20 anos depois

Campanha das Diretas Já marcou a virada contra o regime militar

Autor

  • Grijalbo Fernandes Coutinho

    é desembargador no TRT-10 (DF e TO) mestre em Direito e Justiça pela UFMG autor da pesquisa e do livro Terceirização: Máquina de Moer Gente Trabalhadora – A inexorável relação entre a nova marchandage e degradação laboral as mortes e mutilações no trabalho (LTR 2015) ex-presidente da Anamatra.

26 de abril de 2004, 11h11

Não obstante a rejeição da emenda das Diretas Já no dia 25 de abril de 1984, pelo Congresso Nacional, que tanta frustração causou ao povo brasileiro naquela noite de praças públicas lotadas e irmanadas do sentimento de altivez democrática, a ditadura militar passou a ter os dias contados a partir do evento. A madrugada fria de céu aberto no país afora fez ecoar o grito de cidadania (“Diretas Já, fora Figueiredo e o regime militar”) engasgado por 20 anos.

Estavam lá trabalhadores, excluídos, estudantes, donas de casa, empresários, artistas, intelectuais, políticos e casais de namorados unidos pela bandeira nacional ou pelas bandeiras vermelhas prometendo companheirismo eterno. Enfim, era o êxtase da rebelião comportada dos segmentos da nossa sociedade interessados no fim do regime de exceção e do arbítrio, movimento que só foi possível pela luta anterior de tantas outras pessoas que ofereceram à própria vida em nome da defesa da Democracia.

Da Praça da Sé em São Paulo à Praça José de Alencar em Fortaleza (no dia 25 foi na Praça do Ferreira), o levante cívico do povo brasileiro mostrava-se extrordinariamente vigoroso, após a campanha das Diretas Já ter produzido comícios, caminhadas, visitas à porta de fábrica e os mais diversos atos preparatórios ao dia da votação da emenda Dante de Oliveira. Os atores do mundo político-partidário, alguns combatentes históricos do regime, outros insurgentes de última hora, encarnavam típicos heróis para as multidões àvidas por mudanças, cujos discursos eram capazes de balançar palanques e contagiar até mesmo os incrédulos com o restabelecimento da normalidade democrática.

Numa das suas últimas manifestações repressoras, o poder político decadente tratou de coibir com violência o ato realizado em Brasília no dia 25 de abril de 1984. Quem não se lembra do general e de seu bravo cavalo avançando sobre os manifestantes. A intimidação e o voto decepcionante de um parlamento de discutível representatividade, não foram suficientes para fazer calar a voz das ruas, dos bairros e das favelas.

Em que pese a enorme controvérsia sobre a legitimidade da participação no colégio eleitoral de 1985, responsável pela eleição indireta do oposicionista Tancredo Neves, a História irá registrar para sempre que a campanha pelas Diretas Já foi a potencialização da luta contra a ditadura militar de toda a sociedade civil brasileira organizada e também dos desorganizados.

As gerações que presenciaram a insurgência do 25 de abril de 1984, vinte anos depois, devem ter o compromisso de relembrar a data como o marco da luta pacífica do povo brasileiro contra a intolerância, a violência e o autoritarismo, mas também para servir de antídoto contra quaisquer intenções golpistas que porventura estejam camufladas nos setores conservadores e reacionários das elites nacionais. A alienação reinante, fruto da sociedade egoísta do mundo globalizado e da maneira nada democrática de exploração dos meios de comunicação, que gera oligopólios interessados na desinformação e na relevância das futilidades mercadalógicas, está a exigir de cada um enorme esforço na defesa do Estado Democrático de Direito, sem jamais perder de vista a trajetória histórica que nos levou a momento de catástrofes e de vitórias.

Não é por outra razão que ao comemorar 20 anos do levante Diretas Já, deve ser registrada a importância de se manter acesa a chama da Democracia real, bem como da imprescindibilidade do aperfeiçoamento das instituições, hoje frágeis frente ao poder gigantesco dos conglomerados financeiros. Os saudosistas mais afoitos do regime autoritário reivindicam a criminalização das condutas dos movimentos sociais sob o falacioso fundamento da desordem e do caos gerados pelas reivindicações da classe trabalhadora, quando o caos decorre da benevolência governamental com o modelo econômico excludente, protetor da acumulação desenfreada de riquezas e do desemprego.

1984. Não foi o de George Orwell, apesar de algumas semelhanças lançadas pelo profeta no livro com o momento atual, pelo menos no que diz respeito à desumanização crescente. 1984 foi, para o Brasil, o ano da rebelião incontrolável pelo fim da contra-revolução levada a efeito em 31 de março de 1964. As Ágoras modernas deveriam ter sempre essa capaciade inesgotável de mudar os rumos da nação, na incessante busca da Democracia política e social. Vinte anos depois as adversidades são outras, mas que também devem despertar a nossa sociedade.

* Artigo publicado no site da Anamatra.

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