Seccional quebrada

OAB do DF terá auditoria para apurar déficit de R$ 7 milhões

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25 de abril de 2004, 9h58

Fonte: Correio Braziliense — Ana Maria Campos

Doutora em Direito Civil, a presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, seção Distrito Federal, Estefânia Viveiros, está se especializando agora em gestão administrativa. Há três meses à frente da entidade, a jovem de 32 anos trabalha 14 horas por dia para ”fazer o dever de casa”, como descreve.

A tarefa, segundo ela, é administrar um déficit de R$ 7,1 milhões e uma estrutura física em decadência pela má conservação. ”A OAB/DF se encontra hoje na pior situação de todo o Brasil”, avalia. Depois de um trabalho que envolveu perícias e análises contábeis, Estefânia diz ter constatado uma série de contratos pagos com valores muito acima do necessário. Ao assumir no início do ano, ela teve de negociar com credores, rever pagamentos, cortar despesas e demitir funcionários. E adotou, logo de saída, uma medida impopular: aumento de 28%

nas taxas de anuidade.

”A OAB está no Cadin (Cadastro de Inadimplentes). Não tinha outro jeito”, justifica a presidente, em entrevista ao Correio. O prédio-sede da OAB/DF e o Clube dos Advogados de Brasília foram encontrados em situação de sucateamento, segundo levantamento de engenheiros. O próximo passo de Estefânia é verificar se houve irregularidades na administração do dinheiro arrecadado dos filiados. Para isso, ela já encomendou uma auditoria. Com tantos problemas, a primeira mulher a assumir a presidência da OAB diz que, de início, se decepcionou. Mas que tomou a condução da entidade como um desafio. ”Sou jovem e mulher. Não posso errar”.

CORREIO BRAZILIENSE – Logo que a senhora assumiu, disse que faria um levantamento sobre a situação da OAB. O que encontrou?

ESTEFÂNIA – Infelizmente encontramos uma OAB tecnicamente quebrada. Encontramos um déficit de R$ 7,1 milhões, no dia 30 de dezembro.

CORREIO – O que provocou essa situação?

ESTEFÂNIA – Primeiro, foram nove anos sem aumentar a anuidade. Além disso, 99% das receitas são destinadas ao custeio. Havia um orçamento apenas decorativo. Temos muito mais despesa do que receita. Ou seja, temos apenas 1% dos recursos aplicados diretamente ao advogado. E, apesar do déficit, quase não houve investimentos. Em nove anos, poucas coisas feitas em benefício dos advogados. Providenciaram ônibus, que levam os advogados até o fórum em razão da dificuldade de estacionamento, e fizeram seminários.

CORREIO – A senhora considera que houve má gestão dos

recursos?

ESTEFÂNIA – Para chegar a essa conclusão é preciso fazer uma auditoria, que já pedimos e vamos realizar. Mas quando se tem um orçamento em que 99% da receita vai para o custeio, há algo de errado na administração. E os dados foram apresentados pela própria gestão anterior.

CORREIO – Há indícios de irregularidades?

ESTEFÂNIA – Não, por enquanto não. Mas isso só uma auditoria poderá mostrar. Há um mês, apresentei a situação da OAB/DF num encontro de colégio de presidentes em Curitiba e lá pude falar sobre plano de gestão e como encontrei a casa. Infelizmente detectei que a OAB/DF se encontra hoje na pior situação de todo o Brasil, em termos de déficit e de estrutura. O nosso próprio prédio passa por uma situação desgastante.

CORREIO – Qual é o problema?

ESTEFÂNIA – Uma inspeção feita por uma equipe de engenheiros detectou várias infiltrações, paredes trincadas, vazamentos, má conservação tanto no prédio-sede da OAB/DF, quanto nas subseções e no Clube dos Advogados. Encontramos um patrimônio histórico abandonado e sucateado.

CORREIO – Quando a senhora estava em campanha, sabia dessas condições?

ESTEFÂNIA – Não, em absoluto. E mais: eu fui conselheira da OAB e posso dizer que ninguém do conselho sabia disso. Só soube quando cheguei. Para mim, foi uma decepção. Se tivesse encontrado um caixa zero, estaria muito feliz e realizada porque a gente poderia partir logo para o que foi prometido na campanha. Por isso, me decepcionei, e muito. Imagina passar 15 dias, um mês, recebendo credores. Foi uma dificuldade enorme encontrar o caixa negativo. Não tinha nem cheque especial. Não tinha nem credibilidade junto ao banco para aumentar o cheque especial. A Ordem está no Cadin (Cadastro de Inadimplentes). Agora estamos tentando resolver esses problemas.

CORREIO – Por isso uma medida impopular como o

aumento da taxa de anuidade?

ESTEFÂNIA – Isso mesmo. Houve um aumento de 28%. A anuidade passou de R$ 395 para R$ 422,50. Mas o advogado com até dois anos de inscrição na Ordem tem 50% de desconto. Foi até uma promessa que fiz na campanha e estou dando esse apoio ao jovem advogado. Tínhamos de aumentar o valor. O último reajuste ocorreu há nove anos. Se fôssemos aplicar o IGP-M (índice de inflação), dava um aumento maior, de 108,4%. Apesar de impopular, o reajuste da anuidade não será suficiente para acabar com um déficit de R$ 7 milhões.

CORREIO – A senhora está cortando gastos?

ESTEFÂNIA – Claro. Quero entregar a OAB numa situação muito melhor administrativa e institucionalmente do que encontrei. Para isso, temos de fazer o dever de casa. Então estamos adotando medidas como um Pro-In, uma espécie de Refis para que os advogados inadimplentes possam parcelar os valores em atraso. Além disso, nesses cem primeiros dias já cortamos R$ 659 mil em despesas.

CORREIO – Houve demissões?

ESTEFÂNIA – Essa é a parte triste. Demitimos 15 das 91 pessoas que trabalhavam aqui, do motorista a funcionários da presidência. Tudo isso para reestruturar a casa. Já estou sendo conhecida como mão pesada, no mínimo.

CORREIO – Está arrependida?

ESTEFÂNIA – Arrependida não. Pelo contrário. No início, fiquei arrasada mesmo. Hoje tomei como um desafio. Vou até o final e vou fazer. Mas sei que o desgaste é constante. Todos esses cortes geram irresignação.

CORREIO – Com esses cortes, será possível começar a investir mais?

ESTEFÂNIA – Já começamos a fazer algumas coisas. Estamos modernizando a OAB. Fizemos um primeiro pregão para aquisição de computadores, para informatizar a Ordem. Compramos 45 equipamentos por R$ 66 mil. Só para fazer um paralelo, em dezembro, durante a gestão anterior, foram comprados 25 computadores por R$ 109 mil. E o nosso equipamento é muito superior. O nosso site também já oferece um banco de currículos. Além disso, estamos investindo em cursos. Também vamos ajudar a OAB nacional numa campanha a favor das prerrogativas dos advogados.

CORREIO – Até hoje vemos outdoors de candidatos que defendem prerrogativas de advogados. A campanha na OAB continua?

ESTEFÂNIA – A campanha acabou. Hoje, toda a diretoria da OAB está voltada para todos os advogados. Não há vencidos nem vencedores. Agora, com relação a essa campanha de prerrogativas, se há verba, a gente pode até sugerir que o Conselho Federal busque as pessoas que estão proporcionando isso para participar de uma campanha nacional.

CORREIO – Pretende concorrer a um cargo público?

ESTEFÂNIA – O meu compromisso é com a Ordem e meu desafio é ser a melhor presidente que a OAB já teve. Tenho falado que cheguei como a primeira mulher a ocupar o cargo e ainda a mais jovem. Por isso, não posso errar. Esse é o objetivo. Não tenho nenhuma pretensão política.

CORREIO – O fato de ser mulher e jovem atrapalha de alguma forma?

ESTEFÂNIA – O preconceito é cultural, sutil. Você não consegue pontuar como ocorre. Sinto no dia-a-dia uma certa discriminação. Mas isso não atrapalha o meu trabalho.

CORREIO – A OAB sempre participou dos assuntos da cidade. Qual tema chama a sua atenção hoje?

ESTEFÂNIA – A segurança me preocupa. Estamos reféns do medo. O problema está relacionado ao Entorno e por isso, envolve os estados de Goiás, Minas Gerais e Distrito Federal. O governo federal tem de se preocupar com isso e tratar como prioridade.

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