caminha e a juíza-convocada Marta Borges Ortiz.

Leia a íntegra da sentença:

Processo nº 70002828473

RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS MORAIS. PANFLETOS DISTRIBUÍDOS PELO SINDICATO. EXPOSIÇÃO EM PÚBLICO DE MENÇÕES difamatórias E VEXATÓRIAS. LEI DE IMPRENSA. inaplicabilidade de suas regras na hipótese de ofensas inseridas em PANFLETO. rito comum. FIXAÇÃO DA VERBA INDENIZATÓRIA. CRITÉRIOS DE PRUDENTE ARBÍTRIO E RAZOABILIDADE DO JUIZ. EQUIVALÊNCIA AO SALÁRIO-MÍNIMO. POSSIBILIDADE.

Dano moral é reputado como sendo a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo da normalidade, interfira no comportamento psicológico do indivíduo, causando aflições, angústia e desequilíbrio no seu bem-estar.

Tratando-se de hipótese em que o panfleto foi utilizado apenas como veículo físico para a divulgação de “assuntos do Sindicato”, o qual continha palavras reputadas de ofensivas à honra do autor, mister se faz o afastamento de incidência da Lei de Imprensa.

Para fins de aplicação das regras da Lei de Imprensa, o fato reputado como ilícito deve, necessariamente, decorrer de veiculação de notícia reputada de grave conseqüência pelo sedizente ofendido.

Sentença confirmada, em parte.

Apelação Cível

Quinta Câmara Cível

N° 70002828473

Caxias do Sul

Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgicas, mecânicas e de materiais elétricos de Caxias do Sul apelante e Paulo Ademir da Silva apelado(a)

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Quinta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, rejeitadas as preliminares, dar parcial provimento ao apelo.

Custas, na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores Des. Marco Aurélio dos Santos Caminha e Drª. Marta Borges Ortiz.

Porto Alegre, 06 de junho de 2002.

Des. Clarindo Favretto,

Presidente e Relator.

RELATÓRIO

Des. Clarindo Favretto (Relator) – SINDICATO DOS TRABALHADORES NAS INDÚSTRIAS METALÚRGICAS, MECÂNICAS E DE MATERIAIS ELÉTRICOS DE CAXIAS DO SUL, nos autos da Ação de Indenização por Dano Moral que lhe move PAULO ADEMIR DA SILVA, apela da sentença que julgou procedente a ação e condenou o demandado a pagar ao autor, a título de indenização por dano moral, o equivalente a 150 salários mínimos, sob o fundamento de que houve dano moral subjetivo, sem reflexos patrimoniais ou financeiros, pois que demonstrada a existência de dano injusto, decorrente de ato ilícito do demandado que, de forma abusiva e irresponsável, passou a distribuir panfletos ofensivos em relação à pessoa do autor.


Aduz, preliminarmente, a decadência do direito do autor, pela inércia, de acordo com o artigo 56 da Lei 5210/67 e a ilegitimidade passiva do Sindicato, pois que as pessoas jurídicas sem fins lucrativos, como os sindicatos, não devem responder por atos de seus prepostos.

Alega que os pressupostos da responsabilidade civil (ação ou omissão voluntária, culpa, ato ilícito, dano e nexo causal) não se encontram no caso presente e, uma vez não comprovados, não há obrigação de indenizar.

Sustenta ser excessiva a condenação em 150 salários mínimos, sendo que a suposta difamação se deu em universo restrito e, que não há lógica em penalizar com elevada soma um sindicato de trabalhadores, de modo tal a dificultar o cumprimento de seus relevantes desideratos constitucionais, legais e estatutários.

Diz, ainda, que de acordo com o artigo 20 e 21 do Código de Processo Civil a sucumbência deve ser recíproca, e que ao fixar o quantum indenizatório em número de salários mínimos, a decisão recorrida afronta a vedação expressa no artigo 7º da Constituição Federal.

Com preparo e apresentadas contra-razões, vieram os autos conclusos

É o relatório.

VOTO

Des. Clarindo Favretto (Relator) – Da preliminar de decadência.

Rejeito.

Com efeito, a demanda reparatória não se enquadra na matriz da Lei de Imprensa, n.º 5.250/67, não se submetendo, pois, às regras nela previstas.

No caso vertente, o réu, ora apelante, responde por violação à honra e à imagem, em decorrência de veiculação de panfleto. Para aplicação dos preceitos previstos na Lei de Imprensa, a busca de indenização decorre de veiculação de notícia reputada de grave conseqüência pelo seu sedizente ofendido; lei especial que afastaria a incidência do Código Civil.

Entretanto, trata-se, na espécie, de hipótese em que o periódico foi utilizado apenas como veículo físico para a divulgação de “posições sindicais”, o qual continha palavras reputadas de ofensivas à honra do autor, circunstância que afasta a incidência da Lei de Imprensa.

Desse modo, sendo a natureza da ofensa que balizou o rito procedimental a ser adotado, a ação mereceu, como corretamente decidiu a magistrada singular, tramitar pelo rito comum, fundado no art. 159 do Código Civil, e, não, pelo específico, que é tabulado na Lei n.º 5.250, de 1967, sendo, pois, afastada a incidência da regra do artigo 56 da Lei 5.250/67.

Por esta razão, não pode ser reconhecida a decadência pleiteada pelo réu/apelante, motivo pelo qual rejeito a preliminar.

Da preliminar de ilegitimidade passiva.

A responsabilidade do réu está calcada na regra do artigo 1.521, inciso III, do Código Civil, que diz que são também responsáveis pela reparação civil o patrão por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou por ocasião dele.

Ademais, como se pode constatar no verso do panfleto (fls. 10 verso), o mesmo é “Publicação Oficial do Sindicato…”. E ainda, como dito pelos sindicalistas Assis Flavio da Silva Mello (fls. 70v) e Mari dos Santos Néri (fls. 72) o panfleto “O Tocha” foi publicado e distribuído sob a responsabilidade e às expensas do Sindicato-réu. A ação foi proposta contra o Sindicato, não por exclusiva ação de prepostos, incidente a regra do art. 159 do Código Civil.

Presumo que fosse no teor do art. 1521 – III, o art. 1523 exceptua a exclusão feita pelo art. 1522, pois que o ato ilícito foi praticado em coautoria

Assim, rejeito a preliminar.

No mérito.

Procede em parte o recurso.

No que toca à existência ou não de dano moral, é de se ressalvar que a prova carreada aos autos é mais do que suficiente para o seu reconhecimento.

Com efeito, o panfleto distribuído difamou o autor, imputando-lhe ofensas de cunho pessoal.

Ocorre que, a despeito de haver entre o funcionário do réu/apelante, que escreveu as ofensas no panfleto distribuído pelo réu, e o autor qualquer diferença de foro íntimo, ou qualquer motivação, por mais relevante que seja, o funcionário do Sindicato réu utilizou-se de meio desnecessário e imoderado, na medida em que externou, à vista de todos, menções injuriosas e difamatórias contra a pessoa do autor, não tendo o responsável, Sindicato, tomado as devidas precauções.

O ressarcimento do dano moral não tende à restituição do dano causado como se patrimonial fosse, tendo mais uma genérica função satisfatória, com a qual se procura um bem que compense, de certo modo, o sofrimento ou a humilhação sofrida.

Portanto, dano moral é reputado como sendo a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo da normalidade, interfira no comportamento psicológico do indivíduo, causando aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar.


No instante em que o réu expôs em público, os ataques pessoais, feriu, ele, intimidade do autor, ora apelado, na medida em que violou seus direitos subjetivos privados.

Esta exposição alcançou a vítima e o complexo de suas relações sociais vindo atingir os chamados direitos da personalidade, dentre eles o seu bom nome, a sua imagem, a integridade da sua esfera íntima.

Por tais razões é que reconheço a ocorrência de dano moral a ensejar a indenização por parte do réu, visto que sua conduta de imputar, publicamente, fatos vexatório à vítima, veio causar a esta abalo moral, razão pela qual não merece modificação a bem lançada sentença.

Assim, de igual forma, o princípio da razoabilidade, inserto no art. 1.059, CC, para a fixação do lucro cessante, deve ser adotado pelo juiz no arbitramento do dano moral. Por isso, é de ser acolhida a inconformidade do Apelante em relação ao quantum indenizatório

É razoável tudo aquilo que é sensato, comedido, moderado, isto é, que guarda uma certa proporcionalidade. O magistrado, ao valorar o dano moral, deve arbitrar uma quantia que, de acordo com o seu prudente arbítrio, seja compatível com a reprovabilidade da conduta ilícita e a gravidade do dano por ela produzido, servindo-lhe, também, de norte, o princípio acima citado, de que é vedada a transformação do dano em fonte de lucro.

Qualquer quantia a mais do que a necessária à reparação do dano moral importará em enriquecimento sem causa, ensejador de novo dano.

Há de se ter, ainda, como critério na conversão do dano moral em pecúnia, a observância da condição social e patrimonial do ofensor e do lesado.

Jungido a isso, deve ser observado o fato de que, no caso em comento, apesar do sofrimento experimentado pela vítima ter repercutido no mundo exterior, porquanto fora realizado diante de outras pessoas, ficou adstrito ao local de trabalho, bem como as associados do sindicato.

Assim, de uso de bom senso no exame do caso concreto, tenho que o valor da indenização deve ser reduzido para o valor equivalente a 80 (oitenta) salários mínimos.

E mais, corretamente aplicado o valor equivalente a salários mínimos, já que não fora fixada a verba condenatória em salários mínimos, mas sim em valor, repete-se, equivalente.

No que pertine a verba honorária e sucumbencial, da mesma forma não merece reforma a sentença, já que decaiu em parte mínima do pedido o autor, qual fora, o valor pleiteado a título de danos morais. O ponto crucial e essencial da lide, a existência do ato ilícito, fora totalmente procedente.

Destarte, conheço do recurso e, rejeitadas as preliminares, lhe dou provimento, em parte, para fixar a indenização no equivalente a 80 (oitenta) salários mínimos, mantida, quanto ao resto, a sentença recorrida, em seus termos.

É como voto.

Des. Marco Aurélio dos Santos Caminha (REVISOR) – De acordo.

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