Reforço escolar

Instrutora não tem direito a benefícios de professora

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12 de abril de 2004, 14h38

O plenário do Tribunal Regional do Trabalho de Mato Grosso do Sul negou, por unanimidade, recurso interposto por uma instrutora que pretendia ter reconhecido direito ao enquadramento profissional como professora. A ação foi proposta contra decisão de primeira instância que reconheceu apenas parcialmente seus pedidos feitos em processo trabalhista contra a Fundação José Silveira Coutinho.

A instrutora alegou que estava apta para o exercício do magistério, conforme as exigências do Ministério da Educação (MEC) e do regimento interno da Fundação José Silveira Coutinho, onde ministrou aulas de inglês e português. Requereu ainda que fossem reconhecidas, como tempo pertencente a sua jornada de trabalho, as horas em que estava junto dos alunos no ônibus que os transportavam até a sede da instituição.

A trabalhadora pediu também o pagamento de dois intervalos, de 15 minutos diários, aos quais tinha direito mas que, segundo ela, nunca usufruiu. Além disso, reclamou horas extras resultantes do auxílio prestado em leilões promovidos pela instituição.

O juiz da primeira instância negou o pedido de enquadramento como professora. Ele entendeu que sua atuação se adequava melhor com a função de instrutora. Indeferiu ainda os pedidos de pagamento de horas extras, bem como o dos intervalos que a reclamante disse não ter usufruído, por falta de provas.

A sentença foi favorável com relação ao pedido da inclusão do tempo de percurso realizado dentro do ônibus escolar, no qual a instrutora acompanhava e cuidava dos alunos no trajeto de ida e volta da instituição. No entanto, com base nas provas apresentadas nos autos, concedeu esse direito apenas no período de junho de 2000 até o momento da rescisão de seu contrato de trabalho.

No recurso apresentado ao Tribunal, ela pediu a reforma da decisão de primeira instância em relação a os pedidos indeferidos. E solicitou o reconhecimento das horas de percurso desde quando foi contratada pela Fundação José Silveira Coutinho e não apenas a partir de junho de 2000, conforme decidiu o magistrado.

O relator do recurso, juiz Ricardo Geraldo Monteiro Zandona, confirmou a sentença em todos os seus aspectos. “As atividades desempenhadas pela reclamante limitavam-se ao reforço escolar, sem controle de presença dos alunos, sem elaboração e aplicação de provas”, afirmou.

“Ou seja, não desempenhava as funções de professora propriamente dita, mas de instrutora”, concluiu o magistrado. Nessa condição, ela não faz jus aos benefícios da categoria, como contagem do tempo da jornada de trabalho de forma diferenciada, por exemplo. O voto do relator foi acompanhado pelos demais juízes do Tribunal Pleno. (TRT-MS)

Leia o acórdão

Relator: Juiz Ricardo Geraldo Monteiro Zandona

Revisor: Juiz TOMÁS BAWDEN DE CASTRO SILVA

Recorrente: R DE L M

Advogado: Gustavo Pagliarini de Oliveira

Recorrido: FUNDAÇÃO JOSÉ SILVEIRA COUTINHO

Advogados: José Antonio Vieira e outros

Origem: Vara do Trabalho de Nova Andradina/MS

Vistos, relatados e discutidos estes autos (PROC. Nº XXX/2003-056-24-00-2-RO.1) em que são partes as acima indicadas.

Trata-se de recurso ordinário interposto pela reclamante, em face da r. sentença de f. 88/105, oriunda da Egrégia Vara do Trabalho de Nova Andradina/MS, proferida pelo Ex.mo. Sr. Juiz do Trabalho, Wellington S. Gonçalves, que julgou parcialmente procedentes os pedidos elencados na inicial, condenando a reclamada ao pagamento de horas extras e reflexos.

Recorre o reclamante, às f. 106/114, pugnando pela reforma da r. sentença quanto ao pedido de enquadramento profissional, jornada in itinere e intervalo intrajornada, com extensão da condenação em horas extras.

Não foram apresentadas contra-razões (certidão f. 115).

Dispensado o parecer do d. Ministério Público do Trabalho, nos termos do art. 26 do Regimento Interno, alterado pela Resolução Administrativa nº 54/2003.

É o relatório.

V O T O

1 – CONHECIMENTO

Preenchidos os pressupostos de admissibilidade, o recurso é conhecido.

2 – Mérito

2.1 – ENQUADRAMENTO – PROFESSOR

O MM. Juiz a quo decidiu que a reclamante melhor se enquadra como instrutora, considerando as atividades por ela exercidas, e por não se amoldarem, as atividades, às regras dos art. 317 e ss. da CLT. Indeferiu jornada especial de trabalho e, por conseguinte, as horas extras pleiteadas.

A reclamante pretende a reforma da r. sentença argumentando que a reclamada reconheceu as atividades e o exercício na função de professora, registrando-a, inclusive.

Aduz que há prova nos autos a demonstrar que a reclamante era professora de idiomas, inglês e português, apta para o exercício do magistério na forma estabelecida no regimento interno.

Quanto à comprovação de registro do diploma no MEC, a recorrente informa que os documentos de f. 17 e 19, citados pelo Juízo em razões de decidir, apresentam o número do registro no Ministério competente.


E, por fim, afirma que a restrição de enquadramento como professor apenas àqueles que exerçam atividades em estabelecimentos de ensino particular fere o objetivo da lei.

A reclamada defende-se, às f. 29/36, afirmando que, na qualidade de entidade social, sem fins lucrativos e de caráter assistencial (f. 40/49), não tinha por objetivo a alfabetização como os estabelecimentos de ensino, e, sim, a realização, apenas, de reforço escolar aos alunos de outras escolas, estas sim, voltadas à alfabetização.

A reclamante foi registrada no cargo de “professora” (CTPS – f. 13), no qual pretende ser enquadrada. Apresenta os documentos de f. 17 (histórico escolar – 4ª série do 2º grau) e f. 19 (certidão de conclusão do curso de letras – 2001). Não se vislumbra nestes documentos o registro no MEC.

A Lei condiciona o reconhecimento de jornada especial aos professores ao exercício remunerado do magistério, em estabelecimentos particulares de ensino, exigindo apenas habilitação legal e registro no Ministério da Educação (art. 317, da CLT).

O documento acostado às f. 39 – cadastro da reclamada no CNPJ, informa que a fundação é mantida com recursos privados e visa à atividades associativas.

As partes concordam quanto às funções sociais da reclamada. E a reclamante confirma que os alunos a quem auxiliava freqüentavam aulas normais em escolas de graduação, acrescentando que a reclamada não funciona como escola regular, mas apenas complementa o ensino de instituições públicas (f. 66).

Neste sentido o depoimento do preposto da reclamada (f. 66) e da testemunha Cléris de Fátima Sona (f. 68), trazida a Juízo pela reclamante, esclarecendo que a fundação reclamada é responsável pelo projeto Anjo da Guarda, cujo objetivo é auxiliar, mediante reforço escolar, os alunos de escolas da rede pública e particulares, bem como proporcionando-lhes lazer.

A prova oral é uníssona no sentido de que a reclamada não é escola de formação ou alfabetização, mas uma fundação com objetivo de proporcionar reforço escolar e lazer, mediante projetos sociais, como o Anjo da Guarda.

Ressalte-se que a testemunha Cléris, antes referida, informa ter trabalhado, inicialmente, como voluntária do projeto Anjo da Guarda, e, posteriormente, como contratada pela reclamada, informa, inclusive, que fazia faculdade na época, mandava seu irmão para substituí-la. Fato que pode inviabilizar a comparação das condições de trabalho, ao que se deve estar atento.

Salutar destacar a última afirmativa da testemunha citada: na época da contratação da depoente e da reclamante não se exigiu a formação no magistério (f. 68).

Contrariando, a testemunha Maria Auxiliadora Martins Saravy, apresentada pela reclamada, afirma que as professoras que ministravam reforço escolar deveriam ter o magistério (f. 70).

O regimento interno, acostado aos autos pela reclamante (f. 71) indica que o ingresso de aluno depende de vários fatores, dentre eles, estar estudando no ensino regular e apresentar fotocópia da matrícula (f. 2, cláusula V) e, dentre as atividades oferecidas, está, em primeira ordem, reforço educacional (f. 5, cláusula XI), seguido de outras atividades, em sua maioria esportivas e de lazer.

Das atribuições atinentes ao cargo de professor, responsável pelo reforço educacional e idioma estrangeiro desenvolvidos pelo fundação reclamada, encontram-se atividades básicas de auxílio e incentivo à leitura, inclusive com atividades lúdicas (divertidas; com jogos e brincadeiras), ampliação de conhecimentos, com ênfase ao despertar da musicalidade: despertar o gosto de cantar e ser os próprios escritores de suas músicas, poesias e peças teatrais; planejar aulas com músicas em inglês e português (f. 7/8).

As atividades desempenhadas pela reclamante limitavam-se ao reforço escolar, sem controle de presença dos alunos, sem elaboração e aplicação de provas, sem confecção de diários de classe e outras funções extra classe, sequer alegadas pela reclamante, ou seja, não desempenhava as funções de professora propriamente dita, mas, como bem reconheceu a r. sentença a quo, de instrutora.

Nega-se provimento.

2.2 – DA ADMISSÃO – HORAS IN ITINERE

A r. sentença originária deferiu o pedido de condenação da reclamada em horas in itinere no período de 1.6.2000 até a rescisão contratual. Fixou 31.05.2000 como data limite por não vislumbrar obrigatoriedade dos “professores” em “cuidar dos alunos” no transporte até a fundação.

A reclamante pretende a inclusão das horas gastas em percurso de ida e de volta ao trabalho durante todo o período trabalhado, para tanto, socorrendo-se da prova oral, aduz que sempre fez uso do transporte fornecido pela reclamada desde a admissão e sempre teve a obrigação de “cuidar” dos alunos durante o itinerário.


Afirma que o local de trabalho não é servido de transporte público e está localizado na zona rural (f. 111).

A reclamada confirma o fornecimento de ônibus, mas não se conforma com a alegação obreira de que a sede da fundação esteja em local de difícil acesso, posto que localizada a 100 metros da rodovia Nova Andradina/Casa Verde, contando com ônibus regular (f. 34/35).

A reclamada foi notificada à Estrada Boiadeira, zona rural do Município de Nova Andradina (certidão do oficial de justiça – f. 27).

O Juízo esclareceu, quanto à localização da reclamada, que é público e notório que está praticamente no perímetro urbano desta cidade. Para se ter uma idéia, o percurso pode ser feito em menos de cinco minutos de carro… (f. 100).

Esta assertiva vale por todo o período reclamado, uma vez que a reclamada sempre esteve sediada no endereço indicado. As razões de decidir são claras e suficientemente fortes para sustentar a r. sentença.

Passa-se à análise da obrigatoriedade de “cuidar” dos alunos antes de 1.6.2000.

A r. sentença considerou que a reclamante foi admitida em 01.10.1999, como registrado na CTPS (f. 90). Portanto, a partir desta data e até 1.6.2000 far-se-á a verificação das provas dos autos.

As “professoras” do programa poderiam utilizar-se do meio de transporte fornecido pela reclamada, e o faziam na maioria das vezes, como testemunha Cléris de Fátima Sona, às f. 68: … também gastava 30 minutos no transporte fornecido pela reclamada (ônibus); algumas vezes foi de bicicleta.

Raquel Cristina Dan, testemunha trazida à Juízo pela reclamante, afirma que até o ano de 2000 era facultativo o uso do ônibus disponibilizado pela reclamada (f. 69).

Neste sentido o depoimento da testemunha Márcia Maria do Nascimento de Lima, indicada pelo reclamado, tendo declarado que: o uso do ônibus é facultativo.

Ressalte-se que a testemunha Maria Auxiliadora Martins Saravy, trazida pela reclamada, informou que trabalha na reclamada desde 01.06.2000 (f. 69), quando assumiu a função de coordenadora pedagógica, afirmando que a utilização do ônibus era uma questão de comodidade (f. 70).

Nada a reparar na r. sentença.

2.3 – INTERVALO INTRAJORNADA

A origem, acolhendo a prova oral, indeferiu o pedido de pagamento como extra dos 15 minutos diários, pela manhã e a tarde, destinados ao descanso.

A reclamante alega, em razões recursais, que, embora existente tais intervalos, não eram usufruídos efetivamente, ante a obrigatoriedade de cuidar dos alunos.

A reclamante confirma em depoimento que tinha dois intervalos de 15 minutos diários (f. 66), como afirmado na defesa (f. 33).

Raquel Cristina Dan, testemunha trazida pela reclamante, confirma os argumentos da defesa ao afirmar que: a reclamante tinha dois intervalos de 15 minutos, um de manhã e outro à tarde; até 2000 ou 2001 esses intervalos de recreio eram efetivamente usufruídos pelas professoras; após, passou a cuidar das crianças inexistindo descanso (f. 69).

Maria Auxiliadora Martins Saravy, coordenadora pedagógica que assumiu as funções em 01.06.2000, afirmou que nos intervalos de recreio os professores ficavam cuidando das crianças e jovens (f. 69). Mas a Coordenadora distinguiu intervalo de merenda (com descanso para os professores/monitores) e intervalo de recreio (com necessidade de fiscalização pelos professores/monitores).

Há notícia também que nos intervalos de recreio havia revezamento/rodízio entre os monitores.

Não se vê razão para modificar o indeferimento na sentença originária, cujo convencimento veio firmado na solidez da prova e na análise de crivo acentuado.

Irresignação não acolhida.

2.4 – LEILÕES

O MM. Juízo a quo deferiu parcialmente o pedido de horas extras pela participação em leilões, concluindo pela ocorrência trimestral, com duração das 23:30 às 00:30 horas até 2001, e após, das 21:00 às 00:30 horas.

A recorrente demonstra seu inconformismo argumentando que, embora cursasse faculdade até 2001, faltava às aulas ante a obrigatoriedade de comparecimento aos leilões realizados pela reclamada, que limitou-se a contestar a obrigatoriedade, sequer alegando faltas da reclamante.

As provas colhidas nos autos são no sentido de que a reclamante participava dos leilões realizados pela fundação, conforme confessado pela própria reclamada, via preposto (f. 66), embora anuncie o comparecimento como faculdade, fato confirmado pelas testemunhas que indicou (f. 69/70).

A alegação de que faltava às aulas para comparecer aos leilões é ônus atribuído à reclamante e dele não se desincumbiu. Diante da exigência natural de freqüência e pontualidade ao curso superior, e do caráter voluntário e facultativo da participação nos leilões, deve ser confirmado o julgado de origem que limitou parcialmente o deferimento no período em que a reclamante era universitária.

Nega-se provimento.

Posto isso

ACORDAM os Juízes do Egrégio Tribunal Regional do Trabalho da Vigésima Quarta Região, por unanimidade, em aprovar o relatório, conhecer do recurso, e, no mérito, negar-lhe provimento.

RICARDO GERALDO MONTEIRO ZANDONA

Juiz Relator

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