Cartão vermelho

Greve da Polícia Federal é ilegal, decide Justiça.

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27 de abril de 2004, 19h12

Ou os policiais federais de São Paulo suspendem a greve ou terão de pagar multa diária de R$ 60 mil. A decisão é do desembargador Johonsom Di Salvo, do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, que concedeu liminar, nesta segunda-feira (26/4), em que considera a paralisação ilegal. Ainda cabe recurso.

Segundo o presidente da Fenapef — Federação Nacional dos Policiais Federais — Francisco Carlos Garisto, a multa não será necessária. Os funcionários de São Paulo irão cumprir a sentença e voltar ao trabalho, mas “a operação padrão será radicalizada nos outros 25 estados onde a greve foi considerada legal”.

Garisto acusou o ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos de “não cumprir a lei 9266-96”. Para ele, a decisão da Justiça foi uma resposta à pressão do ministro.

A decisão acatou pedido da Advocacia-Geral da União em São Paulo. A AGU alegou que o Supremo Tribunal Federal já decidiu que a greve dos servidores públicos é ilegal enquanto não for regulada por lei específica, como determina o inciso VII, do artigo 37, da Constituição Federal. A lei regulamentar ainda não foi editada.

Di Salvo destacou que “o exercício do direito constitucionalmente assegurado ao servidor público ao exercício de greve é potencial e aparece condicionado à futura elaboração de lei que formalmente, e no seu conteúdo, seja específica para regular as eventuais irregularidades que a relação de direito público (estatutária) gera entre o servidor e a Administração Pública no âmbito de movimento paredista”. (Com informações da AGU)

Leia íntegra da decisão

PROC. : 2004.03.00.018193-9 AG 204283

ORIG. : 200461000088098/SP

AGRTE : Uniao Federal

ADV : ANTONIO LEVI MENDES

AGRDO : FEDERACAO NACIONAL DOS POLICIAIS FEDERAIS FENAPEF e outro

ADV : FABIO DA COSTA AZEVEDO

ORIGEM : JUIZO FEDERAL DA 11 VARA SAO PAULO Sec Jud SP

RELATOR : DES.FED. JOHONSOM DI SALVO / PRIMEIRA TURMA

Vistos.

Trata-se de agravo de instrumento interposto pela UNIÃO contra a decisão de fls. 212/218 que, em sede de ‘ação cominatória de obrigação de fazer e não fazer’ proposta pela agravante com o escopo primordial de sustar os efeitos da greve empreendida pelos Policiais Federais ocupantes dos cargos de Agente, Escrivão e Papiloscopista vinculados à FEDERAÇÃO NACIONAL DA POLICIA FEDERAL – FENAPEF e ao SINDICATO DOS SERVIDORES PÚBLICOS CIVIS FEDERAIS DO DEPARTAMENTO DA POLÍCIA FEDERAL EM SÃO PAULO – SINDIPOLF/SP, indeferiu pedido de antecipação de tutela.

Inconformada, insurge-se a agravante requerendo a concessão de efeito suspensivo ativo (fls. 12), a fim de obter, mediante a reforma do ‘decisum’, a antecipação de tutela tal como requerida na inicial, sob os seguintes argumentos: (1) seria inviável o exercício do direito insculpido no artigo 37, inciso VII, da Constituição Federal enquanto não editada lei regulamentadora; (2) o Supremo Tribunal Federal, no Mandado de Injunção n°.20-4/DF, teria reconhecido conter a norma Constitucional do artigo 37, inciso VII, preceito de eficácia limitada; (3) compondo as categorias funcionais envolvidas no movimento grevista carreira típica de Estado, essenciais à consecução da função pública, a manutenção do efetivo de 30% (trinta por cento) de servidores, como determinado pelo Departamento da Polícia Federal por meio da portaria GAB/DG/DPF n°.216/04 (fls. 37/39), seria insuficiente para evitar os prejuízos ao interesse público; (4) os limites ao exercício do direito de greve não teriam sido observados pelos Policiais Federais na medida em que o movimento estaria se utilizando de meios coercitivos ilegítimos como a denominada ‘operação padrão’; (5) a pauta de reivindicações não seria legitima pois abrange pleito de aumento salarial contrário às normas legais vigentes; (6) seria patente o imenso prejuízo que a greve daqueles servidores ocasiona ao Departamento de Polícia Federal, inclusive em razão da cessação de diversas investigações.

DECIDO.

Havendo greve deflagrada em 09 de março de 2004 pelos servidores públicos civis ocupantes dos cargos de Agente, Escrivão e Papiloscopista da Polícia Federal, deliberada pelo SINDIPOLF/SP e FENAPEF, reivindicando recebimento de vencimentos básicos equivalentes aos da carreira de Delegado da Polícia Federal, a União interpôs na 11ª Vara Federal de São Paulo ação destinada a compelir os requeridos a promover a sustação do movimento paredista, abstendo-se “…de promover ou de qualquer modo concorrer para a paralisação dos serviços da Polícia Federal comprometida pela ilícita paralisação, sob pena de imposição de multa diária aos requeridos de R$.60.000,00 (sessenta mil reais)” (fls. 30).

Foi pedida liminar para que os demandados:

‘a) sustem os efeitos da ilegal deliberação de paralisação e que se abstenham de promover ou de qualquer modo concorrer para a paralisação dos serviços da Polícia Federal, e/ou sejam determinadas por esse MM. Juízo outras medidas que garantam o restabelecimento da normalidade na prestação dos serviços públicos da Polícia Federal (CPC, art. 461, §5°), comprometida pela ilícita paralisação, sob pena de imposição de multa diária aos requeridos de R$.60.000,00 (sessenta mil reais);


b) abstenham-se de realizar condutas abusivas, a título de “operação padrão”, nos aeroportos, portos e postos de fronteira, ou quaisquer outras medidas que demonstrem a intenção de opor resistência injustificada à execução de serviço, sob pena de imposição de multa diária de R$.60.000,00 (sessenta mil reais);

c) abstenham-se de impedir ou turbar o acesso de quaisquer funcionários autorizados pela Direção-Geral do DPF à área restrita da Polícia Federal nos aeroportos, portos e postos de fronteira, sob pena de imposição de multa diária de R$.60.000,00 (sessenta mil reais)’ (fls. 29/30).

A digna Magistrada de primeira instância indeferiu a antecipação de tutela por não vislumbrar a fumaça do bom direito nas alegações expendidas pela União em sua petição inicial, nos seguintes termos:

‘(…).

Em primeiro lugar tenho que a norma constitucional invocada como pressuposto para dar à greve o caráter de ilegal não tem eficácia limitada, mas sim contida, de sorte que a lei a qual a mesma faz referência pode estabelecer restrições ao exercício do direito, se vier a ser criada, mas não pode ser erigida à condição de obstáculo negativo à fruição daquele, pela sua inexistência.

Noutras palavras, pode-se afirmar que, enquanto não editada norma que defina os limites dentro dos quais poderão os servidores públicos exercer a prerrogativa, pode esta ser usufruída livremente, desde que não sejam cometidos abusos e se mantenha a prestação dos serviços de caráter essencial.

Afirmação em sentido contrário importaria não atribuição de caráter programático a regra da Carta Magna, mas negativa de utilização do direito pelos seus titulares, cabendo ressaltar que o inciso em comento teve o expresso objetivo de revogar proibição anteriormente existente.

Em função disso, considero que o servidor público pode exercer aqui o direito de greve.

Fixada tal premissa, passo à analisar o eventual cometimento de abusos no caso em análise.

Sob essa ótica, verifico que não ficou demonstrada, pela autora, a ocorrência, no território sujeito à atuação do SINDIPOLF/SP, das ilegalidades apontadas.

Nesse passo, é de se frisar que não podem ser tidos como indícios capazes de gerar a verossimilhança das alegações as declarações atribuídas aos dirigentes da FENAPEF e do SINDIPOLF/SP, pelo só fato de que estas não acarretam, como consectário, a paralisação das atividades essenciais, o prejuízo para a segurança pública e a criação de impedimentos à atuação de forças-tarefas.

Noutro giro, ainda que se alegue tratar-se de prova de fato negativo, observo, neste exame superficial, ter sido fornecida, pelos co-réus, documentação comprobatória do desempenho das atividades citadas no parágrafo anterior dentro daquilo que pode ser tido como mínimo necessário.

Ainda a esse respeito, ressalto, especificamente em relação à chamada ”operação padrão” que a submissão de todos os passageiros ao procedimento de revista, antes realizado por amostragem, não pode ser taxada de ilegal, ainda que provoque transtornos, os quais poderiam ser evitados com o aumento do número de servidores.

Ilegalidade haveria se o serviço ficasse paralisado, ou, alternativamente, se houvesse abuso na prestação, sendo os cidadãos submetidos a constrangimento.

Não foram comprovadas ambas as hipóteses e não são bastantes para tanto a causação de atrasos na efetivação dos procedimentos, os quais são ínsitos a qualquer movimento paredista, inclusive o empreendido pelos próprios Advogados da União, para consecução dos objetivos almejados pelo movimento.

Por fim tenho que raciocínio semelhante pode ser aplicado aos demais serviços desempenhados pela Polícia Federal, tais como emissão de passaportes e prestação de escolta e proteção de testemunhas e agentes públicos.

Diante do exposto, ausente o “fumus boni iuris”, INDEFIRO OS PEDIDOS DE TUTELA contidos na inicial’ (fls. 215/217).

Não é aqui o lugar para se discutir o mérito do pretendido direito a elevação de vencimento buscado pelos senhores funcionários da Polícia Federal.

A ocasião é propícia para, somente, indagar se estão aclarados os requisitos do art. 558 do Código de Processo Civil a que remete o inciso III do art. 527 do Código de Processo Civil.

A fundamentação contida no discurso da minuta sobre a aparente inconstitucionalidade do movimento grevista de servidores federais é relevante.

O entendimento do STF a respeito do art. 37, inciso VII da Constituição Federal consolidou-se no julgamento do Mandado de Injunção n°.20/DF, apreciado pelo pleno em 19/05/94, como segue:

MANDADO DE INJUNÇÃO COLETIVO – DIREITO DE GREVE DO SERVIDOR PÚBLICO CIVIL – EVOLUÇÃO DESSE DIREITO NO CONSTITUCIONALISMO BRASILEIRO – MODELOS NORMATIVOS NO DIREITO COMPARADO – PRERROGATIVA JURÍDICA ASSEGURADA PELA CONSTITUIÇÃO (ART. 37, VII) – IMPOSSIBILIDADE DE SEU EXERCÍCIO ANTES DA EDIÇÃO DE LEI COMPLEMENTAR – OMISSÃO LEGISLATIVA – HIPÓTESE DE SUA CONFIGURAÇÃO – RECONHECIMENTO DO ESTADO DE MORA DO CONGRESSO NACIONAL – IMPETRAÇÃO POR ENTIDADE DE CLASSE – ADMISSIBILIDADE – WRIT CONCEDIDO. DIREITO DE GREVE NO SERVIÇO PÚBLICO.


O preceito constitucional que reconheceu o direito de greve ao servidor público civil constitui norma de eficácia meramente limitada, desprovida, em conseqüência, de auto-aplicabilidade, razão pela qual, para atuar plenamente, depende da edição da lei complementar exigida pelo próprio texto da Constituição. A mera outorga constitucional do direito de greve ao servidor público civil não basta – ante a ausência de auto- aplicabilidade da norma constante do art. 37, VII, da Constituição – para justificar o seu imediato exercício. O exercício do direito público subjetivo de greve outorgado aos servidores civis só se revelará possível depois da edição da lei complementar reclamada pela Carta Política. A lei complementar referida – que vai definir os termos e os limites do exercício do direito de greve no serviço público – constitui requisito de aplicabilidade e de operatividade da norma inscrita no art. 37, VII, do texto constitucional. Essa situação de lacuna técnica, precisamente por inviabilizar o exercício do direito de greve, justifica a utilização e o deferimento do mandado de injunção. A inércia estatal configura-se, objetivamente, quando o excessivo e irrazoável retardamento na efetivação da prestação legislativa – não obstante a ausência, na Constituição, de prazo pré-fixado para a edição da necessária norma regulamentadora – vem a comprometer e a nulificar a situação subjetiva de vantagem criada pelo texto constitucional em favor dos seus beneficiários. MANDADO DE INJUNÇÃO COLETIVO: A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de admitir a utilização, pelos organismos sindicais e pelas entidades de classe, do mandado de injunção coletivo, com a finalidade de viabilizar, em favor dos membros ou associados dessas instituições, o exercício de direitos assegurados pela Constituição. Precedentes e doutrina.

(MANDADO DE INJUNÇÃO N°.20/DF; Tribunal Pleno; Relator Min. CELSO DE MELLO; DJ: 22/11/96).

A mesma posição do plenário da Suprema Corte repetiu-se no Mandado de Injunção n°.438/GO, julgado em 11/11/94, como segue:

Mandado de Injunção. Direito de greve – Constituição, art. 37, VII. 2. Legitimado este sindicato a requerer Mandado de Injunção, com vistas a ser possibilitado o exercício não só de Direito Constitucional próprio, como dos integrantes da categoria que representa, inviabilizado por falta de norma regulamentadora. Precedente no Mandado de Injunção n°. 347-5-SC. 3. Sindicato da área de educação de Estado-Membro. Legitimidade ativa. 4. Reconhecimento de mora do Congresso Nacional, quanto a elaboração da Lei Complementara que se refere o art. 37, VII, da Constituição. Comunicação ao Congresso Nacional e ao Presidente da Republica. 5. Não é admissível, todavia, o Mandado de Injunção como sucedâneo do Mandado de Segurança, em ordem a anulação de ato judicial ou administrativo que respeite ao Direito Constitucional cujo exercício pende de regulamentação. Nesse sentido, não cabe mandado de injunção para impugnar ato judicial que haja declarado a ilegalidade de greve no Serviço Público, nem por essa mesma via e de ser reconhecida a legitimidade da greve. Constituição, art. 5°, LXXI. 6. Mandado de injunção conhecido, em parte, e, nessa parte, deferido, para o fim acima indicado.

(MANDADO DE INJUNÇÃO N°.438/GO; Tribunal Pleno; Relator Min. NERI DA SILVEIRA; DJ: 16/06/95)

Como se vê, a orientação da Suprema Corte é no sentido de que o direito subjetivo de greve outorgado aos servidores públicos resta condicionado a edição de lei reguladora. Óbvio que a Constituição atual legitimou a greve no âmbito da Administração Pública Civil; mas a eficácia da norma ainda hoje depende de complementação legislativa que, com o advento da Emenda Constitucional n°.19 de 04/06/98, pode ser apenas a lei ordinária.

O atual discurso constitucional é o seguinte:

Art. 37, VII – o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica.

Como se vê, a norma que assegura o direito de greve no serviço público civil era e continua sendo de eficácia limitada; antes fazia o direito depender da edição de lei complementar que viabilizasse o seu exercício prático, e hoje contenta-se com a edição de lei apenas ordinária.

Realmente, o inciso VII do art. 37 da Constituição agora reformado pela Emenda Constitucional n°.19 diminuiu a rigidez do texto original para dispor que basta uma lei ordinária, mas haverá de ser “lei específica”, ou, conforme afirma CELSO BASTOS; “uma lei que só trate dessa matéria” (Curso de Direito Constitucional, p. 542, ed. 2002).

Segue daí que não se pode tomar como norma regulamentadora do direito de greve no serviço público civil – recepcionada para tal fim pelo atual inciso VII do art. 37 – a Lei n°. 7.783 de 28/06/89 porque salta aos olhos que a mesma regula o direito de greve do trabalhador privado; veja-se, a propósito, o teor do seu art. 8° que se refere a Justiça do Trabalho e, principalmente, o seu art. 16 que tem a seguinte redação:


Art. 16. Para os fins previstos no art. 37, inciso VII, da Constituição, lei complementar definirá os termos e os limites em que o direito de greve poderá ser exercido.

É evidente que esse dispositivo, remetendo a uma lei que para os fins da regulamentação do direito de greve no serviço público civil “…definirá os termos e os limites em que o direito de greve poderá ser exercido”, deixou claro que a Lei n°.7.783/89 não se presta a regular greve senão no âmbito das relações trabalhistas privadas.

O texto atual do inciso VII do art. 37 exige uma especificidade formal e material – de forma e conteúdo – para viabilizar o exercício do direito de greve do servidor público e, diante dessa densa especificidade, não há que se falar em suprimento de omissão legislativa com o recurso da analogia.

Há vários dispositivos da Lei n°.7.783 de 28/06/89 que não são aplicáveis nas relações estatutárias, entre o servidor civil e a Administração Pública porque a natureza institucional do vínculo torna inaceitável que direitos e obrigações decorram de outra fonte – como, por exemplo, acordos e convenções coletivas – que não seja a lei. Aliás, observe-se nesse âmbito que o §3° do art. 39 da Magna Carta assegura ao servidor público vários direitos sociais, mas não o inciso XXVI do art. 7° que se refere ao “reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho”.

Veja-se, a propósito, decisão do STF na ADI n°.492/DF:

CONSTITUCIONAL. TRABALHO. JUSTICA DO TRABALHO. COMPETÊNCIA. AÇÕES DOS SERVIDORES PÚBLICOS ESTATUTÁRIOS. C.F., ARTS. 37, 39, 40, 41, 42 E 114. LEI N. 8.112, DE 1990, ART. 240, ALINEAS “D” E “E”.

I – Servidores públicos estatutários: direito a negociação coletiva e a ação coletiva frente a Justiça do Trabalho: inconstitucionalidade. Lei 8.112/90, art. 240, alíneas “d” e “e”.

II – Servidores públicos estatutários: incompetência da Justiça do Trabalho para o julgamento dos seus dissídios individuais. Inconstitucionalidade da alínea “e” do art. 240 da lei 8.112/90.

III – Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada procedente.

(AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE N°.492/DF; Tribunal Pleno; Relator Min. CARLOS VELLOSO; DJ:12/03/1993).

De se notar que muito embora esse acórdão não se detenha na questão da recepção ou não da Lei n°.7.783/89 pelo inciso VII do art. 37, já estando em vigor a nova redação trazida pela Emenda Constitucional n°.19/98, o STF decidiu que a greve do funcionalismo continua dependendo de regulamentação legal.

Veja-se ainda a seguinte decisão também posterior a Emenda Constitucional n°.19:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. PORTARIA Nº 1.788, DE 25.08.98, DA SECRETARIA DA RECEITA FEDERAL.

Texto destinado à regulamentação do estágio probatório, que se acha disciplinado pelo art. 20 da Lei nº 8.112/90, com a alteração do art. 6º da EC nº 19/98 e, por isso, insuscetível de ser impugnado pela via eleita. Inviabilidade, declarada pelo STF (MI nº 20, Min. Celso de Mello), do exercício do direito de greve, por parte dos funcionários públicos, enquanto não regulamentada, por lei, a norma do inciso VII do art. 37 da Constituição. Não-conhecimento da ação.

(AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE N°.1880/DF; Tribunal Pleno; Relator Min. ILMAR GALVAO; DJ:27/11/98)

E, bem mais recentemente, na sessão de 15/05/2002, mais uma vez o pleno da Excelsa Corte teve ensejo para confirmar entendimento sobre a necessidade de regulamentação do inciso VII do art. 37, ao julgar o Mandado de Injunção n°.585/TO no seguinte sentido:

MANDADO DE INJUNÇÃO. DIREITO DE GREVE DOS SERVIDORES PÚBLICOS. ARTIGO 37, VII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

Configurada a mora do Congresso Nacional na regulamentação do direito sob enfoque, impõe-se o parcial deferimento do writ para que tal situação seja comunicada ao referido órgão.

(MANDADO DE INJUNÇÃO N°.585/TO; Tribunal Pleno; Relator Min. ILMAR GALVÃO; DJ: 02/08/02).

Concluo, portanto, que o exercício do direito constitucionalmente assegurado ao servidor público civil ao exercício de greve (art. 37, VII, Constituição de 1988) é potencial e permanece condicionado a futura elaboração – no que de há muito acha-se em mora o Congresso Nacional – de lei que, formalmente e no seu conteúdo, seja específica para regular as inevitáveis peculiaridades que a relação de direito público (estatutária) gera entre o servidor e a Administração Pública no âmbito de movimento paredista. Entendo, mais, que a Lei n°.7.783/89 não tem a natureza de norma complementar do atual inciso VII do art. 37.

Verifico a presença, então, de relevância nos argumentos de direito vinculados na minuta.

Realmente, o princípio da continuidade do serviço público deve fazer com que o exercício do direito de greve seja regulado muito minuciosamente levando em conta também os direitos da população, mormente depois que o ‘caput’ do art. 37 passou a abrigar explicitamente o princípio da eficiência.


É indiscutível que o exercício de greve no setor público poderá acarretar prejuízos aos cidadãos daí sobrevindo o empenho da responsabilidade de direito público seja na forma objetiva (§6° do art. 37), seja na forma da “falta anônima do serviço”. Portanto, não há como se contentar com a aplicação de uma lei criada especificamente para regular a greve no setor privado para o fim de legitimar e regular a greve do servidor público, terreno onde as complexidades são muito mais intensas.

É certo que o funcionalismo público vem sendo maltratado há pelo menos dez anos consecutivos; há quem se preste a difamar os servidores públicos dos Três Poderes como se eles fossem uma malta de sanguessugas apenas preocupada em devorar os recursos do Tesouro Público; todas as pessoas de intelecto decente e com um mínimo de tirocínio sabem que – com as exceções de praxe – esse “conto do vigário” não é verdadeiro. A nação brasileira deve muito aos seus servidores de carreira.

No entanto, apesar do imenso respeito que os servidores civis e militares justamente merecem e lhes vem sendo sonegado há muito tempo, não me parece possível – pelas razões já expostas – maltratar a Constituição.

É de se indagar, agora, da presença ou não da possibilidade de lesão grave e de difícil reparação em conseqüência do movimento grevista dos senhores funcionários da Polícia Federal neste Estado.

Não é preciso maior esforço mental para avaliar a seriedade e as graves seqüelas oriundas de movimento paredista encetado por segmento tão importante do funcionalismo público como é a Polícia Federal. Resta claro que a segurança pública, no âmbito da polícia judiciária (incisos I, II e IV do §1° do art. 144 da Constituição) e da polícia aduaneira e guardiã das fronteiras (inciso III), está comprometida.

Prova objetiva, conquanto parcial, dessa situação é a Portaria n°.885 de 23/03/2004 celebrada entre os Ministros da Justiça e da Defesa instituindo grupos de trabalho emergenciais (“forças-tarefas”) compostos por policiais e funcionários da INFRAERO para atos de fiscalização e controle de imigração nos aeroportos internacionais.

Os senhores Agentes da Polícia Federal exercem as atividades investigatórias, executam fiscalização e prisões, compõem “forças-tarefas” especializadas, desempenham segurança de autoridades e escoltas. Os senhores Escrivães são responsáveis pela escrivania e trâmite dos inquéritos e os senhores Papiloscopistas exercitam imprescindíveis funções no âmbito da normal burocracia do Departamento de Polícia Federal.

Constata-se de noticiário da “Folha de São Paulo” datado de 11/03/2004 que ao menos naquela data alguns dos efeitos da greve neste Estado eram: paralisação de fiscalização contra “trabalho escravo”, paralisação de emissão de passaportes, das ações de busca e apreensão e das prisões (fls. 51), fatos esses que mostram sérios prejuízos para a coletividade.

Ademais, é pública a notícia no sentido de que Delegados de Polícia têm sido desviados de suas funções normais e inerentes a seus cargos para se desincumbir de tarefas no Aeroporto de Cumbica e proceder a escolta de presos porque os senhores Agentes só estão escoltando os presos da “Operação Anaconda”.

São os grevistas funcionários públicos relevantíssimos, merecem tanto o respeito da sociedade brasileira quanto tratamento digno e respeitoso de parte de suas chefias no Ministério da Justiça e no Departamento de Polícia Federal. Porém, como todos, devem subordinar-se a lei.

Por isso tudo é que se constata sem maior desforço a dimensão acentuada da lesão oriunda da paralisação de atividades por parte desses gabaritados servidores.

Assim, inexistindo – por lamentável descaso do Congresso Nacional – regulamentação válida para o exercício do direito de greve de modo legítimo pelos servidores civis da União, aliada a evidente ocorrência de lesão no desempenho do serviço estatal indelegável de segurança pública interna, encontram-se presentes os requisitos capitulados no art. 558 do Código de Processo Civil para concessão da antecipação de tutela recursal.

Pelo exposto, concedo parcialmente a antecipação de tutela requerida a fls. 12 para o fim de determinar a sustação dos efeitos da paralisação dos senhores Agentes, Escrivães e Papiloscopistas do Departamento de Polícia Federal em São Paulo, deflagrada desde 09/03/2004 e coordenada pelos agravados, restabelecendo-se os serviços de modo adequado e eficiente tal como exigido no ‘caput’ do art. 37 da Constituição. Deverão ainda executar nos parâmetros de normalidade preconizados em lei as suas nobilíssimas funções nos aeroportos e portos desde Estado, evitando resistência injustificada contra a execução de seus serviços e, finalmente, abster-se de impedir ou turbar o acesso de outros funcionários nas áreas restritas da Polícia Federal localizados em aeroportos e portos deste Estado, desde que os mesmos estejam autorizados pela Direção-Geral da Polícia Federal. O descumprimento de qualquer dessas disposições importará em multa diária de R$.60.000,00 (sessenta mil reais) pelo que responderão solidariamente os agravados.

Comunique-se imediatamente ao juízo ‘a quo’.

Intime-se os agravados para contraminutarem, querendo.

Colha-se parecer do Ministério Público Federal.

Publique-se.

São Paulo, 26 de abril de 2004.

JOHONSOM di SALVO

DESEMBARGADOR FEDERAL

RELATOR

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