Proposta inusitada

Deputado quer fixar limite máximo de consumo por família

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21 de abril de 2004, 10h19

Tramita na Câmara dos Deputados um projeto de lei inusitado. O deputado José Nazareno Cardeal Fonteles (PT-PI) quer que o governo estabeleça um limite mensal de rendimentos para os brasileiros e estrangeiros residentes no país.

Segundo o deputado, a população “só poderá dispor, mensalmente, para custear sua vida e a de seus dependentes, de um valor menor ou igual ao Limite Máximo de Consumo”.

De acordo com a proposta, o excedente ao fixado pelo governo irá para uma conta como empréstimo compulsório, no Banco do Brasil ou na Caixa Econômica Federal. A conta será denominada “Poupança Fraterna”, caso a proposta seja aprovada.

Conheça a íntegra da proposta:

PROJETO DE LEI COMPLEMENTAR Nº , DE 2004

(Do Sr. Nazareno Fonteles)

Estabelece o Limite Máximo de Consumo, a Poupança Fraterna e dá outras providências

O Congresso Nacional decreta:

Art. 1º Fica criado o Limite Máximo de Consumo, valor máximo que cada pessoa física residente no País poderá utilizar, mensalmente, para custear sua vida e as de seus dependentes.

§ 1º O Limite Máximo de Consumo fica definido como dez vezes o valor da renda per capita nacional, mensal, calculada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, em relação ao ano anterior.

Art. 2º Por um período de sete anos, a partir do dia primeiro de janeiro do ano seguinte ao da publicação desta Lei, toda pessoa física brasileira, residente ou não no País, e todo estrangeiro residente no Brasil, só poderá dispor, mensalmente, para custear sua vida e a de seus dependentes, de um valor menor ou igual ao Limite Máximo de Consumo.

Art. 3º A parcela dos rendimentos recebidos por pessoas físicas, inclusive os que estejam sujeitos à tributação exclusiva na fonte ou definitiva, excedente ao Limite Máximo de Consumo será depositada, mensalmente, a título de empréstimo compulsório, em uma conta especial de caderneta de poupança, em nome do depositante, denominada Poupança Fraterna.

§ 1º A critério do depositante, sua Poupança Fraterna poderá ser depositada no Banco do Brasil ou na Caixa Econômica Federal, podendo ser livremente movimentada, pelo seu titular, entre estas duas instituições financeiras, as quais desenvolverão seus melhores esforços para assegurar a correta e eficiente aplicação dos recursos assim captados.

§ 2º Qualquer pessoa, independente do seu nível de renda, poderá abrir uma conta de Poupança Fraterna.

§ 3º Caberá à fonte pagadora reter o valor a que se refere o caput deste artigo, realizando o depósito na Poupança Fraterna, em nome do poupador, no mesmo dia da realização do pagamento ao beneficiário.

I – A retenção do valor excedente ao Limite Máximo de Consumo, sem a realização do correspondente depósito na Poupança Fraterna, implicará multa equivalente a duas vezes o valor retido, além de juros de mora.

§ 4º As pessoas físicas que auferirem rendimentos de mais de uma fonte deverão, até o quinto dia útil do mês seguinte ao do recebimento, realizar o depósito do valor dos seus rendimentos, excedente Ao Limite Máximo de Consumo, na Poupança Fraterna.

I – a não-realização do depósito na Poupança Fraterna, ou sua realização em valor inferior ao determinado no art. 3º desta Lei, por período superior a trinta dias, implicarão a automática e imediata inserção do retentor no cadastro da dívida ativa da União, pelo valor correspondente a duas vezes a diferença entre o valor depositado e o valor devido.

Art. 4º Caberá à Secretaria da Receita Federal:

I – a elaboração do cadastro anual dos poupadores compulsórios da Poupança Fraterna, constituído de todas as pessoas físicas com rendimento mensal igual ou superior ao Limite Máximo de Consumo;

II – a fiscalização do volume e regularidade dos depósitos, relativamente à renda de cada um dos poupadores compulsórios.

Art. 5º Os recursos compulsórios aplicados na Poupança Fraterna serão devolvidos aos seus titulares nos catorze anos seguintes ao período mencionado no art. 2º, com prestações mensais de valores equivalentes à metade de cada um dos depósitos realizados, respeitada a ordem em que os depósitos foram feitos, mais os juros acumulados no período.

§ 1º Os titulares da Poupança Fraterna, ou seus herdeiros, poderão sacar seus recursos nas hipóteses:

I – de morte do titular da conta, a totalidade dos recursos, conforme destinação definida no inventário;

II – para aquisição de casa própria para fins de residência permanente, limitada ao valor de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais);

III – de doença grave do titular, do seu cônjuge ou de dependentes diretos, até o limite dos gastos incorridos com o tratamento;


IV – de aplicação, a partir do terceiro ano de contribuição, em projetos aprovados pelo Conselho a que se refere o art. 8º desta Lei.

a ) os saques previstos neste inciso serão limitados a 20% (vinte por cento) do total de depósitos na Poupança Fraterna, efetuados em nome de depositantes que participem como acionistas do projeto no qual os recursos sacados serão investidos.

§ 2º Os depósitos efetuados na Poupança Fraterna capitalizarão juros equivalentes a 95% (noventa e cinco por cento) do valor dos juros cobrados nos financiamentos concedidos com os recursos nela depositados.

§ 3º Os depositantes voluntários poderão sacar seus recursos no decurso de quatro anos, após decorridos dois anos de contribuições.

Art. 6º Os recursos depositados na Poupança Fraterna serão aplicados, com juros limitados ao máximo de 50% (cinqüenta por cento) do rendimento pago aos depositantes da caderneta de poupança do Sistema Financeiro de Habitação:

I – na proporção de no mínimo 60 (sessenta) por cento, desde que existam projetos economicamente viáveis e com suficiente garantia de retorno, no financiamento de projetos de criação, expansão e melhoria das atividades de cooperativas e associações de pequenos empreendedores, assim como de criação e expansão de micro e pequenas empresas iniciadas em incubadoras universitárias;

II – em projetos sociais relevantes;

III – em programas especiais de trabalho, especialmente voltados para a elevação e melhoria dos níveis de saúde, nutrição e educação dos 50% (cinqüenta por cento) mais pobres da população brasileira, conforme caracterizados na Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios, do IBGE, assim como em programas destinados à prevenção de riscos ecológicos e à recomposição de áreas ambientalmente degradadas.

a ) os programas especiais de trabalho na área de saúde poderão incluir, a critério do Conselho mencionado no art. 8º, investimentos na área de saneamento;

b) os programas especiais de trabalho na área de educação poderão incluir, a critério do Conselho mencionado no art. 8º, a concepção, elaboração, desenvolvimento e aquisição de material e equipamento didático e treinamento de professores, sendo admitidos, em casos excepcionais e mediante prévia e expressa autorização do Conselho, a aplicação dos recursos em obras civis, restritas estas à reforma e melhoria de escolas já existentes.

IV – Em programas de desenvolvimento tecnológico voltados para a criação de produtos e serviços substitutos, e de processos de produção que viabilizem a redução do custo de produção, dos produtos e serviços de alta complexidade e elevado custo que, em função da limitação do consumo, apresentem redução de demanda superior a 50%, relativamente ao ano anterior à vigência desta Lei.

Art. 7º Serão elegíveis como mutuários prioritários dos recursos da Poupança Fraterna:

I – no caso dos incisos I e II do artigo anterior, as cooperativas e associações de pequenos produtores, além das entidades, públicas ou privadas, responsáveis pelos projetos produtivos e sociais beneficiados, desde que os beneficiários existam e estejam em atuação há mais de dois anos, na data da solicitação do empréstimo;

II – no caso do inciso II do artigo anterior, Estados e Municípios.

Parágrafo único – Para as aplicações previstas nesta Lei e com base exclusivamente em endividamento mediante recursos da Poupança Fraterna, Estados e Municípios poderão ultrapassar os limites estabelecidos nos art. 3º e 4º da Resolução Nº 40, de 2001, do Senado Federal, em até 20 (vinte) pontos percentuais.

III – no caso do inciso IV do artigo anterior, empresas sediadas no Brasil e instituições públicas de ensino superior e de incubação de empresas, habilitadas pelo Ministério da Ciência e Tecnologia.

IV – não poderão obter empréstimos com base nos recursos da Poupança Fraterna as empresas do Sistema Financeiro.

Art. 8º A Poupança Fraterna será gerida pelo Conselho Nacional da Poupança Fraterna – CNPF, órgão normativo de deliberação coletiva, vinculado à Presidência da República, que terá a seguinte composição:

I – O Ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, que o presidirá;

II – Representantes dos seguintes ministérios, titular e suplente, indicados pelos respectivos Ministros de Estado, e das entidades listadas, indicados na forma dos respectivos estatutos:

a) um da saúde;

b) um da educação;

c) um do Planejamento;

d) um do meio ambiente;

e) um da ciência e tecnologia;

f) um representante de cada uma das centrais sindicais;

g) um representante da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura;

h) um representante do Movimento dos Pequenos Agricultores;


i) um representante da Cáritas Brasileira;

j) um representante do Movimento dos trabalhadores Sem-Terra;

k) um representante da Federação de Órgãos para a Assistência Social e Educacional;

l) um representante da Rede Brasileira de Sócio-Economia Solidária;

m) um representante da Organização das Cooperativas Brasileiras;

n) dois representantes dos poupadores, por meio de organização específica de caráter nacional;

o) um representante das instituições públicas de ensino superior;

p) um representante de cada uma das confederações nacionais da indústria, da agricultura, dos transportes e do comércio;

q) um representante do Fórum Brasileiro de Organizações Não Governamentais e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento;

r) um representante do Banco do Brasil e um da Caixa Econômica Federal.

§ 1º Poderão ser criados, conforme as demandas regionais e locais, Conselhos Estaduais e Municipais da Poupança Fraterna, que atuarão em articulação com o Conselho Nacional.

§ 2º As atividades do Conselho Nacional da Poupança Fraterna serão secretariadas pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome.

§ 3º Os membros do Conselho Nacional da Poupança Fraterna não farão jus a qualquer remuneração, sendo seus serviços considerados de relevante interesse público.

§ 5º As eventuais despesas com viagens dos conselheiros referidos no inciso II correrão por conta dos órgãos e entidades que representam.

§ 6º Enquanto não estiver constituída a entidade representativa dos poupadores, a indicação dos seus representantes será feita em uma reunião plenária, a se realizar em Brasília, Distrito Federal ou, na falta desta até sete dias antes da realização da segunda reunião do Conselho, por indicação do Presidente da República.

Art 9º Ao Conselho Nacional da Poupança Fraterna compete aprovar o programa nacional de aplicação dos recursos da Poupança Fraterna.

§ 1º O Conselho Nacional da Poupança Fraterna se reunirá ordinariamente ao menos uma vez a cada trimestre.

§ 2º As deliberações do Conselho Nacional da Poupança Fraterna serão tomadas por maioria simples, respeitado, nas reuniões extraordinárias, o quorum mínimo de 17 (dezessete) membros.

§ 3º O Regimento Interno do Conselho Nacional da Poupança Fraterna deverá ser aprovado pelos seus membros em sua segunda reunião ordinária.

Art. 10. A gestão executiva da Poupança Fraterna será exercida pelo Banco do Brasil e pela Caixa Econômica Federal, nas proporções dos fundos de Poupança Fraterna que mantiverem em depósito, de acordo com normas a serem estabelecidas pelo Conselho Nacional da Poupança Fraterna.

§ 1º As disponibilidades da Poupança Fraterna serão aplicadas em títulos do Tesouro Nacional, de forma a assegurar, simultaneamente, a maior remuneração possível aos recursos da Poupança Fraterna e a redução do custo da dívida interna.

Art. 11. Esta lei complementar entra em vigor na data da sua publicação.

JUSTIFICAÇÃO

Como se sabe, tem sido cada vez mais rápida a evolução do conhecimento. A cada dia que passa o avanço das pesquisas demonstra novos conhecimentos e transforma a maneira como encaramos a realidade. Este avanço do conhecimento implica maiores chances de se combater doenças, de se erguer grandes obras, de se obter um conhecimento mais profundo da alma e das ações humanas. Significa, também, maior possibilidade de um convívio mais rico e fértil entre cada um de nós e nossos irmãos.

Não obstante, há ainda um longo caminho a percorrer entre a criação ou obtenção do conhecimento e a sua incorporação em nossas vidas cotidianas. Temos, hoje, diversos exemplos de fatos e relações incontestáveis que, entretanto, não levamos em consideração. Isto é, embora todos saibamos que dois mais dois são quatro, continuamos a viver como se o resultado fosse outro. Em outras palavras, embora saibamos que certas ações geram determinadas conseqüências, continuamos a nos comportar como se ignorássemos tais resultados.

Pode-se mencionar inúmeros exemplos desta “irracionalidade”. Assim:

Embora saibamos que a humanidade é parte, e não “senhora da natureza”, continuamos a desrespeitar e a degradar o meio ambiente, criando problemas cujas soluções ou não existem ou são caríssimas, para nós e para nossos filhos;

Apesar de sabermos que os recursos naturais são limitados, assim como a capacidade de absorção de poluição por parte dos mares e do ar, ainda continuamos a consumir produtos poluentes e a não dar a devida prioridade aos recursos renováveis;

A segunda lei da termodinâmica, que nos mostra que perdemos reservas de energia utilizável a cada trabalho que se realiza;

Embora não existam recursos naturais, nem mesmo a água, em volume suficiente para que toda a humanidade continue a consumi-los nos níveis médios em que hoje se faz nos países desenvolvidos, a tecnologia e os recursos existentes são suficientes para se dar um nível de vida “digno” à toda a população do planeta.


A proposição deste Projeto de Lei Complementar pretende incorporar algumas destas verdades ao processo histórico, ao mesmo tempo em que se busca o fortalecimento dos valores humanísticos de fraternidade, liberdade e igualdade.

Convém iniciar a justificação deste Projeto de Lei Complementar deixando claros dois pontos. O primeiro é que, na realidade, já existe, no Brasil, um Limite Máximo de Consumo, definido não em uma Lei mas no conjunto das suas instituições e normas jurídicas, econômicas, políticas e religiosas. Trata-se, no caso, de um Limite Máximo de Consumo definido “pelo mercado”. Este, ao estabelecer a remuneração de cada pessoa, determina o máximo que muitos brasileiros poderão consumir, e estabelece assim que milhões de brasileiros sejam impedidos de consumir até mesmo produtos essenciais. É, portanto, um Limite Máximo de Consumo que promove a exclusão social. A nossa proposta é para que se inverta esta realidade, definido-se um Limite Máximo de Consumo que facilite e possibilite a todos os brasileiros o acesso, no mínimo, aos bens essenciais, um Limite Máximo de Consumo que promova a inclusão social e econômica.

O segundo ponto é a questão de qual a melhor alternativa, quando se pretende obter uma melhor distribuição da renda e da riqueza: promover políticas de crescimento econômico apenas ou políticas de redução das desigualdades sócio-econômicas, visando a maior eqüidade? Embora este debate seja eivado de aspectos ideológicos, de acordo com Barros, “embora conduza a uma redução da pobreza, a via do crescimento econômico necessita durar um longo período de tempo para produzir uma transformação relevante na magnitude da pobreza. …(esta) reage com maior sensibilidade aos esforços de aumento da eqüidade do que aos aumentos de crescimento”.(Barros, R.P.et al. “A Estabilidade Inaceitável: desigualdade e pobreza no Brasil”, in Henriques, Ricardo, org., Desigualdade e Pobreza no Brasil, Rio de Janeiro, 2.000, IPEA, p. 43)

Sabe-se, atualmente, que a fome em que vivem milhões de seres humanos deve-se à má distribuição da renda e da riqueza, e não à escassez de alimentos. Hoje, o entendimento que se tem da capacidade limitada dos recursos naturais do planeta não deriva de uma teoria, mas sim de fatos.

Dentre estes, a simples comparação entre o volume disponível de recursos e o ritmo em que os mesmos são utilizados. Embora variem as estimativas acerca do número de anos que restam à humanidade antes que as reservas de cada um dos recursos naturais estejam exauridas, não existem argumentos científicos no sentido de que o minério de ferro, o petróleo, a água ou qualquer outro recurso natural não-renovável, e até mesmo alguns renováveis, como a madeira, possam ser consumidos sem se exaurirem, se utilizados ao ritmo atual.

As estratégias para se enfrentar o problema da exaustão dos recursos giram em torno de três linhas. Há a preocupação com o melhor uso dos recursos, no sentido de uso mais eficiente ou de consumo de menor quantidade de recursos por unidade de produto final. São exemplos desta estratégia os programas de redução da emissão de poluentes e de construção de motores mais eficientes. Há também a estratégia de uso múltiplo dos recursos, de forma a se ampliar a reutilização dos produtos. No Brasil, o caso da reciclagem das latas de alumínio é um bom exemplo. Há, ainda, propostas no sentido de se procurar a redução do uso dos recursos naturais, inclusive mediante a imposição de impostos, a exemplo do “Imposto Verde”. Deve-se mencionar, ainda, a “Agenda 21”, conjunto de ações, metas e propostas adotadas pelo governo brasileiro a partir da Conferência Internacional “Rio 92”, onde se diz claramente da necessidade de se reduzir o consumo de recursos, quando se trata da estratégia dos “3 Rs”: reduzir, re-utilizar e reciclar.

A título de exemplo, vejam-se as análises e propostas constantes do documento “Brasil 2002: a Sustentabilidade que Queremos”, assinado pelo Fórum Brasileiro de Organizações Não Governamentais e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, que tem mais de 500 entidades filiadas:

“No caso do Brasil … é preciso considerar que a construção da sustentabilidade … requer uma mudança profunda no modelo de desenvolvimento dominante no país. … (e mudanças ) estruturais nos padrões de produção e consumo.” (página 3).

O mesmo documento lembra que:

“Uma minoria de cerca de 20% da humanidade consome cerca de 80% dos recursos tirados da natureza, produzindo ao mesmo tempo algo próximo de 80% da poluição e da degradação ambiental que ameaçam a Terra como um todo, especialmente por meio do chamado “aquecimento global”. (página 3)

Ora, sabendo-se que vinte por cento da humanidade consome 80% dos recursos; sabendo-se mais que, conforme o relatório “WWF –Living Planet 2000”, a humanidade atualmente consome um volume de recursos que supera em 20%, a cada ano, a capacidade biológica de reposição do planeta, torna-se fácil concluir que não existe a possibilidade de se expandir, para o conjunto da humanidade, nem mesmo para a sua maioria, o padrão de consumo da minoria mais rica. Assim, os ricos devem viver mais simplesmente, para que os pobres possam simplesmente viver. Mais ainda, os ricos devem viver com mais simplicidade para se evitar a previsível catástrofe ecológica para a qual caminha a humanidade.


Ressalte-se, também, que poluir o meio ambiente não é privilégio dos ricos. Também os pobres o fazem, e muito da poluição causada pelos pobres resulta exatamente da sua pobreza, na medida em que a falta de alternativa e de recursos – inclusive informação adequada – os leva a jogar esgoto e lixo em rios, a colocar fogo como preparação da terra para a agricultura, etc. Em outras palavras, a aplicação de recursos na melhoria das condições de vida, de saúde e de educação da parcela mais pobre da população tem efeitos diretos e imediatos na redução da poluição.

Alguns estudos mostram que seriam necessários mais dois planetas para que todas as famílias pudessem ter um padrão de vida semelhante ao da classe média norte-americana, o que é evidentemente impossível! Edward Goldsmith calcula que se todos os países do terceiro mundo chegassem ao mesmo nível de consumo dos Estados Unidos no ano 2060, os danos ambientais seriam então 220 vezes maiores do que são hoje em dia, o que é absolutamente inconcebível. Pesquisas sobre o gasto familiar nos EUA demonstram que a renda necessária para satisfazer as aspirações de consumo dobrou em apenas oito anos, de 1986 a 1994.

Sabemos que “um outro mundo é possível”, e é em busca deste outro mundo que apresentamos este Projeto de Lei Complementar. Acreditamos que a nova concepção de desenvolvimento a guiar a sociedade neste novo século deve se basear na construção da eqüidade sob a força do ideal da fraternidade universal. O verdadeiro desenvolvimento se encontra nos gestos, atos e projetos que se fundamentam na fraternidade das pessoas e de suas organizações. A fraternidade deve ser o principal meio e o fim do desenvolvimento, tendo como medida prática de verificação os avanços na eqüidade econômica e social. Neste sentido o “novo fazer político” deve ser guiado pela fraternidade no coração e eqüidade nas mãos. Pois só com a fraternidade poderemos superar o egoísmo reinante no capitalismo. Egoísmo este que se apresenta com diversas facetas: acumulação de bens e poder nas mãos de poucos, competição desenfreada, ódio, violência e drogas, guerras e guerrilhas, consumismo exacerbado, pornografia, hedonismo, poluição e destruição do meio ambiente, a nova discriminação entre necessários e supérfluos, incluídos e excluídos, etc. Citamos aqui uma reflexão de Edgard Morin sobre a divisa “Liberdade, Igualdade, Fraternidade”, da Revolução Francesa:

“A liberdade sozinha mata a igualdade e a fraternidade, a igualdade imposta mata a liberdade sem realizar a fraternidade e a fraternidade, necessidade fundamental para que haja um laço comunitário vivido entre cidadãos, deve regular a liberdade e reduzir a desigualdade…”

Outro grande pensador da questão ecológica, o Sr. Ignacy Sachs, escreveu, em 1986: “níveis crescentes de consumo material não podem compensar a alienação no trabalho e a falta de finalidade na vida: quanto mais fácil se torna a obtenção de bens, menor a gratificação psicológica por eles proporcionada”. Betelheim salientou um dilema fundamental da civilização moderna: ou conseguiremos impor-nos voluntariamente um teto de consumo material, procurando gratificação em esferas não materiais da nossa vida e desse modo enfatizando a dimensão cultural da natureza humana, ou ficaremos presos na corrida acelerada da aquisição cada vez maior de bens. Caso em que a humanidade acabará por atingir os limites ecológicos externos do nosso planeta”. Ainda um ponto adicional com relação a esta questão: o conhecido “paradoxo de Easterlin”. Este professor norte-americano constatou, em 1974, que embora a renda nacional nos EUA tivesse aumentado de forma espetacular desde a Segunda Guerra Mundial, os americanos diziam que não se sentiam mais felizes. Em virtude deste resultado, o Professor formulou o que ficou conhecido como o “Paradoxo de Easterlin”, segundo o qual, acima de um nível básico, o crescimento econômico não melhora o bem-estar emocional da população”.

A questão ecológica é, portanto, apenas parte da motivação deste Projeto de Lei Complementar. Meu objetivo ao apresentar esta proposição ao Parlamento brasileiro é dar início a um debate e à adoção de medidas voltadas para colocar o Brasil na liderança da construção de um novo mundo, um mundo não apenas ecologicamente sustentável mas, também, fraterno. É, creio, uma das propostas mais ousadas na busca de resposta ao desafio de transformar a sociedade, hoje desigual, devastadora dos recursos naturais e inexoravelmente rumando para a autodestruição, em um novo mundo. Um novo mundo em que, por um lado, os mais recentes conhecimentos, gerados ao longo do século XX, sobre a natureza e sobre a interação entre a humanidade e o meio ambiente estejam incorporados à sua dinâmica de crescimento e, por outro lado, tenha os ideais de igualdade, fraternidade e liberdade não apenas como bandeira, mas como mecanismo do seu desenvolvimento, tendo a fraternidade como guia da construção da liberdade e da igualdade.


Objetivo tão vasto não revela pretensão. Revela, antes, a consciência da necessidade de ação transformadora da sociedade em face da inquestionável evidência científica da exaustão dos recursos; demonstra o inconformismo com a atual situação de pobreza e miséria em que se encontra grande parte da humanidade, e em particular a maioria dos brasileiros; responde ao clamor moral de se buscar a eliminação da pobreza e da indigência; indica o destemor de ousar em face do objetivo maior de construir uma sociedade fraterna, cooperativa, sustentável e livre da miséria.

Sei que muitos procurarão desqualificar esta proposição, tachando-a com depreciativos os mais diversos. Estas reações, porem, não me inibem. Diversas outras propostas submetidas a este Parlamento pareceram, quando da iniciativa legislativa, ousadas em demasia, ou sem conexão com a realidade, ou revolucionárias, utópicas ou mesmo ingênuas, e acabaram por ser adotadas e incorporadas ao ordenamento jurídico deste País. Dentre estas, basta mencionar a proibição do trabalho escravo, que começou a ser debatida nesta casa mais de meio século antes do treze de maio de 1888, inicialmente de forma tímida, com a pretensão apenas de eliminar o tráfico, depois, mais forte, libertando os recém nascidos e, finalmente, livrando o Brasil da chaga multissecular. Outras lutas também foram longas: a proposição de se estender o direito de voto às mulheres e aos analfabetos, a proposta de retorno à eleição direta para Presidente da República, que deu origem ao inesquecível movimento das “Diretas Já”, e o recém aprovado projeto de lei da renda mínima, de iniciativa do Senador Eduardo Suplicy.

Estou ciente de que o Projeto de Lei que ora apresento é polêmico; limitado em minha capacidade, sei que esta proposição carece de aperfeiçoamento, e desde já agradeço a contribuição dos nobres colegas, mediante emendas, debates, sugestões e críticas. Creio, com efeito, que é inevitável a adoção, não só pelo Brasil mas também por outros países, de medidas semelhantes às que aqui proponho.

Sabemos que o Brasil é um dos poucos países que, reconhecidamente, tem recursos suficientes para eliminar a pobreza, em curto espaço de tempo. Os professores Ricardo Paes de Barros e Miguel N. Foguel, dois dos grandes especialistas no tema pobreza e distribuição de renda no Brasil, apresentaram, em 2000, uma estimativa do volume de recursos necessários para se erradicar a pobreza no País. Partindo de uma definição de linha de pobreza que deixava abaixo dela mais de 50 milhões de brasileiros, os citados professores avaliavam:

“Apesar do elevado grau de pobreza no país, com mais de 50 milhões de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza, o volume total de recursos necessários para erradicar a pobreza é relativamente pequeno (R$ 34 bilhões por ano) quando comparado quer com a renda nacional (R$ 800 bilhões), quer com o volume de recursos já dedicados à área social (R$ 130 bilhões).De fato, para erradicar a pobreza no Brasil seriam necessários apenas 4% da renda nacional ou cerca de 25% dos recursos públicos já dedicados à área social.” (Barros, R.C. & Foguel, M. N. “Focalização dos gastos públicos sociais e erradicação da pobreza no Brasil”, in Desigualdade e Pobreza no Brasil, Henriques, R. org., Rio de Janeiro, IPEA, 2000, p.719/739)

Importante esclarecer a metodologia utilizada pelos autores. Primeiro, a informação acima é uma média das necessidades identificadas em cada um dos 15 anos anteriores a 1997, inclusive. Segundo, o cálculo supõe que seria dada, a cada um dos brasileiros pobres, uma quantia em dinheiro exatamente suficiente para elevar a sua renda ao nível da linha da pobreza. Não há relação adicional entre a estimativa dos autores e a proposta aqui apresentada. Esta estabelece as bases de um programa de investimentos para a erradicação da pobreza, enquanto aquela, apesar de toda a importância que tem pelo que revela, é apenas uma hipótese, um exercício.

Retorno, a partir das bases lançadas pelas verdades científicas acima lembradas, à justificação das propostas inclusas neste Projeto de Lei. Como primeiro ponto, é mister demonstrar a constitucionalidade desta proposição. Em seu art. 148, diz a nossa Lei Maior:

“Art. 148. A União, mediante lei complementar, poderá instituir empréstimos compulsórios:

I – para atender a despesas extraordinárias, decorrentes de calamidade

pública, de guerra externa ou sua iminência;

II – no caso de investimento público de caráter urgente e de relevante

interesse nacional, observado o disposto no art. 150, III, b.

Parágrafo único. A aplicação dos recursos provenientes de empréstimo

compulsório será vinculada à despesa que fundamentou sua instituição.”

A motivação da sua instituição e o destino dos recursos arrecadados com o empréstimo compulsório proposto neste Diploma se enquadram perfeitamente no que estabelece a Constituição. Haverá, por acaso, investimento público de mais relevante interesse social que acabar com a miséria em que vive grande parte dos brasileiros? A nossa convivência com os extremos de riqueza e miséria, encontráveis em quase todas as nossas cidades e, registre-se, de forma mais brutal do que em quase todos os demais países, levou-nos a considerar “normal” a situação de indigência em que se encontram milhões dos nossos compatriotas. Devemos, porém, recusar esta “normalidade” e dar-lhe o nome que realmente a caracteriza, ou seja, calamidade pública, o que reforça a adequação do instrumento do empréstimo compulsório para as finalidades aqui previstas.


Há outros aspectos a considerar, que vêm reforçar a constitucionalidade da proposição. O inciso II do art. 148 autoriza a União a instituir empréstimo compulsório “II – no caso de investimento público de caráter urgente e de relevante interesse nacional”. O caráter urgente da eliminação da miséria no Brasil pode não ser reconhecido por todos, mas certamente o será pela maioria da população. A urgência também se constata a partir da situação atual de violência que atemoriza boa parte da elite brasileira, violência esta que decorre, em grande medida, da desigualdade existente no País, e também da falta de perspectivas de melhoria de vida que angustia nossos jovens, de quase todas as classes sociais.

A medida proposta reflete, ainda, a preocupação manifestada pelo Constituinte já no preâmbulo da Carta Magna:

“Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.” (ênfase adicionada).

Em seu art. 3º, diz a Constituição:

“Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa

do Brasil:

I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;

II – garantir o desenvolvimento nacional;

III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades

sociais e regionais;

IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça,

sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.” (ênfase adicionada).

Ainda com relação a este tema, mais outro aspecto deve ser considerado. Trata-se do entendimento do que seja “investimento público”, pois as despesas a serem financiadas com os recursos da Poupança Fraterna deverão atender à esta qualificação.

Veja-se, a propósito, a Lei 4.320, de 1964, “que estatui normas gerais de Direito Financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, …”. Em seu art. 12., estabelece as categorias econômicas de despesas correntes e de capital, sendo que estas últimas incluem “Investimentos, Inversões Financeiras e Transferências de Capital”, cujas respectivas definições são:

“§ 4º Classificam-se como investimentos as dotações para o planejamento e a execução de obras, inclusive as destinadas à aquisição de imóveis considerados necessários à realização destas últimas, bem como para os programas especiais de trabalho, aquisição de instalações, equipamentos e material permanente e constituição ou aumento do capital de empresas que não sejam de caráter comercial ou financeiro.”(ênfase adicionada).”

Claramente, a proposição de um conjunto de ações visando à eliminação da pobreza se enquadra como um “programa especial de trabalho”. Os professores J. Teixeira Machado Jr. e Heraldo da Costa Reis, em sua publicação “A Lei 4.320 Comentada” (Rio de Janeiro, IBAM, 1996), dizem, à página 60: “Por programas especiais de trabalho, entendemos aqueles que a Administração Pública desenvolve através de planejamento a ser executado a longo prazo e que, sempre, resultem em investimento.” Fica, assim, demonstrada a coerência deste Projeto de Lei não apenas com a Constituição mas também com as normas básicas do Direito Financeiro.

Outros ditames da Lei Magna suportam a proposta de criação da Poupança Fraterna. Diz o art.5º que a “propriedade atenderá a função social” e o art. 170 afirma que a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho e na livre iniciativa, “tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:” Entre estes princípios estão a função social da propriedade, a redução das desigualdades regionais e sociais, a defesa do meio ambiente, tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte e a busca do pleno emprego. Diz o art. 174, por sua vez, que a Lei apoiará e estimulará o cooperativismo e outras formas de associativismo”. O art. 193 afirma: “A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais”.

Ainda com relação aos aspectos constitucionais, poderia alguém argumentar que a proposta vai contra o inciso LIV do art. 5º da Constituição, onde se lê:

“Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.

Ora, tal argumento carece de fundamentação. Primeiro porque, para aceitá-lo, teríamos que aceitar a inconstitucionalidade do Imposto de Renda; segundo, porque não há, na proposta aqui submetida ao Parlamento, qualquer caráter de confisco, ou de privação dos bens, ou da liberdade. Há, sim, uma proposta no sentido de um empréstimo compulsório, já justificado, que tem por finalidade o cumprimento de diversos mandados constitucionais, como já demonstrado acima.


Claro está, portanto, o fundamento constitucional da proposta de Poupança Fraterna. Mas, além destes aspectos, há diversos outros que devem ser justificados.

Inicialmente, há que se estimar o número de pessoas que virão a contribuir para a Poupança Fraterna, assim como o volume de recursos que será mobilizado. Uma das melhores fontes para se estimar estes números é a Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios – PNAD, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. – IBGE. Segundo os dados do IBGE para 1999, trabalhados por Hoffmann [1], o Brasil possuía então 63,057 milhões de pessoas economicamente ativas com rendimento, as quais auferiam uma renda média de R$ 552,70 (quinhentos e cinqüenta e dois reais e setenta centavos). Da proposta aqui justificada resulta, portanto, que seriam poupadores na Poupança Fraterna as pessoas que tivessem, em 1999 e a preços deste mesmo ano, rendimentos mensais superiores a R$ 5.527,00 (cinco mil, quinhentos e vinte e sete reais). A pesquisa não nos diz exatamente quantas pessoas auferiam renda superior a este valor, mas mostra que apenas 1% da população economicamente ativa com rendimento, ou 630.570 pessoas, ganhavam mais do que R$ 4.520,00 (quatro mil, quinhentos e vinte reais).

Como o Limite Máximo de Consumo está definido, neste Projeto de Lei Complementar, como sendo R$ 5.527,00, a preços de 1999, é evidente que o número de poupadores seria bem menor. Dadas as características gerais de concentração da renda no Brasil, é certo que a maior parte daquelas 630.000 pessoas tem renda mais próxima do limite inferior do intervalo, ou seja, mais próxima de R$ 4.520,00. Pode-se, portanto, afirmar com segurança que menos de 200.000 pessoas auferem rendimento acima dos R$ 5.527,00 mensais, no Brasil (considerando, sempre, os preços de então).

Identificado, de forma aproximada, o universo dos potenciais contribuintes, cabe estimar qual o volume dos recursos que seriam canalizados para a Poupança Fraterna.

O cálculo é simples. A partir da PNAD, sabe-se que as 630.057 pessoas que tinham renda superior a R$ 4.520,00, em 1999, recebiam 12,9% da renda nacional. Sabe-se também que os 63 milhões de brasileiros e brasileiras ocupadas e com rendimento, naquele ano, tinham uma renda média de R$ 552,70. A renda total mensal, portanto, somava R$ 34,851 bilhões.

Há dificuldades na comparação da renda, calculada com base nos dados da PNAD, com a renda informada pelo Produto Interno Bruto – PIB. Hoffmann argumenta:

“É importante ter em mente as limitações dos dados sobre rendimento nas PNADs. O questionário procura captar tanto rendimentos em dinheiro como os pagamentos em espécie, mas não considera o valor da produção para autoconsumo, que pode ser um componente importante da renda de pequenos agricultores. Uma causa mais importante de subestimação das rendas é a sub-declaração das rendas elevadas, que é certamente a principal limitação dos dados. … a relação (entre o rendimento total obtido na PNAD e o PIB estadual) está próxima de 1 para os estados mais pobres, mas fica abaixo de 0,6 nos estados mais ricos.” (Hoffmann, R. “Mensuração da Desigualdade e da Pobreza no Brasil, in Henriques, R., op. Cited., p.82)

A relação entre o rendimento informado pelas PNADs e o PIB, para o Brasil, varia de 0,46 a 0,56, entre os anos 1981 e 1997, como mostra Barros et al (“Focalização dos Gastos Públicos Sociais e Erradicação da Pobreza no Brasil”, in Heriques, R. op. Cited, p 721). Considerando, pois, que o valor de R$ 34, 85 bilhões seria da ordem de 50% do PIB mensal, resulta, em termos anuais, um valor de PIB de aproximadamente R$ 836,4 bilhões, perfeitamente compatível com o PIB brasileiro de então.

Como o 1% mais rico detinha 12,9% da renda, sempre segundo Hoffmann e com base na PNAD, este grupo de maior remuneração auferia uma renda média de R$ 14.270,00 (quatorze mil, duzentos e setenta reais) Se limitado seu consumo a R$ 5.527,00 mensais, sempre a preços de 1999, conforme a proposta da Poupança Fraterna, então a parcela da renda direcionada para esta Poupança seria da ordem de 6,58% do PIB. Este valor, na realidade, considera R$ 5.527,00 como sendo a renda média desta parcela da população, e não a renda máxima. Daí resulta que o volume de recursos tornados disponíveis anualmente pela Poupança Fraterna seria superior aos 6,58% estimados.

Assim, e levando em conta que nesta estimativa tomou-se como renda média o que na realidade seria a renda máxima, o que implica uma subestimação, pode-se afirmar com segurança que a Poupança Fraterna teria recursos da ordem de 7 a 8% do PIB, o que pode significar uma contribuição expressiva ao desenvolvimento econômico e social do Brasil, dependendo da forma como os recursos forem aplicados.

É bom lembrar que, como se viu acima, seguindo os cálculos de Barros e Foguel, a pobreza no Brasil seria eliminada com recursos da ordem de 4% do PIB ao ano.


Cabe, aqui, atualizar os valores monetários acima referidos, para que se tenha uma idéia do nível de renda, hoje, das pessoas que estariam contribuindo para a Poupança Fraterna. A inflação acumulada entre 1999 e 2003 foi de 38,08% (medida pelo deflator implícito até 2002, e pelo IGP-DI para 2003). Assim, as rendas a serem direcionadas à Poupança Fraterna seriam aquelas superiores, em janeiro de 2004, à aproximadamente R$ 7.630,00. Trata-se, inquestionavelmente, de um nível de remuneração que permite ao poupador uma vida estável, digna, com possibilidade de investir no crescimento intelectual e artístico, seu e dos seus familiares, e ainda reservar recursos para eventualidades, mesmo se esta for a única renda de uma família com quatro membros, o que já é maior que a família média brasileira. Esta, em 1999, segundo o IBGE, tinha 3,4 pessoas. Aliás, tal é um nível de remuneração suficientemente elevado para ser invejado por mais de 98% da população brasileira.

Diversos outros pontos previstos no Projeto de Lei Complementar aqui justificado merecem esclarecimentos: a duração da contribuição à Poupança Fraterna, os critérios de acesso antecipado, pelos poupadores, aos recursos da Poupança Fraterna, a aplicação prevista para os recursos arrecadados, a sua remuneração, a composição do Conselho Nacional da Poupança Fraterna e, por fim, a razão de se atribuir ao Banco do Brasil e à Caixa Econômica Federal a responsabilidade da gestão dos recursos.

A razão de se propor o período de 7 (sete) anos de contribuição e o prazo de catorze anos para a devolução dos recursos obtidos com estas contribuições está definida com o objetivo de se assegurar um prazo amplo o bastante para dar viabilidade econômica aos empreendimentos que serão financiados com a Poupança Fraterna. Todos sabemos que existem as chamadas “economias de aprendizagem”, isto é, a eficiência dos processos produtivos cresce após os primeiros anos de operação, exatamente porque seus responsáveis se tornam mais proficientes na sua operação e gestão, eliminando erros cometidos quando ainda “aprendizes” dos processos. É também com o objetivo de assegurar maior eficiência aos recursos aplicados pela Poupança Fraterna que se previu, no Projeto de Lei Complementar, que as entidades prioritárias a serem beneficiadas terão que existir há mais de dois anos para ter acesso aos recursos. Com isto, garante-se que os usuários dos recursos já estarão com o domínio desta base de maior conhecimento.

Ciente de que muitos criticarão a proposta do Limite Máximo de Consumo com base no argumento de que a prioridade deve ser o crescimento econômico, a partir do qual se atingiria uma situação de distribuição da renda mais equânime, considero importante lembrar conclusões a que chegaram os estudiosos da questão da desigualdade no Brasil. Dentre estes, destaca-se o já citado Professor Ricardo Paes de Barros, que diz, em importante estudo que fez intitulado “Impacto do Crescimento Econômico e de Reduções no Grau de Desigualdade sobre a Pobreza” (Rio de Janeiro: IPEA, 1997, Texto para Discussão. N. 528):

“… por ser um dos países do mundo com mais alto grau de desiguladade, o Brasil está entre aqueles onde o crescimento econômico é menos necessário para reduções na pobreza. Dado o elevado grau de desigualdade, é possível reduzir expressivamente a pobreza sem crescimento econômico simplesmente fazendo com que o grau de desigualdade no Brasil seja próximo do observado para um país latino-americano típico.”(p. 14)

Há, no Projeto de Lei Complementar aqui justificado, a previsão de casos excepcionais nos quais o titular dos recursos da Poupança Fraterna poderá sacar antecipadamente os recursos ali depositados. Tal provisão foi incluída em acordo com a tradição brasileira de apoio a parentes doentes, fato ligado às características de fraternidade que ainda existem na nossa sociedade, e que pretendemos ampliar e reforçar. Além disso, não nos parece justo que uma família sofra dificuldades financeiras para tratar de um filho, de um pai, ou seja, os parentes mais próximos, tendo recursos emprestados ao Governo, e para propósitos tão nobres quanto a Poupança Fraterna.

O mesmo ocorre, por exemplo, com o Fundo de Garantia para o Tempo de Serviço, que já se tornou verdadeira instituição neste País. A possibilidade de saque antecipado se estende, ainda, à aquisição da casa própria. Novamente, a propriedade da casa própria é outro valor brasileiro, e mais que isto, é fator de tranqüilidade pessoal e familiar. É, também, de conhecimento geral que o setor de construção civil gera muitos empregos, o que se constitui em mais uma razão para que os recursos da Poupança Fraterna sejam liberados para facilitar a aquisição da casa própria.

Há ainda outra possibilidade de saque pelos poupadores. Trata-se da iniciativa destes de realizar investimentos produtivos na economia brasileira. Nestes casos, mediante autorização do Conselho, parcela dos recursos depositados poderá ser sacada para viabilizar seus empreendimentos. Assim, a Poupança Fraterna será vista, por aqueles que contribuem para ela, também como uma fonte de recursos que poderá ajudar a tornar viáveis os mais diversos empreendimentos. Mais ainda, ela vai contribuir para reduzir a taxa de juros vigente no País, acelerando e ampliando os investimentos produtivos.


Além destas aplicações, abertas em casos especiais aos próprios poupadores, a Lei aqui proposta apresenta regra geral de destinação dos recursos. Os setores e atividades a serem beneficiados estão claramente listados.

Primeiramente, a maior parcela dos recursos será destinada, de acordo com sua capacidade de absorção dos mesmos e posterior quitação dos empréstimos recebidos, a projetos de cooperativas e de associações de pequenos empreendedores, assim como de expansão de empresas iniciadas em incubadoras universitárias. As primeiras se tornam destino preferencial dos recursos porque um dos objetivos deste Projeto de Lei Complementar é justamente transformar a sociedade, o que se pretende venha a ocorrer com base no fortalecimento das formas associativas de organização da produção.

O objetivo é, também, dar apoio aos pequenos empreendedores, como estratégia para se aproveitar o potencial existente na base de milhões de micro e pequenos empreendimentos existentes no Brasil. Muitos destes atuam na informalidade, sem ou com pouco apoio de treinamento e de crédito, logo realizando operações de baixa produtividade. O acesso aos recursos da Poupança Fraterna, além de incentivar o espírito empreendedor do brasileiro, por um lado, e por outro lado utilizar o enorme e já comprovado potencial de criação de empregos e de melhoria de produtividade que estes pequenos estabelecimentos apresentam, certamente contribuirá, ainda, para a melhoria da distribuição de renda e da riqueza no País.

Outro aspecto importante desta opção diz respeito ao potencial de geração de empregos dos pequenos empreendimentos. Quanto à capacidade de geração de empregos dos pequenos empreendimentos, variam as estimativas, porém todas elas deixam claro que o número de empregos criados por real investido é muito maior nos empreendimentos de pequeno porte do que em grandes empresas. Assim, esta opção em muito contribuirá para que se atinja o pleno emprego. De um lado, porque amplia, significativamente, o volume de recursos disponíveis para financiar os investimentos dos pequenos empreendimentos. De outro lado, porque eleva a parcela da poupança brasileira disponível, a juros baixos, para tais investimentos “intensivos em trabalho”.

A importância de se perseguir o pleno emprego é inegável, e o mecanismo de financiamento aqui proposto será instrumento poderoso em busca de tal objetivo. Nada – ou quase nada degrada – mais o ser humano do que o desemprego. Nada – ou quase nada – compromete os ideais de fraternidade do que o desemprego em massa. Afinal, o desempregado é, sempre, um concorrente do empregado. Enquanto aquele almeja o emprego deste, este teme a concorrência daquele, criando um ciclo de desconfiança e de disputa que impede a ampliação dos laços de fraternidade entre os seres humanos.

Mais ainda, a concorrência por um emprego, que se estabelece tanto entre desempregados, quanto entre estes e os empregados, impede a elevação dos salários e contribui para manter, se não aumentar, a situação de miséria em que vive grande parte da população brasileira. A Poupança Fraterna, viabilizando inúmeros investimentos, certamente virá contribuir para se atingir o ideal do pleno emprego.

As razões que nos levam a incluir, dentre os beneficiários dos empréstimos da Poupança Fraterna, os empreendimentos existentes nas incubadoras de empresas são distintas. Já existem exemplos de empreendimentos nascidos em incubadoras que se transformaram em empresas dinâmicas, de porte, inclusive com atuação no mercado internacional. Fruto da combinação da criatividade dos brasileiros com o apoio bem estruturado dos centros de incubação, muitas destas empresas têm um potencial extraordinário. O que se pretende é ampliar a experiência de apoio técnico e científico das Universidades às empresas de base tecnológica, para dar a estas alicerces que as permitam desenvolver novos produtos e processos, de forma que o Brasil e os brasileiros possam se beneficiar do crescimento decorrente das ondas ascendentes dos ciclos de vida dos novos produtos e processos.

A aplicação dos recursos captados pela Poupança Fraterna em saúde e educação, na realidade, dispensa comentários. Há que justificar, porém, a previsão de se cobrar, nos empréstimos realizados com base nos depósitos da Poupança Fraterna, uma taxa de juros máxima de 50% do rendimento pago aos depositantes da poupança do Sistema Financeiro de Habitação.

Trata-se de uma determinação no sentido de beneficiar os mais pobres, pois parte-se do princípio que serão eles os mutuários destes recursos, através das suas cooperativas e associações de empreendedores. Além disto, é também uma previsão deste Projeto de Lei Complementar visando à viabilização dos empreendimentos organizados de forma cooperativa, ou representativos das associações dos pequenos empreendedores.


Vale mencionar, aqui, a previsão da nossa Constituição Federal, em seu art. 43, § 2º, inciso II, onde se estabelece a possibilidade de “juros favorecidos para financiamento de atividades prioritárias”. Embora incluídas na seção IV, que trata “das Regiões”, a menção é clara quanto à aceitação, pela nossa Lei Maior, do uso de juros favorecidos para beneficiar atividades prioritárias. No caso, aquelas atividades que mais diretamente criam empregos e produtos destinados à parcela menos favorecida da nossa população.

Há, também, os estados e municípios que terão acesso aos recursos da Poupança Fraterna para aplicação em saúde e educação. Embora estas aplicações apresentem alta taxa de retorno, seus benefícios não são apropriados diretamente pelos estados e municípios, mas pela população que recebe a educação e tem a sua saúde melhorada. Assim, a previsão desta remuneração menor para os depósitos da Poupança Fraterna tem o propósito de permitir que estados e municípios retomem os investimentos nos setores de saúde e educação, sem incorrerem em desorganização das suas finanças em face dos altos juros.

Com relação à composição do Conselho, consideramos fundamental que o mesmo esteja sob a coordenação do ministério encarregado de combater a fome, e que nele tenha maioria a parcela da população brasileira que tem sofrido, por décadas, as conseqüências da pobreza e da falta de oportunidades. Esta verdadeira escola, onde se aprende devido às dificuldades da vida, é que virá instruir os integrantes do Conselho para a correta aplicação dos recursos da Poupança Fraterna. Além dos representantes destes grupos, há também a previsão de participação no Conselho de representantes do governo, dos poupadores, dos empresários dos diversos setores da atividade econômica, e ainda do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal, pois são estes últimos os gestores executivos das aplicações da Poupança Fraterna.

A participação do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal é de grande importância. Ambas são instituições que merecem a confiança da população brasileira; ambas são instituições que conhecem os meandros do sistema financeiro, e portanto poderão gerir os recursos com eficiência, rentabilidade e segurança; ambas são instituições cujo acionista majoritário é o povo brasileiro, que assim se beneficiará também da possível rentabilidade da gestão desse grande volume de recursos; ambas têm a experiência na concessão e conhecimento da dificuldade de recuperação de créditos, necessárias para evitar a concessão de empréstimos com os recursos da Poupança Fraterna a clientes que apresentem nível de risco de crédito elevado; ambas conhecem, em cada rincão deste Brasil, as atividades econômicas que mostram maior pujança, maior potencial de geração de empregos, melhor potencial, enfim, de contribuir para o desenvolvimento brasileiro, e poderão canalizar, para tais atividades, os recursos necessários para que elas cumpram seus potenciais. Por todas estas razões, e muitas outras que poderiam ser listadas, é que se propõe que a gestão executiva dos recursos da Poupança Fraterna seja entregue a essas duas instituições tão familiares ao povo brasileiro, tão presentes no cotidiano de cada um de nós.

Por outro lado, é importante que nenhuma das duas instituições financeiras venha a ter o monopólio da gestão dos recursos da Poupança Fraterna. Pelo contrário, convém que exista competição entre elas, de forma a promover a transferência, para os beneficiários das aplicações, dos ganhos de eficiência que os gestores executivos possam obter. Se não houver concorrência, perderão os investidores, os poupadores e o País, exatamente o oposto dos objetivos deste Projeto, mediante o qual todos ganham.

Sala das Sessões, em de de 200 .

Deputado Nazareno Fonteles

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