Relação trabalhista

Jornada de trabalho precisa ser reduzida sem diminuição de salário

Autor

  • Grijalbo Fernandes Coutinho

    é desembargador no TRT-10 (DF e TO) mestre em Direito e Justiça pela UFMG autor da pesquisa e do livro Terceirização: Máquina de Moer Gente Trabalhadora – A inexorável relação entre a nova marchandage e degradação laboral as mortes e mutilações no trabalho (LTR 2015) ex-presidente da Anamatra.

21 de abril de 2004, 13h38

As centrais sindicais brasileiras deflagraram campanha pela redução da jornada de trabalho de 44 para 40 horas semanais, sem diminuição de salários, com o objetivo de agregar ao mercado formal trabalhadores desempregados e outros tantos. O pleito conta com o apoio dos juízes do trabalho e da Anamatra, assim aprovado no VII Conamat, bem como o combate às horas extras habituais.

A revolução tecnológica enfrentada nas três últimas décadas foi capaz de produzir avanços científicos tão fantásticos quanto devastadores para o mundo do trabalho, deixando pelo menos de 185,9 milhões de pessoas sem trabalho, segundo dados da OIT do ano de 2003 (há outros estudos indicando que o planeta já tem 1 bilhão de desempregados). Em face do uso da microeletrônica e de outros recursos, algumas tarefas foram absorvidas por esse novo processo, reduzindo-se a utilização da mão-de-obra humana e dizimando-se alguns milhões de postos de trabalho.

Como sempre agiu, o capital adaptou-se muito bem ao incremento dos novos meios de produção, passando da forma taylorista-fordista de organização da produção para o modelo digital-toyotista, de viés essencialmente automatizado, dirigido apenas para fatias de consumidores, dentre outras características que desnudam o objetivo central do regime: o lucro a qualquer custo.

É forçoso reconhecer que o fruto do espetáculo tecnológico e cibernético que todos nós hoje admiramos foi apropriado por apenas uma das forças na relação entre o capital e o trabalho, gerando mais riquezas para os proprietários de equipamentos antes vislumbrados apenas como peças de ficção científica e brutal exclusão social. Sem compartilhamento dos frutos desse processo, perde o conjunto da sociedade. Falando deste modo, é possível presumir que se aponte para um inocente neoludismo destruidor de máquinas e de consciências humanas corrompidas pela ânsia consumista.Não é com ingenuidade que se deve tratar a questão, e muito menos com a alternativa simplista de que o trabalho é um doente terminal e, por essa razão, outras maneiras de encarar a vida moderna devem ser encontradas. Na precisa definição do professor Ricardo Antunes, numa visão marxiniana, o trabalho vivo não desaparecerá, pois sempre haverá necessidade do esforço humano, até mesmo para o funcionamento da maquinaria cibernética.

Ora, se o poder econômico aumentou a sua capacidade de acumular capital concentrado com os novos processos produtivos, deixando para a força de trabalho a tarefa ingrata de superar as marcas intransponíveis da tecnologia que ela própria cria e aperfeiçoa diariamente, torna-se imprescindível a adoção de medidas destinadas a repartir as conquistas da informática e minimizar os efeitos da segregação social, a começar pela redução da jornada de trabalho, permitindo, assim, primordialmente, a criação de novos postos de trabalho, além de possibilitar ao trabalhador-empregado algum tempo para dedicar-se a um conjunto de atividades voltadas para o crescimento intelectual e ao descanso. Assim tem procedido a inúmeros países da Europa para debelar o imenso desemprego estrutural que solapou as economias capitalistas do mundo inteiro.

Cabe aos agentes políticos e aos líderes sindicais a defesa do postulado de que “é imprescindível que todos trabalhem menos para que todos possam trabalhar”, não se deixando seduzir pela forte propaganda dos conglomerados nacionais e internacionais, insensíveis ao problema do desemprego e da concentração de renda no Brasil. Basta examinar o fantástico lucro auferido pelo sistema financeiro e por outras grandes empresas no ano de 2003, de onde normalmente partem as mais enfáticas resistências à mudança agora reivindicada pelas centrais sindicais.

Para os pequenos e médios empresários, a resistência baseada na premissa da impossibilidade financeira é anulada quando se constata que “o drama dos encargos trabalhistas” é apenas aparente e surge após o fracasso causado pela política econômica, pelo alto custo do valor dos empréstimos bancários e pela concorrência desigual com os grandes grupos. Na esteira deste raciocínio, para os empreendedores de menor porte é condição de sobrevivência uma melhor distribuição de renda e a ampliação das camadas consumidoras, o que pode ser iniciado com a redução da jornada, sem diminuição remuneratória, criando-se inúmeros postos de trabalho.

A negociação coletiva mostra-se a via mais rápida para o alcance da redução da jornada, mas deve a campanha das centrais sindicais lançar luzes sobre Congresso Nacional, que tem a atribuição constitucional de fixar os parâmetros mínimos do labor em 40 horas semanais para todos os trabalhadores do Brasil.

Ao mesmo tempo, somente normas rígidas e fiscalização eficiente podem inibir as horas extras, que no Brasil também são responsáveis por parte do desemprego. Das mais de duas milhões de ações trabalhistas propostas anualmente perante à Justiça do Trabalho, um número considerável envolve o trabalho executado depois da jornada. Pesquisa feita pela Secretaria do Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade de São Paulo atestou que se fosse coibida essa prática poderiam ser criados 1,7 milhão de novos empregos.

Inegavelmente, estamos tratando de parte do problema. A análise crítica da crise nossa de cada dia não dispensa a urgência de uma política básica de desenvolvimento focada na criação de empregos, sem precarização das relações de trabalho, com forte debate sobre a forma de pagamento dos serviços da dívida pública, cuja cifra mensal ultrapassa R$ 12 bilhões, além de outras ações que qualquer governo com matiz social deve perseguir diuturnamente.

O fenômeno da mobilidade física e virtual do capital, da produção, de pessoal qualificado e de alguns insumos, de uma nação para outra, como meio de reduzir os custos de mão-de-obra, aliado à formação de gigantescos oligopólios nas mais diversas áreas, capazes de eliminar quem não estiver coligado, confirma a tese de que não têm pátria os homens de negócios do sistema capitalista, e muito menos face social.A dinâmica do processo de terceirização do denominado offshore indica que postos de trabalho têm sido transferidos para nações cuja mão-de-obra é miseravelmente remunerada, como Índia, Malásia e China e para outros países asiáticos. Com essa prática, é evidente que todas as iniciativas nacionais para combater o desemprego serão insuficientes para enfrentar as artimanhas inteligentes do regime.

É hora de as centrais sindicais aprofundarem o debate sobre o tema do desemprego e se lançarem na busca de parcerias internacionais no movimento dos trabalhadores para o empreendimento de campanha sistemática pelo trabalho digno e bem remunerado, a começar pela América do Sul, mas também perseguindo alianças com entidades congêneres da Europa, Ásia, África e Oceania. Esta não é uma guerra de trabalhadores nacionais contra trabalhadores estrangeiros superexplorados pelo capital viajante e volátil, mesmo que segmentos atrasados e egoístas do sindicalismo norte-americano assim enxerguem a questão. Mais do que nunca o velho bordão marxista está presente na ordem do dia, ainda que a bandeira pretenda apenas manter algum equilíbrio nas relações entre o capital e o trabalho: trabalhadores de todo o mundo, uni-vos na luta pelo trabalho decente.

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