Cobrança em questão

Discussão sobre cobrança do imposto sindical é falaciosa

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24 de abril de 2004, 8h34

“A discussão sobre a cobrança do imposto sindical é falaciosa. Necessidade de contribuição sempre haverá, ainda que não seja imposta juridicamente. Alguém sempre paga a conta do sistema sindical. E esse alguém, tradicionalmente, há de ser o representado. Portanto, não existe nenhum sistema em que o trabalhador não pague a conta do sindicalismo obreiro e os empregadores não paguem a conta do sindicalismo patronal”.

As opiniões são do presidente da Alal — Associação Latino Americana dos Advogados Trabalhistas — Luis Carlos Moro, eleito em novembro de 2003 para comandar a entidade pan-americana por dois anos.

Á frente da associação que tem como objetivo “aportar em cada país do sub continente uma contribuição dotada de uma visão continental”, ele concedeu entrevista exclusiva à revista Consultor Jurídico . Nela, ele fala de assuntos como reformas trabalhista e sindical, trabalho escravo e sobre a Alal.

Leia a entrevista

Qual a posição da entidade em relação às reformas sindical e trabalhista?

As reformas trabalhistas estão em pauta em vários países. Além do Brasil, está presente na Argentina, Uruguai, México, Venezuela e em países europeus, como Portugal, Espanha, Itália e França. O mais interessante de tudo isso é notar que, enquanto na década de 90, a legislação trabalhista sofria uma redução de seus limites, uma restrição, em todo o mundo, agora, há países que já sofrem um refluxo do processo de flexibilização exacerbada. A Espanha é um exemplo: Os espanhóis já se convenceram de que formas alternativas de contratação laboral não impelem o desenvolvimento econômico nem resolvem a questão do emprego. O mesmo ocorre agora na Argentina e na Venezuela. Nós, lamentavelmente, ainda estamos discutindo flexibilização como solução para o emprego, o que está longe de ser uma associação válida. Portanto, diferentemente do que ocorria há cerca de dez ou quinze anos, há reformas para todos os gostos e em todos os sentidos e direções. E entendemos que, por isso, é possível mudar na direção correta, em benefício dos sujeitos de direito e não exigindo destes maiores sacrifícios do que já lhes foram impostos, ao longo desses anos de neoliberalismo degradante na América Latina.

Quais as mudanças mais importantes que precisam constar das duas reformas? Politicamente, quais são as maiores dificuldades?

Na Reforma Sindical, o que se esperava é que houvesse condições para o exercício do sindicalismo realmente livre. Embora não tenhamos ainda o texto normativo que resulta dos chamados ‘consensos’ do Fórum Nacional do Trabalho, muita coisa importante ficou de fora, como definir a organização dos trabalhadores nos locais de trabalho, a questão do servidor público e a negociação coletiva, a franca e efetiva solução para o custeio do sistema. Há aspectos contrários a tudo o que se poderia imaginar, como previsão de estatuto padrão para sindicatos, reavivar a legislação da década dos anos 20 para efeito de controlar o nascimento de sindicatos, com o reaparecimento, sob nova nomenclatura, da velha comissão de enquadramento sindical, travestida de órgão bipartite.

O senhor defende a pluralidade sindical ou discorda da proposta?

A questão não está situada na pluralidade ou unicidade. Não é esse o vértice da discussão. O que estamos preparando é um sistema que, na realidade, não se enquadra nem em um, nem em outro modo de organização sindical. Uma verdadeira gambiarra jurídica, em atenção a aspectos episódicos da distribuição das forças políticas e circunstâncias menores que acabam supervalorizadas.

A reforma é vista com visão circunstancial de poder e não com visão de Estado. É fundamental conceber um sistema de legitimidade sindical. E, nesse campo, houve muita preservação de interesses atuais, muita concessão para manutenção das cúpulas já existentes e que supostamente mereceriam ser objeto da reforma. Mas isso é tema ainda para ser mais bem discutido, após a apresentação do texto normativo que há de surgir. Não quero me adiantar aos bois.

Qual sua opinião sobre a cobrança do imposto sindical compulsório?

Falaciosa também é esta discussão. Necessidade de contribuição sempre haverá, ainda que não seja imposta juridicamente. Alguém sempre paga a conta do sistema sindical. E esse alguém, tradicionalmente, há de ser o representado. Portanto, não existe nenhum sistema em que o trabalhador não pague a conta do sindicalismo obreiro e os empregadores não paguem a conta do sindicalismo patronal. Se alguém inventar outro método, avise-me, por gentileza. A questão está muito mais centrada na garantia de transparência da utilização da arrecadação do que na filigrana da compulsoriedade ou suposta liberdade de pagamento. Voluntária ou obrigatória, a contribuição será necessariamente extraída da classe trabalhadora. Não se cuida da discussão de voluntariedade ou compulsoriedade, mas da necessidade de financiar a atividade. Seria mais honesto o reconhecimento da compulsoriedade do que impô-la, por meios oblíquos, sob a suposição de que será voluntária a contribuição que, na prática, será obrigatória. Dizer do fim da contribuição compulsória é anunciar o final do que principia imediatamente após o fim. Mais do mesmo. A taxa negocial é a versão clone do imposto sindical, com distinções meramente cerebrinas. Na prática, tudo sai do bolso do trabalhador. A julgar pelo que se está propondo (modificação do imposto sindical para taxa negocial), a mudança é cosmética, apenas. Deixa-se de lado uma espécie tributária (imposto) para a adoção de outra (taxa). Muito mais bonito seria reconhecer que estamos apenas mudando a roupa do boneco e atribuindo-lhe outro nome. Entretanto, suas “vergonhas” continuam cobertas. Era preciso despir o sindicalismo, nesse aspecto. Abrir a caixa preta da destinação do (muito) dinheiro público que para ali se destina.

O ex-presidente do TST, ministro Francisco Fausto, encampou com vigor a luta contra a exploração do trabalho escravo. Que medidas tomadas pelo TST o senhor destaca como mais importantes?

O TST mudou com a gestão do ministro Fausto. Apercebeu-se, na realidade, que era preciso mudar. A sociedade mudou. O país mudou e o mundo não admite mais certas formas de exploração do trabalho humano que implicam em degradação da condição de pessoa humana. O TST mudou como tudo. A medida prática mais impressionante veio, com amparo do TST, do TRT da 8ª Região, com as Varas Itinerantes do Trabalho que, acopladas aos serviços do grupo móvel de fiscalização do Ministério do Trabalho, com apoio do Ministério Público do Trabalho e dos institutos da ação civil pública e da penhora on line , puderam destruir os pilares da impunidade, estabelecendo um novo paradigma na administração da Justiça, no combate ao trabalho escravo e na reforma do marco jurisprudencial do Tribunal Superior. Uma grande evolução, num tempo muito breve.

Como o senhor vê a postura do governo federal em relação ao combate ao trabalho escravo?

A princípio, vi timidez e hesitação. Ainda falta verificar a expropriação de terras que sejam o instrumento da escravização. É claro que o crime, a redução da pessoa humana à condição análoga à de escravo, é obra humana também, de modo que, para esse tipo penal, para a materialidade desse crime, há uma autoria. Entretanto, é fundamental reconhecer que aos escravizados não tem sido proporcionada uma reparação efetiva. Receber verbas trabalhistas com fulcro no salário mínimo é o mínimo dos mínimos. É fundamental impor indenização por danos morais a esses trabalhadores, bem como expropriar as terras dos escravagistas, a fim de que possam merecer melhor destinação social. Há nisso heróis, inclusive governamentais. Mas é fundamental que se identifique bem a figura do trabalho escravo ou a sua vertente análoga, a fim de que tão grave punição não recaia sobre quem tem ilícitos menores, como, por exemplo, não respeitar condições de meio ambiente de trabalho.

A atuação do TST, do governo e da OIT trouxe avanços consideráveis?

Sem dúvida, ao menos escandalizou o escândalo. Em matéria trabalhista, há escândalos que são latentes. Não se manifestam senão pela atuação da imprensa ou de organismos internacionais ou institucionais que podem dar a devida repercussão ao problema, segundo a sua grandeza e dimensão. Assim ocorreu com o trabalho escravo e com a atuação da OIT e do TST.

Qual é o maior obstáculo no combate ao trabalho escravo?

A dificuldade de acesso aos locais de escravização. A dificuldade material e humana para dotação das equipes móveis de fiscalização na medida da necessidade. E as resistências políticas que se dão contra a correta sanção que se deveria impor aos escravocratas.

A Alal se posicionará sobre a competência para julgamento de crimes de trabalho escravo? E o Ministério Público do Trabalho, deve ter competência para denunciar esse tipo de crime?

Já me posicionei, em voto que proferi na Comissão Nacional dos Direitos Sociais do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, em favor da Justiça do Trabalho, mas, ao final, optamos por não emitir opinião formal em favor deste ou daquele ramo da Justiça. A Alal não tem opinião formada porque essa questão da competência é de âmbito nacional e não internacional. Corresponde a uma questão de Estado. Internacionalizar tais medidas é útil apenas na medida em que o Estado Nacional seja responsabilizado por omissão, não sendo interessante solicitar à comunidade internacional qualquer tipo de intervenção direta nos Estados nacionais. Crimes contra direitos humanos, em minha opinião, deveriam ser objeto de uma espécie de pan-competência material. Incumbiriam ao primeiro julgador com competência territorial para a questão, sem a possibilidade de se desaforar a medida judicial cabível ou de admitir a discussão da competência como um meio artificioso de desviar-se da atenção central ao direito humano violado ou ameaçado. Como a idéia pode ser tida como tresloucada, no mundo jurídico formal, eu não hesitaria em sustentar a atração da competência à Justiça do Trabalho, embora reconheça que a Justiça Federal tem elementos fortíssimos para sustentar a sua própria competência. O que não é admissível é a exclusiva estadualização desses conflitos. É preciso retirar deles o caráter localizado, a fim de que se isentem os juízes dos riscos das injunções de cunho político-econômico regional.

As leis trabalhistas brasileiras atualmente já são flexibilizadas na prática? Se sim, em que medida?

São e não são pouco flexíveis. Num país em que a dispensa é quase absolutamente livre, imotivada, vazia de fundamento, dizer que a legislação é rígida soa, na comunidade jurídica internacional, como chiste. Verdadeira piada. No Brasil, nem mesmo a restituição do lesado, em matéria trabalhista, é integral. O mais comum no mundo do trabalho brasileiro é o não trabalho: o desemprego. Vivemos, assim, diversas antinomias: um mercado de trabalho onde há pouquíssimo trabalho. Há mais trabalho do que emprego. O trabalho informal grassa, campeia, convertendo a nossa sociedade no grande campo do trabalho ilícito. A ilicitude recebe o beneplácito da sociedade e do governo que, por seus agentes, como o IBGE, mede o grau de ilicitude em percentagem, revelando quanto trabalho informal (ilícito) existe e que este supera o trabalho lícito. Dentro do trabalho lícito, o que mais há é ilicitude. O ordinário é que o trabalho seja extraordinário. Num país onde não há emprego, quem está empregado tem que trabalhar mais que o limite legal para manter o emprego que tem…

O que significa para o Brasil estar no comando da Alal?

É a possibilidade de congregar diversos países cujos problemas laborais são semelhantes e que têm experiência política e jurídica próxima à nossa, alguns dos quais em um processo de degradação normativa e institucional maior que o nosso. A partir do intercâmbio dessas experiências, podemos aportar em cada país do sub continente uma contribuição dotada de uma visão mais abrangente, alargada e continental.

Revela, também, um certo reconhecimento dos demais países do papel proeminente que cabe ao Brasil nas relações internacionais e, particularmente, que a ABRAT (Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas) exerce no contexto latino-americano em relação à advocacia.

Significa, por fim, observar que o movimento legislativo trabalhista na América Latina tem profunda ligação com o processo de integração da Alca, e que os países ainda precisam amadurecer a discussão da integração, a partir de uma ótica distinta da meramente comercial.

Quais são os propósitos da Alal?

Dar aportes técnicos e tentar apresentar alternativas aos rumos jurídicos de cada nação, tendo em vista um processo de integração continental que tenha os olhos voltados ao sujeito de direito e não ao objeto do direito. Quando se fala em integração, a tendência é voltar-se aos mercados e não aos seres humanos que os integram.

A advocacia trabalhista, por sua vez, tem na figura humana do trabalhador o seu centro e, de certo modo, por seus princípios, quebra essa ótica “mercadocêntrica” para impor um conceito antropocêntrico de direito. Mudar o marco simbólico do “mercadocentrismo” para o antropocentrismo jurídico é um dos propósitos da ALAL e é isso que tencionamos realizar.

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