Regras do jogo

Ministério Público quer anulação de concurso do TJ de Sergipe

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20 de abril de 2004, 17h10

O concurso público feito no Tribunal de Justiça de Sergipe deverá ser suspenso. Pelo menos, no que depender do procurador federal Paulo Guedes Fontes. Ele emitiu, nesta terça-feira (20/4), parecer favorável à Ação Civil Pública ajuizada pela OAB-SE, entendendo que deve ser deferido o pedido de liminar para suspender imediatamente o concurso.

Guedes Fontes enviará ainda nesta terça-feira o seu parecer à 3ª Vara da Justiça Federal do estado, onde tramita a ação. Cerca de 13.600 pessoas de todo o Brasil fizeram a prova.

Em seu parecer, o procurador considerou a OAB parte legítima para ajuizar ação desta natureza — o estado de Sergipe havia condenado a ação da Ordem. Segundo ele, “está previsto no artigo 54 da Lei nº 8.906/94 — o Estatuto da Advocacia — que a OAB tem total legitimidade para ingressar com esse tipo de ação na Justiça”. A Ação deve ser julgada nos próximos dias pelo juiz da 3ª Vara da Justiça Federal, Edmilson Pimenta. (OAB)

Leia o parecer do MP e, em seguida, a Ação Civil Pública:

“EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA 3ª VARA DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DE SERGIPE

Processo n° 2004.85.00.001754-0

AÇÃO CIVIL PÚBLICA

Autora: OAB/SE

Requeridos: Fundação Escola Superior do Ministério Público do Estado de Alagoas e Estado de Sergipe

O Ministério Público Federal, por intermédio do Procurador da República adiante assinado, instado pelo despacho de fls. 287 e atuando obrigatoriamente na condição de fiscal de lei em sede de ação civil pública, vem respeitosamente ante Vossa Excelência aduzir o seguinte:

1. Trata-se de ação civil pública proposta pela Ordem dos Advogados do Brasil-Secção Sergipe, com pedidos de natureza constitutiva e condenatória, objetivando notadamente a anulação do concurso realizado pelo Tribunal de Justiça deste Estado para provimento de cargos efetivos de nível médio (técnico) e superior (analista); a autora fez pedido de liminar, que não foi ainda apreciado por Vossa Excelência.

DA PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE ATIVA

2. Não merece prosperar a preliminar argüida pelo ínclito Procurador-Geral do Estado.

3. É sabido que a ação civil pública, a partir de sua criação pela Lei 7.347/85, representou grande avanço para a prestação jurisdicional no Brasil. Esse tipo de demanda possibilitou a judicialização de diversos conflitos e lesões à ordem jurídica que anteriormente não podiam ser deduzidos em juízo em razão dos cânones do processo civil clássico, principalmente por conta da estreita via da legitimação ordinária.

4. A revolução da ação civil pública se deu, portanto, na criação legal de hipóteses de legitimação extraordinária, como, v.g., a do Ministério Público, habilitando-o à defesa judicial do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos, nos exatos termos do art. 129, III, da Constituição Federal. São também legitimados à propositura da ação civil pública os entes políticos, as entidades autárquicas, empresas públicas e sociedades de economia mista de qualquer ente federativo, além das associações. É usual asseverar a doutrina que, à exceção dos entes políticos e do Ministério Público, os demais legitimados devem exibir correlação entre as suas funções institucionais e atividades e os interesses defendidos por meio da ação civil pública. Sendo a OAB considerada, em Direito Administrativo, uma autarquia profissional, alega o requerido Estado de Sergipe que careceria da mencionada pertinência temática para ajuizar a presente demanda.

5. Aparentemente lógica, a argüição deve ser repelida por duas razões básicas, a seguir discutidas: 1) o papel especial conferido à OAB, pela Constituição e pelas Leis, na defesa da ordem jurídica; 2) a existência, “in casu”, da pré-falada pertinência entre as suas preocupações institucionais e o objeto da demanda.

6. Exemplo expressivo desse papel especial que foi outorgado à OAB é a legitimidade que lhe foi conferida para o ajuizamento da ação direta de inconstitucionalidade (art. 103, VII, CF), sem qualquer restrição temática. Da mesma forma, a Ordem deve integrar as bancas examinadoras dos concursos de ingresso nas carreiras da magistratura e do Ministério Público.

7. Por outro lado, além das disposições da Lei 7.347/85, o Estatuto dos Advogados (Lei 8.906/94) previu explicitamente a legitimidade do Conselho Federal para o ajuizamento de ação civil pública (art. 54, XIV), sem apor igualmente qualquer restrição respeitante ao objeto da ação, devendo-se entender que a iniciativa pode se dar em quaisquer das matérias indicadas pela Constituição Federal (art. 129, III), pela Lei 7.347/85 (art. 1º) e por outras leis específicas (investidores no mercado mobiliário, deficientes físicos etc). Observe-se também que, por força do art. 57 do citado diploma, o Conselho Seccional da OAB exerce, nos seus limites territoriais, as mesmas funções do Conselho Federal. Nesse sentido, já decidiram os tribunais federais:


“AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIREITO DO CONSUMIDOR. OAB. LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM. JUSTIÇA FEDERAL. COMPETÊNCIA. CONTRATOS DE ARRENDAMENTO MERCANTIL. INDEXAÇÃO EM DÓLAR NORTE-AMERICANO. REVISÃO CONTRATUAL. LIMINAR. REQUISITOS. PRESENÇA.

I – A Ordem dos Advogados do Brasil tem legitimidade ativa ad causam para propor ação civil pública em defesa dos interesses individuais homogêneos, mesmo de consumidores não advogados.

II – A competência para processar e julgar o presente feito é da Justiça Federal dada a natureza jurídica de autarquia federal própria da OAB (…) ( TRF 3, AG 77481, Quarta Turma, decisão unânime, rel. Juiz Newton de Lucca, DJU de 15/09/2000 pág. 179). No mesmo sentido: TRF 3, AG 77743)

8. É de se assinalar ainda que, vetada a cláusula no projeto inicial, posteriormente o Código de Defesa do Consumidor ampliou a utilização da ação civil pública para abrigar a defesa de “qualquer outro interesse difuso ou coletivo” (art. 1º, V, da Lei 7.347/85). Assim, a ACP não se restringe mais a determinados temas, podendo sempre ser manejada quando o interesse defendido assumir a forma de um interesse difuso ou coletivo, o que tem permitido benfazejas iniciativas, do Ministério Público e de outros legitimados, em áreas como a previdência social, educação e saúde.

9. No caso em tela, sem adentrar no mérito, tem-se que a iniciativa visa a defender os seguintes interesses: o patrimônio público (por eventual dispensa indevida de licitação) e os princípios constitucionais da impessoalidade e da moralidade administrativa (em relação à alegada quebra de igualdade entre os candidatos e possibilidade de favorecimento de alguns). O patrimônio público é claramente um interesse difuso da coletividade, como já teve oportunidade de decidir o próprio Supremo Tribunal Federal (RE 208.790 SP, 27.09.2000, Ilmar Galvão; 254.078, Moreira Alves). Também o são a moralidade administrativa e a impessoalidade da Administração, que é expressão do próprio princípio da isonomia, que inspira por assim dizer toda a construção política do Estado Democrático de Direito e da República. Discordo do eminente Procurador-Geral do Estado quando assevera que a OAB está defendendo os interesses individuais homogêneos de uns poucos candidatos; a meu ver a iniciativa tende claramente à defesa do interesse difuso, para não dizer público, à lisura administrativa e à obediência dos governantes e agentes públicos ao princípio da igualdade.

10. Não se olvide, ainda, o interesse específico dos bacharéis em direito, que concorriam privativamente ao cargo de analista judiciário. Interesse diretamente tutelado pela OAB e que, ainda que se adotasse a tese restritiva do requerido quanto à legitimidade ativa, permitiria o conhecimento da demanda.

11. Finalmente, sendo a Ordem legítima para figurar no pólo ativo da ação, firma-se, como cediço, a competência federal.

DO FUMUS BONI IURIS

12. Dois argumentos autorais são robustos o suficiente para o deferimento da liminar requerida. A irregularidade na contratação da requerida Fundação Escola Superior do Ministério Público do Estado de Alagoas e a quebra da igualdade entre os candidatos em função das questões “clonadas” de outras provas.

13. Não me prendo, nesse momento, ao argumento de que a FESMPA seria instituição inidônea, inviabilizando a aplicação do art. 24, XIII, da Lei 8.666/93, mas à notícia constante dos autos de que a dita Fundação subcontratou, para realizar o concurso, a Faculdade de Administração do Estado de São Paulo. Isso porque a pré-falada hipótese de dispensa de licitação é, sem sombra de dúvida, intuitu personae. Não pode o ente contratado sem licitação, em razão de características próprias, transferir o contrato a terceiro que eventualmente não as possua. Ter-se-ia aí uma subcontratação ilegal ou, se feito com o conhecimento da Administração, uma forma de burlar a licitação, com eventual prática do delito previsto no art. 89 da Lei de Licitações. Em processo criminal iniciado pelo subscritor (2001.83.00.014112-8) na Seção Judiciária de Recife, vê-se da sentença prolatada pela MM. Juíza Federal Amanda Torres de Lucena, no item 50:

“Como se pode concluir, pois, houve evidente burla à lei de licitações, ao se dispensar licitação para contratação do SEBRAE quando, na verdade, os contratados seriam outras empresas as quais, acaso fossem contratadas diretamente pela FADE ou pela SUDENE, precisaria a contratação respectiva ser procedida do competente e necessário procedimento licitatório.”

14. Se, por acaso, o terceiro fosse, também ele, detentor do perfil legal capaz de ensejar a dispensa, essa aferição teria que ser feita em procedimento administrativo próprio, sob a autoridade do contratante, do contrário podendo tipificar-se também o referido art. 89, na modalidade de “deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa de licitação.


15. Quanto às questões de prova retiradas de exames anteriores, realizados por outras entidades, foram em número expressivo, capaz de ofender, como se verá, o princípio da igualdade, quando não aquele da impessoalidade da Administração Pública.

16. Observa-se das fls. 83 e seguintes que inúmeras questões do 121º exame da OAB/SP foram aproveitadas na prova de analista judiciário, sem que o Estado requerido tenha contestado tais assertivas. Ora, não se exige, com efeito, salvo previsão do edital, o ineditismo das questões, sendo tolerável que algumas questões já tenham “caído” em outros concursos, até porque, como asseverou a Fundação em nota à imprensa, o universo do saber é limitado… mas a reprodução de grande número de questões de concursos anteriores, e notadamente de um único, compromete sem dúvida o princípio da igualdade.

17. Compromete o referido princípio da isonomia de forma objetiva, pois beneficiará aqueles candidatos que eventualmente tenham participado do certame do qual as perguntas foram retiradas ou que tenham tido a sorte de, nos seus estudos preparatórios, haverem utilizado a prova em questão como forma de se exercitar.

18. A utilização de questões de outras provas, da forma como se deu, pode ainda comprometer o princípio da impessoalidade da Administração, que se baseia ele próprio, como já dito, no princípio da isonomia. A razão é a maior probabilidade de fraude, pois a informação de que a prova se basearia num determinado certame anterior se revelaria então decisiva para o êxito do candidato. O “vazamento”, que seria criminoso, diga-se de passagem, desse tipo de informação, seria impossibilitado ou dificultado se as questões fossem inéditas ou mesmo se proviessem, em pequeno número, de concursos anteriores diversos. Assim, ainda que não tenham vindo aos autos elementos no sentido de que a referida conduta delituosa aconteceu, o incremento de sua possibilidade é, por si só, atentatório do princípio da impessoalidade que deve reger toda a atuação administrativa.

19. Quando se contrata entidade para realizar um concurso, está de fato implícito que ela irá elaborar questões novas, ainda que inovando apenas a forma de abordar os temas ou, no mínimo, a ordem das alternativas! A utilização de questões anteriores, ou o número em que isso seria permitido, os operadores do direito e notadamente o Juiz devem analisá-los sob o prisma da razoabilidade, princípio do Direito Administrativo e do Direito em geral. E foi suficientemente demonstrado pela parte autora, sem argüição em sentido contrário no que respeita ao número de questões, que a Fundação requerida não procedeu de forma razoável.

20. Um último aspecto que merece ser abordado também não recomenda a lisura do certame : é a informação constante no edital relativa à remuneração dos cargos. Ora, se o aumento da remuneração é previsto para 1º de julho de 2004, antes do que os candidatos dificilmente seriam empossados, por que não o mencionar no edital? Por que não prestigiar o princípio administrativo da publicidade? Por que restringir o acesso a informações tão relevantes a um pequeno número de pessoas? Já dizia Norberto Bobbio que a democracia é o poder do público… em público! O deslize fere certamente o conjunto dos interessados em participar do concurso e, particularmente, no que toca à atuação da OAB, os bacharéis em direito potencialmente candidatos ao cargo de analista judiciário, além do próprio princípio do amplo acesso aos cargos públicos.

DO PERICULUM IN MORA

21. Vislumbra-se, por fim, o perigo na demora do provimento judicial, justificando-se também por essa ótica a concessão da liminar. É que o Tribunal de Justiça tenciona nomear o quanto antes os aprovados, pelas razões expostas pelo nobre Procurador-Geral do Estado.

22. Ora, é temerário permitir a nomeação e posse de servidores públicos quando existe uma demanda tendente à anulação do concurso. A eventual procedência do pleito autoral levaria a gravíssimas conseqüências para os próprios aprovados, que veriam fulminados os seus atos de investidura. Tão graves são as conseqüências que os tribunais têm algumas vezes adotado a teoria do fato consumado para não afastar os servidores irregularmente empossados, o que não é absolutamente desejável.

23. São menos graves as conseqüências eventualmente advindas do deferimento da liminar: as nomeações ficam sobrestadas e o Tribunal de Justiça, acaso deva afastar servidores comissionados por determinação do Supremo Tribunal Federal, poderá valer-se do instituto da contratação temporária, previsto na Lei Estadual nº 4.969, de 25 de setembro de 2003.

ANTE TODO O EXPOSTO, manifesta-se o Ministério Público Federal pela legitimidade ativa da Ordem dos Advogados do Brasil, bem como pelo deferimento da liminar, no sentido de se suspenderem todos os atos administrativos decorrentes do concurso em tela, até decisão definitiva no presente processo.


Aracaju, 20 de abril de 2004.

PAULO GUSTAVO GUEDES FONTES

Procurador da República

Conheça a Ação Civil Pública

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ FEDERAL DA VARA DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DE SERGIPE

CONSELHO SECCIONAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL – OAB/SE¸ CGC/MF 13122676/0001-08, com sede na Travessa Martinho Garcez, 71, centro, Aracaju – Sergipe, representado por seu Presidente, Henri Clay Santos Andrade, vem, à presença de Vossa Excelência, com base nos arts. 57 e 54, inciso XIV da Lei nº 8.906, de 04 de julho de 1994 (Estatuto da Advocacia) e arts. 1º e 5º da Lei nº 7.347/85, propor

AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE LIMINAR

em face de: a) FUNDAÇÃO ESCOLA SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE ALAGOAS, representado por seu Presidente, o sr. Cyro Blatter, com endereço na Rua Ministro Salgado Filho, 41, Farol, Maceió-AL; b) ESTADO DE SERGIPE, pessoa jurídica de direito público interno, através do seu Procurador-Geral, com endereço para citação e notificações na Praça Olímpio Campos, nº 14, nesta Capital, pelos seguintes fundamentos:

1. DA POSIÇÃO ATIVA DA OAB NESTA AÇÃO CIVIL PÚBLICA E DOS DIREITOS PROTEGIDOS POR MEIO DELA

A Ordem dos Advogados do Brasil é uma instituição reconhecida como representativa da sociedade civil, e possui expressa legitimação legal para a propositura de ação civil pública, conforme dispõe o Art. 54 do Estatuto da Advocacia (Lei nº 8.906/94):

“Art. 54. Compete ao Conselho Federal:

XIV – ajuizar ação direta de inconstitucionalidade de normas legais e atos normativos, ação civil pública, mandado de segurança coletivo, mandado de injunção e demais ações cuja legitimação para agir lhe seja outorgada por lei; (grifou-se).

E o Conselho Seccional da OAB, conforme dispõe o Art. 57 da mesma lei, “(…) exerce e observa, no respectivo território, as competências, vedações e funções atribuídas ao Conselho Federal, no que couber e no âmbito de sua competência material e territorial, e as normas gerais estabelecidas nesta lei, no Regulamento Geral, no Código de Ética e Disciplina e nos Provimentos.”.

Como diz PAULO LUIZ NETTO LÔBO:

“A ação civil pública é um avançado instrumento processual introduzido no ordenamento jurídico brasileiro pela Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985 (com as alterações promovidas pelo Código de Defesa do Consumidor), para a defesa dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos (por exemplo, meio ambiente, consumidor, patrimônio turístico, histórico, artístico).

Os autores legitimados são sempre entres ou entidades, públicos ou privados, inclusive associação civil existente há mais de um ano e que inclua entre suas finalidades a defesa desses interesses. O elenco de legitimados foi acrescido da OAB, que poderá ingressar com a ação não apenas em prol os interesses coletivos de seus inscritos, mas também para tutela dos interesses difusos, que não se identificam em classes ou grupos de pessoas vinculadas por uma relação jurídica básica. Sendo de caráter legal a legitimidade coletiva da OAB, não há necessidade de comprovar pertinência temática com suas finalidades, quando ingressa em juízo.” (LÔBO, Paulo Luiz Netto. Comentários ao Estatuto da Advocacia. 2. ed. Brasília: Brasília Jurídica, 1996, p. 203).

Essa legitimidade da atuação da OAB no pólo ativo da ação civil pública tem sido acatada pela jurisprudência dos Tribunais brasileiros.

No caso em exame, age a OAB em defesa dos interesses difusos da sociedade, conforme Art. 1º, inciso V da Lei nº 7.347/85, subsistentes na proteção ao erário, à moralidade administrativa, à impessoalidade administrativa, à eficiência administrativa, à igualdade de oportunidades de acesso aos cargos públicos, à exigência de licitação para contratação de serviços públicos e ao princípio da legalidade, todos titularizados difusamente por toda a sociedade sergipana e por todos os administrados sergipanos.

Tais direitos apresentam todas as características do conceito de difusos (cf. ZAVASCKI, Teoria Albino. Defesa de Direitos Coletivos e Defesa Coletiva de Direitos. In: Revista de Processo, nº 78, ano 20, abril/junho. São Paulo: RT, 1995, pp. 34-35): a) sob o aspecto subjetivo, são direitos transindividuais, com indeterminação absoluta dos titulares, ou seja, não têm titular individual e a ligação entre os vários titulares difusos decorre de mera circunstancia de fato, no caso, serem cidadãos e contribuintes do Estado de Sergipe; b) sob o aspecto objetivo, são indivisíveis, ou seja, não podem ser satisfeitos nem lesados senão em forma que afete a todos os possíveis titulares, o que quer dizer que a lesão a tais direitos afeta, no caso, a todos os cidadãos e contribuintes do Estado de Sergipe; c) e, em decorrência de sua natureza, são insuscetíveis de apropriação individual, o que é o caso.


Age ainda a OAB, nos termos do Art. 1º, inciso II, em defesa dos interesses individuais homogêneos dos consumidores do serviço prestado – qual seja, o concurso público – com deficiências administrativas e com ilegalidades insanáveis, tendo pago quantias como taxa de inscrição e não recebido um serviço de qualidade e sequer amparado pela legalidade.

Como diz HELY LOPES MEIRELLES:

“A ação civil pública, disciplinada pela Lei n. 7.347, de 24.7.85, é o instrumento processual adequado para reprimir ou impedir danos ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, histórico, turístico, paisagístico e por infrações da ordem econômica (art. 1º), protegendo, assim, os interesses difusos da sociedade. Não se presta a amparar direitos individuais nem se destina à reparação de prejuízos causados a particulares pela conduta, comissiva ou omissiva, do réu.

Na realidade, a ação civil pública surgiu com seu campo de aplicação restrito tanto quanto aos setores de sua incidência como em relação aos interesses que podiam ser defendidos mediante a utilização do novo instrumento processual. A legislação posterior – especialmente o Código de Defesa do Consumidor – ampliou ambas as áreas, permitindo que a ação civil pública viesse a abranger os interesses coletivos, difusos e individuais homogêneos, nos casos dos três primeiros incisos do art. 1º (proteção ao meio ambiente, ao consumidor e ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico), e tão somente os interesses difusos ou coletivos, nos demais casos.” (MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de Segurança. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, pp. 161-162).

Assim, vale-se o Conselho Seccional da OAB, atendendo aos reclamos da sociedade, do instrumento processual da ação civil público, para pleitear tutela jurisdicional protetiva dos apontados direitos e interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos.

2. DOS FATOS

No dia 14 de março de 2004, o Tribunal de Justiça do Estado realizou concurso público para os cargos de “Analista Judiciário” e “Técnico Judiciário”, tudo conforme disposição do Edital nº 01, de 21 janeiro de 2004, publicado no Diário da Justiça do dia 23 de janeiro de 2004.

Referido concurso foi operacionalizado pela Fundação Escola Superior do Ministério Público de Alagoas (item 1.1. do edital), contratada pelo Tribunal de Justiça, sem licitação, para a sua realização, com número total de 503 (quinhentos e três) vagas oferecidas (item 1.2.1 do edital).

Ocorre que o mencionado concurso foi desenvolvido com diversas irregularidades, que comprometem a sua lisura e transparência, deixando sérias dúvidas quanto à correção dos procedimentos adotados e, mais ainda, quanto à igualdade de concorrência na disputa pela classificação e habilitação aos cargos públicos e também quanto à própria eficiência nos gastos públicos.

É que, logo após a realização do certame, a OAB/SE tomou conhecimento, através de diversos documentos e relatos pessoais de diversos candidatos, que se inscreveram no concurso e se submeteram às provas do dia 14/03/04, e ainda através de notícias divulgadas pela imprensa local e nacional, que a Fundação Escola Superior do Ministério Público do Estado de Alagoas, contratada para realizar o certame, delegara – sem previsão no edital – a elaboração das provas à Faculdade de Administração do Estado de São Paulo, que, por sua vez, efetuara grosseiramente a “clonagem” de parte significativa das questões, integralmente, plagiando diversos enunciados e alternativas de provas anteriormente efetuadas em concursos públicos da magistratura do Estado de Santa Catarina, vestibular da PUC/SP e do exame de Ordem da OAB/SP, cujas questões encontram-se à disposição na internet e em apostilas de cursos preparatórios para concursos públicos.

Também foram relatadas à OAB/SE, por diversos candidatos, ocorrências graves na realização do concurso, dentre as quais a obrigatoriedade de identificação dos candidatos na folha de resposta, uso indiscriminado de aparelho celular por alguns candidatos durante a execução das provas, trânsito de candidatos pelos corredores e banheiros sem qualquer fiscalização, atraso de cerca de 40 (quarenta) minutos para início da execução das provas – o que teria possibilitado o acesso privilegiado de alguns candidatos impontuais – e ainda de que o lacre que guarnecia as provas era frágil e inadequado.

Todas essas graves ocorrências foram relatadas, pela Diretoria da OAB/SE, em audiência, ao Exmo. Sr. Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe, oportunidade em que fora solicitada a adoção de providências enérgicas e imediatas, sugerindo, inclusive, a anulação do concurso, com o fito de preservar a boa reputação do Poder Judiciário do Estado de Sergipe, que poderia ter a sua boa imagem arranhada por atos irresponsáveis praticados pela Fundação contratada para executar o concurso.


O Presidente do Conselho Federal da OAB, Roberto Antônio Busato, pronunciou-se publicamente – o que foi veiculado pela media nacional e local – pela nulidade do concurso, e o Colégio de Presidentes Seccionais da OAB, reunido de 25 a 27 de março de 2004, referendou o pedido de anulação do concurso.

Ocorre que o Exmo. Sr. Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe, em resposta ao pleito da Diretoria da OAB/SE, informou que iria examinar o assunto e que qualquer decisão só seria adotada pelo Pleno daquele Tribunal, assinalando a data de 26 de março de 2004 para divulgação da decisão.

Entretanto, naquela data, o Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe publicou, nos jornais locais, nota informando do adiamento, por 15 (quinze) dias, da divulgação do resultado do concurso e, por conseguinte, de qualquer decisão a respeito da sua anulação ou homologação.

Porém, no dia 31 de março de 2004, a OAB/SE foi mais uma vez surpreendida com a divulgação, no Jornal Extra Alagoas, de matéria jornalística contendo graves denúncias (matéria de capa com a manchete: “Fundação falida dá golpe do concurso público e compromete MP”) no sentido de que a fundação contratada pelo Tribunal de Justiça para efetuar o concurso público encontra-se desativada há cerca de 5 (cinco) anos e, portanto, sem a mínima estrutura para realizá-lo, informando ainda que há muito tempo a mencionada fundação não possui, sequer, sede para viabilizar o seu funcionamento.

Indignada, a OAB/SE encaminhou ao Exmo. Sr. Presidente do Tribunal de Justiça e a todos os Desembargadores do TJ/SE o Ofício Circular nº 010/2004, relatando esses últimos fatos de enorme gravidade, preocupada com a suspeição do concurso e quanto ao risco do Poder Judiciário em macular a sua própria imagem, o que poderia causar sérios prejuízos à sua credibilidade e respeito no seio da sociedade brasileira, reiterando o pedido de providências eficazes e imediatas no sentido de anulação do citado concurso público.

Entretanto, como não obteve nenhuma resposta, não vê a Ordem dos Advogados do Brasil – Secção Sergipe, como legítima representante da sociedade civil, e em defesa dos direitos difusos e coletivos e dos direitos do consumidor, outra alternativa, que não a interposição da presente ação civil pública, a fim de que o Poder Judiciário, em decisão jurisdicional, evite a ocorrência de gravíssimos danos ao erário, ao patrimônio público e coletivo e aos direitos difusos e coletivos, ciente de que o Poder Judiciário possui a nobre missão constitucional de salvaguarda dos direitos subjetivos individuais e transindividuais, como corolário mesmo do Estado Democrático de Direito.

2. DA ILEGALIDADE E DA LESIVIDADE AO PATRIMÔNIO PÚBLICO COM A CONTRATAÇÃO DA FUNDAÇÃO ESCOLA SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO DE ALAGOAS PARA A REALIZAÇÃO DO CONCURSO PÚBLICO

Conforme é de conhecimento público, o concurso objeto de exame, para preenchimento de cargos da estrutura do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe, nos termos do edital nº 01/2004, foi realizado pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do Estado de Alagoas.

A mencionada fundação foi contratada, sem licitação, pelo Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe, para a realização das provas e de todos os procedimentos do concurso público.

Ocorre que a única hipótese de contratação de empresa, sem licitação, para a realização de concurso público, é aquela ragulamentada pelo art. 24, inciso XIII da Lei nº 8.666/93.

Entretanto, tal norma exige da empresa contratada inquestionável reputação ético-profissional e seja incumbida, regimental ou estatutariamente, de pesquisa, ensino ou desenvolvimento institucional, atributos não preenchidos pela fundação contratada, no caso.

DA INIDONEIDADE DA FUNDAÇÃO

A FUNDAÇÃO ESCOLA SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO DE ALAGOAS não tem histórico de atuação na área de pesquisa, ensino ou desenvolvimento institucional voltados para a realização de concursos públicos, atributos preenchidos, por exemplo, pelas Fundações Cespe (UNB) e Carlos Chagas.

As graves denúncias que se fizeram contra a referida instituição, no tocante à realização do concurso, colocaram em xeque a sua credibilidade.

Entretanto, a notícia publicada no Jornal Extra Alagoas, do dia 31/03/2004, trouxeram ainda mais indícios substantivos dessa afirmação.

Ali consta, em chamada de capa: “FUNDAÇÃO FALIDADE DÁ O GOLPE DO CONCURSO PÚBLICO E COMPROMETE MP”. Ainda na capa, consta que “Mesmo desativada há cinco anos, a FESMPA de Alagoas, foi contratada para realizar concurso do Tribunal de Justiça de Sergipe, que está sendo contestado”.

Na matéria, assinada pela jornalista “Cláudia Walkiria”, constam as seguintes denúncias, entre outras:

“A Fundação Escola Superior do Ministério Público de Alagoas (Fesmep), instituição encarregada pelo Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe de organizar um concurso destinado a preencher cerca de 500 vagas de níveis superior e médio em seus quadros, passou cinco anos desativada e está com sua sede fechada há um bom tempo. Além disso, a Fesmep não tem corpo técnico capacitado nem know-how para realizar conscursos do porte do que ocorreu em Sergipe, nem em Alagoas ou em outros Estados do Nordeste. A instituição está falidade, endividada e também não tem corpo docente definido. A informação foi prestada por um integrante do Ministério Público Estadual, que pediu para não ter seu nome revelado, “por questões éticas”. Esta fonte esclareceu ainda que a entidade foi criada há sete anos com o objetivo de promover cursos para aprimoramento de conhecimentos específicos para membros do MP.” (grifou-se);


“(…) Mais estranho, segundo o mesmo, é que tudo tenha acontecido sigilosamente. ‘Nós, do MP, só viemos a tomar conhecimento do ocorrido agora, através da imprensa’, completou”;

“Indagado se houve licitação para a escolha da Fesmep para realizar o concurso, o promotor disse que não conhecia detalhes de como ocorreram os entendimentos. ‘De qualquer maneira estamos investigando se houve, mas comenta-se que não, o que é muito grave’, completou. Extra-oficialmente informou-se que a Femesp recebeu cerca de R$ 280 mil para realizar o concurso”;

“Muitos integrantes do MP só tomaram conhecimento de que a Fesmep estava ‘organizando’ o concurso do Tribunal de Justiça de Sergipe através da imprensa. Quando o escândalo do concurso arrumado estourou, esses promotores ficaram preocupados com a imagem da instituição a que pertencem”;

“Como se um concurso público organizado por um órgão do Ministério Público (que tem como sua principal função fiscalizar os atos do entes públicos), para selecionar funcionários de um Tribunal de Justiça (no caso, o de Sergipe), fosse coisa de menos importância, Blatter disse a um jornal que não via problema em se usar mais de 30 perguntas retiradas da Internet e que haviam sido aplicadas em concursos anteriores.

Com uma visão tão particular do que é certo ou errado, não é de se surpreender que Blatter tenha sugerido como resposta a tão flagrantes irregularidades que iria processar o professor e advogado de nome Ian Becker, que seria da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, apontado por ele como ‘responsáveis’ pela organização das provas”;

“Ao se defender da bateria de críticas, o promotor Cyro Blatter lançou ao ar um novo argumento: disse que havia sido traído pelo advogado Ian Becker, contratado pela Fesmep para elaborar as provas, afirmando que ele ‘havia traído sua confiança’. Mas mesmo diante de tantas evidências de grosseiras irregularidades, o promotor continuou defendendo a validade do concurso nos dias que se seguiram. Aos 13.700 participantes do concurso, foram cobradas taxas de R$ 100,00 para os candidatos a cargos de nível superior e R$ 70,00 para os concorrentes a funções de nível médio, o que gerou uma arrecadação média de R$ 1 milhão para os organizadores. Uma informação chegada ao Extra dá conta de que a Fesmep recebeu R$ 280 mil por seu ‘trabalho’.

Assim, existem fortes indícios objetivos de que a Fundação contratada não preenche os requisitos legais autorizadores da dispensa de licitação, no caso, pois não possui inquestionável reputação ético-profissional, eis que essa reputação está sendo questionada pelos próprios integrantes do Ministério Público do Estado de Alagoas, do qual a Fundação é um de seus órgãos, e também está sendo legitimamente questionada pela sociedade sergipana e alagoana e ainda pelos candidatos do concurso.

A sua inidoneidade para a realização de um concurso público do porte desse do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe resulta evidente diante das informações de que a Fundação sequer possui corpo técnico ou quadro de professores em atividade, e precisou terceirizar a prestação do serviço, contratando pessoal do Estado de São Paulo para tal mister. Ressalte-se que tal fato é admitido pela própria Fundação, como se depreende de declarações prestadas à imprensa, inclusive, em nota oficial.

BURLA À EXIGÊNCIA CONSTITUCIONAL DE LICITAÇÃO

Se a Fundação não preenche os requisitos para ser contratada mediante dispensa de licitação previstos no art. 24, inciso XIII, da Lei nº 8.666/93, e não sendo hipótese de inexigibilidade, resulta evidente a burla à exigência constitucional de licitação:

“Art. 37 …

XXI – ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações”;

Como a dispensa de licitação para contratação da fundação não encontra respaldo na legislação, evidenciado está o fato objetivo de que houve burla à exigência constitucional de licitação, gerando prejuízos aos princípios constitucionais dos quais a licitação é uma técnica. Ou seja: através da licitação, que não se exigirá apenas nas hipóteses previstas em lei, atende-se aos princípios constitucionais da igualdade e da impessoalidade.

Como diz CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO:

“A licitação visa a alcançar duplo objetivo: proporcionar às entidades governamentais possibilidades de realizarem o negócio mais vantajoso (pois a instauração de competição entre ofertantes preordena-se a isto) e assegurar aos administrados ensejo de disputarem a participação nos negócios que as pessoas governamentais pretendam realizar com os particulares.


Destarte, atendem-se a três exigências públicas impostergáveis: proteção aos interesses públicos e recursos governamentais – ao se procurar a oferta mais satisfatória; respeito aos princípios da isnomia e impessoalidade (previstos nos arts. 5º e 37, caput) – pela abertura de disputa do certame; e, finalmente, obediência aos reclamos de probidade administrativa, imposta pelos arts. 37, caput e 82, V, da Carta Magna brasileira” (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 9. ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 333).

Aliás, a Lei 8.666/93 estabelece, em seu art. 3º, que o instituto da licitação existe para atender tais princípios constitucionais.

DO DANO AO ERÁRIO

É de se ressaltar que, confessada pela própria fundação a contratação de terceiros para prestar um serviço pelo qual se obrigou a prestar diretamente (até porque o edital do concurso não permitia a terceirização desse serviço), além da ilegalidade e de mais uma espécie de burla à licitação, mediante contratação indireta para prestação de um serviço público, fica constatada a existência de dano ao erário!

É que o pagamento efetuado pelo Tribunal de Justiça para que a Fundação realizasse o concurso não atingiu a finalidade legal e administrativa. Primeiro, porque não foi a Fundação que elaborou as provas, tendo, confessadamente, contratado terceiros para tal mister. Segundo, porque as questões elaboradas não forma inéditas (e isso também é confessado), mas sim “clonadas” de outras provas de concursos públicos e do exame de Ordem da OAB/SP, tendo a Fundação recebido o valor atinente ao pagamento do contrato firmado com o Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe sem prestar o serviço, ou seja, sem elaborar diretamente as questões, sem exercer o direcionamento técnico a que deveria se submeter tendo sido contratada para tal objetivo!

O dano ao erário aí resulta evidente, o patrimônio público foi fraudado, o dinheiro do Poder Público, que é um dinheiro pertencente a todos (direito difuso), foi indevidamente empregado!

Ressalte-se que tal dano já se manifesta com a simples prova de que a Fundação não preenche os requisitos para ser contratada mediante dispensa de licitação. No caso, a não realização da licitação impediu à Administração Pública a obtenção do preço mais vantajoso, no que resulta também o prejuízo ao erário.

VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA

Segundo ALEXANDRE DE MORAES, “(…) princípio da eficiência é o que impõe à administração pública direta e indireta e a seus agentes a persecução do bem comum, por meio do exercício de suas competências de forma imparcial, neutra, transparente, participativa, eficaz, sem burocracia e sempre em busca da qualidade, primando pela adoção dos critérios legais e morais necessários para a melhor utilização possível dos recursos públicos, de maneira a evitarem-se desperdícios e garantir-se maior rentabilidade social.” (MORAES, Alexandre. Reforma Administrativa. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2001, p. 32).

A contratação de empresa inidônea para a prestação de um serviço para o qual não possui a mínima estrutura, além do fato de que tal serviço fora terceirizado e também houve cópia de questões de outros concursos viola, flagrantemente, o princípio da eficiência administrativa, no que significa a má aplicação dos recursos públicos, com resultados longe dos desejados e com toda a sorte de reclamações pelos administrados quanto à própria legalidade e moralidade de sua execução!

3. DA CLONAGEM DAS QUESTÕES DO CONCURSO

Outro fato constatado objetivamente e que compromete a lisura do concurso é o de que diversas questões aplicadas não foram originais, ou seja, foram literalmente copiadas – e a sociedade já batizou de clonagem das questões – de outras provas realizadas em outros concursos públicos, aí incluído o exame de Ordem da OAB/SE do ano de 2003, magistratura do Estado de Santa Catarina, vestibular da PUC/SP.

Em simples pesquisa em sites na internet, diversos advogados constataram a cópia dessas questões. Ressalte-se que não houve apenas a repetição de uma ou duas questões, mas de mais de 25 (vinte e cinco) das 30 questões de direito, integralmente, contendo o mesmo enunciado e as mesmas alternativas, às vezes apenas acrescidas de uma alternativa “e”, que nunca correspondia à resposta certa.

Tais afirmações são facilmente comprováveis com os documentos anexos, com apontamento inclusive de relacionamento entre a questão do concurso do TJ/SE e a questão original nas diversas provas comentadas, em especial o exame de Ordem da OAB/SE.

Entretanto, importa dizer que esse fato também é expressamente confessado e admitido pela Fundação contratada, que, em nota à imprensa, publicada nos jornais locais do dia 21 de março, defende que tal ocorrência em nada macula o certame, pelas seguintes razões:


“a) o edital do concurso não determina que as questões formuladas devam ser inéditas ou exclusivas, isto é que jamais tenham sido formuladas; b) a internet, como todos sabem, é mais um instrumento de pesquisa do conhecimento disponível democraticamente a todos, é um repositório de dados equivalente a uma biblioteca tradicional pública, onde aqueles dados são públicos e servem de fonte de estudos a qualquer candidato como bibliografia (revista eletrônica, livro virtual e outras); c) não se configura absolutamente violação do sigilo a utilização de eventuais questões usadas em outros concursos, vestibulares, universidades e afins, eis que uma vez disponibilizadas passam a servir como fonte de estudos equivalentes a um livro comum, violação existiria se algum candidato soubesse exatamente a fonte de onde seriam extraídas as perguntas fato este que também poderia ocorrer com um livro comum ou apostila; d) considerando-se que as matérias objeto do concurso são finitas na mesma proporção que suas questões possíveis de serem formuladas, seria surrealismo imaginar-se sempre perguntas inéditas e não utilizadas anteriormente”.

Ou seja: a FUNDAÇÃO ESCOLA SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO DE ALAGOAS não só admite expressamente que copiou questões de outras provas anteriormente aplicadas, como defende a sua licitude!

Ora, a OAB não questiona o uso da internet e de bibliotecas como instrumentos legítimos de estudo e de preparação para concursos. Não questiona também o fato de que os candidatos a concursos públicos valem-se, em seus estudos, de pesquisas de provas de diversos concursos, mas como modo de exercício, de conhecimento do tipo e do estilo de questões. Aliás, essa também é a técnica utilizada por cursinhos de preparação para concursos.

O que é legalmente e moralmente questionável é que haja, em questões de um concurso público, diversas questões integralmente copiadas de outras questões de concursos e exames já aplicados. Não se está falando em repetição de uma ou duas questões, mas de repetição de mais de 25 (vinte e cinco) questões, copiadas de provas que podem ter sido utilizadas e estudadas previamente por qualquer candidato, porque disponíveis em livros, em apostilas de cursinhos e até mesmo na internet.

Ou seja: o erro não está na internet, nos livros e nos cursinhos como meio de estudo. O erro está em que se copie abertamente diversas questões de concursos anteriormente realizados e de conteúdo disponível aos candidatos. Claramente ocorre aí a violação do necessário sigilo das questões, o que compromete a moralidade a transparência do concurso.

Não se argumente, como faz a Fundação, com a “finitude” do poder de criação de questões, e com a inevitabilidade de reprodução integral do teor de outras questões. Esse, sim, chega a ser um argumento surreal. O poder de criação do homem é sim infinito, e sua inteligência lhe permite inclusive a variação sobre um mesmo tema! O que dizer da criação musical, se, diante de apenas sete notas, o homem ainda hoje é capaz de estar sempre inovando e criando novas composições nessa seara? E a criação artística, teatro, cinema, sempre se reciclando a partir de um diferenciado olhar ou de uma linha diferente de exibição? Como negar que mesmo músicas ou filmes iguais podem receber novas versões de novos produtores, com novos enfoques, marcando aí a variação sobre o mesmo tema?

Além disso, a Fundação foi contratada e recebeu pagamento exatamente para, através de seu corpo de profissionais especializados (inexistente, diga-se por sinal), elaborar sim questões inéditas, inovando através do poder de criação de seus profissionais. Se fosse para clonar questões, simplesmente, não haveria necessidade de dispêndio de recursos públicos de alta monta, bastaria uma operação de copia e cola pela internet e a prova já estaria pronta!

Outro argumento, aí sim surreal, é o de que não há qualquer irregularidade na clonagem das questões do concurso porque o edital não determinava o ineditismo das questões. Ora, essa determinação está implícita na necessidade de preservação do sigilo das questões e da própria lisura do certame!

Neste sentido, são percucientes as palavras de MARINO PAZZAGLINI FILHO, MÁRCIO FERNANDO ELIAS ROSA E WALDO FAZZIO JÚNIOR quando afirmam:

“O objetivo final de um concurso, seja ele interno ou externo, é o de proporcionar a seleção dos melhores, conforme seqüência classificatória, dentro do contingente de concorrentes habilitados. Para que assim seja, os critérios de avaliação devem ser objetivos e tendentes a aferir a real aptidão profissional (mérito) dos candidatos. Também a regularidade do procedimento de inscrição, não discriminação de candidatos, publicação de editais, SIGILO DE QUESTÕES, publicidade de provas e resultados são aspectos que não podem ser relegados.


Portanto, o mandamento constitucional não é pura formalidade. Se determinado concurso público, ainda que atenda às formalidades legalmente fixadas, não servir para mensurar e selecionar, não será materialmente um concurso, mas tão somente aparência de processo seletivo, suscetível de caracterizar desvio de finalidade” (Improbidade Administrativa – aspectos jurídicos da defesa do patrimônio público. 4ª ed. São Paulo : Atlas, 1999, p. 131).

VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA MORALIDADE E DA IMPESSOALIDADE

A comprovada e confessada clonagem de diversas questões das provas aplicadas no concurso viola, flagrantemente, os princípios constitucionais da Administração Pública dispostos no Art. 37, caput da Carta da República, em especial os da moralidade, impessoalidade e eficiência.

Como diz CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, sobre o princípio da moralidade administrativa:

“De acordo com ele, a Administração e seus agentes têm de atuar na conformidade de princípios éticos. Violá-los implicará violação ao próprio Direito, configurando ilicitude que assujeita a conduta viciada a invalidação, porquanto tal princípio assumiu foros de pauta jurídica, na conformidade do art. 37 da Constituição. Compreendem-se em seu âmbito, como é evidente, os chamados princípios da lealdade e da boa-fé, tão oportunamente encarecidos pelo mestre espanhol Jesus Gonzáles Peres em monografia preciosa. Segundo os cânones da lealdade e da boa-fé, a Administração haverá de proceder, em relação aos administrados com sinceridade e lhaneza, sendo-lhe interdito qualquer comportamento astucioso, eivado de malícia, produzido de maneira a confundir, dificultar ou minimizar o exercício de direitos por parte dos cidadãos.” (op. cit., pp. 72-73).

A cópia de questões significou, tanto para a entidade contratante como para os candidatos que se submeteram ao concurso público, violação dos preceitos da lealdade e da boa-fé, que caracterizam o princípio constitucional da moralidade administrativa.

E mais: a possibilidade de que algum candidato tenha, previamente, sido informado de que poderia ter acesso às questões que seriam exploradas no concurso é patente e real, e essa simples possibilidade macula a moralidade do certame.

Já o princípio da impessoalidade, segundo MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO, em uma de suas acepções,

“(…) estaria relacionado com a finalidade pública que deve nortear toda a atividade administrativa. Significa que a Administração não pode atuar com vistas a prejudicar ou beneficiar pessoas determinadas, uma vez que é sempre o interesse público que tem que nortear o seu comportamento” (DI PIETRO, Maria Sylvia. Direito Administrativo. 4. ed. São Paulo: Atlas, 1994, p. 64).

A impessoalidade foi violada, no caso, com a possibilidade concreta de que candidatos tenham tido prévio acesso à integralidade de questões e de suas respostas, que terminaram por ser reproduzidas nas provas do concurso público, tendo uns sido ilicitamente beneficiados, em detrimento de outros que não tiveram a mesma oportunidade.

VIOLAÇÃO DO DIREITO DE IGUAL ACESSO AOS CARGOS PÚBLICOS

Em decorrência da própria violação do princípio da impessoalidade administrativa, também foi violado o princípio do igual acesso aos cargos públicos, como preceituado no art. 37, incisos I e II da Constituição Federal, bem como no art. 5º, caput.

Para Francisco Otávio de Almeida Prado, “frustra a licitude do procedimento concursal qualquer interferência que importe o comprometimento de seus objetivos primordiais – quais sejam, a seleção dos candidatos mais capazes e a igualdade de tratamento entre os interessados. E a frustração da licitude do concurso tanto pode dar-se na própria estruturação do procedimento como no curso de sua execução” (Improbidade Administrativa, São Paulo : Malheiros, 2001, p. 132-133).

Quando uns podem ter tido fácil acesso ao conteúdo das provas e de suas respostas, claramente encontraram-se, na prestação do concurso, em situação privilegiada em relação aos demais concorrentes, residindo aí a desigualdade na competição.

Em verdade, deve-se perguntar para que serve um concurso público – qual o seu escopo. Sabe-se que as questões de múltipla escolha avaliam conhecimento e raciocínio lógico dos candidatos de forma isonômica. Se os candidatos já previamente sabiam das questões – dolosamente ou por um mero acaso – há nítida violação ao princípio da isonomia, porque alguns candidatos já saberão, diante mão e por terem resolvido antes a questão – a sua resposta correta. Levariam uma vantagem ilícita sobre os demais candidatos.

É diferente, muito diferente, da hipótese do candidato saber da resposta correta porque leu um livro ou um artigo na internet. Na questão objetiva inédita, ele irá avaliar o seu conhecimento face às outras assertivas. Na questão objetiva de conhecimento geral, não há raciocínio avaliado; apenas e tão só o caminho para a resolução da questão já está trilhado, e é de conhecimento de poucos. Assim, uns seriam avaliados conhecimento e raciocínio lógico; outros, apenas marcariam a resposta que já sabem correta, sem raciocinar.


VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA

Aqui também há violação ao já comentado anteriormente princípio da eficiência. É que o concurso público é um excelente instrumento de recrutamento, para cargos de natureza técnico-profissional, dos candidatos que demonstrem maior aptidão para o exercício daquelas funções, tal como constatado no certame, por méritos exclusivamente pessoais de cada candidato.

Entretanto, a aprovação de candidatos nesse certame não dará a segurança, para a Administração Pública e para a sociedade, que os aprovados foram aqueles que demonstraram, por seus próprios conhecimentos, maior aptidão para o exercício dos cargos, uma vez que podem ser aprovados aqueles que, por qualquer razão, tiveram prévio acesso ao conteúdo das provas.

VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DO SIGILO ADMINISTRATIVO

A existência de questões do concurso já publicadas e já respondidas na internet denota a existência de exposição de parte da prova e desfigura o ineditismo do concurso.

O que é mais curioso neste processo é que o próprio Presidente da Fundação da Escola Superior do Ministério Público de Alagoas disse, publicamente, TER SIDO TRAÍDO PELO RESPONSÁVEL DA FACULDADE CONTRATADA. Ora, se o próprio Presidente afirma que foi traído neste aspecto, então é porque o mesmo entendeu – e deve ter celebrado contrato neste sentido – que o concurso haveria de ser inédito.

Sendo informação confessada pelo Presidente do órgão, é de se levar em consideração escólios jurisprudenciais, destacando-se, verbis:

“ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. ANULAÇÃO. QUEBRA DE SIGILO. INDÍCIOS VEEMENTES. POSSIBILIDADE.

1. “O Diretor-Geral de Ensino tem competência para anular o concurso, no todo ou em parte, em todo o País ou em determinadas localidades, quando houver grave indício de quebra de sigilo, ou de qualquer fato incompatível com estas instruções.” (Art. 34, Portaria nº 048/GM3/92)

2. Constando indício de quebra de sigilo das provas, correta a decisão que anulou o certame, tratando-se de caso típico de atuação dos princípios da legalidade e moralidade administrativas.

3. Recurso improvido. Sentença mantida” (Origem: TRF – PRIMEIRA REGIÃO Classe: AMS – APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA-01000321001 Processo: 199701000321001 UF: PA Órgão Julgador: PRIMEIRA TURMA, Data da decisão: 28/09/2000 Documento: TRF100102761)

4. OUTRAS IRREGULARIDADES

A) IDENTIFICAÇÃO NA FOLHA DE RESPOSTAS

De acordo com informações prestadas à OAB por diversos candidatos, a folha de respostas do concurso foi assinada pelos candidatos, procedimento inusual em certames como esse, em que há apenas o registro eletrônico, mediante código de barras, da folha de respostas.

A imposição de que os candidatos assinassem a folha de respostas compromete a impessoalidade do concurso público, permitindo, quando da correção, a identificação pessoal dos candidatos para fins de atribuição de nota, o que também é motivo de nulidade.

B) VIOLAÇÃO ÀS REGRAS EDITALÍCIAS QUANTO À VEDAÇÃO DE COMUNICAÇÃO DOS CANDIDATOS DURANTE A REALIZAÇÃO DAS PROVAS

O edital do concurso estabelecia, no item 5.5, que seria eliminado o candidato surpreendido, durante a realização das provas, em comunicação com outro candidato.

Entretanto, diversas foram as denúncias recebidas pela OAB no sentido de que, durante a realização das provas, houve uso indiscriminado de aparelho celular por alguns candidatos, trânsito de candidatos pelos corredores e banheiros, sem qualquer fiscalização.

Tais fatos, se realmente verdadeiros, comprometem a impessoalidade e a lisura do concurso, para além de constituírem descumprimento de regra editalícia, sendo também motivo de nulidade.

C) VIOLAÇÃO À REGRA EDITALÍCIA QUANTO AO HORÁRIO DE COMPARECIMENTO

De acordo com o edital (itens 5.2 e 5.3), os candidatos deveriam comparecer aos locais da prova com antecedência mínima de 30 (trinta) minutos, e não seria permitido o seu ingresso no local após extrapolado o horário designado.

Entretanto, segundo informações transmitidas por diversos candidatos à OAB, houve atraso de 40 (quarenta) minutos para o início da execução das provas, o que teria possibilitado o acesso privilegiado de alguns candidatos impontuais que não tinham obedecido ao horário fixado no edital.

D) DISCREPÂNCIA ENTRE OS VALORES DO VENCIMENTO DIVULGADOS NO EDITAL E PREVISTOS NA LEI

O concurso público para as carreiras de “Técnico Judiciário” e “Analista Judiciário” do Tribunal de Justiça de Sergipe foi realizado tendo em vista o que dispõe a Lei Complementar Estadual nº 89, de 30 de outubro de 2003, que “reestrutura o quadro de pessoal do Poder Judiciário do Estado de Sergipe e dá outras providências”, criando os mencionados cargos, de provimento efetivo, antes inexistentes na estrutura legal da carreira.


De acordo com o art. 3º dessa lei, os valores dos vencimentos dos cargos das carreiras judiciárias são os constantes do seu Anexo Único. No Anexo Único verifica-se que o vencimento dos cargos de nível médio, em sua letra inicial, é de R$ 758,51 (setecentos e cinqüenta e oito reais e cinqüenta e um centavos) e o de nível superior, em sua letra inicial, é de R$ 1.181,99 (um mil, cento e oitenta e um reais e noventa e nove centavos).

Entretanto, por algum motivo, em constatação objetiva, o edital do concurso informa (anexo II) que o vencimento do cargo de técnico judiciário, para o qual se exige o nível médio, é de R$ 373,45 (trezentos e setenta e três reais e quarenta e cinco centavos), e que o vencimento do cargo de analista judiciário, para o qual se exige o nível superior, é de R$ 721,77 (setecentos e vinte e um reais e setenta e sete centavos).

Ou seja: o edital informa que os valores do vencimento dos cargos do concurso público são bem menores do que aqueles previstos em lei. Diante dos menores valores divulgados no edital, há uma limitação ao acesso aos cargos públicos, a partir do desestímulo gerado diante da remuneração equivocadamente apresentada.

O edital do concurso induziu potenciais candidatos a erro, fazendo com que diversos deles não se inscrevessem e não prestassem o concurso, consistindo em violação da publicidade do concurso, da eficiência do concurso como meio apto a selecionar os melhores para o exercício de funções públicas, da igualdade de acesso aos cargos públicos, e até mesmo da impessoalidade administrativa, tendo em vista que outros candidatos puderam ter acesso às informações constantes da lei.

5. DOS LEGITIMADOS PASSIVOS

Dispõe a Lei nº 7.347/85, em seu Art. 1º, que a ação civil pública é instrumento por ela regido destinado à responsabilização por danos morais e patrimoniais causados aos bens jurídicos por ela tutelados.

HELY LOPES MEIRELLES afirma que

“A legitimação passiva estende-se a todos os responsáveis pelas situações ou fatos ensejadores da ação, sejam pessoa físicas ou jurídicas, inclusive as estatais, autárquicas ou paraestatais, porque tanto estas como aquelas podem infringir normas de Direito Material, de proteção ao meio ambiente ou ao consumidor, incidindo na previsão do art. 1º da Lei nº 7.437/85 e expondo-se ao controle judicial de suas condutas. Em matéria de litisconsórcio a norma do art. 47 do CPC é aplicável subsidiariamente às ações civis públicas. Assim, havendo litisconsórcio necessário, todos os litisconsortes deverão ser citados, sob pena de nulidade processual.” (MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de Segurança. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 174).

Assim, justifica-se a citação dos réus, em litisconsórcio, como legitimados a responder à presente ação civil pública, pelos seguintes fundamentos:

A FUNDAÇÃO ESCOLA SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO DE ALAGOAS é a instituição privada apontada como beneficiária de um irregular contrato administrativo, celebrado sem a necessária licitação sem o preenchimento dos necessários requisitos legais para a dispensa, sendo apontada, portanto, como tendo recebido irregularmente recursos públicos, ou seja, dinheiro pertencente a todo o povo do Estado de Sergipe;

E o ESTADO DE SERGIPE, pessoa jurídica de direito público interno à qual está vinculada o Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe, é a pessoa jurídica de direito público interessada.

6. DA MEDIDA CAUTELAR

Presentes estão, no caso, os pressupostos legais para a concessão de medida cautelar, prevista no art. 4º da Lei 7.347/85 e na legislação processual civil, quais sejam o fumus boni iuris e o periculum in mora.

O bom direito resulta evidente diante da violação ao erário, à moralidade administrativa, à impessoalidade administrativa, à eficiência administrativa, à igualdade de oportunidades de acesso aos cargos públicos, à exigência de licitação para contratação de serviços públicos e ao princípio da legalidade, todos titularizados difusamente por toda a sociedade sergipana e por todos os administrados sergipanos, conforme demonstrado anteriormente, havendo provas documentais contundentes, em anexo, comprovadores das alegações necessárias para a cognição sumária que se realiza em sede de liminar.

E o perigo da demora reside na possibilidade, concreta, de que a espera pela normal tramitação do feito e pela decisão definitiva permita que sejam divulgados os resultados do concurso, que sejam os candidatos apontados como habilitados convocados para fins de nomeação, nomeados, empossados, entrem em exercício, comecem a praticar atos funcionais e a perceber remuneração e, ao final, com a anulação dos efeitos do concurso, haver imperiosidade de desconstituição dessas situações jurídicas.

É dizer: impõe-se, no caso, a suspensão da validade e dos efeitos de todo o concurso público, a fim de que seja resguardada a eficácia da eventual sentença de mérito procedente. Além disso, evitar-se-ão maiores danos ao patrimônio público, eis que a simples divulgação da lista dos aprovados, acaso haja posterior anulação do concurso, pode gerar para os nominados como aprovados o direito de serem indenizados pelo erário. Ainda, se não for concedida a liminar, poderão os habilitados no concurso ser nomeados, empossados, entrarem em exercício, perceberem remuneração, atos que gerarão prejuízos para toda a coletividade se tiverem de ser desconstituídos após eventual sentença favorável de mérito.


Mister ressaltar que há previsão oficial de que o resultado do referido concurso será anunciado no próximo dia 13 de abril (terça-feira), conforme teor da nota oficial expedida pelo Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe publicada no Jornal da Cidade, em anexo.

7. DOS PEDIDOS

Diante do exposto, requer a Vossa Excelência:

a) a concessão de medida liminar, para, suspendendo a validade e os efeitos do Concurso Público para ingresso nas carreiras de Analista Judiciário e Técnico Judiciário do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe (edital nº 01, de 21 de janeiro de 2004, publicado em 23/01/04), determinar aos réus que suspendam a homologação do resultado do concurso e a divulgação da lista dos aprovados do concurso público, ou, se já tiver sido homologado e a lista divulgada, determinar a impossibilidade de convocação para fins de nomeação dos aprovados, de praticar a nomeação dos aprovados, de dar posse aos aprovados e de fazê-los entrar em exercício ou qualquer prestação de serviço, até o deslinde final da presente ação, intimando-se os réus da sua concessão e determinando o seu cumprimento, sob as penas legais;

b) a citação dos réus, nos endereços mencionados, para, querendo, oferecer resposta, sob pena de confissão e revelia;

c) a intimação do Ministério Público Federal para acompanhar o feito;

d) a procedência do pedido para reconhecer a ilegalidade, a violação aos princípios da igualdade, eficiência, moralidade e impessoalidade, bem como a lesividade ao patrimônio público, declarando a nulidade do procedimento de contratação da Fundação Escola Superior do Ministério Público de Alagoas para a realização do concurso e declarando a nulidade de todo o concurso público, condenando a Fundação Escola Superior do Ministério Público de Alagoas ao pagamento de indenização pelos danos causados ao erário e à coletividade;

e) a dispensa do pagamento de custas processuais pelo autor, emolumentos e outros encargos, face ao que dispõe o art. 18, da Lei no 7.347/85.

8. DAS PROVAS

Requer a produção de todos os meios de prova licitamente admitidos, em especial pelos documentos que seguem em anexou e outros imprescindíveis, prova testemunhal, a ser arrolada no momento processual oportuno, depoimento pessoal dos representantes legais dos réus, sob pena de confesso. Requer ainda a exibição, pelos réus, dos seguintes documentos: todo o processo de dispensa de licitação e de contratação, pelo Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe, da Fundação Escola Superior do Ministério Público de Alagoas para a realização do concurso público em exame.

Dá-se à causa o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais).

Nestes termos,

Pede e espera deferimento.

Aracaju, 12 de abril de 2004.

HENRI CLAY SANTOS ANDRADE

OAB/SE nº 2000

Presidente do Conselho Seccional da OAB

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