Ataque ao consumidor

Projeto de Lei do governo prejudica inadimplente

Autor

15 de abril de 2004, 20h13

Não estão enganados os que consideram grave o distanciamento do Governo Lula das bases que o elegeram. A essa altura até está difícil distingui-lo do seu antecessor. Não demonstra outra crença o projeto de lei no 3.065, do Executivo Federal, enviado à Câmara dos Deputados em regime de urgência. O projeto, destinado à reformulação do mercado de crédito no País, é a cara do neoliberalismo chancelado pelo capital internacional e uma afronta ao consumidor.

Um aspecto diz respeito ao contrato de financiamento imobiliário (artigos 46/52), para o qual o projeto propõe o reajuste mensal e a emissão posterior de títulos de crédito negociáveis no mercado imobiliário, tais como as LCI – Letras de Câmbio Imobiliário e as CCI – Cédulas de Crédito Imobiliário. O artigo 46 estabelece que, se o mutuário antecipar o pagamento da dívida, terá direito a um abatimento; logo depois, porém, este mesmo artigo prevê que “não se aplica o disposto no §1º, no caso de quitação, à emissão dos títulos e valores mobiliários a que se refere o caput” – contra-senso que, sem a menor dúvida, prejudicará os mutuários que estiverem nesta situação.

Estabelece também que, se o Judiciário conceder ao mutuário sentença favorável, como uma medida liminar ou antecipação de tutela, e ele atrasar o pagamento do IPTU ou da cota condominial, tê-la-á imediatamente cassada pelo juiz, por solicitação do credor – em geral, uma imobiliária ou incorporadora.

Outro aspecto grave refere-se ao crédito direto ao consumidor – o meio de financiamento favorito da classe média, na aquisição de bens de consumo, como eletrodomésticos, carros, etc; a classe média que também confiou nas urnas o seu voto a um governo de mudanças. O projeto de autoria do governo propõe mudanças radicais – pró bancos e financeiras.

A legislação em vigor já beneficia imensamente o credor, permitindo que ele recobre rapidamente o bem financiado, bastando-lhe, para isto, comprovar a mora e requerer uma ação de busca e apreensão. E, sendo-lhe a sentença favorável, pode vender o bem outra vez – legalmente. Ao devedor, as leis atuais dão a chance de quitar a dívida antes de ajuizar-se a ação, por obrigar o credor a fazer-lhe uma notificação extrajudicial ou o protesto do título.

Pelo projeto governista, o simples vencimento de uma das parcelas do pagamento da dívida bastará como comprovação legal da mora; será permitido ao credor, portanto, quando isso ocorrer, entrar de imediato com a ação de busca e apreensão do bem, cuja liminar nenhum juiz poderá negar-se a conceder, visto não se exigir mais do credor que ele faça a notificação ou o protesto do título do devedor, antes do ajuizamento.

Nem é preciso dizer o quanto estas alterações na legislação, na verdade desastrosas, prejudicarão o consumidor. Imaginemos que você tenha financiado um carro para pagá-lo em 36 meses, e que tenha atrasado o pagamento da última prestação. Valendo-se das novas regras propostas, o credor entrará com a ação de busca e apreensão – que o juiz teria de permitir. Dentro de poucos dias seu carro seria apreendido, e seu financiador, como novo proprietário, o venderia a outra pessoa, que receberia certificado de registro novo do Detran, emitido em seu próprio nome – e tudo isto antes de ser proferida a sentença final na ação de busca e apreensão! Um verdadeiro confisco.

Mas não é só. E se, após o automóvel ter sido revendido, o juiz julgar a ação improcedente? O artigo 56 do projeto nos apresenta esta inconcebível sugestão: “na sentença que decretar a improcedência da ação de busca e apreensão, o juiz condenará o credor fiduciário a pagar ao devedor fiduciário uma multa equivalente a 50% (cinqüenta por cento) do valor original financiado, devidamente atualizado, caso o bem já tenha sido alienado”.

Evidentemente não é essa a intenção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Mas, francamente, que saudade da campanha…

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!