Prova reprovada

Concurso público do TJ de Sergipe é anulado por irregularidades

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23 de abril de 2004, 14h40

O concurso público feito pelo Tribunal de Justiça de Sergipe para preenchimento de 503 vagas de analistas e técnicos judiciários foi anulado nesta sexta-feira (23/4). A lisura das provas foi questionada pela OAB-SE, que citou irregularidades como a ausência de licitação para contratação da fundação que aplicou as provas e clonagem de questões de concursos anteriores.

A liminar em Ação Civil Pública proposta pela OAB-SE foi concedida pelo juiz federal Edmilson da Silva Pimenta, da 3ª Vara da Justiça Federal de Sergipe. Ainda cabe recurso.

Segundo a entidade, além das irregularidades formais, a lista de classificados para assumir funções de técnico e analista judiciários apresentou coincidências como a aprovação de dezenas de filhos de desembargadores e juízes, além de parentes e pessoas intimamente ligadas a políticos sergipanos influentes.

“A decisão restabeleceu a ordem jurídica. O bom senso venceu a imprudência. Não há outra alternativa para sanar as irregularidades, todas comprovadas nos autos, senão suspender os efeitos do concurso e anulá-lo. A liminar é uma vitória da cidadania brasileira“, disse o presidente da Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil de Sergipe, Henri Clay Santos Andrade. (OAB)

Leia a íntegra da liminar:

Processo nº 2004.85.00.1754-0 – Classe 02000 – 3ª Vara

Ação: Civil Pública

Partes:

Autor: CONSELHO SECCIONAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL – OAB

Réu :FUNDAÇÃO ESCOLA SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE ALAGOAS E ESTADO DE SERGIPE

ADMINISTRATIVO. CONSTITUCIONAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONCURSO PÚBLICO. DISPENSA DE LICITAÇÃO. OFENSA À LEI nº 8.666/93. VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA LEGALIDADE, MORALIDADE, IGUALDADE, IMPESSOALIDADE, PUBLICIDADE E EFICIÊNCIA ADMINISTRATIVAS. PRESENÇA DOS REQUISITOS QUE AUTORIZAM A CONCESSÃO DA MEDIDA LIMINAR. ART. 12 DA LEI Nº 7.347/85. SUSPENSÃO DOS ATOS SUBSEQÜENTES À HOMOLOGAÇÃO DO CERTAME. PROIBIÇÃO DE NOMEAÇÃO, POSSE E EXERCÍCIO DOS CANDIDATOS HABILITADOS.

Decisão:

Vistos etc…

O CONSELHO SECCIONAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL – OAB/SE, representado por seu Presidente Sr. Henry Clay Santos Andrade, devidamente qualificado na exordial, ingressa com AÇÃO CIVIL PÚBLICA, em face da FUNDAÇÃO ESCOLA SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE ALAGOAS – FESMPA, também identificada na peça vestibular, e do ESTADO DE SERGIPE igualmente individualizado na peça inaugural, alegando que a OAB é uma instituição reconhecida como representativa da sociedade civil, e possui expressa legitimação legal para a propositura da ação civil pública, conforme dispõe os arts. 54, inciso XIV e 57 do Estatuto da Advocacia (Lei nº 8.906/94).

Salienta a OAB que, no caso vertente, age em defesa dos interesses difusos da sociedade, conforme o art. 1º, inciso V, da Lei nº 7.347/85, subsistentes na proteção ao erário, à moralidade administrativa, à impessoalidade administrativa, à eficiência administrativa, à igualdade de oportunidades de acesso aos cargos públicos, à exigência de licitação para contratação de serviços públicos e ao princípio da legalidade, todos titularizados difusamente por toda a sociedade sergipana e por todos os administrados sergipanos. E, também, age a OAB, nos termos do art. 1º, inciso II, da Lei nº 7.347/85, em defesa dos interesses individuais homogêneos dos consumidores do serviço prestado -qual seja, o concurso público – com deficiências administrativas e com ilegalidades insanáveis, tendo pago quantias como taxa de inscrição e não recebido um serviço de qualidade e sequer amparado pela legalidade.

Relata que, no dia 14 de março de 2004, o Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe realizou concurso público para os cargos de “Analista Judiciário” e “Técnico Judiciário”, tudo conforme disposição do Edital nº 01 de 21 de janeiro de 2004, publicado no Diário de Justiça do dia 23 de janeiro de 2004, tendo o certame sido operacionalizado pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do Estado de Alagoas, contratada pelo Tribunal de Justiça, sem licitação, com oferecimento de 503 vagas.

Aduz que o aludido concurso está contaminado por diversas irregularidades, que comprometem a sua lisura e transparência, inclusive a igualdade de concorrência na disputa pela classificação e habilitação aos cargos em disputa e também quanto à própria eficiência nos gastos públicos.

Dentre as irregularidades que maculam o concurso aponta as seguintes ocorrências:

a Fundação Escola Superior do Ministério Público do Estado de Alagoas – sem previsão no edital – delegou a elaboração das provas à Faculdade de Administração do Estado de São Paulo, que, por sua vez, efetuou grosseira “clonagem” de parte significativa das questões, integralmente plagiando diversos enunciados e alternativas de provas anteriormente efetuadas em concursos públicos da magistratura do Estado de Santa Catarina, vestibular da PUC/SP e do exame de Ordem da OAB/SP, cujas questões encontram-se à disposição na internet e em apostilas de cursos preparatórios para concursos públicos.


obrigatoriedade de identificação dos candidatos na folha de resposta;

uso indiscriminado de aparelho celular por alguns candidatos durante a execução das provas;

trânsito de candidatos pelos corredores e banheiros sem qualquer fiscalização;

e) atraso de cerca de 40 (quarenta) minutos para início da execução das provas -o que teria possibilitado o acesso privilegiado de alguns candidatos impontuais;

f) o lacre que guarnecia as provas era frágil e inadequado.

Enfatiza que, em audiência, obtida junto ao Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe, solicitou providências enérgicas e imediatas, inclusive sugerindo a anulação do concurso, com o fito de preservar a boa reputação do Poder Judiciário, face aos atos irresponsáveis praticados pela Fundação contratada.

Positiva que, no dia 31 de março de 2004, a OAB/SE foi mais uma vez surpreendida com a divulgação, no Jornal Extra Alagoas, de matéria jornalística contendo graves denúncias, sob o título “Fundação falida dá golpe do concurso público e compromete MP”, onde se dizia que a mencionada Fundação encontra-se desativada há cerca de 5 (cinco) anos e sequer possui sede para o seu funcionamento.

Diz que o Presidente do Tribunal de Justiça de Sergipe informou que iria examinar o assunto e que qualquer decisão só seria adotada pelo Pleno, assinalando a data de 26 de março de 2004 para divulgação da decisão, o que foi prorrogado por mais quinze dias, outra alternativa não restando a OAB que não a interposição da presente ação.

Proclama a OAB que a contratação da Fundação Escola Superior do Ministério Público de Alagoas configura ilegalidade e lesividade ao patrimônio público, pois a contratação da entidade, sem licitação somente é admissível no caso de “inquestionável reputação ético-profissional e seja incumbida, regimental ou estatutariamente, de pesquisa, ensino ou desenvolvimento institucional.” Esclarece que a inidoneidade da referida Fundação é tão evidente que precisou terceirizar a prestação do serviço, contratando pessoal do Estado de São Paulo, para elaboração das provas, como declarou, em nota oficial, configurando os fatos narrados burla à exigência constitucional de licitação, prevista no art. 37, XXI, da Lei nº 8.666/95.

Reporta-se à ocorrência de dano ao erário, pois a inexistência de licitação impediu a Administração Pública a obtenção do preço mais vantajoso, tendo a Fundação recebido o valor atinente ao pagamento do contrato firmado com o Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe sem prestar o serviço, ou seja, sem elaborar diretamente as questões, sem exercer o direcionamento técnico a que estava obrigada.

Alude à violação do princípio da eficiência, pois a Fundação contratada é inidônea para a prestação do serviço para o qual foi contratada,pois não possui a mínima estrutura para prestá-lo.

Relativamente à “clonagem” das questões do concurso, afirma que, em simples pesquisa em “sites” na internet, foi constatada que não houve apenas a repetição de uma ou duas questões, porém mais de 25 (vinte e cinco) das 30 (trinta) questões de direito continham o mesmo enunciado e as mesmas alternativas, às vezes apenas acrescidas de uma alternativa “e”, que nunca correspondia à resposta certa, ressaltando que, em nota pública, a mencionada Fundação não só admite expressamente que copiou questões de outras provas anteriormente aplicadas, como defende a sua licitude.

Assevera que a comprovada e confessada “clonagem” de diversas questões viola os princípios constitucionais da moralidade, da impessoalidade e da eficiência, dispostos no caput do art. 37 da Carta Política.

Justifica que a cópia de questões significou violação dos preceitos da lealdade e da boa-fé, que caracterizam a moralidade administrativa e a possibilidade de que algum candidato tenha, previamente, sido informado de que poderia ter acesso às questões que seriam exploradas no concurso é patente e real, maculando a moralidade do certame; quanto à impessoalidade, esclarece que o possível conhecimento das questões da prova ilicitamente por uns candidatos, prejudica aqueles que não tiveram a mesma oportunidade.

Alerta que também há violação à eficiência administrativa porque os aprovados que tiveram acesso às questões clonadas podem não ser os mais preparados para o serviço público.

Reporta-se à violação do direito de igual acesso aos cargos públicos, consagrado no art. 37, incisos I e II, da Carta Magna, bem como no seu art. 5º, caput, considerando que uns candidatos podem ter tido fácil acesso ao conteúdo das provas e de suas respostas, enquanto que outros, que não tiveram acesso à internet, foram prejudicados.

Assegura a ocorrência de violação ao princípio do sigilo administrativo, pois a existência de questões do concurso já publicadas e já respondidas na internet denota a existência de exposição de parte da prova e desfigura o ineditismo do concurso.


Argumenta que a identificação dos candidatos na folha de respostas é procedimento inusual, comprometendo a impessoalidade do concurso público, permitindo, quando da correção, a identificação pessoal dos candidatos para fins de atribuição de nota, o que também é motivo de nulidade.

Informa que houve violação às regras editalícias quanto à vedação de comunicação dos candidatos durante a realização das provas, pois diversas foram as denúncias recebidas pela OAB/SE, no sentido de que, durante a realização das provas, houve uso indiscriminado de aparelho celular por alguns candidatos, trânsito de candidatos pelos corredores e banheiros,s em qualquer fiscalização.

Aduna que ocorreu, também, violação à regra editalícia quanto ao horário de comparecimento dos candidatos, pois houve atraso de 40 (quarenta) minutos para o inicio da execução das provas, o que teria possibilitado o acesso privilegiado de alguns candidatos impontuais que não obedeceram ao horário fixado no edital do concurso.

Revela que houve discrepância entre os valores dos vencimentos divulgados no Edital e os previstos em lei, constando do Anexo Único da Lei Complementar Estadual nº 89/2003 que o cargo de nível médio tem como valor inicial R$ 758,51 (setecentos e cinqüenta e oito reais e cinqüenta e hum centavos), enquanto o de nível superior tem como valor inicial R$ 1.181,99 (hum mil, cento e oitenta e hum reais e noventa e nove centavos), entretanto, o edital do concurso informa no Anexo II que o vencimento do cargo inicial de nível médio é de R$ 375,00 (trezentos e setenta e cinco reais) e que o do cargo de nível superior é de R$ 721,77 (setecentos e vinte e hum reais e setenta e sete centavos), caracterizando limitação ao acesso aos cargos públicos, a partir do desestímulo gerado diante da remuneração equivocadamente apresentada, considerando que diversos candidatos não se inscreveram no certame, face ao valor da remuneração, prejudicando o direito de acesso aos cargos públicos e a impessoalidade administrativa.

Pede a autora:

a concessão de medida liminar, para, suspendendo a validade e os efeitos do Concurso Público para ingresso nas carreiras de Analista Judiciário e Técnico Judiciário do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe (edital n° 01, de 21 de janeiro de 2004, publicado em 23/01/04), determinar aos réus que suspendam a homologação do resultado do concurso e a divulgação da lista dos aprovados do concurso público, ou, se já tiver sido homologado e a lista divulgada, determinar a impossibilidade de convocação para fins de nomeação dos aprovados, de praticar a nomeação dos aprovados, de dar posse aos aprovados e de fazê-los entrar em exercício ou qualquer prestação de serviço, até o deslinde final da presente ação, intimando-se os réus da sua concessão e determinando o seu cumprimento, sob as penas legais;

a citação dos réus, nos endereços mencionados, para, querendo, oferecer resposta, sob pena de confissão e revelia;

c) a intimação do Ministério Público Federal para acompanhar o feito;

d) a procedência do pedido para reconhecer a ilegalidade, violação aos princípios da igualdade, eficiência, moralidade e impessoalidade, bem como a lesividade ao patrimônio público, declarando a nulidade do procedimento de contratação da Fundação Escola Superior do Ministério Público de Alagoas para a realização do concurso e declarando a nulidade de todo o concurso público, condenando a Fundação Escola Superior do Ministério Público de Alagoas ao pagamento de indenização pelos danos causados ao erário e à coletividade;

a dispensa do pagamento de custas processuais pelo autor, emolumentos e outros encargos, face ao que dispõe o art. 18, da Lei n° 7.347/85.

Junta os documentos de fls. 38 usque 124.

Determinei a intimação do Estado de Sergipe, na pessoa do seu Procurador-Geral, para se manifestar, no prazo de setenta e duas horas, nos termos do art. 2º da Lei nº 8.437/92, fl. 125.

O Estado de Sergipe, às fls. 127/141, manifesta-se sobre a peça vestibular, suscitando a preliminar de ilegitimidade ativa da OAB para a propositura da ação, face à ausência de pertinência temática com a finalidade da instituição, a legitimar a ação da aludida entidade de classe, considerando que a ação civil pública não se presta a amparar direitos individuais, sendo de direitos individuais homogêneos de que trata a lide, não tendo a OAB legitimidade para residir em juízo, desatendendo a uma das condições da ação, desafiando o indeferimento da inicial e a extinção do processo sem julgamento do mérito.

No mérito, aduz que o concurso que ora se pretende anular substancia-se da mais absoluta lisura, seja em relação aos seus atos preparatórios, quanto à sua realização, seja quanto à aprovação do seu resultado, que concluiu pela sua homologação pelo Pleno do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em sessão plenária ordinária realizada em 14 do corrente mês.


Quanto à contratação da Fundação Escola Superior do Ministério Público de Alagoas, esclarece que houve justificativa de dispensa de licitação, com observância do art. 24, inciso XIII, da Lei nº 8.666/93, sendo observadas todas as exigências legais, como atesta o Processo Administrativo pertinente e tendo a contratada idoneidade e aptdão para a realização do certame.

Esclarece que a realização do indigitado concurso deflagra uma expectativa negativa de cerca de 800 pessoas, que poderão perder as funções atualmente ocupadas no Judiciário deste Estado, envolvendo os comissionados, cujos 316 (trezentos e dezesseis) cargos serão extintos, além dos requisitados de Prefeituras, em número aproximado de 490 (quatrocentos e noventa) tudo em decorrência da aplicação da Lei Complementar nº 89/2003, que reestrutura o quadro de pessoal do Poder Judiciário do Estado de Sergipe, situação que é agravada pela tramitação perante o Supremo Tribunal Federal de Medida Cautelar em Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.174, promovida pelo Procurador Geral da república, com vista à declaração de inconstitucionalidade da Lei Complementar Estadual nº 74/02, quanto aos dispositivos que permitem a sobrevivência desses cargos comissionados até que se realize concurso para provimento dos cargos efetivos criados pela referida lei.

Refuta a ocorrência de quebra de sigilo nas provas do concurso em exame, pois ocorreria tal violação se, acaso, fosse dado a alguém conhecer, previamente, quais das questões das milhares expostas na internet ou em outros veículos de informação, seriam selecionadas e aplicadas no concurso.

Relativamente ao atraso de 40 (quarenta) minutos no início das provas, justifica que todos os participantes sabem que isso decorreu de lapsos na locação de alguns candidatos em prédio diverso do constante da relação elaborada pela Fundação, o que não implicou em prejuízo para qualquer candidato, já que 25 (vinte e cinco) veículos foram mobilizados para a condução dos candidatos aos prédios onde prestariam o concurso e as provas de todos os candidatos foram entregues no mesmo horário.

No que respeita ao fato de constar de cada caderno de resposta a assinatura do concorrente do certame, salienta que isso em nada beneficia ou prejudica qualquer candidato, pois a leitura das respostas lançadas no aludido caderno foi feita pelo processo de leitura ótica, por meio de cartões ICR.

Diz ser hilária a denúncia de que houve uso indiscriminado de aparelho celular por candidatos, que, por absurda, não há que ser considerada.

Salienta que o Edital do Concurso só poderia indicar os valores dos vencimentos dos cargos em disputa na atualidade, pois os constantes da Lei nº 89/2003 somente vigorariam a partir de 1º de julho de 2004.

Sustenta que o interesse público impõe o indeferimento da medida liminar, considerando que manter o quadro funcional desfalcado de cerca de 500 (quinhentos) servidores aprovados neste concurso, implicaria em opção mais prejudicial aos interesses públicos, pelo retardamento de medida que reduziria a ineficiência dos serviços judiciários, além do que impediria a substituição de cerca de 300 (trezentos) comissionados, muitos deles estranhos ao quadro funcional efetivo do Poder Judiciário, exsurgindo o periculum in mora inverso.

Requer o Estado de Sergipe:

seja declarada a ilegitimidade ativa ad causam do Conselho Seccional da OAB/Se na presente demanda, extinguindo-se o processo nos termos do art. 267, VI do CPC;

b) caso vencida a preliminar aventada, seja recebida e processada a presente manifestação, seguindo o processo até seu ulterior julgamento, devendo de pronto ser negada a liminar pleiteada, por ausência de pressupostos autorizadores.

Ouvi o Conselho Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB/SE, que ofereceu réplica, às fls. 270/286, refutando a preliminar de ilegitimidade ativa, afirmando que o advogado é membro indispensável à administração da justiça e a Constituição Federal considerou a Advocacia como função essencial à Justiça, além do que a OAB é uma instituição reconhecida como representativa da sociedade civil e possui legitimação legal para a propositura de ação civil pública não apenas em prol dos interesses coletivos de seus inscritos, mas também para a tutela dos interesses difusos e individuais homogêneos, não havendo, portanto, qualquer necessidade de comprovar pertinência temática com suas finalidades, a teor do que prescrevem os arts. 54, XIV e 57 da Lei n 8.906/94 e 1º, II e V, da Lei nº 7.347/85.

Reitera a nulidade absoluta do procedimento licitatório, inclusive com a falta de parecer válido editado por Procurador do Estado, vez que a assessoria jurídica que exarou Parecer no aludido procedimento não pertence aos quadros da Procuradoria Geral do Estado, sendo o ato dela emanado nulo de pleno direito e também aquele que o homologou.


Reprisa que a nulidade da contratação e da sub-contratação configura burla total à lei de licitações, especialmente aos arts. 13, § 3º, 24, XIII e § 3º da Lei nº 8.666/93, que exige da contratada inquestionável reputação ético-profissional, que, inclusive, envolverá futuro contrato intuito personae, não podendo o serviço objeto da avenca ser transferido, em sua execução, para terceiros, sendo, ainda, de destacar que, no processo de dispensa de licitação em discussão, a Fundação contratada não apresentou a descrição do corpo técnico que responderia pela parte técnico-profissional do concurso.

Afirma que é nulo o parecer administrativo que embasou a dispensa de licitação, eis que não declinou os motivos da decisão administrativa a fundamentar a inexistência de procedimento licitatório para contratação da Fundação, face à má reputação ético-profissional.

Ressalta que a prova da notória incapacidade técnica da FESMPA está demonstrada pelo Estado de Sergipe -fls.216/218- onde existem documentos do próprio Tribunal de Justiça informando que, das 80 (oitenta) questões formuladas pela FESMPA, 47 (quarenta e sete) foram anuladas pela Comissão e das 33 (trinta e três) que restaram, 25 (vinte e cinco) tiveram seu gabarito alterado.

Proclama que não houve a publicação do ato de dispensa de licitação, nem tampouco do ato de autorização para a contratação da Fundação.

Alude à incompatibilidade de datas entre o edital do concurso, datado de 21 de janeiro de 2004, e a dispensa de licitação, encerrados em publicação, em 22 de janeiro de 2004.

Impugna a celebração do Contrato Administrativo nº 008/2004, face às irregularidades ocorridas no procedimento licitatório.

Repete que houve violação ao princípio da impessoalidade da administração com a identificação dos concorrentes na folha de respostas, o que contraria, também, o costume concursal, fazendo referência ao concurso para a Magistratura do Estado de Sergipe, onde está previsto no respectivo Edital, que a identificação do candidato na folha de respostas, implicará, automaticamente, desclassificação do certame, aduzindo que é público e inconteste o uso de telefones celulares durante a realização do concurso.

Pede o inacolhimento da preliminar argüida e a concessão da medida liminar requestada.

Nos termos do § 1º do art. 5º da Lei nº 7.347/85, abri vista dos autos ao Ministério Público Federal, fls. 287, encontrando-se, às fls. 289/294, o douto pronunciamento do ilustrado Procurador da República, Dr. Paulo Gustavo Guedes Fontes.

Sua Excelência manifesta-se pela rejeição da preliminar de ilegitimidade ativa da OAB para propor a ação civil pública, por duas razões básicas a seguir discutidas: 1) o papel especial conferido à OAB, pela Constituição e pelas Leis, na defesa da ordem jurídica; a existência, “in casu”, da pré-falada pertinência entre as suas preocupações institucionais e o objeto da demanda.

Positiva o Órgão Ministerial que:

“6. Exemplo expressivo desse papel especial que foi outorgado à OAB é a legitimidade que lhe foi conferida para o ajuizamento da ação direta de inconstitucionalidade (art. 103, VII, CF), sem qualquer restrição temática. Da mesma forma, a Ordem deve integrar as bancas examinadoras dos concursos de ingresso nas carreiras da magistratura e do Ministério Público.

7. Por outro lado, além das disposições da Lei 7.347/85, o Estatuto dos Advogados (Lei 8.906/94) previu explicitamente a legitimidade do Conselho Federal para o ajuizamento de ação civil pública (art. 54, XIV), sem apor igualmente qualquer restrição respeitante ao objeto da ação, devendo-se entender que a iniciativa pode se dar em quaisquer das matérias indicadas pela Constituição Federal (art. 129, III), pela Lei 7.347/85 (art. 1º) e por outras leis específicas (investidores no mercado mobiliário, deficientes físicos etc). Observe-se também que, por força do art. 57 do citado diploma, o Conselho Seccional da OAB exerce, nos seus limites territoriais, as mesmas funções do Conselho Federal. Nesse sentido, já decidiram os tribunais federais:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIREITO DO CONSUMIDOR. OAB. LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM. JUSTIÇA FEDERAL. COMPETÊNCIA. CONTRATOS DE ARRENDAMENTO MERCANTIL. INDEXAÇÃO EM DÓLAR NORTE-AMERICANO. REVISÃO CONTRATUAL. LIMINAR. REQUISITOS. PRESENÇA.

I – A Ordem dos Advogados do Brasil tem legitimidade ativa ad causam para propor ação civil pública em defesa dos interesses individuais homogêneos, mesmo de consumidores não advogados.

II – A competência para processar e julgar o presente feito é da Justiça Federal dada a natureza jurídica de autarquia federal própria da OAB (…) ( TRF 3, AG 77481, Quarta Turma, decisão unânime, rel. Juiz Newton de Lucca, DJU de 15/09/2000 pág. 179). No mesmo sentido: TRF 3, AG 77743)”


8. É de se assinalar ainda que, vetada a cláusula no projeto inicial, posteriormente o Código de Defesa do Consumidor ampliou a utilização da ação civil pública para abrigar a defesa de “qualquer outro interesse difuso ou coletivo” (art. 1º, V, da Lei 7.347/85). Assim, a ACP não se restringe mais a determinados temas, podendo sempre ser manejada quando o interesse defendido assumir a forma de um interesse difuso ou coletivo, o que tem permitido benfazejas iniciativas, do Ministério Público e de outros legitimados, em áreas como a previdência social, educação e saúde.

9. No caso em tela, sem adentrar no mérito, tem-se que a iniciativa visa a defender os seguintes interesses: o patrimônio público (por eventual dispensa indevida de licitação) e os princípios constitucionais da impessoalidade e da moralidade administrativa (em relação à alegada quebra de igualdade entre os candidatos e possibilidade de favorecimento de alguns). O patrimônio público é claramente um interesse difuso da coletividade, como já teve oportunidade de decidir o próprio Supremo Tribunal Federal (RE 208.790 SP, 27.09.2000, Ilmar Galvão; 254.078, Moreira Alves). Também o são a moralidade administrativa e a impessoalidade da Administração, que é expressão do próprio princípio da isonomia, que inspira por assim dizer toda a construção política do Estado Democrático de Direito e da República. Discordo do eminente Procurador-Geral do Estado quando assevera que a OAB está defendendo os interesses individuais homogêneos de uns poucos candidatos; a meu ver a iniciativa tende claramente à defesa do interesse difuso, para não dizer público, à lisura administrativa e à obediência dos governantes e agentes públicos ao princípio da igualdade.

10. Não se olvide, ainda, o interesse específico dos bacharéis em direito, que concorriam privativamente ao cargo de analista judiciário. Interesse diretamente tutelado pela OAB e que, ainda que se adotasse a tese restritiva do requerido quanto à legitimidade ativa, permitiria o conhecimento da demanda.

11. Finalmente, sendo a Ordem legítima para figurar no pólo ativo da ação, firma-se, como cediço, a competência federal.”

O Parquet Federal inclina-se pelo deferimento da liminar requerida, louvando-se em dois argumentos autorais que considera robustos o suficiente para autorizá-lo, quais sejam, a irregularidade na contratação da Fundação Escola Superior do Ministério Público do Estado de Alagoas e a quebra da igualdade entre os candidatos em função das questões “clonadas” de outras provas.

Impugna o MPF a subcontratação pela FESMPA da Faculdade de Administração do Estado de São Paulo, dizendo que a forma de dispensa de licitação adotada é intuito personae, caracterizando uma subcontratação ilegal, uma forma de burlar a licitação, com eventual prática do delito previsto no art. 89 da Lei de Licitações.

Reporta-se à utilização no concurso em exame de diversas questões que foram retiradas de exames anteriores, positivando que foram em número expressivo, capaz de ofender o principio da igualdade e da impessoalidade da Administração Pública, pois beneficiados estarão aqueles candidatos que, eventualmente tenham participado do certame do qual as perguntas foram retiradas ou que tenham tido a sorte de utilizarem a mencionada prova como forma de se exercitar, ficando maculado o princípio da impessoalidade, pois haverá maior probabilidade de fraude, considerando que a informação de que a prova se basearia num determinado certame anterior se revelaria decisiva para o êxito do candidato.

Alerta que, quando se contrata entidade para realizar um concurso, está de fato implícito que ela irá elaborar questões novas, ainda que inovando apenas a forma de abordar os temas ou, no mínimo, a ordem das alternativas e foi demonstrado pela parte autora que a Fundação contratada não procedeu de forma razoável quanto ao número de questões copiadas, não tendo havido contradita a respeito pelo requerido.

Aborda o MPF que a falta de lisura do certame está patente também na informação constante no edital, relativa à remuneração dos cargos, pois deveria ter sido mencionada a remuneração vigente a partir de 1º de julho de 2004, o que prejudicou os princípios da publicidade e do acesso à informação, inclusive dos bacharéis em direito potencialmente candidatos ao cargo de analista judiciário, até porque diz o nobre Procurador que dificilmente os candidatos seriam empossados antes dessa data.

Em síntese, afirma o MPF que está caracterizado o “fumus boni iures” a autorizar a medida liminar.

Patenteia o Órgão Ministerial a existência do periculum im mora, a exigir o provimento liminar, pois o Tribunal de Justiça tenciona nomear o quanto antes os aprovados, sendo temerário permitir a nomeação e posse de servidores públicos quando existe uma demanda tendente à anulação do concurso, posicionando-se no sentido que são menos graves as conseqüências eventualmente advindas do deferimento da liminar, salientando que, em caso de necessidade, o Tribunal de Justiça poderá valer-se do instituto da contratação temporária, previsto na Lei Estadual nº 4.969/2003.


Pede o MPF que seja reconhecida a legitimidade ativa da OAB e deferida a medida liminar para suspender todos os atos administrativos decorrentes do concurso em tela, até a decisão definitiva no presente processo.

RELATADOS,

DECIDO.

Antes, porém, de apreciar as delicadas questões aqui postas pelas partes e apreciadas de forma lúcida, precisa, objetiva e contundente pelo digno Procurador da República, Dr. Paulo Gustavo Guedes Fontes, não poderia deixar de registrar de forma veemente o apreço, o respeito e a reconhecida dignidade do Poder Judiciário do Estado de Sergipe e dos seus eminentes Desembargadores, Juizes e servidores, especialmente a honradez, honorabilidade e seriedade na administração dos interesses públicos por parte do Excelentíssimo Senhor Desembargador Manuel Pascoal Nabuco D’Ávila, com quem tive o privilégio de conviver, sob sua vitoriosa Presidência, como membro, no Tribunal Regional Eleitoral de Sergipe.

Por outro lado, tenho diante de mim para exame e decisão, como relatado, questões afetas ao Estado de Sergipe, especialmente matéria administrativa de interesse do Poder Judiciário deste Estado, suscitada e submetida à apreciação da Justiça Federal pelo Conselho Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB/SE, instituição da mais alta relevância constitucional, cujas atribuições legais não se limitam aos interesses individuais ou coletivos dos advogados, mas estendem-se à defesa da ordem jurídica, habilitando-a à proteção judicial do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos, havendo inequívoca correlação entre as suas funções institucionais e os interesses protegidos por meio da ação civil pública aqui intentada, haja vista que a OAB, na espécie, está patrocinando direitos difusos e individuais homogêneos, a teor do que prescreve o art. 54, inciso XIV e 57 do Estatuto da Advocacia (Lei nº 8.906/94), onde não se encontra qualquer limitação temática para que a autora possa ajuizar a ação civil pública relativamente às matérias delineadas no art. 129, III, da Carta Magna.

É de ver-se, ainda, que, na hipótese dos autos, a OAB atua amparada na regra do art. 1º da Lei nº 7.347/85, especialmente nos seus incisos II, IV e V, pois, em tese, pretende salvaguardar o erário e os princípios da moralidade, impessoalidade, eficiência e legalidade administrativas, bem assim, a igualdade de oportunidades de acesso aos cargos públicos, à exigência de licitação para contratação de serviços públicos, interesses esses, indiscutivelmente, titularizados difusamente por toda a sociedade.

No particular, comungo inteiramente com o ponto de vista adotado pela Procuradoria da República no Estado de Sergipe, exarado no Parecer já mencionado acima, onde sua Excelência o Dr. Procurador oficiante assevera, com muita felicidade, quanto à atuação da OAB no pólo ativo da relação processual que:

“a meu ver a iniciativa tende claramente à defesa do interesse difuso, para não dizer público, à lisura administrativa e à obediência dos governantes e agentes públicos ao princípio da igualdade.”

Se tal não bastasse a configurar a legitimação ativa da OAB nesta ação, dúvidas não mais existiriam a tal propósito, à luz da irretorquível conclusão a que chegou o Órgão Ministerial, quando patenteia, em seu Parecer, que:

“10. Não se olvide, ainda, o interesse específico dos bacharéis em direito, que concorriam privativamente ao cargo de analista judiciário. Interesse diretamente tutelado pela OAB e que, ainda que se adotasse a tese restritiva do requerido quanto à legitimidade ativa, permitiria o conhecimento da demanda.”

A matéria aqui enfrentada não é nova e a Jurisprudência pacifica dos nossos Tribunais já assentou a competência da Justiça Federal, aqui não discutida, e a legitimação ativa ad causam da OAB, em situações equivalentes à objeto desta ação civil pública, como se observa das ementas a seguir transcritas:

“DIREITO DO CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. CONTRATO DE LEASING. DESEQUILÍBRIO CONTRATUAL. MAJORAÇÃO INESPERADA DO VALOR DO DÓLAR FRENTE AO REAL. ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM. CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ESTATUTO DA OAB. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. SENTENÇA ANULADA.

– A Ordem dos Advogados do Brasil tem legitimidade ativa ad causam para a defesa de direitos individuais homogêneos nas relações de consumo, conforme dicção dos arts. 5º, XXXII; e 170, V, da Constituição Federal; 81, III, e 82, IV, do Código de Defesa do Consumidor; e 44 do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil. – Apelação provida. AC – 01000751638-Processo: 199901000751638 UF: PA -3a.Turma – Data da decisão: 17/04/2002 -DJ DATA: 25/07/2002 PAGINA: 22 Rel.JUIZ JULIER SEBASTIÃO DA SILVA (CONV.) -TRF – 1a. REGIÃO.”


“AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIREITO DO CONSUMIDOR. OAB. LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM JUSTIÇA FEDERAL. COMPETÊNCIA.

CONTRATOS DE ARRENDAMENTO MERCANTIL. INDEXAÇÃO EM DÓLAR NORTE-AMERICANO. REVISÃO CONTRATUAL. LIMINAR. REQUISITOS. PRESENÇA.

I- A ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL TEM LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM PARA PROPOR AÇÃO CIVIL PÚBLICA EM DEFESA DOS INTERESSES

INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS, MESMO DE CONSUMIDORES NÃO ADVOGADOS. II – A COMPETÊNCIA PARA PROCESSAR E JULGAR O PRESENTE FEITO É DA JUSTIÇA FEDERAL DADA A NATUREZA JURÍDICA DE AUTARQUIA FEDERAL PRÓPRIA DA OAB. III – O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR GARANTE A POSSIBILIDADE DE REVISÃO DE CLAUSULA CONTRATUAL QUE, POR FATO EXTERNO SUPERVENIENTE, VENHA A SE TORNAR EXCESSIVAMENTE ONEROSA. IV HÁ, PORTANTO FUMUS BONI IURIS E PERICULUM IN MORA PARA JUSTIFICAR A LIMINAR QUE, EM COGNIÇÃO NÃO EXAURIENTE, ALTERA A CLÁUSULA RELATIVA AO PREÇO DOS CONTRATOS DE ARRENDAMENTO MERCANTIL INDEXADOS AO DÓLAR NORTE-AMERICANO. V – MATÉRIA PRELIMINAR REJEITADA. RECURSO IMPROVIDO. AG – 77481-Processo: 199903000047289 UF: SP Órgão Julgador:4a..TURMA-Data da decisão: 31/05/2000- DJU DATA:15/09/2000 PÁGINA: 179 Rel.JUIZ NEWTON DE LUCCA – TRF – 3a. REGIÃO.”

“PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. OAB. MANDADO DE SEGURANÇA. 1. A ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL É AUTARQUIA PROFISSIONAL ESPECIAL, COM PERFIL DE SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL DE NATUREZA INDIRETA. 2. A COMPETÊNCIA PARA PROCESSAR E JULGAR AÇÕES DO INTERESSE ATIVO OU PASSIVO É DA JUSTIÇA FEDERAL. 3. OS EFEITOS DA MEDIDA PROVISÓRIA NUM. 1549-39, DE 06.11.97, NÃO ATINGEM A ESTRUTURA ORIGINÁRIA DA OAB. 4. A MEDIDA PROVISÓRIA NUM. 1.654/98, EM SEU ART. 8., DETERMINOU SER A JUSTIÇA FEDERAL COMPETENTE PARA PROCESSAR E JULGAR AS CAUSAS DO INTERESSE DAS ENTIDADES DE FISCALIZAÇÃO DO EXERCÍCIO PROFISSIONAL. 5. CONFLITO CONHECIDO PARA DETERMINAR A COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. Decisão POR UNANIMIDADE, CONHECER DO CONFLITO E DECLARAR COMPETENTE O TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 2A. REGIÃO, O PRIMEIRO SUSCITADO. Acórdão-Origem: STJ – SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Classe: CC – CONFLITO DE COMPETÊNCIA – 21255 Processo: 199700872378 UF: ES Órgão Julgador: PRIMEIRA SEÇÃO – Data da decisão: 29/04/1998 Documento: STJ000220426- DJ DATA:03/08/1998 PÁGINA:63- Rel.JOSÉ DELGADO.”

Posto isso, rejeito a preliminar de ilegitimidade ativa da OAB para propor a presente ação civil pública.

Pretende a OAB/SE a concessão de medida liminar, para suspender a validade e os efeitos do Concurso Público para ingresso nas carreiras de Analista Judiciário e Técnico Judiciário do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe, inclusive que seja suspensa a homologação do resultado do concurso e a divulgação da lista dos aprovados do concurso público, ou, se já tiver sido homologado e a lista divulgada, determinar a impossibilidade de convocação para fins de nomeação dos aprovados, de praticar a nomeação dos aprovados, de dar posse aos aprovados e de faze-los entrar em exercício ou qualquer prestação de serviço, até o deslinde final da presente ação.

Registre-se, por oportuno, a iniciativa moralizadora adotada pelo Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe, que determinou a realização do indigitado concurso público, única forma legítima de ingresso nas carreiras de servidores públicos, deflagrando “…uma expectativa negativa de cerca de 800 pessoas que poderão perder as funções atualmente ocupadas no Judiciário deste Estado, envolvendo os comissionados cujos 316 cargos serão extintos, além dos requisitados de Prefeituras, em número aproximado de 490 e que serão devolvidos…“, como salienta o Dr. Procurador-Geral do Estado em sua resposta, fls. 135.

Entretanto, é fato público e notório que o concurso em referencia vem sendo objeto de diversas discussões através da imprensa local e até nacional, bem assim vem gerando preocupações institucionais, a exemplo das externadas pela OAB/SE nesta ação civil pública.

A irresignação da promovente em relação ao certame alcança dois aspectos bem definidos:

a dispensa da licitação para contratação da entidade encarregada da realização do concurso, cujo procedimento administrativo estaria eivado de diversas irregularidades conducentes à sua nulidade insanável;

b) a violação de diversos princípios constitucionais e legais que devem informar a realização de concurso público para ingresso nos cargos públicos, a exemplo da igualdade, impessoalidade, moralidade, sigilo das provas, vedação de comunicação entre os candidatos, cumprimento do horário designado para realização das provas dentre outros.

Muito embora a regra geral do art. 37, XXI da Lei Suprema, seja a realização de licitação para contratação pela Administração Pública, a dispensa de licitação está autorizada na Lei nº 8.666/93, em seu art. 24, XIII, quando da contratação de instituição nacional sem fins lucrativos, incumbida regimental ou estatutariamente da pesquisa, do ensino ou do desenvolvimento institucional, científico ou tecnológico, desde que a pretensa contratada tenha inquestionável reputação ético-profissional.


O exame do Procedimento Administrativo que resultou na dispensa de licitação para contratação da entidade incumbida da organização e realização do concurso público em debate, fls. 158/210, revela, a uma cognição sumária, em sede de medida liminar, a observância, aparentemente, dos requisitos exigidos na legislação pertinente, como consta das manifestações de fls. 191/193 e 194/196, que justificam a dispensa de licitação, sendo de destacar, entretanto, que não há notícia de ter a matéria sido submetida à Procuradoria Geral do Estado, nem tampouco de ter havido publicação dos atos alusivos ao procedimento, inclusive a dispensa de licitação e o contrato nº 008/2004, celebrado com a Fundação contratada.

Relevante destacar que o requisito da “inquestionável reputação ético-profissional” no caso da mencionada dispensa de licitação, a rigor seria de presumir-se, por tratar-se a contratada de Fundação vinculada ao Ministério Público de um Estado da Federação e ter apresentado a documentação exigida, existindo, nessa forma de contratação, certa discricionariedade administrativa na escolha da entidade escolhida.

Em principio, por conseguinte, não poderia o Colendo Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe prever as ocorrências que se verificaram durante a organização e execução do certame, tendo como protagonista a Fundação contratada, como a seguir analisaremos.

Em primeiro lugar, o contrato celebrado com a FESMPA, consoante cláusula terceira, parágrafo segundo, alínea “e”, deveria ser inteiramente executado pela contratada, no que respeita à elaboração, revisão, composição, impressão e acondicionamento das provas a serem aplicadas, portanto a execução do objeto do contrato seria intuitu personae.

“Não pode o ente contratado sem licitação, em razão de características próprias, transferir o contrato a terceiro que eventualmente não as possua. Ter-se-ia uma subcontratação ilegal ou, se feito com o conhecimento da Administração, uma forma de burlar a licitação, com eventual prática do delito previsto no art. 89 da Lei de Licitações.“, como afirma o Ministério Público Federal em seu douto Parecer nos autos.

A confissão de que houve mesmo subcontratação do serviço a ser diretamente executado pela FESMPA está na “NOTA À IMPRENSA” de fls. 219, elaborada pelo Conselho Curador e Diretoria Executiva da FESMPA, onde no item 3 está declarado que:

“as questões formuladas no concurso público do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe foram contratadas pela FESMPA junto ao IPCA – Instituto de Pesquisas em Ciência da Administração-SP”

Em segundo lugar, a existência da utilização de questões de provas de concursos anteriores, inclusive, disponibilizadas em sites na internet é pratica que compromete a regularidade do certame em estudo, sendo o lamentável fato admitido publicamente pela FESMPA em “NOTA A IMPRENSA”, fls. 121, onde se extrai:

“4) Que em relação as eventuais questões ou perguntas e suas respectivas respostas que tenham similaridade ou apresentem idêntica formulação de concursos anteriores disponibilizados ou não na Internet:

a) O Edital do Concurso não determina que as questões formuladas devam ser inéditas ou exclusivas, isto é que jamais tenham sido formuladas;

b) A Internet, como todos sabem, é mais um instrumento de pesquisa do conhecimento disponível democraticamente a todos; é um repositório de dados equivalente a uma biblioteca tradicional pública, onde aqueles dados são públicos e servem de fonte de estudos a qualquer candidato como bibliografia (revista eletrônica, livro virtual e outras);

c) Não se configura absolutamente violação de sigilo a utilização de eventuais questões usadas em outros concursos, vestibulares, universidades e afins, eis que uma vez disponibilizadas passam a servir como fonte de estudos equivalentes a um livro comum, violação existiria se algum candidato soubesse exatamente a fonte de onde seriam extraídas as perguntas fato este que também poderia ocorrer com um livro comum ou apostila;

d)Considerando-se que as matérias objeto do concurso são finitas na mesma proporção que suas questões possíveis de serem formuladas, seria surrealismo imaginar-se sempre perguntas inéditas e não utilizadas anteriormente;

e)Inobstante isso, a FESMPA está analisando os recursos para encaminhamento a Comissão Examinadora do Concurso que decidirá com a autonomia que lhe cabe.”

A propósito do assunto, a análise do Ministério Público federal, em seu douto pronunciamento, é perfeita e pela sua clareza e precisão só me resta transcreve-la como razão de decidir:

“15. Quanto às questões de prova retiradas de exames anteriores, realizados por outras entidades, foram em número expressivo, capaz de ofender, como se verá, o princípio da igualdade, quando não aquele da impessoalidade da Administração Pública.


16. Observa-se das fls. 83 e seguintes que inúmeras questões do 121º exame da OAB/SP foram aproveitadas na prova de analista judiciário, sem que o Estado requerido tenha contestado tais assertivas. Ora, não se exige, com efeito, salvo previsão do edital, o ineditismo das questões, sendo tolerável que algumas questões já tenham “caído” em outros concursos, até porque, como asseverou a Fundação em nota à imprensa, o universo do saber é limitado… mas a reprodução de grande número de questões de concursos anteriores, e notadamente de um único, compromete sem dúvida o princípio da igualdade.

17. Compromete o referido princípio da isonomia de forma objetiva, pois beneficiará aqueles candidatos que eventualmente tenham participado do certame do qual as perguntas foram retiradas ou que tenham tido a sorte de, nos seus estudos preparatórios, haverem utilizado a prova em questão como forma de se exercitar.

18. A utilização de questões de outras provas, da forma como se deu, pode ainda comprometer o princípio da impessoalidade da Administração, que se baseia ele próprio, como já dito, no princípio da isonomia. A razão é a maior probabilidade de fraude, pois a informação de que a prova se basearia num determinado certame anterior se revelaria então decisiva para o êxito do candidato. O “vazamento”, que seria criminoso, diga-se de passagem, desse tipo de informação, seria impossibilitado ou dificultado se as questões fossem inéditas ou mesmo se proviessem, em pequeno número, de concursos anteriores diversos. Assim, ainda que não tenham vindo aos autos elementos no sentido de que a referida conduta delituosa aconteceu, o incremento de sua possibilidade é, por si só, atentatório do princípio da impessoalidade que deve reger toda a atuação administrativa.

19. Quando se contrata entidade para realizar um concurso, está de fato implícito que ela irá elaborar questões novas, ainda que inovando apenas a forma de abordar os temas ou, no mínimo, a ordem das alternativas! A utilização de questões anteriores, ou o número em que isso seria permitido, os operadores do direito e notadamente o Juiz devem analisá-los sob o prisma da razoabilidade, princípio do Direito Administrativo e do Direito em geral. E foi suficientemente demonstrado pela parte autora, sem argüição em sentido contrário no que respeita ao número de questões, que a Fundação requerida não procedeu de forma razoável.”

Nada mais é necessário dizer quanto a esse ponto da lide.

Em terceiro lugar, a identificação do nome do candidato na folha de respostas do concurso pode, em tese, comprometer a lisura do certame, considerando ser usual nos concursos públicos para admissão de servidores públicos a utilização de procedimentos de desindentificação dos candidatos, evitando, assim, qualquer suspeita de quebra dos princípios constitucionais e legais que regem a administração pública e, em especial, o concurso público, meio sagrado de oferecer a todos, em condições de igualdade, com impessoalidade, garantia de sigilo das questões e da correção das provas, o acesso ao serviço público, consagrando a moralidade a administrativa.

Em quarto lugar, o próprio Estado de Sergipe, fls. 137, informa a ocorrência de atraso de 40 (quarenta) minutos no início do concurso, o que diz ser do conhecimento de todos os participantes, e que teria decorrido de lapsos na locação de alguns candidatos em prédio diverso do constante da relação elaborada pela Fundação contratada, o que adverte não resultou em prejuízo para qualquer candidato, já que 21 (vinte e um) veículos foram mobilizados para a condução dos concorrentes aos prédios onde prestariam o concurso, sendo que as provas de todos os candidatos foram entregues no mesmo horário.

O relato do próprio Estado de Sergipe denota a desorganização protagonizada pela Fundação contratada, retardando o início das provas do concurso que envolvia quase 14.000 (quatorze mil) pessoas, muitas delas transportadas para outros prédios na hora da realização das provas, certamente nervosas e psicologicamente prejudicadas com o inesperado vexame.

Em quinto lugar, a falta da informação, no Edital do Concurso, do valor dos vencimentos dos dois cargos em disputa, a partir de 1º de julho de 2004 também é relevante, muito embora menos comprometedor do que as questões antes apreciadas.

Nesse particular, é providencial o opinativo ministerial, que, como fundamento da decisão, também transcrevo:

“20. Um último aspecto que merece ser abordado também não recomenda a lisura do certame : é a informação constante no edital relativa à remuneração dos cargos. Ora, se o aumento da remuneração é previsto para 1º de julho de 2004, antes do que os candidatos dificilmente seriam empossados, por que não o mencionar no edital? Por que não prestigiar o princípio administrativo da publicidade? Por que restringir o acesso a informações tão relevantes a um pequeno número de pessoas? Já dizia Norberto Bobbio que a democracia é o poder do público… em público! O deslize fere certamente o conjunto dos interessados em participar do concurso e, particularmente, no que toca à atuação da OAB, os bacharéis em direito potencialmente candidatos ao cargo de analista judiciário, além do próprio princípio do amplo acesso aos cargos públicos.”


As demais assertivas esgrimidas pela autora, a exemplo da existência de comunicação entre os candidatos, inclusive com a utilização de telefones celulares e o acesso às salas de candidatos que chegaram após o horário determinado no Edital, a circulação de concorrentes pelos corredores dos prédios onde se realizavam as provas sem fiscalização, não estão demonstrados nos autos, mas poderão ser objeto de instrução processual.

Os fatos acima narrados, revelam, indubitavelmente, que o procedimento a cargo da Fundação contratada está eivado de anomalias que comprometem a regularidade do concurso público aqui debatido, com ofensa à lei de licitações, à moralidade, à eficiência, à igualdade, à impessoalidade e à publicidade, princípios constitucionais que norteiam, indeclinavelmente a Administração Pública e que devem ser o guia do gestor público.

Ademais, a exigência de identificação do candidato na folha de respostas pode comprometer o indispensável sigilo da prova, pondo sob suspeita a lisura da correção e da atribuição de notas, contaminando o certame.

O art. 12 da Lei nº 7.347/85 autoriza o Juiz conceder medida liminar.

São requisitos para sua concessão o “fumus boni iures” e o “periculum im mora“.

O primeiro está exaustivamente patenteado na fundamentação acima esposada.

O segundo também está presente, pois, como assevera o Ministério Público Federal:

“22. Ora, é temerário permitir a nomeação e posse de servidores públicos quando existe uma demanda tendente à anulação do concurso. A eventual procedência do pleito autoral levaria a gravíssimas conseqüências para os próprios aprovados, que veriam fulminados os seus atos de investidura. Tão graves são as conseqüências que os tribunais têm algumas vezes adotado a teoria do fato consumado para não afastar os servidores irregularmente empossados, o que não é absolutamente desejável.

23. São menos graves as conseqüências eventualmente advindas do deferimento da liminar: as nomeações ficam sobrestadas e o Tribunal de Justiça, acaso deva afastar servidores comissionados por determinação do Supremo Tribunal Federal, poderá valer-se do instituto da contratação temporária, previsto na Lei Estadual n° 4.969, de 25 de setembro de 2003.”

Consta dos autos, fls. 143, que houve homologação do resultado do concurso indigitado e a publicação da relação dos candidatos aprovados.

Posto isso, em homenagem à ordem jurídica, especialmente no resguardo dos princípios constitucionais e legais argüidos, bem assim amparado no ideal de Justiça que deve nortear as decisões judiciais, acolhendo, ainda, totalmente, o Parecer do Excelentíssimo Senhor Procurador da República que atua no feito, concedo a medida liminar requerida, determinando ao Estado de Sergipe que não convoque, para fins de nomeação, os candidatos aprovados nos concursos públicos para ingresso nas carreiras de Analista Judiciário e Técnico Judiciário do respectivo Tribunal de Justiça (Edital nº 01, de 21 de janeiro de 2004, publicado em 21 de janeiro de 2004), bem assim que não os nomeie, não lhes dê posse, não lhes permita entrar em exercício ou prestar qualquer serviço, relativamente aos cargos do mencionado certame, até deslinde final da presente ação.

Intimem-se, com urgência, os réus para cumprirem esta decisão, expedindo-se Mandado em relação ao Estado de Sergipe e Carta Precatória quanto à Fundação Escola Superior do Ministério Público no Estado de Alagoas.

Citem-se os réus para oferecerem resposta no prazo legal.

Não são devidas custas processuais, em face do que dispõe o art. 7.347/85.

Intime-se a autora.

Vista ao MPF.

Aracaju, 23 de abril de 2004.

Juiz Edmilson da Silva Pimenta

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