Dias contados

Provedores de acesso à Internet estão com os dias contados

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19 de abril de 2004, 12h52

Caro provedor de acesso à Internet, o título não é uma falácia provocativa para chamar a sua atenção. É apenas uma constatação do que está acontecendo no mercado de telecomunicações e informática neste país. Não só uma constatação, mas uma certeza inabalável de que o seu fim está realmente próximo. E isto não é porque os seus serviços sejam inúteis. Pelo contrário, o Brasil necessita de provedores independentes de acesso à Internet, para fomentar a inclusão digital da população mais distante das grandes cidades e diminuir as desigualdades regionais no acesso às tecnologias de informação e comunicação.

Aliás, a Anatel constatou, nas suas últimas consultas públicas, a escassez de provedores de acesso à Internet na região Norte e Nordeste. Porém, somente a verificação não é suficiente. Há que se agir positivamente, financiando e implementando políticas públicas, a fim de se possibilitar o incremento e a melhor distribuição de provedores de acesso para estas regiões carentes. Contudo, a atuação e omissão desta agência governamental, exponencializada pela estrutura do mercado de telecomunicações criada pela Lei Geral de Telecomunicações de 1996, não tem sido feita com vistas à aplicação de políticas públicas de fomento das novas tecnologias de informação e comunicação, em conformidade com o que determina o art. 19 da Lei Geral de Telecomunicações.

Caro provedor, a Anatel não está ajudando em nada mesmo. Além de não regulamentar o compartilhamento da rede física, tal como determinado no art. 155 da LGT, pois é do interesse coletivo a ampliação da concorrência tanto no mercado de telefonia quanto no de provimento de acesso à Internet. Esta omissão desta agência impede que você, provedor de acesso, concorra com as empresas de telecomunicações, especificamente no que tange ao provimento de acesso em banda larga. Por outro lado, ela cria normas que o afasta dos serviços maiores e rentáveis, tais como os Serviços de Comunicação Digital e Multimídia, inviabilizando a sua participação ao exigirem licenças por valores absurdos e inviáveis para empreendedores de parco poder econômico.

Antes de entrar na questão destes Serviços de Comunicação que estão sendo criados e voltando para o assunto do compartilhamento da rede física, a falta desta regulamentação traz conseqüências perniciosas, pois realça mais as diferenças de poder econômico e manutenção dos monopólios regionais das grandes empresas de telecomunicações. Este quadro hoje é mais visível para você, provedor, no provimento de acesso à Internet via banda larga.

Aí cria a Anatel, juntamente com as empresas de STFC detentoras do meio físico de telecomunicações, uma aberração jurídica de que para a realização do provimento de acesso via ADSL, prestados por elas, é necessária a sua contratação, o que, de fato, tecnologicamente, não é. Mas você já sabe disto.

Baseiam-se estes artífices na proibição do art. 86 da LGT, que impede que uma mesma empresa de telecomunicações forneça dois serviços diferentes. Ou seja, quem presta serviço telefônico fixo comutado não pode, por exemplo, prestar serviço de comunicação multimídia. Neste sentido, admite-se que as empresas de telecomunicações obriguem os usuários a contratarem um ficto provedor de acesso, você no caso, que não fornece serviço algum de conexão.

Ora, não é permitido ao usuário muito menos contratar um provedor de acesso gratuito, mesmo sendo eles, em sua maioria, das empresas de telecomunicações. Mas aí seria demais! Não bastasse as teles fornecerem acesso à Internet aos usuários, ainda incentivariam a contratação de seus provedores gratuitos. E onde ficaria você, provedor?

Percebe-se que a sua posição, provedor, neste mercado de Internet em banda larga é bem precária, pois se imaginarmos que, num futuro bem próximo, os usuários de Internet estarão, com certeza, migrando para este serviço, o qual você não detém o controle de sua parte física essencial, as teles, de uma hora para outra, podem sentir a necessidade de não mais dividir os seus lucros. E aí o seu faturamento despencará vertiginosamente e a sua existência comercial estará comprometida.

Por incrível que pareça, mesmo ciente desta situação, a sua Associação, a Abranet, contente com tal posição, apóia tal esquema esdrúxulo de espoliação dos consumidores com sua participação. Até já lhe chamaram de “web flanelinha”.

Contudo, o pior está por vir, provedor. Na surdina este processo de sua eliminação já está ocorrendo no Congresso Nacional. Existem alguns projetos de lei tramitando no Câmara dos Deputados, que visam liberar as empresas de telecomunicações da proibição do art. 86 da LGT, permitindo a elas o fornecimento direto do acesso à Internet sem a sua participação. Você deve estar pensando: “Ora, nem o dinheiro da banda larga vou ter?” É, nem isso.


Foi apresentado no ano passado o Projeto de Lei n. 56/2003 do deputado paulista Orlando Fantazzini, que tinha como intuito legalizar às Telefônicas brasileiras o provimento de acesso à Internet, que é proibido pela Lei Geral de Telecomunicações em seus artigos 61 e 86. Justificava à época o deputado de que o acesso à Internet por meio da banda larga, tecnicamente, não precisava de provedor e que não haveria qualquer ofensa permitir o provimento de acesso à Internet pelas Telefônicas, já que, atualmente, elas já possuem provedores de acesso e de conteúdo. Escrevi sobre este projeto(1):

“Logicamente, não percebeu ele (o deputado) que a inclusão deste artigo, primeiro, estará indo de encontro ao sistema constitucional brasileiro e ao subsistema jurídico das Telecomunicações e, segundo, que este artigo aniquilará a concorrência no mercado de Provimento de Acesso e Conteúdo para a Internet, já totalmente rarefeita com as condições impostas pelas Telefônicas, colocando uma atividade estratégica para o desenvolvimento nacional sob o poder de alguns gigantescos grupos econômicos nacionais e internacionais”.

Felizmente, para sua sorte, provedor, o exmo. Deputado Orlando Fantazzini retirou o seu projeto, requerendo o seu arquivamento. Entretanto as ameaças à sua existência continuam mais fortes e vivas.

Logo após ao arquivamento do Projeto n. 56/2003, o deputado Rebeneuton Lima apresentou na Câmara dos Deputados o projeto de lei n. 198/2003, ainda mais terrível para você, Provedor, do que o do deputado Orlando Fantazzini. O projeto de lei altera a LGT, incluindo um parágrafo 3º ao art. 61 e retalha o art. 86. Ficou, assim, o imbróglio jurídico criado pelo deputado:

“Art. 61. Serviço de valor adicionado é a atividade que acrescenta a um serviço de telecomunicações novas utilidades relacionadas ao acesso, armazenamento, apresentação, movimentação ou recuperação de informações.

§ 1º O provedor de serviço de valor adicionado é considerado usuário do serviço de telecomunicações que lhe dá suporte, com os direitos e deveres inerentes a essa condição.

§ 2º É assegurado a esses provedores o uso das redes de serviços de telecomunicações para prestação de serviços de valor adicionado, cabendo à Agência, para assegurar esse direito, regular os condicionamentos, assim como o relacionamento entre aqueles e as prestadoras de serviço de telecomunicações.

§ 3º O serviço de provimento de acesso à rede mundial de computadores pode ser prestado diretamente pelas prestadoras de serviços de telecomunicações ou por provedores de serviço de valor adicionado.”

“Art. 86. A concessão somente poderá ser outorgada a empresa constituída segundo as leis brasileiras, com sede e administração no País, criada para explorar exclusivamente os serviços de telecomunicações objeto da concessão.

§ 1º A condição de exclusividade estabelecida no caput não impede a prestadora de prover serviço de acesso à rede mundial de computadores.

§ 2º A participação, na licitação para outorga, de quem não atenda ao disposto neste artigo, será condicionada ao compromisso de, antes da celebração do contrato, adaptar-se ou constituir empresa com as características adequadas.”

A inconstitucionalidade e a ilegalidade deste projeto de Lei é latente. O art. 5º da LGT, repetindo o que prescreve os arts. 170 e 174 da Constituição Federal de 1988, prescreve que:

“Na disciplina das relações econômicas no setor de telecomunicações observar-se-ão, em especial, os princípios constitucionais da soberania nacional, função social da propriedade, liberdade de iniciativa, livre concorrência, defesa do consumidor, redução das desigualdades regionais e sociais, repressão ao abuso do poder econômico e continuidade do serviço prestado no regime público.”

Não adianta alterar os arts. 61 e 86, pois ele apenas transcrevem os princípios que norteiam a Constituição Federal do Brasil. Estes projetos de lei, que têm como finalidade permitir às empresas de telecomunicações fornecerem acesso à Internet, não podem ser realizados de forma tão simplista e reducionista, sem levar em consideração o mercado e a Constituição Federal.

Sabe-se que a legislação existente é anterior ao surgimento do provimento de acesso à Internet via ADSL, mas não é por causa desta mudança tecnológica que devemos jogar toda a legislação anterior fora e decretar sua inutilidade, sem atentarmos para todo o ordenamento jurídico.

Outrossim, os princípios da legalidade, razoabilidade, proporcionalidade, dentre outros, a despeito do que muitos congressistas pensam, aplicam-se a eles também ao apresentarem seus projetos de lei, que não podem afrontar as diretrizes constitucionais.

Já se defendeu anteriormente(2):


“Aliás, os artigos 61 e 86 da LGT têm como escopo atender aos ditames impostos pelo art. 5º, pois se se permitir a cumulação pelas prestadoras de serviços de telecomunicações também dos serviços de valor adicionado, estaria a lei infraconstitucional autorizando a concentração de mercado e o conseqüente estrangulamento da livre iniciativa e da concorrência, o que é proibido expressamente pela Constituição Federal e pela Lei de Crimes contra Ordem Econômica 8.884/94. Pois não haveria perspectiva alguma aos ingressantes deste mercado de angariarem clientela e lucros diante do poder econômico das Telefônicas.

“O Exmo. Deputado não analisou, o que os estudiosos do Direito com grande propriedade o fazem, que as normas jurídicas prescrevem o que é proibido, não proibido e permitido nas condutas humanas. E não é porque elas não se autojustificam ou explicam exatamente os motivos de determinarem as proibições, não-proibições e permissões, que elas não existam expressamente. As respostas encontram-se nas interpretações dos sistemas ou subsistemas os quais as normas jurídicas se inserem. As normas, tal como os homens, não são mandamentos isolados, elas se relacionam, complementar e hierarquicamente, por meio de princípios que lhes dão unidade e coesão. Por isso, não devemos nos ater somente ao que prescreve uma ou duas normas jurídicas. O olhar exegético do operador do Direito tem de abranger o sistema normativo e os princípios que o norteiam. Desta forma, a simples inclusão do art. 209A seria ilegal, para não se dizer inconstitucional, por estar logicamente incompatível com o que determina o subsistema jurídico das Telecomunicações em seu art. 5º, o art. 170 e seguintes da Constituição Federal e a Lei n. 8.884/94.

“Neste sentido, e ampliando um pouco mais este olhar para os reflexos do art. 209A no mercado de Telecomunicações, existem enormes equívocos técnico-jurídicos sobre como funciona e como deveria funcionar os serviços de Telecomunicações e de Provimento de Acesso à Internet.”

Contudo, algumas perguntas ainda persistem, por quê o projeto de lei n. 198/2003, na adição do § 3º do art. 61, não delegou exclusivamente aos provedores de serviço de valor adicionado, no caso você, provedor, o direito de prover acesso à Internet? E, ao invés de retalhar o art. 86, permitindo às empresas de telecomunicações proverem acesso à Internet, formulasse um adendo ao art. 155 da LGT, obrigando a ANATEL a regulamentar o compartilhamento das redes físicas de telecomunicações, para que você, provedor, pudesse ampliar os serviços de banda larga e a concorrência neste setor? Qual o interesse destes artífices em permitirem às empresas de telecomunicações o acesso à Internet, se é visível a formação do oligopólio no provimento de acesso à Internet, eliminando a grande maioria dos provedores?

Por outro lado, a Anatel (olha aí ela de novo!) cria serviços de comunicação digital e multimídia, o quais necessitam-se de licenças de Serviço de Comunicação Multimídia, caríssimas por sinal, a fim de disponibilizar redes estruturais de telecomunicações para fornecimento de acesso à Internet. Dessa forma, se você, provedor, quiser disponibilizar serviços de acesso à Internet via rádio para os seus usuários, deverá adquirir uma licença da Anatel, para disponibilizar o serviço no mercado.

Mas usar a rede física de telecomunicações para prover acesso é serviço de valor adicionado, como tem dito reiteradamente a Anatel em seus ofícios aos processos contra a exigência de provedor no provimento de acesso à Internet via ADSL, o qual ela afirma não regular.

Ora, para o mesmo serviço a Anatel possui duas decisões diversas. O engraçado, provedor, é que as duas beneficiam os que detêm o poder econômico e prejudicam você.

No Serviço de Comunicação Digital a situação desenhada é ainda pior. Expõe o quadro geral destes serviços de comunicação digital Carlos Afonso, diretor de Planejamento da Rits(3):

“(1) Procurando criar condições para que empresas ofereçam serviços de acesso à Internet em áreas hoje não adequadamente cobertas pelas operadoras de telefonia fixa e também estimular o desenvolvimento de serviços de acesso que não dependam da rede de telefonia fixa (STFC, no jargão da Anatel), o SCD propõe a criação de onze empresas de serviços de Internet que terão a obrigação contratual de universalizar os meios de acesso em todas as regiões do país. Através do SCD, recursos do Fundo de Universalização de Serviços de Telecomunicações (FUST) seriam utilizados para conectar atividades de interesse social de acordo com regulamentos já aprovados para o Fundo.

“Na prática, essas onze empresas poderiam deter o monopólio desses serviços (autenticação de usuários, camada de transporte de dados até as espinhas dorsais) em suas respectivas áreas de atuação até 2009. Nada impede no edital atual que essas empresas não acabem também monopolizando as outras camadas de serviços: sediamento, correio eletrônico, serviços Web etc.

“A essas empresas seria, portanto, dada a oportunidade de consolidar posições por quatro anos, de tal modo que o cenário de monopólio por áreas dificilmente mudaria depois de 2009. Tal como está hoje no edital em consulta pública, o plano de metas proposto para o SCD é muito longo em relação às necessidades urgentes de inclusão digital. A operação só começaria mesmo em 2006.”

Pergunta: por quê não incentivar os provedores independentes de acesso à Internet em vez de devolver o dinheiro do FUST para as grandes empresas de telecomunicações, dentre elas as prestadoras de STFC? Qual o interesse que move as diretrizes desta agência reguladora, que não enxerga a posição frágil dos provedores, tal como você?

Diante deste quadro pintado, em que o pequeno empreendedor nacional não tem possibilidade de crescer (aliás, o que deveria ser o contrário, já que o art. 170, inc. IX, da Constituição Federal, prevê tratamento favorecido para as pequenas empresas), você, provedor, e seus pares despedirão os seus funcionários, fecharão os seus negócios e, ironicamente, contratarão os serviços de acesso à Internet, em banda larga, dos seus algozes, as empresas de telecomunicações, pois não terão condições para suportar a concorrência destas gigantes.

Nos Estados Unidos, um mercado estruturado da mesma forma que o nosso, nos moldes neo-liberalistas, desde 1996, 3/4 dos provedores de acesso independentes já fecharam as portas, segundo a Consumer Report Magazine.

Provedor, a sua única saída é lutar pela sua existência, pela sua sobrevivência. É lutar contra este estado de coisas, da ação das grandes empresas de telecomunicações até a ineficiência e incompetência da Anatel, pois, se você ficar parado, o seu destino é ser mais uma estatística negativa de falência e concordata. E com vocês vão as esperenças dos usuários de Internet no Brasil de terem preços baixos e serviços melhores, bem como o medo de poder ser monitorado e atacado por vírus e spams, trazidos nas redes destas corporações multinacionais gigantescas.

Notas de rodapé

(1) Texto publicado no Conjur em 22.03.2003 (http://conjur.uol.com.br/textos/17063/, acessado no dia 02.04.2004 às 19:00hs).

(2) Ibidem. (http://conjur.uol.com.br/textos/17063/, acessado no dia 02.04.2004, às 19:00hs).

(3) http://www.lainsignia.org/2004/febrero/cyt_004.htm, acessado em 02.04.2004.

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