Pedido de vista

STF adia julgamento sobre criação de regiões no Rio de Janeiro

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12 de abril de 2004, 19h56

Um pedido de vista do ministro Joaquim Barbosa adiou, nesta segunda-feira (12/04), o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade ajuizada pelo PDT, em 1998, contra a Lei Complementar 87/97, e os artigos 8º a 21 da Lei 2869/97, ambas do Rio de Janeiro.

A primeira norma dispõe sobre a Região Metropolitana do Estado, sua composição, organização e gestão, e sobre a Microrregião dos Lagos. Define também as funções públicas e serviços de interesse comum metropolitano. A segunda lei é sobre o regime de prestação do serviço público de transporte ferroviário e metroviário de passageiros e sobre o serviço público de saneamento básico no Estado.

O relator da matéria, ministro Maurício Corrêa, determinou que fossem apensadas a essa ADI outras três – ADI 1826, do Partido dos Trabalhadores; ADI 1843, do Partido da Frente Liberal; e ADI 1906, do Partido Popular Socialista. “A identidade e conexão dos respectivos objetos recomendam o julgamento conjunto, a partir do presente feito, que é mais abrangente. Proponho, assim, a reunião das ações, ficando as partes como litisconsortes ativas nesta ADI 1842”, disse.

Para o PDT, as normas impugnadas usurpam, em favor do Estado do Rio de Janeiro, funções de estrita competência dos municípios que integram a chamada região metropolitana. Sustenta, assim, violação dos princípios constitucionais do equilíbrio federativo (artigos, 1º, 23, I e 60, § 4º, I), da autonomia municipal (artigos 18 e 29), da não-intervenção dos estados em seus municípios (artigo 35), das competências municipais (artigos 30, I, V e VII, e 182, § 1º) e das competências comuns da União, do Estado e dos municípios (artigos 23, VI, e 225).

Argumenta que a LC 87/97, ao criar a Região Metropolitana do Rio de Janeiro, passou à administração do Estado grande parte das funções e serviços que a Constituição Federal reservou especificamente aos municípios, sob o argumento de cuidar-se de interesses comuns ou metropolitanos. Diz que a lei ordinária, por sua vez, dispôs sobre o serviço público de saneamento básico no Estado, estabelecendo, inclusive, a política tarifária, tema de manifesta competência e interesse municipal.

Segundo o PDT, não se aplica à hipótese o disposto no parágrafo 3º do artigo 25 da Constituição Federal. O dispositivo constitucional citado determina que “os Estados poderão, mediante lei complementar, instituir regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, constituídas por agrupamentos de municípios limítrofes, para integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum”.

O partido defende que os preceitos impugnados não trataram de “integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum” de agrupamentos de municípios limítrofes, mas tão somente transferiram ao Estado a exclusiva execução dessas políticas públicas.

Ao se manifestar sobre a ADI, a Advocacia Geral da União (AGU) argumentou, preliminarmente, pela sua prejudicialidade por perda de objeto quanto ao Decreto 24631/98, relativo à alienação da Companhia Estadual de Águas e Esgotos-CEDAE, impugnado pelo PPS na ADI 1906 (apensa). Alegou que a norma foi revogada pelo Decreto 24804/98. Também disse estar prejudicada a LC 87/97, alterada pela LC 89/98. Pedia, ainda, que a inicial fosse julgada inepta, alegando que a impugnação é genérica e abstrata. No mérito, a AGU e a Procuradoria Geral da República opinaram pela improcedência da ação.

Hoje, o relator rejeitou a preliminar de inépcia levantada pela AGU. Disse que “a longa e detalhada peça inicial produzida pelo PDT indica com clareza os dispositivos legais impugnados, individualizando as razões que resultariam na sua incompatibilidade com o ordenamento constitucional vigente”.

Ele julgou a ADI prejudicada quanto a certos dispositivos revogados por lei superveniente. No caso, o Decreto 24631/98 e os artigos 1º, 2º, 4º e 11, da LC 87/89. “De qualquer sorte, a análise dos demais dispositivos da lei complementar questionada exige uma avaliação acerca da possibilidade de o Estado-membro criar regiões administrativas compostas de municípios limítrofes, regular e executar funções e serviços públicos de interesses comuns, bem como da extensão dessa autorização, em princípio contemplada pelo parágrafo 3º do artigo 25 da Constituição Federal”, disse Maurício Corrêa.

Ele salientou que, no julgamento da ADI 1841, o Supremo decidiu que a “instituição de regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, constituídas por agrupamento de municípios limítrofes, depende, apenas, de lei complementar estadual”. “Assim sendo, patenteia-se que a Constituição Federal tem por objetivo possibilitar ao Estado-membro, por meio de seus representantes, a união de municípios territorialmente próximos e que por essa razão tenham interesses e problemas comuns, de modo que possam encontrar soluções mais eficazes e que melhor atendam à coletividade da região, e não apenas de cada um dos municípios isoladamente” disse o relator.

Segundo ele, “a forma de repartição constitucional de competências visa exatamente essa atuação conjunta e integrada, que, no caso dos Estados e municípios, consideradas as peculiaridades regionais de cada um, pode ser redimensionada segundo autoriza o parágrafo 3º do artigo 25 da Carta de 1988”.

“Por óbvio, esse agrupamento de municípios, que decorre inicialmente da necessidade física concreta de formação de conglomerado urbano único, não se dá para fins meramente acadêmicos, geográficos ou algo parecido, mas efetivamente para cometer ao Estado a responsabilidade pela implantação de políticas unificadas de prestação de serviços públicos, objetivando ganhar em eficiência e economia, considerados os interesses coletivos e não individuais. Os problemas e os interesses de cada núcleo urbano passam a interagir de tal modo que acabam constituindo um sistema sócio-econômico integrado, sem que com isso possa admitir-se a ocorrência de violação à autonomia municipal, tendo em vista o comando constitucional autorizador”, disse Corrêa.

Para ele, a crescente demanda por serviços públicos não permite que as autoridades executivas, isoladamente, atendam às necessidades da sociedade. Daí a necessidade de “uma ação conjunta e unificada dos entes envolvidos, especialmente da unidade federada, a quem incumbe a coordenação, até porque o número de habitantes de cada município desses conglomerados compõe a própria população do Estado-membro”.

“Por outro lado, a complexidade das obras e dos serviços metropolitanos, invariavelmente de altíssimo custo, não permitem que os Poderes Executivos municipais, de forma isolada, os satisfaçam. Como o interesse da sociedade, aliás direito público oponível contra o Estado, é de âmbito regional e não apenas local, a Constituição autorizou a instituição desses aglomerados, sempre através de lei complementar, pela relevância de que se revestem”, disse Corrêa.

Ele concorda que “sem dúvida, a instituição desse mecanismo torna relativa a autonomia municipal nas matérias que a lei complementar julgou por bem transpor para o Estado”. Completa que, “porém, a participação dos municípios na solução dessas questões não é apenas desejável, segundo o espírito democrático que deve nortear tal atuação, mas essencial, em face da qualificação do próprio sentido vernacular do verbo integrar utilizado pela Constituição, do qual desponta cristalino que as decisões de interesse dessas áreas deverão ser compartilhadas entre os municípios que as compõem e o Estado”.

O ministro-relator acolheu afirmação da Procuradoria Geral da República que, ao se pronunciar sobre a questão, sustentou que “o legislador constituinte atribuiu ao Estado Federado a responsabilidade pela solução dos problemas metropolitanos no âmbito de sua competência residual, mediante a integração do planejamento, organização e da execução de funções públicas de interesse comum do Estado e dos municípios agrupados nesta unidade territorial. O conceito de autonomia dos entes político-administrativos deve ser ampliado, demandando uma diferenciação singular das categorias tradicionais de distribuição de competências e de autonomia local. Dessa forma, a necessidade de articulação de atividades e ações públicas municipais e estaduais leva-nos a equacionar uma forma institucional adequada para eficácia e eficiência dessas atividades e ações”.

Segundo Maurício Corrêa, “a previsão constitucional permite, na realidade, a configuração de uma espécie de instância híbrida na organização estatal brasileira, situada na convergência entre as atribuições do Estado e as de seus respectivos municípios”. No caso, o Estado assume a responsabilidade pela adequada prestação dos serviços metropolitanos, com a participação ativa dos municípios enquanto membros dos Conselhos Deliberativos e co-autores do Plano Diretor.

Após as considerações, Maurício Corrêa julgou “improcedentes os vícios de inconstitucionalidade invocados pelos requerentes”. Informou, ainda, que a criação da Região Metropolitana do Rio de Janeiro e da Microrregião dos Lagos ocorreu pela via legislativa exigida pela Constituição Federal, consubstanciada em lei complementar estadual.

Quanto ao artigo 3º da lei complementar, disse que o dispositivo “define, de forma clara e objetiva, quais os serviços públicos considerados de interesse metropolitano”. Segundo Corrêa, “todas as atribuições enquadram-se no conceito e finalidade da previsão constitucional de regiões metropolitanas ou microrregiões, dado que voltadas exclusivamente para o interesse comum”.

Maurício Corrêa disse que “a maior parte dessas atribuições, que obviamente estão a cargo da Administração Pública, em regra são inerentes a interesse local, de forma que se incluem na competência originária do município”. No entanto, ele entende que, no caso de “circunstâncias territoriais típicas de municípios limítrofes, transmudam sua natureza. Tais circunstâncias patenteiam-se quando os municípios – e não é raro isso ocorrer – se estendem ao longo de todo o seu território, unindo-se à área urbana do município vizinho, fato típico das grandes cidades do Brasil, como Rio de Janeiro e Nova Iguaçu, Belo Horizonte e Contagem, São Paulo e Osasco, entre outras”.

“Nessas situações, o interesse público muitas vezes prepondera, exigindo uma atuação conjunta, organizada, dirigida e planejada por terceira entidade, no caso o Estado, ao qual estão vinculados os municípios”, argumenta Corrêa. Para ele, nesses casos, “dizem a razão e o bom senso que toda a definição acerca do assunto seja disciplinada pelo Estado em conjunto com os municípios e não mais por estes isoladamente”.

“Os demais artigos do diploma legal impugnado, por todas as razões expendidas, não padecem de qualquer inconstitucionalidade. Quanto aos dispositivos impugnados da Lei 2869/97, verifico que o inconformismo decorre da fixação, por lei estadual, da política tarifária dos serviços de abastecimento e distribuição de água e esgoto sanitário no Estado do Rio de Janeiro”, disse o relator.

Para o PDT, a matéria é da competência privativa dos municípios por refletir serviços locais. Mas para Maurício Corrêa, não é o caso. “Por tudo o que foi dito anteriormente, parece-me claro que as questões de saneamento básico extrapolam os limites de interesse exclusivo dos municípios, justificando-se a participação do Estado-membro”, disse ele.

Corrêa julgou a ação prejudicada quanto ao Decreto 24631/98, bem como em relação aos artigos 1º, 2º, 4º e 11 da Lei Complementar 87/89, ambos do Estado do Rio de Janeiro, por perda superveniente de seu objeto. “Quanto ao mais, julgo improcedentes as ações”, disse Corrêa. Em seguida, pediu vista dos autos o ministro Joaquim Barbosa. (STF)

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