Sem vantagens

Decisão sobre precatórios caracteriza ônus injustificado

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15 de abril de 2004, 18h41

O E. Tribunal de Justiça de São Paulo, através de sua Oitava Câmara de Direito Público, recentemente proferiu decisão no Agravo de Instrumento n. 359.227.5/8, cuja parte da ementa, que chama a atenção, é a seguinte:

“JUROS COMPENSATÓRIOS – Execução por título judicial – Precatório Judicial – Exclusão a partir da EC n. 30/2000 (durante o parcelamento) – Art. 78 do ADCT que não prevê sua incidência – Inaplicabilidade – Recurso parcialmente provido.

Em outras palavras, entendeu o E. Tribunal que em se tratando de pagamento de precatório pela forma estabelecida pelo art. 78 do ADCT (parcelamento em dez prestações anuais), contendo condenação ao pagamento de juros compensatórios, estes devem ser contados somente até a data da promulgação da EC 30/2000. A partir de então e durante os 10 anos do parcelamento a Fazenda ficará isenta desse pagamento, incidindo somente juros legais e correção monetária.

O argumento utilizado, no sentido de que a exclusão dever ser feita porque o artigo 78 do ADCT não prevê expressamente a sua incidência, ao meu ver tem o efeito contrário ao declarado naquela decisão. Isso porque a incidência não tem que ser declarada, já que consta de decisão transitada em julgado. O que seria indispensável seria a menção da eventual exclusão.

Com efeito, “juros compensatórios” é a denominação utilizada para identificar a verba que é reconhecida judicialmente a favor de quem é privado do uso de determinado bem, para o efeito de remunerar (compensar) a perda da posse. Trata-se portanto, de verba que mais se assemelha a um “aluguel”, ou aos “lucros cessantes”, (1) do que propriamente a “juros” (considerados nos sentidos “remuneratório”, ou “moratório”).

Uma vez concedida, essa verba integra a indenização, a qual poderá estar composta também por outros títulos, como “reembolso de despesas”, “danos morais”, “benfeitorias”, “desvalorização” etc. Para atender sua finalidade, a verba é devida até o efetivo pagamento do preço, pois só após haver o prejudicado recebido a reposição em dinheiro, do valor do bem do qual foi desapossado, é que poderá ser considerado indenizado de forma justa, como exige o art. 5º, inciso XXIV da Constituição Federal. (2)

Integrando a indenização, a verba compõe o “valor” do precatório, que o artigo 78 do ADCT (3) menciona. Ao reiterar a obrigatoriedade de pagamento do “valor” do precatório, o dispositivo constitucional não tinha, como não tem, necessidade de especificar todas as verbas que integram a condenação.

Se tivesse que mencionar a sua incidência, teria também que mencionar, uma a uma, quaisquer outras verbas integrantes do “valor” do precatório.

A mencionada “omissão”, não pode ser interpretada como se o dispositivo constitucional tivesse, de alguma forma, “reduzido” os débitos estatais, ou “suprimido” determinadas verbas que integram os valores pleiteados nos precatórios. O objetivo está claro: o “valor real” foi mantido, assim como a incidência dos “juros legais”. O benefício concedido ao Estado restringe-se tão somente à possibilidade de liquidação do débito em dez parcelas anuais. Em nenhum momento se cogitou conceder “desconto” ou “redução de débito” ao Estado.

O engano situa-se na errônea interpretação do termo “valor”, como se significasse a mera expressão numérica do montante do débito na data da promulgação da EC 30/2000, montante esse que ficaria, segundo essa decisão, “congelado”, passando a incidir sobre o mesmo, dessa data em diante, somente os “juros legais”.

Finalizando, não há como deixar de classificar como, no mínimo infeliz, a r. decisão mencionada no início, já que, além de caracterizar uma injustificada imposição de mais um ônus ao expropriado, que além de estar sem receber seu crédito líquido e certo há vários anos, ainda aguardará o término dos dez anos concedidos a mais, sem qualquer dúvida ofende o disposto no art. 5º, inc. XXIV da CF (princípio da justa indenização), o disposto no art. 5º inc. XXXVI da CF (respeito à coisa julgada), e também o disposto no próprio art. 78 do ADCT, que não determinou qualquer redução do débito estatal.

Notas de Rodapé:

1) “Impossível cumular em ação desapropriatória a condenação de juros compensatórios com lucros cessantes, sob pena de “bis in idem”, visto que aqueles se destinam a compor o patrimônio do desapropriado, indenizando-o dos lucros que deixou de auferir em razão da expropriação” (STJ 1ª Turma RESP 35.258-4 – RS recl. Min. César Rocha, j. 23.6.93, deram provimento parcial, v.u., DJU 16.68.93, p. 15.973)”. THEOTÔNIO NEGRÃO, CPC, ed. Saraiva, 35a. ed., pág. 1213.

2) “Os juros compensatórios de 12% ao ano contam-se, na desapropriação direta, a partir da antecipada imissão na posse; na desapropriação indireta, a partir da efetiva ocupação do bem; e são devidos até o efeitovo pagamento do preço. RSTJ 44/262”. THEOTÔNIO NEGRÃO, CPC, ed. Saraiva, 35a. ed., pág. 1213.

3) “Art. 78. Ressalvados os créditos definidos em lei como de pequeno valor, os de natureza alimentícia, os de que trata o art. 33 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e suas complementações e os que já tiverem os seus respectivos recursos liberados ou depositados em juízo, os precatórios pendentes na data de promulgação desta Emenda e os que decorram de ações iniciais ajuizadas até 31 de dezembro de 1999 serão liquidados pelo seu valor real, em moeda corrente, acrescido de juros legais, em prestações anuais, iguais e sucessivas, no prazo máximo de dez anos, permitida a cessão dos créditos.

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