Quase parando

Em Cabo Verde, advogados reclamam da morosidade da Justiça.

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13 de abril de 2004, 12h53

Os presidentes de Associações e Ordens de Advogados dos países de língua portuguesa têm um mesmo pensamento em relação ao Judiciário: ele é lento e carece de reformulações para que haja acesso mais célere à Justiça.

O tema é um dos que estão em debate no VII Encontro da Associação das Ordens e Associações de Advogados de Língua Portuguesa, que será realizado até quarta-feira (14/4) em Praia, capital de Cabo Verde.

Pelo Brasil, participam do encontro o presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Roberto Busato, e o secretário-geral da entidade, Raimundo Cezar Britto.

Veja os depoimentos dos advogados

Presidente da Ordem dos Advogados de Angola, Raul Araújo

“Nossa Justiça é extremamente lenta. Nós herdamos um sistema que é o português, chegamos à independência somente em 1975 e toda a nossa legislação processual é do final do século XIX em matéria penal. Em Direito Civil, nossas leis são do princípio do século XX. O país está fazendo um estudo, no qual a própria Ordem dos Advogados está colaborando, para fazer uma reforma no sistema Judiciário de Angola. Esperamos que, dentro de pouco tempo, possamos ter as idéias mais claras sobre como alterar o estado atual em termos de Justiça”.

Presidente da Ordem dos Advogados de Guiné-Bissau, Armando Mango

“Nossa Justiça é muito lenta porque possui uma série de problemas. O primeiro deles é que há uma intervenção do Executivo sobre o Judiciário. Com isso, os juízes que fazem resistência a essa intervenção acabam por protelar a tomada de decisões. De outro lado, os juízes são mau remunerados e possuem condições de trabalho ruins. Nos gabinetes, nem ar condicionado têm. Os escrivães não dispõem sequer de armários para guardar os processos. Além disso, só têm máquinas para trabalhar, já que lá a informática ainda não chegou. O nosso escrivão leva uma hora para bater as atas em uma audiência enquanto que, com um computador, esse trabalho seria feito em menos de meia hora. Isso é uma coisa do século XIX. Essas dificuldades realmente fazem com que a Justiça seja muito morosa. Outro ponto importante é que a nossa Justiça ainda é cara. Nós recebemos o Código de Processos Judiciais de Portugal e a realidade de agora já não condiz com ele. Nós temos uma província que agora é um país em que as pessoas não ganham muito bem e quem ganha não recebe. Não é novidade para ninguém que o governo da Guiné-Bissau deve onze meses de salários. São essas e outras que fazem com que a Justiça seja muito lenta na Guiné”.

Presidente da Ordem dos Advogados de Portugal, José Miguel Júdice

“A Justiça não é tão lenta como no império romano. O imperador Adriano, quando foi à Grécia, resolveu um problema histórico que existia há 150 anos. Hoje ela está um pouco melhor, mas a tradição romana ainda está aí completamente presente e o atraso no julgamento dos processos é muito grande”.

Presidente da Ordem dos Advogados de Timor Leste, Lúcia Lobato

“A justiça é muito lenta, ainda não temos leis e nossos recursos humanos são muito fracos, portanto, esses são fatores importantes que atrasam o funcionamento da Justiça no Timor Leste. Mas é claro que, para uma nação que tem apenas dois anos de idade é importante termos iniciado alguma coisa. Estamos fazendo todo o esforço para que possamos avançar. O Brasil tem desempenhado um papel muito importante no desenvolvimento do nosso sistema judicial e é exatamente isso que apelamos ao povo brasileiro, que nos apóiem especificamente no ramo da Justiça”.

Presidente da Ordem dos Advogados de São Tomé e Príncipe, Aristides Salvaterra

“Antes de falar em lentidão da Justiça, creio que é importante falar do próprio sistema. Nós temos um sistema Judiciário que é deficiente, ainda em fase de constituição. Temos uma quantidade de pessoas do ponto de vista acadêmico e até mesmo profissional que ainda deixa a desejar. Por outro lado, há alguns aspectos estruturais que impedem a boa administração da Justiça, sem falar em aspectos do ponto de vista financeiro. Ultimamente tem havido um esforço maior no sentido de aprimorar a Justiça, de recrutar novos magistrados, obviamente com uma nova visão sobre as coisas. É um sistema que ainda tem os seus defeitos. Não por falta de esforço daqueles que estão envolvidos, mas por fatores estruturais e conjunturais. Ela ainda é uma Justiça muito demorada e não tem como mudar de um dia para o outro porque é preciso contar com recursos financeiros, humanos. Do ponto de vista do Estado, tem havido um certo esforço para que possamos oferecer uma Justiça melhor. Então, acredito que estamos seguindo o nosso processo de crescimento”.

Presidente da Ordem dos Advogados de Macau, Jorge Neto Valente

“Eu acho que a Justiça nunca é tão rápida quanto se espera. Tudo é relativo. Já vi Justiças piores e já vi melhores. Neste momento, em Macau há uma tendência para a lentidão na primeira instância porque há um volume muito grande de processos. Isso explica em parte a morosidade do nosso Judiciário. Por outro lado, há magistrados com pouca experiência, que têm grande dificuldade em resolver os casos mais complexos. Na segunda e na última instâncias, os prazos são bastante razoáveis. Na última instância, especialmente, os processos demoram apenas alguns meses para serem julgados e na segunda instância a média de julgamentos é de seis meses.”

Presidente da Ordem dos Advogados de Cabo Verde, Lígia Dias Fonseca

“Todo mundo se queixa que a Justiça é lenta em Cabo Verde. Nós temos o direito de acesso à Justiça consagrado em nossa Constituição e a uma Justiça célere. O grande problema é que os processos deveriam ser concluídos em dois ou três meses e acabam durando anos e anos, com prejuízo para a parte condenada, que muitas vezes tem que arcar com uma indenização muito maior do que teria que pagar caso se fosse condenada dentro do prazo normal para o processo ser decidido. Outras vezes a parte prejudicada acaba sendo o próprio ofendido, que, quando opta por ir à Justiça, ela não mais lhe serve. Temos tido algumas reformas no sentido de melhorar a Justiça, sem pôr em risco a segurança jurídica. Tanto no processo penal quanto no processo civil, uma de nossas grandes preocupações é criar mecanismos que tornem a nossa Justiça mais célere”. (OAB)

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