Crime quase perfeito

Funcionária do INSS e marido são condenados a 11 anos de prisão

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28 de abril de 2004, 18h53

Acusados de desviar R$ 3 milhões dos cofres do INSS, a ex-gerente da regional do Instituto em Campinas, Alzira Luzia Lourenzi Luciano, e seu marido, Maurício Ferreira Luciano, foram condenados a 11 anos de prisão em regime fechado e ao pagamento de R$ 84 mil cada um.

A decisão é do juiz Fernando Moreira Gonçalves, da 1ª Vara da Justiça Federal de Campinas. Os réus poderão recorrer da decisão em liberdade.

O desvio era feito por meio da apropriação de solicitações de Pagamentos Alternativos de Benefícios (PAB). O processo era simples: Alzira gerava um pagamento de benefício no sistema, ao qual era uma das únicas pessoas a ter acesso, e Luciano retirava o depósito numa agência do Banco do Brasil apresentando uma procuração falsificada.

Desconfiado da presença constante de Luciano na agência, o Banco do Brasil questionou o INSS sobre os pagamentos. Foi assim desvendado o esquema das apropriações ilegais, que, segundo a denúncia do Ministério Público, chegaram a 84 solicitações.

Em sua defesa, a ex-gerente alegou que não cometeu 84 delitos, e sim cerca de vinte. Luciano, por sua vez, alegou que confiou na mulher e não sabia que estava cometendo ato ilícito ao sacar o dinheiro no banco. Justificativa que, segundo a decisão, “beira ao escárnio”.

Leia íntegra da decisão

Processo n.º 1999.61.05.011926-3

Natureza: Ação Criminal

Autor: Justiça Pública

Réus: Alzira Luzia Lourenzi Luciano e Maurício Ferreira Luciano

1ª Vara Federal de Campinas/SP

Vistos Etc.

Alzira Luzia Lourenzi Luciano e Maurício Ferreira Luciano foram denunciados pelo Ministério Público Federal como incursos nos artigos 312, caput, 327, § 2º, 299, parágrafo único, c.c. 29, 30, 69 e 71, todos do Código Penal, porque, segundo a denúncia, no período de 24 de fevereiro de 1997 a 23 de novembro de 1998, os denunciados, agindo em comunhão de esforços e unidade de desígnios, desviaram dinheiro dos cofres do INSS – Agência de Campinas/SP – mediante a apropriação de oitenta e quatro solicitações de Pagamentos Alternativos de Benefícios (PAB), emitidas fraudulentamente pela co-ré Alzira, na condição de gerente daquela autarquia, auxiliada por seu marido, o co-réu Maurício, que recebia os valores pagos pelo INSS, valendo-se de procurações ideologicamente falsas.

A denúncia foi recebida em 03 de dezembro de 1999, por meio da decisão de fls. 168/170.

Os réus foram citados pessoalmente (fls.172v) e interrogados (fls. 261/265 e 266/268), ocasião em que foi deferida a realização de exame médico-legal para se aferir a imputabilidade da acusada Alzira, suspendendo-se o processo para esse fim específico (fls. 269).

Nos autos em apartado nº 2000.61.05.000215-7 (Incidente de Insanidade Mental), o laudo psiquiátrico concluiu pela imputabilidade da acusada, razão pela qual foi determinado o regular prosseguimento do feito (fls. 485).

A defesa prévia dos acusados foi apresentada a fls. 275/277, acompanhada dos documentos de fls. 278/298.

No decorrer da instrução processual, foram ouvidas as testemunhas Maria Valentina Zampa (fls. 519/520), José Antônio Furlan (fls. 521), Devanir dos Santos (fls. 645/649), Sebastião Moreira Filho (fls. 650/651), José Gomes de Almeida (fls. 652/653), Nelson Pousa (fls. 654/656), José Carlos Fiúza (fls.692/694), Laerte Horta (fls.704/705), Miya Komatsu (fls. 706), Maria Doralice Pinho (fls. 716/718), arroladas pelo Ministério Público, que desistiu da oitiva da testemunha Luiz Eduardo dos Santos (fls. 710).

Foram ouvidas, ainda, as testemunhas de defesa José Antônio Furlan (fls. 824/825), Laerte Horta (fls.844), Elisabeth Maria Santos Meirelles Parreira, (fls. 866/867), Célia Regina Trevenzoli (fls. 868/870), Lenir Caetano da Silva (fls. 871/872), José Osmar Tocantins Massola (fls. 873/875) e Nelson Pousa (fls. 935), arroladas pela defesa, que desistiu da oitiva das testemunhas Fábio Eduardo Iaderozza, Eduardo Azevedo Burnier, Maria Rita Franco Cação Chiconini e Adriana Ferreira Calhau (fls. 876).

Na fase do artigo 499, do Código de Processo Penal, a acusação nada requereu (fls. 984). A defesa, por sua vez, pleiteou a juntada das procurações originais (fls. 985), tendo o INSS informado a fls. 991/992 que a documentação requerida, bem como os recibos de pagamento, não se encontram arquivados naquela instituição. Foram apresentados informes para confirmar os pagamentos dos oitenta e quatro PAB’s (fls. 996/1078).

Em sede de alegações finais, o Ministério Público Federal postulou a condenação dos réus, por entender comprovada a materialidade e a autoria delitivas, pela emissão irregular de Pagamentos Alternativos de Benefícios, falsificação de procurações, uso de documentos falsos (com falsidade material e ideológica), saque em proveito próprio dos valores e, por fim, pela alteração dos endereços no sistema da Previdência Social. Requereu, ainda, a condenação dos patronos dos réus por litigância de má-fé (fls. 1085/1154).


A defesa, em suas alegações finais, postulou a absolvição dos réus, sustentando inicialmente a ausência de dolo na conduta do co-réu Maurício. Alega, ainda, que não há provas para amparar a acusação em todos os oitenta e quatro casos apontados na denúncia, haja vista que a confissão da co-ré Alzira se restringe a cerca de 15 ou 16 casos, havendo dúvidas, segundo a defesa, a respeito da autoria dos demais casos. Contesta, igualmente, a prova pericial realizada sobre as cópias reprográficas dos documentos utilizados nos levantamentos das respectivas importâncias nas agências bancárias. Contesta, também, a tipificação dada aos fatos pela acusação. Rebate, finalmente, o pedido de litigância de má-fé formulado pelo Ministério Público.

É o relatório.

Decido.

Inicio a fundamentação desta sentença rejeitando de plano o pedido de condenação dos patronos dos réus por litigância de má-fé, conforme formulado pelo Ministério Público Federal em suas alegações finais. Assim decido porque nada há nos autos que indique qualquer conduta temerária ou abusiva dos ilustres advogados que atuam na defesa dos acusados. Ao contrário, em todas as intervenções da defesa neste processo, verifica-se estrito respeito aos padrões éticos e legais que norteiam o exercício profissional da advocacia, restando sobejamente esclarecida a divergência a respeito dos artigos juntados a estes autos, não merecendo essa questão maiores considerações da parte deste juízo.

A respeito dos fatos narrados na denúncia, a co-ré Alzira Luzia Lourenzi Luciano foi interrogada a fls. 261/265, ocasião em que confessou em parte a prática dos delitos que lhe são imputados na denúncia. Afirma que não cometeu todos os oitenta e quatro delitos narrados na denúncia. Confessa, no entanto, que praticou por cerca de vinte vezes a conduta narrada na denúncia.

Em sua confissão parcial, a co-ré Alzira afirma que foi a responsável pelo preenchimento das procurações ideologicamente falsas, entregando-as para o co-réu Maurício assinar. Confessou, ainda, que realmente alterou, no sistema de informática da Previdência, o endereço dos segurados cujos nomes foram utilizados nas fraudes. Assim agiu porque queria evitar que eles soubessem do que estava ocorrendo.

Em sua defesa, a acusada sustenta que, entre o setor de concessão e o setor de atualização, havia em torno de cinqüenta funcionários que possuíam a sua senha e que qualquer um deles pode ter cometido conduta semelhante. Alegou, ainda, que, ao contrário do exposto na denúncia, o valor obtido do INSS não chega perto dos R$ 1.463.527,03, calculando chegar o valor a aproximadamente R$ 200.000,00.

O co-réu Maurício Ferreira Luciano, por sua vez, interrogado a fls. 266/268, afirmou ser casado com a co-ré Alzira há vinte e cinco anos e confessou ter se dirigido às agências do Banco do Brasil, por no máximo quinze ou dezesseis vezes, e não oitenta e quatro vezes como narra a peça acusatória, sempre a pedido de sua esposa, para transferir os valores para sua conta em uma agência do Banco Bradesco.

Nada obstante a negativa parcial de autoria dos delitos, apresentada pelos réus em seus interrogatórios, o conjunto probatório contido nos autos, em especial a prova documental, é robusto e não deixa dúvidas a respeito da autoria e da materialidade dos delitos narrados na denúncia.

Com efeito, os apensos deste processo trazem, além de outros documentos, cópias de procurações que teriam sido supostamente outorgadas em favor do co-réu Maurício Ferreira Luciano, acompanhadas dos respectivos recibos de pagamento dos valores, gerados no sistema da Previdência em nome de: Aparecida Bueno dos Santos, Maria do Carmo Ximenes dos Santos, Joana Teixeira Lopes, Geraldo Soares, Ana de Oliveira Souza, Luzia Marcondes Pereira dos Santos, Denise Coutinho, Aparecido Maria de Oliveira, Aparecido de Jesus Prando, Antônio Carlos de Lima, Cícera da Silva, Filomena Marques da Silva, José de Camargo, José Marques de Souza Filho, Leonacia Nogueira de Oliveira, Maria Florinda Dias, Marlene de Souza Frias, Marlene Neves de Oliveira, Matilde Araújo da Silva, Messias Januário de Souza, Pedro Alexandre Santana, José Alves de Oliveira, Antônio José da Silva, Maria Antonia Barbosa, Jerônima de Jesus da Silva, Rosa Dias Eiras dos Santos, Maria de Lourdes Santos, Jair José da Costa, Lúcia Helena de Mattos, Mário Sérgio de Freitas, Angelina Galdão Orlando, Luiza de Barros Sebastião, Maria Aparecida Oliveira dos Santos, Sebastião Moreira Filho, Marina Maria da Conceição dos Santos, Olympia Martins, Euda Campos dos Santos, Maria Doralice Pinho, Maria Pasqualini Silva, Antônio Rodrigues Gomes, Leonor Moreno Almeida, Felícia Maria B. Bettiol, Silvio Eugênio do Nascimento, Jurandir de Oliveira e José Gomes de Almeida.

Há, também, nos autos em apensos, cópias de recibos de pagamentos efetuados pelo Banco do Brasil ao co-réu Maurício, na condição de procurador dos seguintes segurados da Previdência: Izaura Marani Alves, Maria Aparecida D. de Souza, Alcides Pin, Rita Rafael Lopes, João de Moraes, Lindinalva R. da Silva, Maria Ribeiro Ferreira, Maria Conceição da Silva, Brigida da Silva, José de Souza Ribeiro, Maria Joana R. de Almeida, Pedro Martins Braga, Hilda Oliveira, Miguel Rosa da Silva, Maria Aparecida M. Augusta, Antônio Fracaroli, Leonor de Oliveira Moraes, Maria Gonçalves Gomes, Jorge de Paula, Adelaide Santos Oliveira, Suzana Benedita N. Oliveira, José Roberto Camargo, Albaniza Lima dos Santos, Orácia Barbosa de Jesus, Juvenil Jacinto, Abel Xavier Leal, Maria Rosa Barbosa Souza, José Ananias Filho, Nair Sabio da Silva, Claricinda Theodoro Ferreira, Claudomiro G. de Souza, Antônio Pereira da Silva, Inácio Bazilio da Silva, Francisco Matias Teodoro, Nelson Pousa, Odila Vicente dos Santos, Mercedes de Oliveira e José Aparecido Soares.


O laudo pericial de fls. 133/144, em resposta ao ofício de n.º 2205/99, no seu item “1” de fls. 143, confirma que partiram do punho da co-ré Alzira Luzia Lourenzi Luciano as assinaturas apostas no campo reservado ao outorgante, nas procurações fraudulentamente emitidas em nome de Marina Maria da Costa dos Santos; Jurandir de Oliveira; José Gomes de Almeida; Antônio Rodrigues Gomes; Maria Aparecida Oliveira dos Santos; Luzia de Barros Sebastião; Euda Campos dos Santos; José Alves de Oliveira; Maria de Lourdes Santos; Sebastião Moreira Filho; Jair José da Costa; Angelina Galdão Orlando e Felícia Maria Bernadelli Bettiol.

O mesmo laudo pericial, a fls. 143, na resposta à pergunta “4”, e nas respostas “2” e “3” de fls. 144, confirma que partiram do punho do co-réu Maurício Ferreira Luciano as assinaturas contidas nos recibos de pagamento em nome dos seguintes segurados da Previdência: Aparecida Bueno dos Santos; Maria do Carmo Ximenes dos Santos; Joana Teixeira Lopes; Geraldo Soares; Ana de Oliveira Souza; Luzia Marcondes P. dos Santos; Denise Coutinho; Aparecido Maria de Oliveira; Aparecido de Jesus Prando; Antonio Carlos de Lima; Maria Pasqualini da Silva; Maria Doralice Pinho; Olympia Martins; Antonio José da Silva; Lucia Helena de Mattos; Mario Sérgio de Freitas; Jerônima de Jesus da Silva; Maria Antonia Barbosa; Marina Maria da C. dos Santos; Jurandir de Oliveira; Pedro Alexandre Santana; José Gomes de Almeida; Antonio Rodrigues Gomes; Maria Aparecida O. dos Santos; Luzia de Barros Sebastião; Euda Campos dos Santos ; José Alves de Oliveira; Maria de Lourdes Santos; Sebastião Moreira Filho; Leonor Moreno Almeida; Jair José da Costa; Angelina Galdão Orlando; Felícia Maria B. Bettiol; Rosa Dias Eiras dos Santos; Silvio Eugênio do Nascimento; Rosa Dias Eiras dos Santos; Silvio Eugênio do Nascimento; Rita Rafael Lopes; Suzana Benedita N. Oliveira; Abel Xavier Leal; Alcídes Pin; Adelaide Santos Oliveira; Maria Rosa Barbosa Souza; Maria Joana R. de Almeida; Maria Gonçalves Gomes; Maria Aparecida M. Augusta; Lindinalva R. da Silva; Juvenil Jacinto; João de Moraes; Inácio Bazílio da Silva; Hilda Oliveira; Francisco Matias Teodoro; Brigida da Silva; Antonio Pereira da Silva; Antonio Fracaroli; Pedro Martins Braga; Orácia Barbosa de Jesus; Odila Vicente dos Santos e Nelson Pousa.

Os peritos também confirmam que as assinaturas constantes nas procurações emitidas em nome dos segurados Rosa Dias Eiras dos Santos e Silvio Eugênio do Nascimento partiram do punho do co-réu Maurício.

Em todos esses casos, ressalte-se, jamais houve verdadeira outorga de procuração pelos segurados da Previdência acima referidos ao co-réu Maurício, para que fossem recebidos quaisquer valores pagos pelo INSS, sendo todas as procurações e respectivos recebimentos de valores produto única e exclusivamente de fraude.

Não fosse a prova pericial, esse fato poderia ser constatado apenas pelos depoimentos prestados em juízo pelos vários segurados do INSS, que tiveram seus nomes utilizados para a prática da fraude, e reiteraram que jamais autorizaram o co-réu Maurício a receber qualquer valor em seus nomes.

De grande importância para instrução feito, também, foi o depoimento prestado por Maria Valentina Zampa, a fls. 519/520, funcionária contratada pela Inspetoria Geral do INSS e que atuou na missão especial designada para investigar as fraudes na Agência do INSS em Campinas.

Com efeito, a referida testemunha declarou que os desvios foram constatados na forma e valores descritos na denúncia, todos praticados mediante a utilização do Pagamento Alternativo de Benefícios (PAB), em quantidade e valores elevados, sempre pelo “Motivo 35”. Esclareceu, ainda, que somente a gerente da Agência, que no período dos fatos era a co-ré Alzira Luzia Lourenzi Luciano, poderia realizar as operações invocando o “Motivo 35”, que gera um pagamento on line, mediante a utilização de sua senha particular e individual.

Após realizadas as referidas operações, pela acusada, o recebimento dos valores era posteriormente realizado pelo marido da acusada, o co-réu Maurício Ferreira Luciano, mediante a fraude descrita na denúncia, qual seja, o uso de procurações ideologicamente falsas, com posterior transferência do dinheiro para sua conta pessoal.

A mesma testemunha esclareceu, ainda, que, para completar a fraude, a co-ré Alzira alterava o endereço dos segurados no sistema de informática do INSS, de forma a impedir que eles tivessem ciência da realização dos pagamentos feitos em seus nomes.

O depoimento da testemunha Maria Valentina Zampa é, em síntese, corroborado a fls. 692/694 pela testemunha José Carlos Fiúza, também designado para investigar as fraudes cometidas pelos acusados.

A testemunha Devanir dos Santos, substituta da co-ré Alzira na Agência do INSS em Campinas, foi ouvida a fls. 645/649 e declarou que sua senha foi indevidamente utilizada pela acusada para comandar alguns pagamentos indevidos de PAB, no período em que a depoente não se encontrava na Gerência Regional do INSS em Campinas. Afirmou, ainda, que cada um dos funcionários da Agência tinha a sua própria senha para realizar o seu serviço específico.


As testemunhas arroladas pela defesa pouco acrescentam ao conjunto probatório, exceto a tentativa de demonstrar que outro funcionário poderia utilizar a senha da acusada Alzira para realizar as fraudes descritas na denúncia.

Essa possibilidade, sustentada pela defesa nas alegações finais de fls. 1204/1219, onde afirma que cerca de 70 levantamentos podem ter sido feitos por outras pessoas, no entanto, restou isolada no conjunto probatório contido nos autos, que demonstra, acima de qualquer dúvida razoável, que foram os réus os responsáveis pelas fraudes narradas na denúncia.

Nesse sentido, a simples constatação ictu oculi da assinatura do co-réu Maurício nos recibos bancários de pagamento dos valores narrados na denúncia, contidos nos autos em apenso, confirmada em dezenas de casos submetidos à perícia, cuja validade a defesa não conseguiu afastar, já seria suficiente para demonstrar a autoria das fraudes. Caso, aliás, houvesse alguma dúvida a respeito da validade da prova pericial realizada nestes autos, essa dúvida estaria solucionada pelos esclarecimentos da perícia, juntados aos autos pelo Ministério Público Federal na fase de alegações finais (fls. 1161/1191).

Mais do que o exame isolado da referida perícia, no entanto, ou mesmo a análise de cada fraude isoladamente, o que possui maior relevo nestes autos é a análise do conjunto probatório como um todo, demonstrando um nítido liame seqüencial entre as fraudes, realizadas todas na mesma Agência do INSS, com pequeno intervalo temporal entre cada uma, utilizando-se sempre o mesmo modus operandi, já amplamente relatado, consistente na utilização do “Motivo 35”, para se gerar um Pagamento Alternativo de Benefício, posteriormente recebido pelo co-réu Maurício, na condição de procurador do beneficiário.

O recebimento dos valores pelo co-réu Maurício espanca qualquer dúvida a respeito da autoria das fraudes.

Esse fato, somado à demonstração de que somente a co-ré Alzira poderia invocar, na condição de gerente-regional, o “Motivo 35” para a realização do pagamento dos benefícios, bem como a alteração de endereços feita pela co-ré Alzira no sistema do INSS para impedir que os segurados tivessem ciência da fraude, além dos depoimentos prestados pelos segurados reiterando que nunca autorizaram o recebimento desses valores pelo co-réu Maurício, tudo isso somado compõe um conjunto harmônico, coerente, e concatenado de provas, que permite afirmar, com a segurança necessária para a prolação de um decreto condenatório, que os réus praticaram os oitenta e quatro delitos narrados na denúncia.

Nessa associação criminosa, realizada pelos réus, restou provado que ambos cumpriam papel relevante no esquema de fraudes, que somente podia ser concluído com êxito graças à pluralidade de condutas de cada um dos acusados, pois enquanto a co-ré Alzira se ocupava de fraudar internamente o sistema do INSS, ao co-réu Maurício era atribuído o não menos relevante papel de receber os valores, mediante o uso de procurações falsas, e transferir esses valores para contas bancárias onde poderiam ser livremente movimentados.

Nesse ponto, beira ao escárnio as afirmações feitas pelo co-réu Maurício, de que recebeu, a pedido de sua esposa, quantias elevadas de dinheiro pagas pelo INSS em nome de terceiros, transferindo em seguida esses valores – que não lhe pertenciam – para a sua conta bancária pessoal, sem nunca desconfiar que se tratava de desvio criminoso de recursos públicos.

Dessa forma, por julgar que os réus efetivamente praticaram, em concurso de agentes, os fatos narrados na denúncia, passo à análise da tipificação legal desses fatos, uma vez que o Ministério Público pede a condenação dos réus pelos crimes de peculato e falsidade, em concurso material, enquanto a defesa refuta essa tipificação.

Nesse ponto, assiste razão à defesa, pois o peculato, consistente na apropriação indevida dos recursos públicos, era o delito fim buscado pelos réus, tendo as falsificações de documentos públicos e particulares sido praticadas como meio de se atingir esse objetivo.

Em razão de ser o crime de peculato punido de forma mais severa que o crime falsidade, deve ele absorver o crime de falso, ficando os réus incursos somente nas penas do peculato.

Na dosimetria da pena, por outro lado, verifico que assiste razão ao Ministério Público, ao sustentar que as circunstâncias previstas no artigo 59, do Código Penal, são desfavoráveis aos réus.

Com efeito, o grau de culpa dos acusados é elevado, uma vez que a co-ré Alzira detinha, na época dos fatos, o mais elevado cargo de chefia do INSS na região de Campinas. A ela foi confiada, pela Administração Pública, função de grande responsabilidade. Ao utilizar os poderes que lhe foram confiados para desviar em proveito próprio dinheiro pertencente ao INSS, a co-ré Alzira, auxiliada pelo co-réu Maurício, traiu gravemente os deveres de seu cargo.


As conseqüências do crime são graves, pois conforme ressaltou o Ministério Público em suas alegações finais, não se pode ignorar que o dinheiro da Previdência destina-se ao pagamento e à subsistência da parcela mais pobre da população. Ao desviarem em proveito próprio, quantias elevadas de dinheiro pertencente ao orçamento da Previdência Social, os réus demonstraram desprezo pelas graves conseqüências sociais de seus atos.

Além disso, os fatos tiveram grande repercussão no meio social, contribuindo para o descrédito das instituições públicas.

As quantias desviadas são elevadas e a ambição desmedida que moveu os réus ora condenados é altamente reprovável.

Assim, levando em consideração as circunstâncias desfavoráveis acima expostas e a necessidade de reprovação da conduta praticada, fixo a pena-base, para cada um dos crimes de peculato, no termo médio entre o mínimo de dois e o máximo de doze, ou seja, fixo a pena-base para o crime de peculato em 07 (sete) anos de reclusão, para cada um dos réus.

Em razão das condições de tempo, lugar e maneira de execução semelhantes, reconheço a continuidade delitiva entre os crimes de peculato praticados pelos réus, motivo pelo qual aplico aos réus a pena de um só peculato, nos termos do artigo 71, do Código Penal, aumentada de dois terços, em razão da grande quantidade de crimes, o que resulta numa pena privativa de liberdade de 11 (onze) anos e 8 (oito) meses de reclusão.

O regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade será o fechado, conforme estabelece o artigo 33, § 2.º, “a”, do Código Penal.

Condeno os réus, também, ao pagamento de multa, que ora fixo, para cada crime de peculato, acima do mínimo legal, em 210 (duzentos e dez) dias-multa, para cada réu, em razão das mesmas circunstâncias desfavoráveis previstas no artigo 59, do Código Penal, já expostas para a fixação da pena privativa de liberdade acima do mínimo legal.

Em atenção à situação econômica dos réus, que não podem ser considerados pessoas pobres, fixo o valor de cada dia-multa em 01 (um) salário-mínimo vigente à época dos fatos.

Na pena de multa, aplico a mesma regra da continuidade delitiva, nos mesmos termos em que foi aplicada para a pena privativa de liberdade, para condenar cada réu ao pagamento de uma única sanção pecuniária, acrescida de dois terços, o que resulta numa pena pecuniária de 350 (trezentos e cinqüenta) dias-multa.

Ante o exposto, julgo PROCEDENTE a presente a ação penal para:

CONDENAR a co-ré ALZIRA LUZIA LOURENZI LUCIANO, RG n.º 6.832.334 SSP/SP, a cumprir 11 (onze) anos e 08 (oito) meses de reclusão, em regime inicial fechado, e a pagar 350 (trezentos e cinqüenta) dias-multa, fixado o valor de cada dia-multa em 01 (um) salário-mínimo vigente à época dos fatos, por haver infringido o artigo 312, caput, do Código Penal, por oitenta e quatro vezes, em continuidade de delitos;

CONDENAR o co-réu MAURÍCIO FERREIRA LUCIANO, RG n.º 10.510.806 SSP/SP, a cumprir 11 (onze) anos e 08 (oito) meses de reclusão, em regime inicial fechado, e a pagar 350 (trezentos e cinqüenta) dias-multa, fixado o valor de cada dia-multa em 01 (um) salário-mínimo vigente à época dos fatos, por haver infringido o artigo 312, caput, c.c. art. 29, ambos do Código Penal, por oitenta e quatro vezes, em continuidade de delitos.

O valor da multa deverá ser atualizado, quando da execução, nos termos do artigo 49, § 2.º, do Código Penal.

Concedo aos réus o direito de apelar da presente sentença em liberdade.

Encaminhe-se cópia desta sentença à eg. 7.ª Vara Federal desta Subseção Judiciária, onde tramita a ação civil por ato improbidade contra os réus, pelos mesmos fatos objeto desta sentença.

Após o trânsito em julgado, lancem-se os nome dos réus no rol dos culpados.

As custas processuais deverão ser pagas oportunamente pelos réus, na proporção de metade para cada um.

P.R.I.C.

Campinas, 23 de abril de 2004.

Fernando Moreira Gonçalves

Juiz Federal

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