Inimiga da perfeição

Gonçalo Vecina é condenado por propaganda eleitoral antecipada

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14 de abril de 2004, 14h50

O juiz da 1ª Zona Eleitoral, José Joaquim dos Santos, condenou o secretário municipal da Saúde de São Paulo, Gonzalo Vecina Neto, a pagar multa de R$ 21.282,00 por propaganda eleitoral antecipada.

A decisão acolheu representação do Ministério Público Eleitoral. Segundo a legislação, a propaganda eleitoral somente é permitida a partir do dia 6 de julho do ano da eleição. Os advogados de Vecina Neto, Hélio Freitas de Carvalho da Silveira e Marcelo Santiago de Padua Andrade , já entraram com recurso.

Em 30 de dezembro passado, o secretário enviou mensagem aos seus subordinados, via intranet, em que pedia o voto dos servidores da saúde pública para reeleger a Prefeita Marta Suplicy nas próximas eleições.

Segundo o juiz, “a mensagem, enviada com “alta prioridade”, tem caráter de propaganda eleitoral antecipada, de leitura obrigatória pelos servidores, uma vez que o acesso não depende de ato volitivo, tal como se dá no acesso a home page“.

Para os advogados de Vecina Neto, não houve propaganda política antecipada. “Ele não pediu de votos, apenas manifestou opinião politica, o que é admitido pelo texto constituicional”, disse Hélio Silveira. Segundo ele, Gonçalo fez um balanço das atividades da Secretaria de Saúde do Municipio e manifestou a importância – no seu entender – da reeleição de Marta Suplicy.”Ele não pediu que votassem na prefeita, condição necessária, segundo farta jurisprudência do TSE, para configuração do ato de propaganda eleitoral”.(Com informações do TRE-SP)

Leia íntegra do recurso

Excelentíssimo Senhor Doutor Juiz de Direito da 1ª Zona Eleitoral do Estado de São Paulo – Bela Vista

Ref. Processo n.° 20/2004

Representação por propaganda eleitoral antecipada

GONZALO VECINA NETO , nos autos do processo em epígrafe que lhe é movido pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL DO ESTADO DE SÃO PAULO , vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, por seus advogados adiante assinados, inconformado, data vênia , com o teor da r. sentença de fls., interpor, com fundamento no artigo 96, § 8°, da Lei n.° 9.504/97 e no artigo 11, caput , da Resolução TSE n.° 21.575, o presente RECURSO ELEITORAL , o que faz nos termos das razões de fato e de direito adiante expendidas.

Requer, outrossim, colhidas as contra-razaões do Recorrido e cumpridas as formalidades de estilo, que sejam os presentes autos encaminhados ao E. TRE/SP para que julgue o presente inconformismo.

Termos em que,

Pede Deferimento.

São Paulo, 14 de Abril de 2.004.

HÉLIO FREITAS DE CARVALHO DA SILVEIRA

OAB/SP 154.003

MARCELO SANTIAGO DE PADUA ANDRADE

OAB/SP 182.596

RECURSO ELEITORAL

REPRESENTAÇÃO N. 20/2004

ORIGEM: 1ª ZONA ELEITORAL DO ESTADO DE SÃO PAULO (SÃO PAULO)

RECORRENTE: GONÇALO VENCINA NETO

RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL

RAZÕES DO RECORRENTE

E. Tribunal,

O MD. Membro do Ministério Público Eleitoral oficiante perante esta Zona Eleitoral ajuizou a presente demanda em face do ora Recorrente ao argumento de que o mesmo, atuando na qualidade de Secretário Municipal de São Paulo e valendo-se de equipamentos da Prefeitura e de endereço eletrônico público, enviou, na data de 30.12.2003, mensagem com suposto conteúdo eleitoral aos servidores da Saúde desta Municipalidade.

No sentir do Recorrido, a prática anunciada, por subsumir-se ao preceito proibitivo trazido no artigo 36 da Lei das Eleições, caracterizaria propaganda eleitoral antecipada, atraindo, dessa forma, a incidência da norma sancionadora da conduta ilícita.

Num texto com mais de oitenta linhas, apontou o Recorrido como apto a caracterizar propaganda eleitoral prematura a passagem em que opina o Recorrente que “Temos de conseguir reeleger a Prefeita Marta Suplicy. A discussão da construção de uma nova cidade, de um novo mundo, passa pela decisão política que ocorrerá este ano. Temos de participar dessa construção de maneira conseqüente.

Devidamente notificado dos termos da demanda, apresentou o Recorrente sua defesa e, ato contínuo, abriu-se vistas dos autos ao Recorrido para que apresentasse RÉPLICA.

Ofertada a réplica, foram os autos à conclusão do MD. Juízo a quo, que exarou a r. sentença condenatória ora recorrida.

Em que pese os argumentos expendidos na r. sentença, a mesma carece, com a devida vênia e acatamento, de reparos.

Vejamos.

DA PRELIMINAR DE NULIDADE DA

R. SENTENÇA RECORRIDA

O artigo 96 da Lei n. 9.504/97 e a Resolução TSE n. 21.575 traçam o rito a ser observado nas representações eleitorais. Abreviado, concentrado e inspirado no princípio da celeridade, não encontra previsão em feitos desse jaez a oportunidade para a apresentação de Réplica pelo Autor.


Conforme assente na doutrina pátria, o devido processo legal, considerado em seu âmbito formal, visa assegurar ao Jurisdicionado total paridade de condições com o Estado-Persecutor e, ainda, a plenitude de sua defesa.

O devido processo legal apresenta como corolários à ampla defesa e ao contraditório que, conjugados, impõem a condução dialética do processo pautada pela par conditio .

Na moderna ciência processual, os mencionados princípios constitucionais pairam sobranceiros e conferem ao processo sua forma e caráter. Com efeito, o processo é instrumento de atuação da atividade jurisdicional do Estado que somente se legitima com a fiel observância do princípio do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa.

Na hipótese dos autos, nada obstante ser o Ministério Público Eleitoral o autor do feito, o MD. Juízo a quo abriu vistas dos autos ao Parquet para sua réplica. Dessa feita, pôde o Órgão Ministerial produzir alegações acerca do conteúdo da defesa.

A norma contida no artigo 8.° da Resolução n. 21.575 somente se aplica na hipótese de atuar o Ministério Público como custus legis , jamais quando figurar no pólo ativo da lide.

Ainda que por equívoco houvesse se dado a manifestação do Parquet , deveria o Douto Magistrado sentenciante, a fim de zelar pela isonomia das partes, abrir prazo para o Recorrente manifestar-se acerca de tudo quanto afirmado na réplica.

Contudo, com o devido respeito e acatamento, assim não se procedeu, sendo evidente o prejuízo experimentado pelo Recorrente.

A demanda foi julgada procedente. Não apresentada a réplica – ou ao menos facultado ao Recorrente prazo para tréplica – poderiam ter surtido efeito sobre o livre convencimento do MD. Magistrado sentenciante as teses defensivas levantadas. Poderia haver a consideração de que houve mera expressão do pensamento e da crítica política; ou poderia, ao menos, prosperar a alegação de inconstitucionalidade da pena pecuniária prevista no artigo 36, § 3°, da Lei das Eleições.

Invertido o resultado da demanda, deixaria o Representado-Recorrente de ostentar a condição de sucumbente, de forma que o interesse recursal recairia sobre o autor do feito, que poderia deixar de interpor recurso a tempo e modo.

Dessa forma, evidenciada a lesão ao artigo 96, § 7°, da Lei n. 9.504/97, ao artigo 8° da Resolução TSE n. 21.575, e ao artigo 5°, LIV e LV, da CF/88, merece ser provido o presente recurso a fim de ser declarada a nulidade do feito.

DA CONDENAÇÃO POR PRESUNÇÃO

Na fundamentação de sua r. sentença, afirmou o MD. Juízo a quo que “(…) a propaganda eleitoral é feitacamufladamente, em meio a outro expediente utilizado pelo responsável da infração”.

Mais adiante, afirma-se na decisão atacada que “(…) a pretexto de prestar contas de sua gestão no ano de 2003, de agradecer aos seus subordinados pelos esforços empreendidos no ano findo, de exortá-los a superar os obstáculos no ano vindouro, ainda que extensa correspondência eletrônica, pediu, sem meias palavras, o voto dos servidores da saúde pública para Marta Suplicy nas próximas eleições. O apelo de um superior hierárquico aos seus subordinados soou em tom imperativo. Temos (grifei) que conseguir reeleger a Prefeita Marta Suplicy.”

Com o devido respeito e acatamento, a condenação imposta é fruto de mera presunção , o que é inviável no processo eleitoral.

Vejamos.

Em v. Acórdão TRE/SP n. 137.011, publicado no DOE de 11.09.2000, da lavra do Exmo. Relator Designado VITO GUGLIELMI, asseverou-se que “(…) o que caracteriza a propaganda legalmente vedada é exatamente a intenção de captar – ou em tese a tanto se mostrar hábil – a vontade do eleitor, como, por sinal, sempre tenho frisado e até cuidou o recorrente de colacionar. (grifos nossos)

Conforme bem ilustra o v. Acórdão acima citado, para a procedência das representações que versam sobre propaganda eleitoral antecipada é necessário perquirir-se acerca da intenção do agente, vale dizer, se há o dolo (a vontade livre e consciente) de realizar propaganda eleitoral antecipada. Assim, socorrendo-se dos ensinamentos do direito penal, esse seria o elemento subjetivo do tipo proibitivo trazido no artigo 36 da Lei das Eleições.

Na hipótese dos autos, parece evidente que a intenção do recorrente foi tão-somente prestar contas das atividades inerentes à Secretaria da Saúde. Tanto é assim que a mensagem supostamente irregular somente circulou em âmbito interno.

Se realmente pretendesse o Recorrente realizar propaganda eleitoral antecipada camuflada em prestação de contas de seu desempenho em função pública relevante, levaria a efeito tal desiderato por meios que, realmente, fossem hábeis a atingir número maior de pessoas, tais como impressos distribuídos ao público ou entregue em domicílios, ou ainda discursos públicos, artigos em jornais etc.


Contudo, assim não agiu o Recorrente.

Este apenas fez circular singela mensagem eletrônica onde presta contas de suas funções públicas e manifesta, licitamente, sua opinião acerca de tema de interesse dos destinatários.

Nota-se que o Recorrente, não obstante admitir a autoria do ato, negou peremptoriamente a vontade de realizar propaganda eleitoral à destempo. Fundamentou sua alegação não só na liberdade constitucional de livre manifestação do pensamento, como também – e principalmente – pela leitura de sua mensagem em seu contexto original e integral.

Já foi salientado que abriu-se vistas dos autos do MP para a apresentação de réplica. Nessa oportunidade, poderia o Órgão Ministerial requerer a produção de provas no sentido de demonstrar a intenção de transgredir o artigo 36, caput, da Lei das Eleições, já que o este TRE/SP, em recente assentada, admitiu a dilação probatória em Representações fundadas no artigo 96 da Lei das Eleições.

Não requereu a produção de prova documental ou testemunhal, e tampouco pleiteou o depoimento pessoal do réu, medida que poderia ser de extrema valia para a demonstração do elemento subjetivo.

Assim não agiu. Desincumbiu-se mal de seu ônus de provar os fatos constitutivos do direito que alega – elementos objetivos e subjetivos do artigo 36 da Lei n. 9.504/97 – conforme estabelece o artigo 333, I, do CPC.

As características da suposta propaganda não servem para demonstrar a vontade de realizar propaganda: ao contrário, evidenciam a boa-fé do Recorrente de prestar contas e de manifestar livremente seu posicionamento. Não há qualquer tom imperativo, eis que a missiva é toda vazada em termos amistosos e informais. A mensagem circulou somente entre amigos e colegas de trabalho, de forma que não tem a conduta qualquer aptidão para abalar o bem jurídico tutelado pela norma, vale dizer, a igualdade de oportunidade entre candidatos.

Assim, se há alguma presunção que deva prevalecer é a da licitude do procedimento do Recorrente e entender de forma contrária significa malferir o artigo 333, I, do CPC.

DA NÃO CARACTERIZAÇÃO DA PROPAGANDA

ELEITORAL ANTECIPADA

Ainda que superada a questão da intenção do agente do suposto ilícito noticiado na petição inicial deste feito, a reforma da r. sentença é medida de rigor, posto que os fatos não se subsumem ao tipo proibitivo do artigo 36 da Lei das Eleições.

O Texto Constitucional vigente, ao tratar em seu artigo 5° dos direitos e garantias fundamentais, asseverou em seu inciso IV que “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”. Decorre da mencionada norma – que paira sobranceira entre os direitos e garantias fundamentais no Estado Democrático de Direito – que é lícita e salutar a manifestação das opiniões políticas em suas duas mãos de direção – a formulação de críticas administrativas e a defesa de condutas da Administração Pública – bem como a prestação de contas dos desempenhos daqueles que exercem funções públicas.

E é nesse terreno da livre manifestação do pensamento e da opinião política que se insere a conduta do Recorrente.

Em seu texto de mais de oitenta linhas, o Recorrente, em primeiro lugar, agradece a dedicação dos profissionais da saúde no ano de 2.003. Depois, salienta as dificuldades do ano apontado como de crise; porém anuncia que, no seu entendimento, houve relevantes mudanças que anunciam tempos melhores.

Indicou os fatores da crise, como o crescente desemprego, o aumento da demanda do SUS e a queda da arrecadação e da falta de recursos para gerir hospitais.

Em seguida, indica que, apesar das dificuldades, conseguiu-se cumprir com parte dos objetivos numa pasta – a saúde – cuja boa gestão pode significar mitigação das injustiças sociais.

Destacou que o novo ano será o ano da consolidação da reconstrução e que, graças aos servidores, poderia listar sucessos como a implantação das subprefeituras, a consolidação do PSF, o controle da dengue, a criação de novas unidades do CAPS, a criação de unidades DST/AIDS, o lançamento de programas de controle e erradicação de enfermidades, implemento de programas sociais, investimentos, recuperação de hospitais, compra de equipamentos, modernização das gestões hospitalares, etc.

É esse, em verdade, o contexto da mensagem apontada como propaganda eleitoral antecipada. Primeiro, ela indica um cenário de crise que, no entender do Recorrente, estaria sendo superado; aponta êxitos dos quais os servidores são co-responsáveis e exorta-os a consolidar as melhorias no ano que agora corre.

Somente ao final é que manifesta sua opinião política . Sem pedir votos, apenas indica que, para ele, é relevante que Marta Suplicy consiga ser reeleita.

Termina sua missiva agradecendo o apoio e luta em 2.003, convocando todos os destinatários da mensagem a fazer um 2004 melhor, com um SUS que responda de forma mais adequada as necessidades de nosso povo.


Em suma: O ato do Recorrente é uma prestação de contas de seu desempenho como Secretário Municipal, parabenizando e exortando os servidores, acompanhado de breve – insista-se: muito breve – exposição de sua opinião política.

Com o devido respeito, a prática descrita não se confunde com propaganda eleitoral antecipada, conforme se infere de valiosos precedentes colhidos junto ao acervo de jurisprudência do C. Tribunal Superior Eleitoral.

Em decisão monocrática exarada em autos de Representação n.° 33, publicada no DJU de 26.06.1998, o Exmo. Min. FERNANDO NEVES deixou consignado que “Se é plenamente aceitável que autoridades do Poder Executivo ou membros do Poder Legislativo, mesmo antes do período de campanha eleitoral, prestem contas de seus atos, atividades e projetos (o que certamente irá produzir efeitos nas próximas eleições, quer em relação aos próprios candidatos, que em relação aos partidos políticos a que estão filiados), não seria correto impedir que as pessoas que não integram tais poderes possam discutir questões, alertar sobre riscos, propor caminhos ou soluções, ainda que daí resulte uma exposição na mídia ou divulgação de sua pessoa.”

E alerta o Exmo. Min. que “Mas isso não significa que tais atitudes – sejam elas quem participa ou apóia o governo ou quem a ele se opõe – possam ser consideradas como propaganda eleitoral para fins de punição prevista no artigo 36 da Lei 9.504, de 1997, que tem por objetivo impedir o início prematuro da campanha eleitoral propriamente dita e não retirar do cotidiano as pessoas que pretender disputar eleições.”

Na Representação n.° 39, em r. decisão da lavra do Exmo. Min. LUIZ CARLOS MADEIRA, assentou-se sobre propaganda eleitoral antecipada que “Essa limitação do tempo, no entanto, não inibe o proselitismo político em qualquer época. A divulgação dos feitos dos que detém o poder, a crítica da oposição, a defesa das políticas governamentais, o entrechoque das idéias, enfim, o exercício da democracia como garantia do dissenso contrasta com o totalitarismo.”

Em v. Acórdão TSE n.° 18.358, publicado no DJU de 14.05.2001, da lavra do Exmo. Min. FERNANDO NEVES, asseverou-se sobre a questão que “(…) o que se tem, no caso, a partir do que registrado pelo acórdão recorrido, é a divulgação da opinião de um homem público sobre problemas locais, atividade inerente a tal condição, que não caracterizar nenhuma das hipóteses referidas no tipo afastado pela Corte de origem, ou seja, não houve veiculação de propaganda política nem difusão de opinião da empresa de comunicação.” (grifos nossos)

Em que pese os argumentos expendidos na r. sentença ora recorrida, a comunicação via e.mail é interpessoal e restrita. A ela se equipara o envio de uma carta, sendo digna, portanto, do mesmo tratamento jurídico. Em toda correspondência incide, com toda a sua contundência, a liberdade de manifestação do pensamento.

Em r. decisão monocrática publicada no DJU de 06.11.2002, da lavra do Exmo. Min. FERNANDO NEVES, exarada em autos de Recurso Especial n.° 20.918, destacou-se que “A jurisprudência deste Tribunal consolidou-se no sentido de que não configura propaganda eleitoral extemporânea ou tratamento privilegiado a candidato, a matéria ou entrevista jornalística em que se noticia o apoio a determinada pessoa que pretende concorrer a cargo político, conforme decidido no Acórdão n.° 15.269, Relator Ministro Eduardo Alckmin, de 25.5.1999, assim ementado:”

Ora, se a imprensa escrita tem, com base no primado da liberdade da liberdade de imprensa – irmã siamesa da liberdade de manifestação do pensamento – a possibilidade de livremente manifestar seu apoio e suas preferências políticas sem que tal ato, por si, caracterize propaganda eleitoral gratuita, do mesmo direito de investe o cidadão, sujeito de direitos e obrigações na ordem jurídica.

Este pode manifestar, verbalmente ou por escrito, suas preferências políticas e os seus apoios, sem que tal ato caracterize propaganda eleitoral antecipada.

Com efeito, a conduta não é apta a lesar o bem jurídico tutelado pela regra do artigo 36 da Lei das Eleições e tampouco representa ofensa ao princípio constitucional da igualdade de oportunidades entre os atores do processo eleitoral, circunstância que faz incidir com vigor a liberdade constitucional acima invocada.

Mais patente e aquilatada fica a falta de aptidão do meio para caracterizar propaganda eleitoral antecipada e lesão ao bem jurídico tutelado quando coteja-se o número de mensagens eletrônicas enviadas com o universo de eleitores de São Paulo. Deveras, não são alguns e.mails enviados que terão a potencialidade de influir no eleitorado de uma cidade com alguns milhões de eleitores.

Ademais, a intenção inequívoca do Recorrente foi expor a atuação da secretaria sob o seu comando, os avanços perpetrados, a dedicação da atuação dos servidores da saúde e a exortação dos mesmos para continuarem no ano em que se aproximava com a prestação dos excelentes serviços que prestaram ao longo de 2.003.


Em autos de Recurso Especial n.° 19.608, de 21.02.2002, a Exma. Min. ELLEN GRACIE afirmou que “O TSE entende que ‘a tipificação [da propaganda eleitoral] exige que de seus termos haja induvidosa intenção de revelar ao eleitorado o cargo político que se almeja, a ação política que pretende o beneficiário desenvolver e os méritos que o habilitam ao exercício da função.” (grifos nossos)

Como se vê, deve concorrer todos os requisitos apontados e, ainda, haver induvidosa intenção de realizar a propaganda eleitoral. Não se pune a conduta sem que haja o dolo, a vontade deliberada de realizar a propaganda eleitoral. No caso vertente, a intenção era só parabenizar a equipe pelo ano que se encerrava, prestar contas e animá-los para que bons préstimos fossem realizados também no ano que se aproximava.

Ainda que assim não fosse, e respeitada a opinião do MD. Juízo a quo, o meio utilizado para a divulgação da missiva impediria a caracterização de propaganda eleitoral antecipada.

É entendimento adotado tanto pelo C. TSE quanto pelo E. TRE/SP que a manutenção de home page na internet não caracteriza propaganda eleitoral antecipada.

É premissa de tal entendimento o fato de ser a home page acessada em decorrência do ato volitivo do internauta. Este tem o site à sua disposição e somente acessa o seu conteúdo em razão de ato de vontade seu, vale dizer, quando busca a informação.

Em v. Acórdão TRE/SP n.º 140992, o Exmo. Juiz Relator DÉCIO DE MOURA NOTARANGELI, fez interessante comparação que serve de subsídio para a solução da presente demanda. Nas razões de seu muito bem fundamentado voto, destacou o Exmo. Relator que os sites de internet se equiparam a recintos fechados, que somente são adentrados por aquele que almeja a informação, ainda que de cunho eleitoral.

E a comparação também serve para o presente caso. A divulgação de mensagem por meio de e.mail é prática que não é apta a caracterizar propaganda eleitoral antecipada. O recinto onde se deu o suposto ato ilícito, tanto quanto em uma home page, é fechado. Vale dizer, somente um grupo muito restrito de pessoas teriam tido acesso ao conteúdo da mensagem e tal acesso também teria acontecido por ato de vontade dos destinatários.

Estes simplesmente poderiam rejeitar a mensagem eletrônica e não lê-la, se isso fosse de seu interesse.

Posto isso, tem-se que o ato apontado como ilícito aconteceu em recinto fechado, cujo acesso ao seu teor decorre única e exclusivamente da vontade do destinatário. Dessa forma, não houve prematura intrusão na consciência de eleitores, de forma que merece ser provido o presente recurso para torna-se insubsistente a pena pecuniária imposta.

Importante consignar que, para fins de caracterização de propaganda eleitoral antecipada, é irrelevante o fato de ter a mensagem partido de equipamento de informática pertencente à Municipalidade e de endereço eletrônico público.

O fato mostra-se irrelevante frente ao teor do artigo 36 da Lei das Eleições, porém por apego ao debate, convém destacar que custo algum foi suportado pelos cofres públicos com a prática noticiada na petição inicial de fls.

Com efeito, o uso de mensagens eletrônicas é gratuito, vez que por elas não se cobra taxas ou selos. Não houve qualquer aquisição de equipamentos para a prática do ato e, ademais, o teor da mensagem é, conforme já visto, de prestação de contas, agradecimentos e exortação dos servidores para que prestassem no ano vindouro bons serviços de saúde.

A licitude do ato não cede lugar, de acordo com os argumentos já expendidos alhures, ao fato de haver singela manifestação de opinião política.

DA INCONSTITUCIONALIDADE DA SANÇÃO TRAZIDA NO

ARTIGO 36, § 3°, DA LEI N. 9.504/97

Em sua defesa, salientou o Recorrente a inconstitucionalidade da sanção pecuniária prevista como reprimenda para a prática de propaganda eleitoral antecipada.

O MD. Juízo a quo afastou a alegação deduzida ao argumento de que “Nem é inconstitucional a sanção, pois admite a gradação entre o piso e o teto, considerando-se as circunstâncias de cada infração.”

Contudo, em que pese o respeito e admiração endereçados ao prolator da r. sentença, reafirma o Recorrente sua certeza de que as penas pecuniárias trazidas pela Lei n.° 9.504/97, em especial a do artigo 36, § 3°, são inconstitucionais, por violarem o princípio constitucional da proporcionalidade/razoabilidade.

O artigo 5°, LIV, da Constituição Federal de 1988 estabelece que “ninguém será privado dos seus bens sem o devido processo legal;”.

O princípio do devido processo legal constitui-se em fundamento basilar do Estado Democrático de Direito e ultrapassa a condição de mera garantia processual constitucional dos Jurisdicionados. Tal preceito constitucional, é certo, irradia seus efeitos também na seara do direito material.


É o que a doutrina especializada vem denominando, com inspiração na doutrina constitucional norte-americana e alemã, de devido processo legal substancial.

Aquela cláusula constitucional é o abrigo do princípio da proporcionalidade/razoabilidade, que deve servir de barreira à discricionariedade da Administração Pública e do próprio Legislador no estabelecimento de todas as espécies de sanções.

Em v. Acórdão do C. STJ, em autos de Recurso Ordinário em Habeas Corpus 12878/SP, 4ª Turma, DJU de 11.11.2002, o Eminente Min. RUY ROSADO DE AGUIAR deixou consignado que

“A idéia da proporcionalidade, diz o Prof. Willis Santiago Guerra Filho, um dos primeiros a tratar do tema entre nós, traduz-se num importante princípio jurídico porque viabiliza a dinâmica da acomodação dos princípios e funciona como um verdadeiro ‘topos’ argumentativo, útil para equacionar questões práticas (‘O princípio constitucional da proporcionalidade’). É esse aspecto que serve ao juiz quando colocado diante da possibilidade de aplicar regras de direito material ou processual que imponham sanções, restringindo alguns bens fundamentais, como a liberdade e a igualdade. Cumpre-lhe atentar para a finalidade a ser atingida e o valor que se quer preservar, a vantagem que daí possa decorrer e a desvantagem no âmbito pessoal ou social. Se a ofensa a ser causada pela sanção for desproporcional ao proveito, deve o juiz deixar de fazer a aplicação judicial da medida, que a lei autoriza ainda que adequada (eficaz) ou exigível (necessária).”

Para CARLOS ROBERTO SIQUEIRA DE CASTRO, em seu livro “O DEVIDO PROCESSO LEGAL E A RAZOABILIDADE DAS LEIS NA NOVA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL” (Ed. Forense, 1989, p. 160), a cláusula constitucional do devido processo legal substancial e o princípio da proporcionalidade/razoabilidade visa obstar “(…) o abuso do poder normativo governamental, isto em todas as suas exteriorizações, de maneira a repelir os males da ‘irrazoabilidade’ e da ‘irracionalidade’, ou seja, do destempero das instituições governamentais, de que não está livre a atividade de criação ou de concreção das regras jurídicas nas gigantescas burocracias contemporâneas.”

E, s.m.j., a multa pecuniária trazida pelo artigo 36, § 3° é inconstitucional, posto que fixada, in abstrato , em patamares desarrazoados e confiscatórios.

Com efeito, não é razoável apenar aquele que distribua um único santinho, ou que escreva uma única missiva, ainda que com conteúdo eleitoral, antes de 05 de julho de cada ano eleitoral, fique sujeito a multa no valor de 20.000 a 50.000 UFIR’s.

Se um único cartaz, banner ou missiva é capaz de atrair a incidência daquela pesada multa pecuniária, sem o exame da ocorrência de danos ou prejuízos , deve-se reconhecer que aquela sanção não se coaduna ao princípio constitucional da proporcionalidade, e pela sua flagrante inconstitucionalidade, não merece ser aplicada.

Não é inverossímil imaginar que a aplicação da multa pode gerar, efetivamente, a ruína financeira do Recorrente pela prática de propaganda irregular.

Evidente o excesso na reprimenda do ilícito administrativo, não havendo, na lição de CANOTILHO, a justa medida.

A propósito, J.J. GOMES CANOTILHO anota ás páginas 263 de seu livro DIREITO CONSTITUCIONAL E TEORIA DA CONSTITUIÇÃO, discorrendo sobre o princípio da proporcionalidade, que

“(…) Meios e fins são colocados em equação mediante um juízo de ponderação, com o objectivo de se avaliar se o meio utilizado é ou não proporcionado em relação ao fim. Trata-se, pois, de uma questão de ‘medida’ ou ‘desmedida’ para se alcançar um fim: pesar as desvantagens dos meios em relação às vantagens do fim.”

Importa destacar que o afastamento da pena pecuniária não arranha a eficácia dos comandos legais insculpidos nos artigos 36 e 37 da Lei das Eleições, posto que a lei processual e penal municiam a Justiça Eleitoral de mecanismos de coerção.

Constatada a propaganda irregular, deve o candidato ser notificado para que faça cessar ou regularize tal publicidade.

Quedando-se inerte, deve ter curso a Representação Eleitoral, nos termos do artigo 96 da Lei n. 9.504/97, para que, observados os princípios do contraditório e da ampla defesa, seja determinada a retirada da propaganda, cominando-se multa diária (astreintes) pelo descumprimento da obrigação.

E não é só. Pode a Justiça Eleitoral determinar a cessação da propaganda eleitoral irregular em prazo razoável, sob pena de desobediência (artigo 347 do CE).

Na hipótese dos autos, persegue-se a imposição de multa eleitoral pela prática de suposta irregularidade, multa esta que, conforme demonstrado, é inconstitucional por ferir a proporcionalidade/razoabilidade.

DOS PEDIDOS

Ante o exposto, e por tudo mais que consta dos presentes autos, requer-se que, após o seu regular processamento, seja dado provimento ao presente recurso para que:

I – acolhida a questão preliminar, seja declarada a nulidade do processamento do feito;

II – ou, caso superada a questão preliminar suscitada, seja reconhecida a legalidade da conduta noticiada na peça vestibular, tornando insubsistente a r. sentença de fls., bem como a pena pecuniária imposta ao Recorrente;

III – caso não reformada a r. sentença, com o afastamento da multa imposta, requer seja apreciada a controvérsia acerca da constitucionalidade da multa pecuniária trazida pelo art. 36 da Lei 9.504/97, de acordo com os argumentos acima aduzidos.

Ita Speratur Justitia!

São Paulo, 14 de Abril de 2.004.

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