Reforma do Judiciário

Súmula vinculante pode ficar somente no papel

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26 de abril de 2004, 14h33

A adoção da súmula vinculante é uma das inovações mais controvertidas da proposta de reforma do Judiciário. Aprovado pela Câmara dos Deputados e acolhido pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, o mecanismo obriga juízes de instâncias inferiores a seguirem decisões do Supremo Tribunal Federal.

A novidade divide opiniões de advogados, magistrados, ministros dos tribunais superiores e integrantes do governo. Na última sexta-feira, o secretário da Reforma do Judiciário, Sérgio Renaut, avisou que o Ministério da Justiça vai tentar retirá-la do texto da Proposta de Emenda Constitucional (PEC 29), apesar do volume de argumentos favoráveis à medida. Os seus adeptos defendem que a aplicação da súmula vai desafogar o Judiciário, pois reduz drasticamente o volume de recursos. Já entre os opositores existe o temor de que a medida dará poderes excessivos ao STF.

O polêmico instrumento jurídico foi um dos temas debatidos por advogados e ministros dos tribunais superiores durante o seminário “A Nova Justiça”, realizado no último dia 23, em Florianópolis, pela revista Consultor Jurídico, com o apoio do escritório Leite Tosto e Barros. A maior parte dos ministros presente no evento vê com bons olhos o instrumento.

Para o ministro do STF Gilmar Mendes, a súmula vinculante pode reverter a crise numérica pela qual passa o Judiciário. É de causar inveja o número de processos que chegam à Corte, comparativamente a tribunais de outras nações. De 1999 para 2002, o número de processos no Supremo pulou de 68.369 para mais de 160 mil, enquanto a Corte Alemã, entre 1951 e 2000, recebeu 141.712. Hoje, uma controvérsia constitucional leva de 10 a 12 anos para ser decidida na Corte brasileira, desde a entrada do processo na primeira instância.

O ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Franciulli Neto também defende a súmula. “O efeito vinculante, ao lado de uma mudança radical nos códigos de processos, pode ser uma resposta ao caos que vive atualmente o Judiciário”, defendeu.

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), por outro lado, refuta a medida com a justificativa de que o mecanismo vai engessar o Judiciário e tirar a autonomia dos juízes de primeiro grau. O presidente da Comissão de Reforma do Judiciário da seccional paulista da OAB, Ricardo Tosto, vê com muita desconfiança a proposta. “Ela pode dar ao Supremo uma força desproporcional, maior até que a do Executivo”, alertou, ao ressaltar que no futuro não se sabe quem ocupará as cadeiras do tribunal.

Além de temerária, a súmula vinculante, na sua opinião, tende a causar muita confusão. Para Tosto, o efeito vinculante, na prática, poderia ser aplicado nos casos específicos, como nas questões tributárias, em que se discute basicamente a constitucionalidade ou não de determinado tributo. E para o contribuinte, ressaltou, a novidade não traz nenhuma vantagem. “Hoje, no Brasil, quando o contribuinte ganha a causa, ou recebe em precatórios ou deixa de receber mesmo, o que não implica em sanção alguma para o governo”, critica.

Controle – A criação do Conselho Nacional de Justiça para controlar as atividades do Judiciário e acompanhar a execução orçamentária de cada tribunal foi outra questão discutida durante o seminário. O chamado “controle externo” também coloca em lados opostos alguns ministros dos tribunais superiores e a cúpula da OAB, que defende publicamente o controle.

No STJ, o ministro Franciulli Neto é um dos críticos mais fervorosos. De acordo com ele, um conselho formado por “elementos estranhos” à magistratura, como estabelece a proposta em discussão no Senado, fere a cláusula pétrea da Constituição, que é a separação dos poderes.

O texto que já passou pelo crivo da Câmara estabelece a participação de 15 integrantes: 9 juízes, 2 representantes da OAB, 2 do Ministério Público e uma pessoa indicada pela Câmara e outra pelo Senado. “Se passar, o Brasil estará na contramão da história sem contar que o famigerado conselho, além de provocar uma fenda na Carta Magna, não vai resolver o principal problema da Justiça”, criticou.

Durante a sua explanação, Franciulli atribuiu a morosidade do Judiciário às leis processuais e à falta de recursos financeiros para o bom andamento dos processos. “Não há interesse dos políticos na liberação de verbas. Afinal, o Judiciário não é uma ponte, um viaduto ou uma grande obra”, ironizou.

O novo presidente do STJ, Edson Vidigal, favorável à medida, chama a atenção para a inexistência da expressão “controle externo” no texto da reforma. “Trata-se apenas de um conselho com poderes de supervisão administrativa e orçamentária sobre todos os órgãos do Poder Judiciário”, diz.

Fonte: Diário do Comércio

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