Caos social

Presidente da OAB diz que Exército não é treinado para conciliar

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13 de abril de 2004, 15h33

O presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Roberto Busato, criticou a idéia de que haja uma intervenção das Forças Armadas no Rio de Janeiro com o objetivo de conter a guerra do tráfico na Rocinha. Para Busato, o Exército não é treinado para conciliar conflitos sociais e sua participação nas ruas poderia agravar a situação.

“O Exército é treinado para matar e é evidente que se houver uma retaliação por parte dos traficantes e de outros segmentos envolvidos nessa crise, o Exército vai partir para o confronto. Com isso, se instalará uma guerra civil dentro do Brasil, o que seria um agravamento dessa crise social”, afirmou o presidente da OAB.

A intervenção do governo federal nessa crise deve ser rápida na opinião do presidente da OAB. Para ele, está provado que o governo do Rio de Janeiro já não tem mais condição de controlá-la e muito menos de solucionar o problema. Para ele, devem ser utilizadas verbas federais do Fundo Nacional de Segurança Pública para coibir novos conflitos no Rio, mas somente se a intenção for resolver o problema em definitivo.

“É aparelhando a polícia, aumentando o seu contingente, sofisticando o seu armamento e treinando a Polícia que será possível combater esse problema”, afirmou. O presidente da OAB acompanha a crise no Rio de Praia, capital de Cabo Verde, onde participa do VII Encontro da Associação das Ordens e Associações de Advogados de Língua Portuguesa.

Leia a entrevista concedida pelo presidente da OAB

O senhor está acompanhando a crise que se transformou em praticamente uma guerra no Rio de Janeiro?

Esses acontecimentos do Rio de Janeiro têm tido ampla repercussão aqui em Cabo Verde. Lamentavelmente o Estado do Rio perdeu totalmente o controle da segurança pública. Não consegue defender esse grande patrimônio, que é o Rio de Janeiro, que tem uma visibilidade muito grande no exterior e reflete a imagem do próprio Brasil por tudo o que representa. Na minha opinião, é preciso que o governo federal faça uma intervenção e some esforços com o governo do Estado para que haja um combate efetivo e definitivo dessa situação que corrói o Rio e se agrava cada vez mais. Se não aniquilarmos esse estado de caos e de desordem social, estaremos realmente entregando à bandidagem um dos maiores patrimônios do Brasil, sua primeira capital. Nós somos favoráveis à liberação de verbas pelo Fundo Nacional de Segurança Pública. Somos favoráveis à decretação de um estado de defesa, mas com muita reserva neste aspecto porque isso envolve a restrição de direitos individuais e esses direitos não podem ser diminuídos em função da desídia que o Estado teve, de sua falta de competência no sentido de conter essa violência.

O senhor acredita que a intervenção das Forças Armadas seria uma boa alternativa?

Nós somos absolutamente contra a intervenção das Forças Armadas porque o Exército não é treinado para esse tipo de conflito e sua participação nas ruas poderia agravar a situação. O Exército é treinado para matar e não para conciliar conflitos sociais. É evidente que se o Exército se envolver e houver uma retaliação por parte dos segmentos envolvidos nessa crise, o Exército vai partir para o confronto e nós poderemos vir a instalar uma guerra civil dentro do Brasil, o que seria um agravamento dessa crise social. Acredito que precisamos ter serenidade neste momento difícil para interpretar a gravidade dos fatos e partir para uma solução que seja definitiva. Não é possível mais a persistência desse estado de coisas e esta crise ir e voltar, ir e voltar a cada momento e nunca terminar. Não é possível mais que a população ordeira desse Estado fique refém da bandidagem.

O senhor acredita que o governo federal deve intervir nessa crise?

O governo federal tem que intervir porque está provado que o Estado do Rio de Janeiro já não tem mais qualquer condição de controlar essa crise e muito menos de solucionar o problema. Quando o vice-governador do Estado, Luiz Paulo Conde, vem com essa bobagem de construir um muro de três metros para cercar a Rocinha, ele demonstra claramente que perdeu a condição de controlar este estado de coisas. Como conseqüência, o governo tem que intervir e resolver definitivamente esse problema. Acho que têm que ser usadas verbas federais, que é recurso de todo o Brasil, mas no sentido de resolver em definitivo esse problema. É aparelhando a polícia, aumentando o seu contingente, sofisticando o seu armamento e a treinando que será possível combater esse problema. Também é preciso fazer um trabalho sério de educação, um amplo trabalho social e erradicar os focos de criminalidade para que acabem os problemas. Não adianta chegar lá agora e remediar a situação. Não adianta colocar o Exército lá na tentativa de resolver um conflito que está instalado há anos. Temos que resolver definitivamente o problema.

Está faltando mais educação para o povo?

Sim, este é um dos aspectos que contribuiriam para eliminar esse conflito. É preciso conceder educação, melhor saúde, uma séria de melhorias precisam ser feitas nas favelas para que se dê um fim a essa crise, que chegou a um ponto incontrolável. Se não se atacar a causa dos problemas desta vez, o governo vai ser obrigado a voltar com o Exército inúmeras vezes. Se se partir meramente para acalmar o conflito, tudo continuará como sempre esteve. Tem que haver um trabalho de segurança pública e social de curto, médio e longo prazo para eliminar essas circunstâncias que denigrem a cidade, o Estado e o país.

O desemprego, a violência e essa situação que está ocorrendo no Rio de Janeiro é o retrato do caos social que o Brasil está vivendo?

É. Além disso, é um alerta bastante agudo para o governo federal, que foi eleito para reformar este país. Então, está na hora dele partir deste conflito que está instalado para mostrar a que veio e reformar esta situação de desigualdade que existe no Brasil. O desemprego aumenta cada vez mais, a economia não está direcionada para auxiliar nesses conflitos e o resultado é que o Rio de Janeiro, que possui grande descontrole na parte social, virou praticamente um campo de guerra civil, onde existem situações tão bizarras como aquelas que vemos na TV envolvendo árabes e judeus, Estados Unidos e Iraque. É o mesmo quadro, são as mesmas imagens que se vê nesses países. Isso demonstra a grave situação por que passa aquela cidade.

Para concluir, é preciso sair do discurso e partir para a prática.

Sem dúvida, mas a prática não deve ser a de cortar meramente os efeitos. O Brasil já está cansado de ver as verbas públicas serem revertidas apenas para conter conflitos. Gastar milhões e milhões porque o MST ameaça deflagrar o “Abril Vermelho”, gastar outros milhões do Fundo Nacional de Segurança Pública para acalmar uma revolta entre dois morros não adianta nada. É realmente jogar dinheiro fora e demonstrar irresponsabilidade do Estado no dirimir dos conflitos sociais. O que é preciso fazer é transformar essa situação do Rio de Janeiro em um laboratório para que o governo dê aquele primeiro passo que a OAB e o povo vêm pedindo, no sentido de deflagra reformas sociais. É preciso atacar as causas e não os efeitos. (OAB)

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