Canudo na mão

Vicentinho termina faculdade de Direito e conta planos para o futuro

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12 de abril de 2004, 10h37

O deputado federal Vicente Paulo da Silva, o Vicentinho, recebe nesta terça-feira (13/4), aos 48 anos de idade, seu canudo de bacharel em Direito. A colação de grau do estudante da Uniban, de São Bernardo do Campo, será no Via Funchal, em São Paulo.

Em entrevista exclusiva à revista Consultor Jurídico, Vicentinho afirma que pretende atuar nas áreas trabalhista e de Direitos Humanos “para defender meninos de rua, mulheres violentadas e prostituídas — o povo da rua, que não tem que os defenda”.

Contudo, seus planos de exercer a profissão serão um pouco adiados pelo que chama de missão político-partidária. “Além de estar no exercício de um mandato de deputado federal, que o povo me confiou com expressiva votação, serei candidato a prefeito de São Bernardo do Campo. Assim, os planos de exercer a advocacia estão adiados por mais algum tempo”, disse.

Vicentinho discorreu ainda sobre a reforma do Judiciário e as reformas sindical e trabalhista. O deputado é a favor do controle externo e contra a súmula vinculante, que considera uma medida que “mata a criatividade dos juízes”. Em relação à reforma trabalhista, ele firma posição contra qualquer tipo de flexibilização que avilte direitos adquiridos dos trabalhadores.

Leia a entrevista:

Quais são as diferenças, pessoais e profissionais, entre o Vicentinho calouro e o Vicentinho bacharel?

A diferença fundamental é que, embora eu tenha feito a faculdade da vida e reconheça que grande parte do que sei e sou devo a esse aprendizado acumulado com a prática e a luta do dia-a-dia, tudo o que aprendi na escola trouxe um plus para a minha caminhada. Eu fiquei muito surpreso com todo o conhecimento que a academia me proporcionou. Acho que temos de ter a humildade de reconhecer que a academia, que os estudos, sempre agregam algo a mais. Hoje, me sinto mais preparado para os desafios que me proponho a enfrentar.

O senhor pretende ser um advogado atuante?

Pretendo. Aliás, meu sonho era ser juiz e ainda tenho essa idéia. Pretendo oportunamente operar na área do Direito, mas ainda tenho que cumprir minha função político-partidária. Além de estar no exercício de um mandato de deputado federal, que o povo me confiou com expressiva votação, serei candidato a prefeito de São Bernardo do Campo. Assim, os planos de exercer a advocacia estão adiados por mais algum tempo.

O que e quem defenderá o Vicentinho advogado?

Ao exercer a função, gostaria de ter condição de atuar na área do Direito do Trabalho, que é um assunto com o qual tenho grande afinidade. Também quero trabalhar na área dos Direitos Humanos, para defender meninos de rua, mulheres violentadas e prostituídas – o povo da rua, que não tem que os defenda.

Qual a sua avaliação sobre a reforma do Judiciário nos moldes com que foi aprovada pelo Senado?

A proposta de reforma do Judiciário foi bem encaminhada na votação no Senado, mas ainda não passou pelo plenário e alguns de seus pontos voltarão para a Câmara para serem reexaminados. Entre os pontos mais polêmicos, posso lhe dizer que apóio o controle externo do Judiciário, mas não concordo com a súmula vinculante.

Por quê deveria haver um controle externo?

Acho que o controle externo do Judiciário é de suma importância, pois a população precisa ser informada em relação às atitudes do Poder Judiciário, da mesma forma que é informada sobre as atitudes do Legislativo e do Executivo. É uma questão de transparência e uma justa prestação de contas à sociedade.

Que problema o senhor vê na súmula vinculante?

Essa medida fere a autonomia das instâncias e mata a criatividade dos juízes, impedindo-os de tomar as decisões mais justas possíveis.

Em relação à Justiça do Trabalho, o que precisa ser modificado?

A Justiça do trabalho só deve ser procurada em último caso e quando as duas partes assim concordarem. Acho que é preciso que o sindicato seja o substituto processual dos trabalhadores. Com isso, os sindicatos ganharão mais poder de negociação e muita coisa deixará de ser levada à Justiça, pois muito se resolverá na mesa de negociações. Também acho que a Justiça tem de ser mais célere em suas decisões.

E a atual reforma ajuda para que a Justiça seja mais rápida

Refrente à Justiça do Trabalho, quando for aprovado o substituto processual, sim, os processos terão a tramitação acelerada, e muito. Processos que levam 15, 20 anos para serem resolvidos atualmente, poderão levar um mês. Isso porque em vez de haver mil, dois mil processos por uma causa, com o sindicato como substituto do trabalhador, haverá uma causa só com solução para todos os questionamentos de igual natureza. O trabalhador não precisará mais se envolver com o processo, sobretudo nas causas que envolvem um contingente maior de pessoas. É preciso que se explique que 80% dos processos individuais que correm hoje na Justiça do Trabalho referem-se a trabalhadores desempregados e os outros 20% a empregados que estão processando a empresa anterior.

Como é o acesso do trabalhador à Justiça?

Vejo sensível melhora na instância superior, no Tribunal Superior do Trabalho. Talvez isso se deva à dinâmica do atual presidente, que tem aberto o tribunal para o debate, abrindo espaço para que os setores façam suas críticas. Esse procedimento tem trazido muita coisa nova nessa área e já repercute bem em outras instâncias também.

Qual a sua opinião sobre a reforma sindical desenhada pelo Fórum Nacional do Trabalho?

O mais importante dessa reforma, tão importante quanto seu conteúdo, foi o fato de tudo ter sido amplamente negociado. A negociação contemplou posições dos trabalhadores, dos empresários e do governo, com participação de membros do Legislativo, como eu próprio. Com a proposta final que será encaminhada pelo governo para o Congresso, o processo de negociação permitirá que outras propostas que hoje tramitam no Congresso sejam retiradas. Vou estimular meus pares a retirar propostas, como eu próprio o farei oportunamente com a PEC (Proposta de Emenda Constitucional) que apresentei.

Mas especula-se que há o risco de que as centrais possam negociar direitos adquiridos dos trabalhadores, como o FGTS. Existe realmente esse risco?

Eu não creio, mas, se houver, será um ponto de conflito. Eu não tenho concordância nenhuma no que se refere a precarizar ou reduzir direitos dos trabalhadores. Há empresários parlamentares que insistem nessa tese, mas os problemas do país não são os direitos dos trabalhadores. A crise que o país enfrenta se deve à situação econômica. E o tema “direito dos trabalhadores” vem à tona devido à crise. É preciso que fique claro que a reforma não será feita com o propósito de gerar empregos, mas de criar uma relação estável entre empregados e empregadores, que acabe, por exemplo, com a informalidade. Um conjunto de regras claras e estáveis, que estimule positivamente a relação entre empregados e empregadores, poderá, sim, atrair novos investimentos, porque quem se instalar no Brasil saberá que a relação é estável. Mas, para quem tem a expectativa de que a reforma gere empregos, será muito frustrante.

A reforma trabalhista deve ganhar espaço na agenda do governo no ano que vem. Quais os limites dessa reforma?

Os limites serão reformar sem retirar direitos, modernizar sem precarizar as condições de trabalho, reconhecer a importância da pequena e da microempresa, sem, entretanto, escravizar os trabalhadores.

Para o senhor, até onde os direitos podem ser negociados e as leis do trabalho flexibilizadas? Quais os principais pontos que o governo deve observar nesse provável reforma?

Até onde não avilte as condições dos trabalhadores, não os transforme em trabalhadores escravizados, precarizados. Até onde haja a concordância dos trabalhadores – tudo tem de ser amplamente debatido e negociado. Deve-se observar o princípio da liberdade sindical, o fim de contribuições compulsórias e o estímulo às soluções negociadas.

Isso significa que parcelar 13º salário ou diminuir a multa de 40% do FGTS nos casos de demissão, nem pensar?

É isso mesmo. Essas propostas de parcelamento e outras que têm sido aventadas, como o parcelamento de férias, significam, sim, diminuição de direitos. Não concordamos com isso. Se isso é um problema para a pequena e para a microempresa, a solução não está em tirar direitos do trabalhador, mas sim na questão tributária. Essas empresas, que geram empregos e produzem, deveriam pagar menos impostos. A produção tem de ser privilegiada.

O senhor se torna bacharel aos 48 anos. O que acha do fato de a maioria dos trabalhadores com mais de 40, 45 anos de idade ficarem praticamente excluídos do mercado de trabalho?

Isso é um desrespeito frontal à dignidade humana. Quando vejo como os países mais avançados tratam os trabalhadores de mais idade, sempre me impressiono. Eles sabem valorizar a experiência. Tenho refletido muito sobre como assegurar emprego e renda aos trabalhadores mais jovens e aos mais velhos. Defendo, por exemplo, que se criem cotas para que esses grupos não sejam excluídos do mercado de trabalho.

De apontador e inspetor de qualidade a um dos mais reconhecidos líderes sindicais, deputado federal e, agora, bacharel em Direito. Como o senhor se define e que conselho daria para que outros trabalhadores sigam o seu exemplo?

Me defino como alguém que luta, que tem que enfrentar desafios a cada momento e que quer ser útil aos sofridos e aos injustiçados. O conselho é: nunca é tarde para começar, nunca perder a esperança, nunca desistir.

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