Casal Capiberibe

Leia os votos dos ministros Velloso e Neves no caso Capiberibe

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28 de abril de 2004, 18h42

Coube aos ministros Carlos Mário Velloso e Fernando Neves a polarização das posições que resultaram na cassação das candidaturas do senador João Capiberibe (PSB-AP) e da deputada federal Janete Capiberibe (PSB-AP) por 4 votos contra 2, na noite da terça-feira 27/4 pelo Tribunal Superior Eleitoral.

As posições foram estabelecidas logo no início do julgamento. O primeiro a falar foi o relator Velloso que votou a favor da cassação. Em seguida, falou o ministro Neves que manifestou opinião contrária (leia a íntegra dos votos abaixo). Ato contínuo, votaram os demais ministros Peçanha Martins, José Delgado e Luiz Carlos Madeira, que se alinharam com a posição de Velloso, e Celso de Mello que acompanhou o voto de Neves.

Celso de Mello foi o único a acrescentar posição nova aos votos apresentados inicialmente, ao invocar o princípio da presunção da inocência, uma vez que os autos, como afirmou, não vislumbravam elementos de convicção que ligassem o casal Capiberibe aos ilícitos eleitorais ocorridos durante o pleito de 2002 no Amapá. “É um terreno movediço demais para se adotar uma decisão tão drástica que é a cassação de mandatos”, afirmou.

O foco da discussão girou em torno do Art. 41-A da lei 9.504/97 (redação dada pela lei 9.840/99) que apena com multa pecuniária e cassação do registro da candidatura, o candidato que doar, oferecer, prometer ou entregar ao eleitor vantagem pessoal de qualquer natureza com o fim de obter-lhe o voto.

A norma do Art. 41-A, na realidade, tem sido alvo de debates no Senado federal por estar causando desconforto e insegurança no meio político. Estima-se que, por conta de suas regras, 15 senadores e 80 deputados federais da atual legislatura estejam respondendo a processos nos tribunais eleitorais regionais e no superior acusados de ilícitos praticados nas eleições.

Nesse sentido, o senador César Borges (PFL-BA) apresentou projeto de lei no ano passado, nº 284/03, que se encontra em discussão na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania e está sendo relatado pelo senador Garibaldi Alves Filho (PMDB-RN). Ele propõe modificações no art. 41-A estabelecendo que, para a cassação da candidatura, deve prevalecer o princípio constitucional da presunção da inocência do acusado até o trânsito em julgado da sentença condenatória.

Leia a íntegra dos votos dos ministros Carlos Mário Velloso e Fernando Neves e do projeto de lei do senador Cesar Borges

RELATÓRIO E VOTO DO MINISTRO CARLOS MÁRIO VELLOSO

RECURSO ESPECIAL No 21.264 – MACAPÁ – AMAPÁ

RELATOR: MINISTRO CARLOS VELLOSO

RECORRENTE: DIRETÓRIO REGIONAL DO PARTIDO DO MOVIMENTO DEMOCRÁTICO BRASILEIRO – PMDB E OUTRO

ADVOGADOS: OSVALDO FLAVIO DEGRAZIA E OUTROS

RECORRIDOS: JOÃO ALBERTO CAPIBERIBE E OUTROS

ADVOGADOS: ANTÔNIO TAVARES VIEIRA NETTO E OUTROS

RELATÓRIO

O Corregedor Regional Eleitoral do Amapá deferiu pedido de busca e apreensão formulado pelo Ministério Público Eleitoral na residência das militantes do Partido Socialista Brasileiro – PSB, Eunice Bezerra de Paulo e Eloiana Cambraia Soares, sendo apreendidos materiais de campanha eleitoral dos candidatos, nas eleições de 2002, João Alberto Rodrigues Capiberibe, Janete Maria Góes Capiberibe e Cláudio Pinho Santana; vales-combustível, envelopes com nomes e telefones, cálculos, folhas com cadastro de eleitores, telefones de advogados, e cédulas no total de R$15.495,00 (quinze mil, quatrocentos e noventa e cinco reais).

Diante do ocorrido, o Diretório Regional do Partido do Movimento Democrático Brasileiro – PMDB propôs ação de investigação judicial eleitoral, visando apurar captação ilícita de votos contra os mencionados candidatos, julgada improcedente pela maioria dos membros do Tribunal Regional Eleitoral do Amapá. Eis a ementa do acórdão regional (fl. 772):

“Representação. Prática da conduta vedada no artigo 41-A da Lei no 9.504/97. Preliminar de tempestividade da defesa não conhecida. Preliminares de ilegitimidade passiva ad causam, inexistência e nulidade da citação realizada, prejudicial de mérito alegada com base em inconstitucionalidade parcial do artigo 41-A da Lei no 9.504/97 e inviolabilidade do domicílio no qual ocorreu a busca e apreensão rejeitadas. Preliminar de impedimento de Juízes Membros da Corte prejudicada. Captação de votos não comprovada. Imputação inicial não corroborada pelas provas colhidas. Promessa e oferecimento de vantagens em troca de votos não comprovados. Captação de sufrágio não configurada. Improcedência. (g.n.)

Não há de ser conhecida a preliminar de tempestividade da defesa, eis que resolvida em decisão monocrática.

O exame da preliminar de ilegitimidade ad causam está enleado ao mérito, devendo ser apreciada no momento oportuno.

Reconhecida como válida pela Corte Eleitoral a citação dos Representados, não há que se falar em inexistência e nulidade da citação realizada.

É entendimento pacífico na jurisprudência eleitoral que na apuração do delito de captação de sufrágio deve ser seguido apenas o procedimento do art. 22 da LC 64/90, não as punições lá previstas, entre as quais se encontra a inelegibilidade por três anos, pois o art. 41-A da Lei no 9.504/97 define suas próprias sanções: multa e cassação do registro de candidatura ou do diploma.

O inciso XI do art. 5o da CF/88 diz que a casa é o abrigo inviolável do indivíduo, podendo nela qualquer um penetrar de dia ou de noite, desde que com o consentimento do morador, hipótese configurada nos autos.

Resta prejudicada a análise da argüição de impedimento de Juízes Membros da Corte, quando o advogado dos Representados desiste da preliminar em sua sustentação oral.

Captação de sufrágio não demonstrada, de forma segura, eis que a imputação inicial não foi corroborada pelas provas colhidas nos autos.

Representação improcedente”.


Embargos de declaração com efeitos infringentes conhecidos e rejeitados (fls. 920-928).

Daí o recurso especial, fundado nos arts. 121, §§ 3o e 4o, da Constituição Federal, e 276 do Código Eleitoral, em que se alega violação aos arts. 5o, XXXV, LIV e LV, da Constituição; 134 do Código de Processo Civil; 22, V, da Lei Complementar no 64/90; 41-A da Lei no 9.504/97 e divergência jurisprudencial (fls. 932-961).

Sustenta-se, em síntese:

Preliminarmente (fls. 934-947):

parcialidade da Juíza Stella Ramos, em razão de parentesco por afinidade em 3º grau com Janete Capiberibe;

impedimento do juiz presidente por amizade com João Capiberibe;

impedimento e suspeição do regional, que determinou, em embargos de declaração com efeitos modificativos, a manifestação da parte contrária, em vez de decidir sobre a preliminar de suspeição e impedimento da Juíza Stella Ramos;

supressão de parte do voto do Juiz José Magno, em violação aos princípios da publicidade, do contraditório e da ampla defesa.

Quanto ao mérito (fls. 947-960):

prescindibilidade da participação direta de candidato na prática da conduta do art. 41-A da Lei no 9.504/97;

inexigibilidade de contato direto entre eleitor e assessor do candidato, visto que, em campanha eleitoral, geralmente o contato do eleitor é feito com cabos eleitorais;

contradição entre a afirmação da militante Eunice Bezerra e a dos ora recorridos acerca da procedência dos valores apreendidos;

falta de depoimento de Eloiana Cambraia;

constatação de que a residência de Eloiana e Eunice tratava-se de comitê eleitoral, em razão do valor elevado apreendido, correspondente a mais da metade do valor gasto na campanha de João Capiberibe;

má valoração das provas, configurada pela maior importância ao depoimento de testemunha militante do PSB;

confirmações de Maria de Nazaré da Cruz Oliveira e Rosa Saraiva dos Santos de que receberam R$ 26,00 (vinte e seis reais) da militante Maria Rosa Gomes para votar nos recorridos;

violação ao art. 22, V, da LC no 64/90, porquanto os depoimentos das testemunhas mencionadas não foram considerados no voto do Juiz José Magno porque foram trazidas a juízo pelos próprios recorrentes;

existência de envelopes na residência de Eunice e Eloiana com uma relação de números de telefone de advogados.

Parecer da Procuradoria-Geral Eleitoral pelo conhecimento do recurso como ordinário, em face da possível perda de diplomas em eleições estaduais, nos termos do art. 121, § 4o, IV, da Constituição, dando-lhe provimento quanto ao mérito (fls. 1033-1044).

Em nova manifestação nos autos, alegam os recorridos (fls. 1055-1057):

inviabilidade do recebimento do recurso especial como recurso ordinário, ante a ausência de previsão no art. 276 do Código Eleitoral e no art. 121, §4o, III, da Constituição Federal;

necessidade de ajuizamento de ação própria para cassar o diploma, em virtude da decisão de 1o grau ser anterior à diplomação dos recorridos.

Às fls. 1064-1068, os recorrentes afirmam a suspeição da testemunha Maria Rosa Gomes, que trabalha no gabinete da Deputada Federal Janete Capiberibe, e a licitude da juntada dos documentos novos, nos termos dos arts. 397 e 462 do CPC.

Às fls. 1084-1086, os recorridos requereram o desentranhamento dos documentos não autenticados juntados aos autos e dizem que Maria Rosa Gomes trabalha no gabinete de Janete Capiberibe porque é militante do PSB. Ressaltam que o reexame de provas é vedado em sede de recurso especial.

Com vista dos autos, às fls. 1095-1096, a PGE registrou a desnecessidade de emissão de novo parecer.

Os recorridos, às fls. 1108-1110, requereram a juntada:

de termo de declaração de servidor público de que foi informado por terceiro de que as testemunhas utilizadas pelo PMDB receberam ajuda financeira para depor;

de fita VHS e CD com gravação de conversa entre as testemunhas do PMDB e o ex-secretário do governo Capiberibe sobre dinheiro que teriam recebido para depor contra os recorridos e sobre extorsão (teriam pedido R$ 20.000,00 para mudar o testemunho).

Às fls. 1114-1119, o requerente sustenta que as testemunhas foram procuradas para desmentir o depoimento, tendo-lhes sido oferecido R$20.000,00; e que as testemunhas denunciaram a tentativa de suborno à imprensa e à Assembléia Legislativa do Amapá e receberam ameaças de morte. Por fim, requer a juntada das cópias das entrevistas das testemunhas à imprensa e que os recorridos sejam considerados litigantes de má-fé.

A Procuradoria-Geral Eleitoral ofereceu novo parecer, às fls. 1151-1153, no sentido de que não cabe desqualificar as testemunhas, nestes termos:

“Contendem no presente feito, de um lado como autor o Diretório Regional do PMDB do Amapá e outro e como réus João Alberto Rodrigues Capiberibe e outros, vindo agora aos autos, petição deste último, afirmando que as testemunhas Maria de Nazaré da Cruz Oliveira e Rosa Saraiva dos Santos foram corrompidas e juntaram uma fita de vídeo e um CD onde gravaram as conversas.

Sustenta João Capiberibe que face às provas ora apresentadas, as testemunhas não merecem crédito, devendo seus depoimentos ser desconsiderados, ao mesmo tempo que requer sejam remetidas à Procuradoria-Geral Eleitoral e à parte contrária para manifestação.

Aberta vista ao Diretório Regional do PMDB e Jurandil Juarez dos Santos, estes apresentaram manifestação em que sustentam que tudo não passa de uma ardil preparado pelo réu, que prometeu às testemunhas R$ 20.000,00 (vinte mil reais) cada uma, e, depois as convidou para irem até o escritório de Advocacia de Antonio Tavares Neto, onde gravaram parte da conversa, pretendendo que se acreditasse que as testemunhas haviam recebido dinheiro para depor contra João Capiberibe.

Sustenta o PMDB e Jurandil Juarez que as testemunhas foram procuradas por um emissário de Antonio Tavares Neto e após lhe prometer dinheiro, foram levadas até o escritório de Neto, onde mantiveram conversa, tendo o advogado Neto lhe prometido R$ 20.000,00 (vinte mil reais), para que fizessem nova escritura pública, desmentindo o teor do que consta da escritura lavrada em 22.10.2002, fls. 28-v e 29-v, mas que as testemunhas se recusaram a aceitar a proposta.

Diz mais o PMDB, que as testemunhas sentindo-se ameaçadas após serem pressionadas pelo advogado de João Capiberibe, concederam entrevista ao Jornal do Amapá, assim como estiveram na Assembléia Legislativa do Amapá, onde relataram o fato a vários Deputados Estaduais, bem como procuraram a Polícia Federal do Amapá requerendo proteção de vida.

Avançando, sustentam o PMDB e Jurandil Juarez que as pessoas ligadas à tentativa de suborno, é dizer, Jardel Nunes e Antonio Tavares Neto são assistentes parlamentares do gabinete de João Capiberibe, os demais envolvidos foram servidores do governo de João Capiberibe e são ligados ao mesmo.

Finalizando, o PMDB e outro dizem que a conduta de João Capiberibe é atentatória a dignidade da Justiça, pois visa desqualificar as testemunhas, imputando-lhes falsidade de depoimento; e procrastinar o julgamento, razão pela qual requerem a remessa de peças ao Ministério Público Eleitoral, bem como que seja o requerente condenado por litigância de má-fé.

Em sucinta análise é o relatório.

Com todas as vênias ao requerente João Capiberibe e outros, não vemos como dar crédito à sua tentativa de desqualificar as testemunhas e mesmo intimidá-las, como as testemunhas informaram à entrevista concedida a TV naquele Estado da federação.

A alegação de que as testemunhas foram corrompidas, tendo recebido R$ 20.000,00 (vinte mil reais) cada uma, não resta provada e a afirmação de que o CD que juntaram mais a fita de vídeo provam o que disseram, não convencem, pois as testemunhas afirmam que as pessoas ligadas a João Capiberibe lhes ofereceram dinheiro para que alterassem o depoimento que já havia prestado, inclusive em juízo.

Após comparecem ao escritório do Advogado Antonio Tavares Neto, as testemunhas procuraram a Polícia Federal, a imprensa assim como foram denunciar o fato a Deputados Estaduais na Assembléia Legislativa, tudo com a clara intenção de que todos naquele Estado tomassem conhecimento da pressão que o grupo de João Capiberibe estava fazendo, inclusive com a ameaças de morte sobre as testemunhas e seus familiares.

Diante deste quadro, não há como se dar crédito a tentativa de João Capiberibe de desqualificar as testemunhas, merecendo o caso ampla apuração, para saber quem tomou a iniciativa de tentar desqualificar as testemunhas, e fazer-lhes ameaças.

O feito merece julgamento com urgência, para evitar que as testemunhas possam continuar a sofrer ameaças e pressão para que mudem os depoimentos”.


É o relatório.

VOTO

O recurso foi interposto em 7.2.2003, anteriormente à publicação do acórdão recorrido, o que ocorreu em 10.2.2003. Segundo a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, é tempestivo (Acórdãos nos 15.358, Min. Eduardo Alckmin, DJ de 17.9.99; 3174, Min. Barros Monteiro, DJ de 13.5.2002; 19.898, Min. Luiz Carlos Madeira, DJ de 13.12.2002).

Trata-se de matéria que possibilita, em eleição estadual, a perda de mandato eletivo. Acolho, por isso, o requerido pela Procuradoria-Geral Eleitoral e conheço do recurso como ordinário (CF, art. 121, § 4o, IV), em consonância com precedentes desta Corte (Acórdãos nos 696/2003, Min. Fernando Neves; 20.028/2002, Min. Sepúlveda Pertence; 15.360/98, Min. Costa Porto).

No que concerne à tentativa, nesta instância, de desqualificar as testemunhas, estou em que o Ministério Público bem analisou a questão no parecer de fls. 1151-1153, retro transcrito, que adoto.

Examino as preliminares suscitadas.

Impedimento da Juíza Stella Ramos.

O incidente deveria ter sido suscitado antes do julgamento, pelo TRE, em petição fundamentada (CPC, art. 138, § 1o; art. 312).

Oposta a exceção, tardiamente, incide, no caso, a preclusão.

Suspeição de parcialidade do presidente do TRE.

Não se demonstrou a alegada amizade íntima. Não há, no caso, qualquer prova do alegado.

Rejeito.

No que tange ao impedimento e à suspeição do regional em solicitar a manifestação da parte contrária acerca dos embargos de declaração com efeitos modificativos, registro que tal decisão está em conformidade com o procedimento adotado por esta Corte (Ac. no 3.095/2002, rel. Min. Fernando Neves).

Finalmente, quanto à supressão de parte do voto do Juiz José Magno, consigno que o recorrente não demonstrou a ocorrência de prejuízo, razão pela qual não cabe a repetição do ato, nos termos no art. 249, § 1o, do Código de Processo Civil.

Passo ao exame do mérito.

O art. 41-A da Lei no 9.504/97 considera captação ilícita de sufrágio por parte do candidato a doação, oferecimento, promessa, ou entrega, ao eleitor, de bem ou vantagem, com o fim de obter-lhe voto, perfazendo-se a conduta ilícita com a prática, participação ou anuência explícita do candidato (Acs. nos 19.566/2001, rel. Min. Sálvio de Figueiredo, 1.229/2002, rel. Min. Ellen Gracie, e Ac. nº 704/2003, rel. Min. Fernando Neves).

No caso, cabe verificar se os recorridos incorreram na prática das condutas tipificadas no mencionado dispositivo, art. 41-A da Lei no 9.504/97.

A Procuradoria- Geral Eleitoral, assim equacionou a controvérsia no parecer de fls. 1033-1044:

“(…)

O Tribunal de origem decidiu a causa por apertada maioria, em acórdão proferido por voto de desempate do Presidente, entendendo que a captação de sufrágio não resultou demostrada de forma segura, ‘(…) eis que a imputação inicial não foi corroborada pelas provas colhidas nos autos’ (fl. 773).

O voto vencedor, da Juíza Stella Ramos, chegou a afirmar que a guarda de dinheiro pelo candidato não pode ser considerada ilícita e que o dinheiro e os materiais de campanha apreendidos não estavam na posse direta dos representados. Além disso, a prova gerava dúvida e incerteza, e não se poderia decidir a causa com base em indícios e presunções. Acompanharam seu voto os ilustres Juízes Paulo Santos, José Magno e o Presidente.

Os votos vencidos, entretanto, – dos Juizes Rui Guilherme (Relator), Sales Fonseca e Dôglas Evangelista – entenderam caracterizada a captação ilícita de sufrágio, tendo em vista o material de campanha apreendido e a constatação de que foram comprados dois votos.

Concordamos inteiramente, neste parecer, com os votos vencidos proferidos na instância de origem. Na residência de Eloiana e Eunice, correligionárias dos recorridos, foi apreendida elevada soma de dinheiro, contida em sacola e envelopes com nomes de eleitores, no total de R$ 15.495,00 (quinze mil, quatrocentos e noventa e cinco reais).

Os recorridos não comprovam a procedência desses recursos, que totalizam mais da metade dos gastos totais da campanha, revelados em sua prestação de contas, no valor de R$ 28.648,00 ( vinte e oito mil, seiscentos e quarenta e oito reais). Além disso, resultou comprovado nos autos que esses recursos de procedência duvidosa se destinavam a boca de urna e alimentação, tanto que pelo menos dois votos foram comprados dos eleitores.

Reproduzimos do voto do Juiz Relator este trecho elucidativo:

‘Eloiana Cambraia Soares, a qual tudo promoveu para não ser ouvida em juízo, e Eunice Bezerra de Paulo fazem parte do grupo de trabalho pró-candidatura dos Representados. Em casa delas, além do dinheiro que se destinava às despesas de alimentação e boca de urna, foi encontrado farto material de propaganda e de estratégias de atuação com vistas à conquista de votos. Basta conferir a relação constante do Termo de Abertura de Lacre perante o Ministério Público Eleitoral Regional.

São robustos indícios da extrema proximidade entre os Representados e Eunice e Eloiana a presença dos dois principais advogados dos defendentes – os mesmos que os patrocinam, aos três, nesta representação – , além de presença do Coronel Dias, ex-chefe da Casa Militar do Governo Capiberibe. Essas presenças ocorreram a desoras, em alta madrugada, como se vê do depoimento do Policial Federal Joaquim Guerra Cabó, autoridade que coordenou a busca e apreensão, fl. 675, onde disse ‘… QUE as autoridades ficaram do lado de fora um bom tempo em campana até que saíram da casa os advogados dos Representados, presentes nesta audiência e reconhecidos neste ato pelo depoente (Drs. Márcio Figueira e Antônio Tavares); QUE um dos advogados disse ‘vamos acabar com isso e vocês estão autorizados a entrar’ (literais).

Caso a residência se tratasse da casa de uma correligionária qualquer, comezinho bom senso indica que seria altamente improvável, para não dizer inteiramente impossível, a presença no local onde se realizou a busca e apreensão dos principais advogados dos defendentes em plena madrugada, quando já eram cerca de 2h30min.

O valor apreendido, R$ 15.495,00, quando comparado à prestação de contas do candidato representado João Alberto Rodrigues Capiberibe, fls. 645-659, onde revela gastos totais de campanha de R$ 28.648,00, corresponde a mais da metade.

Embora tenham os representados se esforçado em dizer que ‘não possuíam conhecimento prévio do ato e nem consentiram nele’ (referindo-se as ações desenvolvidas por Eunice Bezerra de Paulo e Eloiana Cambraia Soares), o conjunto probatório lhes dediz a assertiva. É público e notório que Eunice chegou a ser trazida para Macapá, pelo então governador João Alberto Rodrigues Capiberibe, tendo sido Secretária de Estado dele. Depois de sua saída de Macapá, para cá retornou a fim de ocupar cargo de Secretária de Educação do Município de Macapá, onde também trabalha Eloiana Cambraia Soares, có-habitante na residência vistoriada e ocupante do cargo de Secretária Municipal de Trabalho e Ação Comunitária. Ocupam, pois, as duas, cargos no primeiro escalão do funcionalismo municipal. Registra-se que o atual Prefeito de Macapá é João Henrique Pimentel, correligionário dos Representados e recebedor de todo o apoio do casal Capiberibe, além de colega Secretário de Estado no governo Capiberibe do Representado Cláudio Pinho Santana – fatos que são notórios e do conhecimento público -, daí se tem que as atividades ilegais de envelopamento de dinheiro para boca de urna desenvolvidas na casa de Eunice e de Eloiana não eram e não podiam ser do desconhecimento dos Representados.

Por fim, há nos autos declarações, prestadas em juízo e fora dele, por Maria de Nazaré da Cruz Oliveira e Rosa Saraiva do Santos (fls. 48 e 49 e 626-628, 629-630). Os nomes, endereços, números de seus títulos de eleitor, zona e seção onde votam, foram encontrados em listagem apreendida na casa vistoriada. E essas pessoas, sem titubeio, afirmaram que tiveram seus votos comprados, com o fito de sufragar os nomes de João Alberto Rodrigues Capiberibe, Janete Maria Góes Capiberibe e Cláudio Pinho Santana nas últimas eleições, com o conhecimento pleno de todos eles.

E aqui não se diga que, por se tratar da compra de somente dois votos, não é isso capaz de desequilibrar o resultado das eleições, como alegaram os representados. Não se deve esquecer que o bem jurídico protegido pelo art.41-A da Lei 9.504/97 é a vontade do eleitor – que não pode ser violada pela compra do seu voto -, e não o resultado das eleições’.

Por todas essa já muito longas considerações, não hesito em afirmar que os candidatos representados JOÃO ALBERTO RODRIGUES CAPIBERIBE, JANETE MARIA GÓES CAPIBERIBE E CLÁUDIO PINHO SANTANA promoveram captação ilícita de sufrágio na modalidade compra de votos, por meio de interpostas pessoas, mas com o conhecimento do que essas faziam, diante do que proponho, com arrimo no art. 41-A da Lei 9.504/97 e art. 60 da Resolução TSE no 20.988, de 21.2.2002 e aplicação das sanções individuais de cassação do registro da candidatura ou do diploma, com execução imediata, além de multa para cada um de quinze mil reais, razoável em face de sua condição econômica.

Na verdade, havendo estreita ligação dos recorridos com as moradoras da residência onde foram apreendidos o dinheiro e o material de campanha, não se pode falar em falta de acordo ou de conhecimento da conduta ilícita, para o efeito do disposto no art. 41-A da Lei das Eleições.

Para a procedência do pedido contido na representação deve-se verificar se o candidato, ou se terceiro, agindo a mando ou com o conhecimento do candidato, doou, prometeu, ou entregou ao eleitor dádivas ou benesses em troca de votos. O TSE vem entendendo que resulta caracterizada a captação ilegal de sufrágio ‘(…) quando o candidato praticar, participar, ou mesmo anuir explicitamente às condutas abusivas e ilícitas capituladas naquele artigo’ (Acórdão no 19.566, de 18.12.2001, relator Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO, publicado no DJ de 26.4.2002, pág. 185).

Os recorridos não negam a compra de dois votos aos eleitores, limitando-se a afirmar que isso não influenciaria o resultado do pleito eleitoral. Todavia, basta a evidência de uma das práticas contidas no art. 41-A da Lei no 9.504/97, para que fique configurada a infração, não se fazendo necessária a comprovação de sua eventual potencialidade no resultado das eleições. Isso porque o bem protegido no caso é o voto do eleitor.

Esta Corte Superior já tem firme orientação a respeito desta questão, como se colhe dos Acórdãos nos 19.739 – BA, de 13.8.2002, 21.022 – CE, de 05.12.2002, relatados pelo Eminente Ministro FERNANDO NEVES, 19.553, de 21.3.2002, relator o Eminente Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE, e 4.029 – AP, de 25.3.2003, relator o Eminente Ministro BARROS MONTEIRO.

No Acórdão no 19.739, da Bahia, o Eminente Ministro NELSON JOBIM fez uma intervenção lúcida, definindo o ponto essencial da questão:

‘É importante esta discussão que está posta neste caso, porque, se caminharmos para a proporcionalidade do art. 41-A da Lei no 9.504/97, voltaremos ao sistema do art. 22 da Lei Complementar no 64/90.

Aqui creio importante ter presente que a circunstância de ser encontrada e ser demonstrada uma conduta, duas condutas ou três condutas de que determinado candidato significa que essa é a conduta que ele usou em outros casos virtuais.

Ou seja, é o pico de um iceberg.

E é exatamente este o sentido da alteração do art. 41-A, pois tornava-se absolutamente impossível caminharmos para a cassação de registro, considerando sempre aquela relação: proporcionalidade, etc.’.

Observe-se que na eleição majoritária para Senador, de acordo com o Sistema de Divulgação do Resultado pela Internet, João Alberto Rodrigues Capiberibe foi eleito para a segunda vaga com 98.153 votos, correspondente a 22,41% da votação. Acaso provido o recurso, ocupará a vaga o candidato Gilvam Borges, que ficou em terceiro lugar, com 94.130 votos, correspondente a 21,49% da votação. A diferença de votação é muito pequena, apenas 0,92 percentual, levando à conclusão de que a captação ilícita de sufrágio influiu significativamente na eleição do recorrente.

Ante o exposto, e pelas razões aduzidas, o Ministério Público Eleitoral opina no sentido de que se conheça do recurso como ordinário, dando-se-lhe provimento, para impor aos recorridos as sanções individuais de cassação dos registros e dos diplomas expedidos, bem como a multa no valor de quinze mil reais para cada um deles, na linha dos votos vencidos proferidos na instância de origem.

(…)”.


Está correto o parecer.

A compra dos votos está comprovada nos autos.

Com efeito.

A eleitora MARIA DE NAZARÉ DA CRUZ OLIVEIRA, depondo às fls. 626-628, esclarece que o seu voto foi comprado por Maria Rosa Gomes, tida como irmã de criação da candidata Janete Capiberibe. Está no depoimento de Maria de Nazaré: “Que no dia 5 de outubro, pela parte da noite, a testemunha estava em casa de D. Rosa; que D. Rosa é a mulher que convidou a depoente para ir a uma reunião em casa dela; que além da depoente outras pessoas foram convidadas para essa reunião; (…) que D. Rosa é presidente da Associação das Mulheres Moradoras do Bairro Jardim Marco Zero; (…) que para cada uma das pessoas que estavam na reunião presidida por D. Rosa, esta última ofereceu a quantia de vinte e seis reais para que votasse no Capi, Cláudio Pinho e Janete; que por esses vinte e seis reais a pessoa ficava comprometida a conseguir mais um voto para Capi, Janete e Cláudio Pinho; que a depoente chegou a receber os vinte e seis reais; que só a depoente votou em Capi, Cláudio Pino e Janete, não conseguindo o outro voto (…); que D. Rosa declarou na reunião que esse dinheiro para pagar os votos que estavam sendo comprados advinha do Capi (…); que os vinte e seis reais foram pagos em duas parcelas, sendo a primeira de seis reais entregue no sábado à noite antes do dia da votação e os vinte reais finais no domingo da votação, por volta das vinte horas (…); que D. Rosa diz ser irmã de criação de Janete; que a depoente viu a Deputada Janete Capiberibe por umas três vezes na casa de D. Rosa em tempo de política”. (fls. 626-627)

A eleitora Rosa Saraiva do Santos, por sua vez, depondo às fls. 629-630, esclareceu: “Que conhece D. Rosa e sabe dizer que ela é presidente da Associação das Mulheres Moradoras do Bairro Jardim Marco Zero; que confirma que prestou declarações lavradas em escritura pública do Cartório Oliveira, à fl. 49 dos autos; que confirma em todos os termos a escritura pública de fl. 49, a qual lhe foi lida pelo MM. juiz; que D. Rosa convocou a depoente e mais trinta e nove pessoas, constituindo-se de trinta e oito mulheres e dois homens o total dos participantes; que esta reunião foi realizada às vésperas da votação, 5 de outubro de 2002, às 19.00 horas, na casa de D. Rosa; (…) que na ocasião Rosa deu para cada um dos quarenta participantes seis reais em dinheiro para a merenda, além de “cola” contendo os números dos candidatos Janete, Capi e Cláudio Pinho; que Rosa disse que cada um dos participantes da reunião teria de votar nos candidatos retro citados e, além disso, conseguir mais um voto para eles; que também foi dito pela Rosa que se as quarenta pessoas ali reunidas não votassem nos Representados perderiam a Bolsa do Estado; (…) que os vinte reais restantes dos vinte e seis prometidos na véspera foram entregues à depoente em duas cédulas de dez reais em uma sobrecarta branca onde havia coisas escritas na parte de cima e de baixo do envelope, mas a depoente não sabe dizer o que estava escrito; que quando a depoente recebeu os vinte reais num envelope havia mais sete pessoas a quem estavam sendo entregues os mesmos envelopes brancos”. (fls. 629. Mais: “que naquelas reuniões com D. Rosa os candidatos Capi, Janete e Cláudio Pinho também participavam sendo que às vezes estava o Capi, outras vezes a Janete e Cláudio Pinho ia geralmente acompanhado de Janete; que na presença dos candidatos que mencionou a depoente, Rosa dizia para os participantes da reunião que se os candidatos perdessem a eleição as pessoas também perderiam a Bolsa; (…) que todos os três candidatos mencionados (Capi, Janete e Cláudio) tiveram a oportunidade de ratificar o que Rosa dizia, isto é, que se não votassem neles as pessoas perdiam a Bolsa”. (fls. 629-630). Mais: “que conhece Maria de Nazaré da Cruz Oliveira (testemunha que a precedeu), pois eram vizinhas no Jardim Marco Zero; que D. Maria de Nazaré também participava das reuniões com Rosa; que Maria de Nazaré recebeu os mesmos vinte e seis reais que também recebeu a depoente”. (fl. 630).

Essas eleitoras, Maria de Nazaré da Cruz Oliveira e Rosa Saraiva dos Santos, haviam prestado declarações, anteriormente, por escritura pública – fls. 48-49 – deixando expresso que receberam R$ 26,00, cada uma, “para votar no candidato ao Senado João Capiberibe, na candidata a Deputada Federal Janete Capiberibe e no candidato ao Governo do Amapá Cláudio Pinho”. (fls. 48-49). Declaração idêntica foi dada, por escritura pública, por Francimar dos Santos da Silva – fl. 47. Todavia, não encontrei, nos autos, depoimento prestado em juízo por esse cidadão.

A compra dos votos está comprovada. É preciso verificar, agora, se havia, conforme disse o Juiz relator, no TRE, “liame entre as pessoas moradoras no local onde se processou a busca e apreensão e os candidatos representados”.


Esta no voto do relator, Juiz Rui Guilherme (fls. 805-807):

“(…)

Quanto ao aspecto fundamental por último mencionado no parágrafo precedente, é de alta relevância estabelecer se havia, ou não, liame entre as pessoas moradoras no local onde se processou a busca e apreensão e os candidatos representados. Nesse sentido, há nos autos prova quantum satis, cujo elenco passo a fazer.

Eloiana Cambraia Soares, a qual tudo promoveu para não ser ouvida em juízo, e Eunice Bezerra de Paulo fazem parte do grupo de trabalho pró-candidatura dos Representados. Em casa delas, além do dinheiro que se destinava às despesas de alimentação e “boca de urna”, foi encontrado farto material de propaganda e de estratégias de atuação com vistas à conquista de votos. Basta conferir a relação constante do Termo de Abertura de Lacre perante o Ministério Público Eleitoral Regional.

– São robustos indícios da extrema proximidade entre os Representados e Eunice e Eloiana a presença dos dois principais advogados dos defendentes – os mesmos que os patrocinam, aos três, nesta representação -, alem de presença do “Coronel Dias”, ex-chefe da Casa Militar do governo Capiberibe. Essas presenças ocorreram a desoras, em alta madrugada, como se vê do depoimento do Policial Federal Joaquim Guerra Cabó, autoridade que coordenou a busca e apreensão, fl. 675, onde disse ‘… QUE as autoridades ficaram do lado de fora um bom tempo em campana até que saíram da casa os advogados dos Representados, presentes nesta audiência e reconhecidos neste ato pelo depoente (Drs. Márcio Figueira e Antônio Tavares); QUE um dos advogados disse ‘vamos acabar com isso e vocês estão autorizados a entrar’ (literais).

– Caso a residência se tratasse da casa de uma correligionária qualquer, comezinho bom senso indica que seria altamente improvável, para não dizer inteiramente impossível, a presença no local onde se realizou a busca e apreensão dos principais advogados dos defendentes em plena madrugada, quando já eram cerca de 2h30min.

– O valor apreendido, R$ 15.495,00, quando comparado à prestação de contas do candidato representado João Alberto Rodrigues Capiberibe, fls. 645/659, onde revela gastos totais de campanha de R$ 28.648,00, corresponde a mais da metade.

– Embora tenham os representados se esforçado em dizer que ‘não possuíam conhecimento prévio do ato e nem consentiram nele’ (referindo-se as ações desenvolvidas por Eunice Bezerra de Paulo e Eloiana Cambraia Soares), o conjunto probatório lhes dediz a assertiva. É público e notório que Eunice chegou a ser trazida para Macapá, pelo então governador João Alberto Rodrigues Capiberibe, tendo sido Secretária de Estado dele. Depois de sua saída de Macapá, para cá retornou a fim de ocupar cargo de Secretária de Educação do Município de Macapá, onde também trabalha Eloiana Cambraia Soares, có-habitante na residência vistoriada e ocupante do cargo de Secretária Municipal de Trabalho e Ação Comunitária. Ocupam, pois, as duas, cargos no primeiro escalão do funcionalismo municipal. Registra-se que o atual Prefeito de Macapá é João Henrique Pimentel, correligionário dos Representados e recebedor de todo o apoio do casal Capiberibe, além de colega Secretário de Estado no governo Capiberibe do Representado Cláudio Pinho Santana – fatos que são notórios e do conhecimento público -; daí se tem que as atividades ilegais de envelopamento de dinheiro para “boca de urna” desenvolvidas na casa de Eunice e de Eloiana não eram e não podiam ser do desconhecimento dos Representados.

Por fim, há nos autos declarações, prestadas em juízo e fora dele, por Maria de Nazaré da Cruz Oliveira e Rosa Saraiva do Santos (fls. 48 e 49 e 626-628, 629-630). Os nomes, endereços, números de seus títulos de eleitor, zona e seção onde votam, foram encontrados em listagem apreendida na casa vistoriada. E essas pessoas, sem titubeio, afirmaram que tiveram seus votos comprados, com o fito de sufragar os nomes de João Alberto Rodrigues Capiberibe, Janete Maria Góes Capiberibe e Cláudio Pinho Santana nas últimas eleições, com o conhecimento pleno de todos eles. E aqui não se diga que, por se tratar da compra de somente dois votos, não é isso capaz de desequilibrar o

resultado das eleições, como alegaram os representados. Não se deve esquecer que o bem jurídico protegido pelo art.41-A da Lei 9.504/97 é a vontade do eleitor – que não pode ser violada pela compra do seu voto -, e não o resultado das eleições.

Por todas essa já muito longas considerações, não hesito em afirmar que os candidatos representados JOÃO ALBERTO RODRIGUES CAPIBERIBE, JANETE MARIA GÓES CAPIBERIBE E CLÁUDIO PINHO SANTANA promoveram captação ilícita de sufrágio na modalidade compra de votos, por meio de interpostas pessoas, mas com o conhecimento do que essas faziam, diante do que proponho, com arrimo no art. 41-A da Lei 9.504/97 e art. 60 da Resolução TSE no 20.988, de 21.2.2002 e aplicação das sanções individuais de cassação do registro da candidatura ou do diploma, com execução imediata, além de multa para cada um de quinze mil reais, razoável em face de sua condição econômica”.


Tenho como corretas as assertivas do voto acima transcrito, como ressaltado, aliás, no parecer da Procuradoria-Geral Eleitoral. É que , “na residência de Eloiana e Eunice, correligionárias dos recorridos, foi apreendida elevada soma em dinheiro, contida em sacola e envelopes com nomes de eleitores, no total de R$ 15.495,00 (quinze mil, quatrocentos e noventa e cinco reais)”, certo que “os recorridos não comprovam a procedência desses recursos, que totalizam mais da metade dos gastos totais da campanha, revelados em sua prestação de contas, no valor de R$ 28.648,00 ( vinte e oito mil, seiscentos e quarenta e oito reais). Além disso, resultou comprovado nos autos que esses recursos de procedência duvidosa se destinavam a boca de urna e alimentação, tanto que pelo menos dois votos foram comprados dos eleitores”. Ora, bem esclarece o Ministério Público Eleitoral, no parecer do Procurador-Geral, “havendo estreita ligação dos recorridos com as moradoras da residência onde foram apreendidos o dinheiro e o material de campanha, não se pode falar em falta de acordo ou de conhecimento de conduta ilícita, para o efeito do disposto no art. 41-A da Lei das Eleições”.

A jurisprudência desta Corte é no sentido de que, “para que ocorra a violação da norma do art. 41-A da Lei no 9.504/97 não se faz indispensável que o ato de compra de votos tenha sido praticado diretamente pelo próprio candidato. É suficiente que, sendo evidente o seu benefício, tenha dele participado de qualquer forma ou com ele consentido”. (Ag no 4360-PB, Ministro Luiz Carlos Madeira). No REspe no 19.566-MG, Ministro Sálvio de Figueiredo, o Tribunal Superior Eleitoral decidiu que “resta caracterizada a captação de sufrágio prevista no art. 41-A da Lei 9.504/97, quando o candidato praticar, participar ou mesmo anuir explicitamente às condutas abusivas e ilícitas capituladas naquele artigo”. ( DJ de 26.4.200202). decidiu esta Corte, ademais, que, “para a configuração do ilícito previsto no referido art. 41-A, não é necessária a aferição da potencialidade de o fato desequilibrar a disputa eleitoral, porquanto a proibição de captação de sufrágio visa resguardar a livre vontade do eleitor e não a normalidade e equilíbrio do pleito, nos termos da pacífica jurisprudência desta Corte (Acórdão no 3.510)”. (REspe no 21248-SC, Ministro Fernando Neves, DJ de 8.8.2003).

Do exposto, conheço do recurso como ordinário e dou-lhe provimento, para o fim de impor aos recorridos as sanções individuais de cassação dos registros e dos diplomas expedidos, bem assim a multa no valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais) para cada um deles

É como voto.

VOTO DO MINISTRO FERNANDO NEVES

ACÓRDÃO N° 21.264

RECURSO ESPECIAL ELEITORAL Nº 21.264 – Classe 22ª – AMAPÁ (Macapá)

VOTO

Por ocasião do início do primeiro julgamento, pedi vista para refletir sobre a situação narrada e, após estudar os autos, firmei as seguintes convicções sobre a matéria.

Começo reiterando que quando se trata da captação vedada de sufrágio descrita no artigo 41-A da Lei 9504, de 1997, nela introduzido pela Lei 9.840, de 1999, não se investiga potencialidade, ou seja, se a compra de voto tinha condições de influir no resultado do pleito. Como por diversas vezes declarado por este e outros Tribunais Eleitorais, o bem jurídico protegido não é o resultado da eleição, mas sim a livre formação da vontade do eleitor (Ac. 4033, Min. Peçanha Martins, Ac. 19.739, Min. Sepúlveda Pertence, Ac. 21.248, de que fui relator).

Desse modo, desnecessário inquirir se houve tentativa ou compra de um, dois ou cem mil votos. Basta um para caracterizar a infração e justificar a sanção.

A introdução da regra do citado artigo 41-A, resultado de um magnífico movimento popular que sensibilizou o Congresso Nacional, trouxe para a Justiça Eleitoral um instrumento forte e eficaz, que por isso mesmo tem que ser cuidadosamente aplicado, o que não é tarefa simples, pois a caracterização do tipo e seus requisitos envolve a análise de fatos e provas, muitas vezes confusas e contraditórias, sempre dependentes da avaliação subjetiva de cada julgador.

Por outro lado, se é correto dizer que a compra de voto é expediente reprovável, que merece pronta censura e punição, não é menos correto evitar que a regra seja indevidamente aplicada, isto é, que se puna alguém sem que haja prova suficiente para tanto.

Necessário, portanto, investigar a fundo, em cada caso, se o procedimento ocorrido realmente configura compra de voto, ainda que mediante promessa não concretizada, e quem são ou foram os responsáveis por tal conduta.

No caso presente, bem demonstrou o eminente Ministro Relator, dois são os fatos objeto da representação, embora ela também faça referência a atitudes anteriores dos representados, estas, evidentemente, feitas apenas com o intuito de retratar-lhes a personalidade, mas sem possibilidade de justificar, por si só, a aplicação das sanções específicas do artigo 41-A da Lei 9.504, de 1997, do mesmo modo que as referências feitas da tribuna pelo ilustre Advogado do recorrido não podem ser obstáculos à aplicação da sanção se típica a conduta investigada.


O primeiro fato é a apreensão de dinheiro e material de campanha na residência de Eunice Bezerra e Eloiana Cambraia. O segundo é a compra de dois votos por Maria Rosa Gomes.

A leitura que fiz dos autos levou-me à convicção de que na residência de Eunice e Eloiana funcionava um Comitê de Campanha, na verdade, um importante Comitê de Campanha. Basta ver a relação do que apreendido. Além do dinheiro, mais de R$ 14.000,00 (quatorze mil reais), e vales-combustível, havia relações de eleitores, fiscais e advogados, com respectivos telefones, planos e estratégias, não só para a campanha em geral como para o dia da votação, inclusive para contratação de pessoas para fazer trabalho de boca de urna.

A ligação existente, devidamente provada, entre as senhoras Eunice e Eloiana e os representados também confirma a importância do Comitê.

Todavia, não posso, simplesmente pela relação dos documentos e dinheiro apreendidos, concluir pela prática do tipo do 41-A, ou seja, pela oferta ou entrega de algo em troca do voto.

Confesso que causam uma péssima impressão as explicações dadas pelos recorridos para o fato, entre elas a de tratar-se de produto de empréstimo ou de doações de simpatizantes, que não se provou ter constado das prestações de contas. A meu ver, o dinheiro apreendido era destinado a boca de urna e alimentação, esta não sei se de eleitores, simpatizantes ou fiscais.

Entretanto, nem uma nem outra, ainda que possam ser reprováveis e até configurar algum outro ilícito eleitoral, caracterizam captação vedada de sufrágio, nos moldes indicados no artigo 41-A.

Tampouco as fichas encontradas e apreendidas na mencionada residência, cuja importância é destacada pelos representantes, permitem essa conclusão. Examinei as que acompanharam a petição inicial, que se encontram às fls. 99-104 e 113-120, e a mim pareceu que se trata de uma relação de eleitores simpatizantes que desejavam prestar serviços para a campanha e que, para tanto, indicaram o local de sua preferência para trabalhar no dia da votação.

É certo que algumas pessoas indicaram no campo “onde quer trabalhar” o programa em que gostariam de trabalhar (bolsa escola) ou o serviço para o qual gostariam de ser contratados (servente, enfermagem, motorista). Não creio, porém, que essa circunstância seja suficiente para caracterizar promessa de emprego em troca de voto. Trata-se, na minha ótica, de equívoco ocorrido por ocasião do preenchimento das fichas, insuficiente para a aplicação da sanção pleiteada.

É certo, também, que não se admite a contratação de pessoas para realizar boca de urna, assim entendida como a tentativa de fazer campanha ou tentar influir na formação da vontade do eleitor, no dia da votação, prática que, infelizmente, a Justiça Eleitoral ainda não conseguiu acabar. Mas, a possibilidade disso ocorrer ou os seus preparativos, não caracterizam a conduta punida pelo artigo 41-A, que é o que se examina nestes autos e que pode levar à cassação de diplomas.

Destaco, aqui, pois me parece importante, que pela análise da prova dos autos não encontrei nenhuma evidência de que a contratação de pessoas para realizar trabalho de boca de urna – que, repito, caracteriza outro ilícito eleitoral – fosse um expediente para camuflar compra de voto, ou seja, aquelas pessoas não realizariam nenhum trabalho no dia da eleição, mas apenas votariam no candidato em contrapartida ao dinheiro recebido, situação que, aí sim, poderia enquadrar a ação na hipótese do artigo 41-A da Lei n.º 9.504, de 1997.

Reitero que fazer propaganda eleitoral no dia da votação, a chamada boca de urna, é ilegal – e deve ser apurada e punida na forma do art. 39, § 5º, II, da Lei 9.504, de 1997, podendo, dependendo das circunstâncias, também vir a caracterizar abuso do poder econômico – mas, por si só, não configura compra de votos, na forma prevista no artigo 41-A da mesma Lei.

Lembre-se, a propósito a distinção feita por este Tribunal quando respondeu à Consulta nº 552, Resolução nº 20.531:

“Consulta. “Boca de urna” e “captação de sufrágio”. Distinção.

1) A “Boca de urna” é caracterizada pela coação, que inibe a livre escolha do eleitor (Lei n. º 9.504/97, artigo 39, parágrafo 5).

2) A “captação de sufrágio” constitui oferecimento ou promessa de vantagem ao eleitor , com o fim de obter-lhe o voto (Lei n.º 9.504/97, artigo 41-A, acrescido pela Lei n.º 9.840/99).

Consulta respondida negativamente”.

Do voto do Relator, destaco a seguinte passagem, bastante elucidativa:

“2. Como bem ressalta a Procuradoria-Geral Eleitoral, a consulta abrange duas questões, sintetizadas nos seguintes termos:

a) o ato de arregimentar pessoas para realizarem, no dia da eleição, a denominada “boca de urna” em favor de determinado candidato carateriza captação de sufrágio, nos termos do artigo 41-A da Lei n.º 9.504/97, acrescido à Lei das Eleições pela recente Lei n.º 9.840/99?


b) a própria realização de “boca de urna” também sujeitaria seus autores às penalidades previstas no mesmo dispositivo?

3. Quanto a primeira indagação, o mero ato de arregimentar pessoas, mediante pagamento, para que, no dia da eleição, exerçam a chamada “boca de urna”, tentando induzir o eleitorado a votar em determinado candidato, não caracteriza a conduta descrita no artigo 41-A da Lei n.º 9.504/97 de captação de sufrágio, já que este dispositivo tipifica a conduta daquele que venha a doar, oferecer, prometer ou entregar ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública. Isso não ocorre quando o candidato, simplesmente, arregimenta pessoas para trabalhar em seu favor no dia do pleito.

4. Relativamente à segunda questão, a realização da denominada “boca de urna”, em tese, é conduta que também não se subsume ao disposto no artigo 41-A da Lei n.º 9.504/97. Esse tipo de procedimento possui disciplina legal específica, prevista no artigo 39 § 5º, II, da Lei das Eleições, que tipifica crime a distribuição de propaganda política, inclusive volantes e outros impressos, ou a prática de aliciamento, coação ou manifestação tendentes a interferir na vontade do eleitor no dia do pleito.

(…)”

De toda forma, o que se poderia afirmar é que os recorridos, por interpostas pessoas, estariam planejando e preparando boca de urna, o que acabou não ocorrendo pela atuação das autoridades.

Ainda em relação ao dinheiro, a respeito do qual foram apresentadas explicações que, reafirmo, não me convencem, observo que como o material de propaganda apreendido era de três candidatos, não é possível saber ao certo a favor de quem aquele dinheiro seria utilizado, razão pela qual perde força a comparação entre o valor apreendido e o custo declarado de uma das campanhas, embora realmente seja muito difícil acreditar que na campanha de um senador da República tenha sido gasto apenas um pouco mais do que R$ 28.000,00 (vinte e oito mil reais).

De todo modo, eventuais irregularidades relativas à arrecadação e aplicação de recursos em campanhas eleitorais devem ser apuradas no processo específico de prestação de contas, podendo, o que vier a ser apurado, servir de base para algum outro procedimento.

Por tudo isso não vejo, no primeiro fato em que se apóia a representação, a caracterização do tipo alegado.

No que se refere à alegada compra de votos efetuada por Maria Rosa Gomes, o que é negado por ela, observo que a prova não é segura, pois as testemunhas foram contraditadas quando se apresentaram em juízo. E quando o processo já se encontrava neste Tribunal, surgiram as mais diversas acusações. As testemunhas teriam recebido determinadas vantagens para depor contra os representados, depois teriam cobrado certa quantia para se desdizerem. Mais adiante, informaram que haviam sido ameaçadas e que confirmavam o primeiro depoimento. Tudo muito confuso e suspeito, a merecer severa investigação pelo Ministério Público Eleitoral, independentemente da solução que vier a ser dada a este processo.

As declarações que as testemunhas dos representantes prestaram por escritura pública têm idêntico teor, o que também é estranho, pois usar exatamente as mesmas palavras e expressões dá a impressão de coisa preparada e pouco espontânea. Observe-se, ainda, que uma das testemunhas, quando depôs em juízo, informou “não saber ler e escrever bem, mal sabendo assinar o próprio nome” (Rosa Saraiva, fl. 629), circunstância que certamente a impediu de conferir o que constou da escritura declaratória.

Pela leitura dos dois depoimentos prestados em juízo, fiquei com a impressão de que na verdade as depoentes, junto com um grupo de mais 38 pessoas, estavam sendo contratadas para fazer boca de urna, pois receberam material de propaganda e recomendação para conseguir no mínimo mais um voto para Capi, Cláudio Pinho e Janete (Maria da Nazaré, f. 626; Rosa Saraiva, f. 629). Essa impressão foi reforçada pelo que vi e ouvi nas gravações que recentemente vieram para os autos, onde as depoentes confirmam que realizaram trabalho de boca de urna durante todo dia da votação.

Também o pagamento do valor acertado em duas etapas sugere prestação de trabalho, que seria conferido pelos Coordenadores, pois como o voto dado não tem meio de ser conferido, não tem sentido deixar para pagar uma parte depois, imediatamente após o encerramento da votação, mas antes da divulgação dos resultados.

Ambas as depoentes participaram de diversas reuniões onde foi feito proselitismo político. A ameaça de que se não votassem nos representados perderiam a Bolsa do Estado deve ser entendida como contrapropaganda, que, aliás, lamentavelmente tem se confirmado em muitos casos, onde novas administrações insistem em extinguir programas sociais de sucesso apenas porque criados ou ligados a adversários derrotados.


Mas, Senhora Presidente, ainda que se pudesse ter como comprovada a compra dos dois votos, o que me parece não ter sido admitido pelos representados, ao contrário do que entendeu o Ministério Público, não vejo presente uma circunstância indispensável para a procedência da representação, que é a participação, direta ou indireta, dos representados.

Ao que pude verificar, apenas uma vez consta referência à origem do dinheiro usado na compra dos votos. Está no depoimento de Maria de Nazaré a afirmativa: “Que Da. Rosa declarou na reunião que esse dinheiro para pagar votos que estavam sendo comprados advinha do Capi” (f. 626).

A outra depoente, Rosa Saraiva, declarou genericamente que das reuniões na Associação das Mulheres do Jardim Marco Zero, com Da. Rosa, “os candidatos Capi, Janete e Cláudio Pinho também participavam, sendo que às vezes estava o Capi, outras vezes a Janete e Cláudio Pinho ia geralmente acompanhado de Janete”, não afirmando que no dia em que supostamente vendeu seu voto estavam presentes os candidatos ou algum deles.

Maria Rosa, testemunha indicada pelos representados e também contraditada por se apresentar como irmã de criação de Janete, o que foi por ela negado, declarou que além de presidente da Associação é militante do PSB e fez campanha para os representados, realizando diversas reuniões com pessoas da comunidade. Negou, porém, haver recebido recursos para compra de votos ou distribuído dinheiro para essa finalidade. Disse, ainda, que Maria de Nazaré e Rosa Saraiva lhe teriam pedido dinheiro e, ante sua recusa, disseram que iam atrás de quem lhes pudesse dar alguma vantagem. E que aquelas testemunhas ganharam terreno e casa, mas não soube dizer quem lhes deu.

A norma legal cuja aplicação se pede é claramente dirigida aos candidatos, isto é, a conduta tem que ser praticada por eles. Vale conferir o texto:

“Art. 41-A. Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinqüenta mil UFIR, e cassação do registro ou do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar no 64, de 18 de maio de 1990.”

Este Tribunal admite aplicar a sanção quando a compra de votos é praticada por terceira pessoa desde que fique evidente que o candidato dela tinha conhecimento e com ela anuía. Está na ementa do acórdão tomado no Recurso Especial nº 19.566, de que foi relator o nobre e eminente Ministro Sálvio de Figueiredo.

“Resta caracterizada a captação de sufrágio prevista no art. 41-A da Lei n° 9.504/97, quando o candidato praticar, participar ou mesmo anuir explicitamente às condutas abusivas e ilícitas capituladas naquele artigo”.

Nesse julgamento, o Ministro Sepúlveda Pertence fez questão de não se comprometer com a tese de aplicação do artigo 41-A quando não se pode imputar ao candidato, se não ação material, ao menos a participação dolosa na ação de terceiro, afirmando não poder “interpretar o art. 41-A como permitindo ou como se aplicando a atos puramente imputados a terceiros”.

No julgamento do Recurso Ordinário nº 704, de que fui relator e no qual se alegava a demissão de servidores que não apoiassem determinado candidato e nomeação de outros que fossem simpatizantes da candidatura, observei faltar prova de que o candidato pessoalmente ou por terceiros, expressamente autorizados, tenha participado dos fatos e de ter diretamente pedido voto em troca da obtenção ou da manutenção do emprego, destacando que a situação narrada poderia, em tese, configurar abuso do poder político, mas não a hipótese do artigo 41-A da Lei 9.504, de 1997”.

No mesmo sentido foi meu voto no recurso ordinário nº 696, no qual explicitei que, “para a caracterização da conduta vedada pelo artigo 41-A da Lei 9.504/97, é necessária a comprovação da participação direta ou indireta do candidato nos fatos ilegais e, também, a benesse ter sido dada ou oferecida com expresso pedido de votos”.

Vossa Excelência, eminente Presidente, por ocasião do julgamento do HC 46, registrou, com propriedade, que o ”delito do artigo 41-A da Lei nº 9.504/97 é exclusivo de candidato”, daí porque, no acórdão 1.299, de 17.10.2002, definiu que “caracteriza-se a captação de sufrágio prevista no art. 41-A da Lei nº 9.504/97 quando o candidato pratica as condutas abusivas e ilícitas ali capituladas, ou delas participa, ou a elas anúi explicitamente”.

Assim, não basta que se prove que houve compra de votos, sendo necessário que não restem dúvidas sobre a participação do candidato, mesmo que indireta, ou sua anuência explícita.


No caso dos autos, não vejo provada a manifesta concordância dos candidatos ou sua participação.

Quanto à extrema proximidade, estreita ligação ou liame, como anotado no voto do ilustre Juiz Rui Guilherme de Vasconcelos Souza Filho, Relator vencido no Tribunal de origem, existente entre as pessoas moradoras no local onde se processou a busca e apreensão e os candidatos representados, lembro que Eunice e Eloiana – que Maria de Nazaré e Rosa Saraiva declararam não conhecer – estão ligadas ao primeiro fato – apreensão de material de campanha, fichas, relações, documentos e dinheiro para boca de urna e alimentação – e não têm relação direta com a suposta compra de votos realizada por Da. Maria Rosa, presidente da Associação de Mulheres do Marco Zero.

Por outro lado, o fato do nome de Maria de Nazaré e Rosa Saraiva constarem de fichas apreendidas no Comitê – sobre as quais já fiz considerações – não me parece suficiente para caracterizar participação ou anuência dos candidatos representados na suposta compra de votos.

De qualquer sorte, não me parece suficiente haver extrema proximidade, estreita ligação ou liame entre os autores da conduta indicada como abusiva e os candidatos que seriam por ela beneficiados. O sujeito ativo da conduta descrita no artigo 41-A da Lei n.º 9.504 é o candidato, tendo nossa jurisprudência admitido sua punição quando há prova de sua participação indireta ou anuência explícita. Portanto, não basta haver liame, ligação ou proximidade. É necessária a participação efetiva, ainda que mediante anuência explicita.

Em suma, Senhora Presidente, depois de ler os autos e refletir sobre as provas neles existentes, além de ficar com dúvidas sobre a melhor interpretação dos depoimentos colhidos e dos fatos narrados, não encontrei evidência da participação efetiva, direta ou indireta, dos representados na suposta compra de votos, nem mesmo por anuência explícita, condições necessárias para a aplicação das sanções indicadas no artigo 41-A da Lei 9.404, de 1997, na linha do já lembrado precedente do Ministro Sálvio de Figueiredo.

Por isso e pedindo as mais sinceras vênias ao eminente Ministro Relator, a quem rendo todas as homenagens, endossando as palavras do ilustre Vice-Procurador Geral Eleitoral e aos eminentes Ministros que o seguiram, conheço do recurso, mas lhe nego provimento, mantendo o acórdão que julgou improcedente a representação.

Proponho, ainda, a remessa de cópia dos autos ao Ministério Público Eleitoral para investigar, com o auxílio da Polícia Federal, eventual ilícito penal eleitoral no que diz respeito aos eventos relacionados com as testemunhas, noticiados nestes autos.

Tive o cuidado de ver e ouvir as fitas trazidas para os autos nesta instância e confesso que fiquei impressionado. Não é hora de antecipar qualquer juízo de valor sobre tais fatos que, repito, devem ser corretamente apurados, mas não posso deixar de manifestar minha preocupação com o que nelas registrado.

Creio, Senhor Presidente, que a importância do instrumento que agora dispomos para afastar do pleito ou do cargo quem pratica a reprovável conduta de comprar votos está intimamente ligada à responsabilidade de quem afirma o fato, sobre cuja integridade, independência e segurança não pode pairar nenhuma dúvida, nem haver nenhuma ameaça.

PROJETO DE LEI DO SENADO Nº 284, DE 2003

(SENADOR CESAR BORGES)

Acrescenta os §§ 1º e 2º ao art. 41-A da Lei

nº 9.504, de 30 de setembro de 1997.

O CONGRESSO NACIONAL decreta:

Art. 1o O art. 41-A da Lei nº 9.504, de 1997, passa a viger

acrescido dos seguintes §§ 1º e 2º:

“Art. 41-A. …………………………………………………………………

§ 1º As penalidades previstas no caput deste artigo terão

eficácia após o trânsito em julgado da respectiva sentença

condenatória.

§ 2º A representação fundamentada em captação de sufrágio

prevista no caput deste artigo poderá ser proposta até cinco dias após a data da eleição.(NR)”

Art. 2o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

JUSTIFICAÇÃO

A presente proposição tem o objetivo de promover o acréscimo

de dois parágrafos ao art. 41-A da Lei nº 9.504, de 1997, que estabelece normas para as eleições.

Como é sabido, esse artigo foi aditado à chamada Lei das

Eleições pela Lei nº 9.840/1999, que resultou de projeto popular encabeçado pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil com o objetivo de tolher e punir a chamada compra de votos.

Entretanto, sem embargo do fim meritório do projeto, a sua

aplicação, por vezes, tem implicado a inobservância dos princípios

constitucionais da presunção de inocência (art. 5º, LVII) e da segurança jurídica (art. 5º, caput).


Por essa razão, estamos propondo o acréscimo de dois parágrafos

ao art. 41-A da Lei nº 9.504/97, primeiro para que a aplicação das penalidades previstas ocorra somente após o trânsito em julgado da decisão condenatória e, também, para fixar o quinto dia após a data da eleição como termo final para a apresentação da ação prevista no supracitado artigo.

A propósito, cabe registrar aqui que o próprio Tribunal Superior

Eleitoral (TSE) tem, por assim dizer, flexibilizado o entendimento de que a decisão condenatória prevista na norma legal em questão tem eficácia imediata.

Com efeito, ao editar a Resolução nº 20.993, de 26/02/2002, que

dispôs sobre a escolha e o registro de candidatos às eleições de 2002 o TSE assim estatuiu:

Art. 56. Os tribunais deverão cancelar automaticamente o registro de

candidato/a que venha a renunciar ou falecer.

Parágrafo único. No caso de o/a candidato/a ser considerado/a

inelegível ou ter seu registro cassado, os tribunais regionais eleitorais

cancelarão o registro após o trânsito em julgado da decisão.

Desse modo, o projeto de lei que ora submetemos à Casa vai ao

encontro dessa atitude prudente da Corte superior eleitoral, no sentido de fazer prevalecer o princípio constitucional da presunção da inocência do acusado até o trânsito em julgado da sentença condenatória.

Pondere-se, a propósito, que se o candidato, tendo o registro

cassado em primeira instância, for impedido de concorrer a eleição e vier a ter a condenação afastada em instância recursal, sofrerá prejuízo injusto e irreparável.

E é tal prejuízo que pretendemos evitar com a proposição ora

justificada. Por outro lado, no que diz respeito à fixação do quinto dia após o pleito como termo final para propositura da representação prevista no art. 41-A da Lei nº 9.504/97, cabe anotar o seguinte.

Primeiro, devemos consignar que a celeridade, sendo já uma

característica necessária ao direito processual, o é mais ainda em se tratando de processo eleitoral.

Essa a opinião dos doutrinadores do direito eleitoral, a exemplo

de TORQUATO JARDIM, (Cf. Direito Eleitoral Positivo, Ed. Brasília

Jurídica, 1994, p. 78). E ocorre que tem havido decisões judiciais com o entendimento de que não há prazo prescricional para a representação prevista no art. 41-A.

A propósito, contestando uma dessas decisões, veja-se a dicção

do TSE no Acórdão nº 11.524 lê-se:

Afirmar inexistir termo final para propositura da representação do art.

22 citado é tornar inócuo o prazo de quinze dias do § 10, art. 14, da

Constituição Federal, ou seja, vencido o prazo da ação constitucional,

disporia o representante de outro, de seu alvitre, com a representação

da lei complementar. Tal solução afronta a Constituição Federal. (Cf.

ALBERTO ROLLO e ENIR BRAGA, Inelegibilidade à Luz da

Jurisprudência, Fiúza, 1995, p. 64).

Com efeito, a afirmação referida na passagem da decisão do TSE

acima transcrita, consta de decisão de Tribunal Regional Eleitoral então recorrida, e contraria o direito à segurança, apanágio do Estado de direito, norma basilar da nossa Constituição (art. 5º, caput, combinado com art. 1º, caput).

Como o lapso coberto pelos atos ilegais previstos no art. 41-A

vão desde o registro da candidatura até o dia da eleição e tendo em vista que o art. 3º, caput, da Lei Complementar nº 64/90 prevê o prazo de cinco dias após o registro da candidatura para a apresentação de impugnação desse registro, estamos propondo, por raciocínio analógico, que o termo final para o oferecimento da representação prevista no art. 41-A se dê no quinto dia após as eleições.

Tal prazo nos parece razoável para que o representante colha e

prepare os elementos necessários para fazer o seu pedido pois, ele teria no mínimo cinco dias para tanto, uma vez que, como já visto acima, a captação ilegal de sufrágio prevista no art. 41-A da Lei nº 9.504/97 termina no próprio dia do pleito eleitoral.

Ademais, cabe não olvidar que o fim do prazo para oferecer a

representação prevista no art. 41-A em questão não implica que candidatos porventura eleitos não possam mais responder por abuso de poder. Com efeito, como é sabido, o art. 14, § 10, da Constituição

Federal prevê a impugnação do mandato eletivo no prazo de quinze dias contados da diplomação.

Ademais, o art. 262 do Código Eleitoral arrola os casos em que

cabe recurso contra a expedição de diploma e entre esses se encontra o caso em que o diploma foi concedido – ou denegado – em manifesta contradição com a prova dos autos, inclusive na hipótese do art. 41-A da Lei nº 9.504/97.

Como conclusão do aqui exposto, solicitamos o apoio dos nobres

colegas para a aprovação do projeto de lei que ora submetemos à apreciação desta Casa.

Sala das Sessões,

Senador CÉSAR BORGES

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