Instrumento de ponta

Workshop no Iasp discute aplicações e vantagens da ata notarial

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12 de abril de 2004, 17h22

O importante é dar os cinzéis, não dizer quais estátuas podem ser esculpidas. Afinal, são os cinzéis que fazem a estátua, não as pedras

(anônimo, século XIX)

I – O que é a ata notarial

A par de ser um vetusto instituto (foi introduzida na América por Colombo(1), a ata notarial é um instrumento ignorado por quase todos os profissionais do direito.

Em muito se assemelha à escritura pública, ressalvado – e excetuado – que a ata notarial não institui nem transfere direitos, bem como não cria obrigações.

No restante, a ata notarial e a escritura pública são irmãs siamesas; têm suas diferenças, mas são um só corpo.

Num linguajar pouco científico posso dizer que a ata notarial é uma fotografia feita com palavras que, como benesse maior, oferece a fé pública.

Sua utilidade é incontroversa, posto que além de pré-constituir provas, pode substituir diversos atos processuais.

Diversas são as situações judiciais (ou atos processuais) que podem ser substituídas pela ata notarial – e com grandes vantagens em termos de economia de Tempo e dinheiro.

Por estranho que pareça, a instituição da ata notarial criou a figura da testemunha profissional (com fé pública), a pré-constituição de provas extrajudicialmente e com o mesmo valor de uma prova judicial (no Mundo real ou no ciberespaço), além de substituir, em casos peculiares, o protocolo judicial, o perito judicial e até mesmo o próprio Oficial de Justiça.

Porém não pense que a ata notarial se limita tão somente a isso. Há quem defenda teses de que com ela podem ser mudadas até mesmo escrituras públicas sem a interferência do Poder Judiciário.

Esse fabuloso instituto é um instrumento revolucionário em termos processuais. Quando vulgarizado os trâmites do processo serão mais agilizados – ou, quando menos, não terão a sua morosidade agravada.

II – A importância da ata notarial como substitutiva de provas convencionais

Ao pleitear a aplicabilidade de um direito, necessariamente tenho que provar o fato que dá origem a esse direito. E provar, como obtemperou Moacyr Amaral dos Santos(2), com palavras desnudas de adjetivos e perfunctórias, “é convencer o espírito da verdade respeitante a alguma coisa”. Assim, caso eu não prove o que asseverei, certamente não terei como alcançar a virtual tutela jurisdicional pleiteada.

Prova (do latim probare) é o estabelecimento de uma verdade, de uma realidade. É o ato de tornar algo evidente. É a demonstração de alguma coisa – ou situação. Talvez seja o mais eficiente instituto processual para a colimação da Justiça, o estabelecimento da paz social e, sobretudo, o reconhecimento dos direitos individuais previstos pela Declaração Universal dos Direitos Humanos – e pela maior parte das Constituições dos Países ditos civilizados. A prova faz com que a pretensão jurisdicional prevaleça ou desapareça. A prova é a determinante maior da sentença, é a sua base, é a permissão de seus fundamentos. Se, no processo, as provas forem insubsistentes e nelas se fundar a sentença, essa última não prevalecerá, sob pena de se divinizar a injustiça.(3)

A prova, via de regra, é obtida quando da instrução do processo, o que retarda no Tempo a concretização de um direito em potencial(4). Esse retardamento da tutela objetivada desmotiva o exercício do próprio direito, chegando, em certos casos, até mesmo a não o disponibilizar, haja vista que Justiça tardia é injustiça.

Em muitas situações, em razão de sua essência institucional, a ata notarial pode abreviar o Tempo para que um direito em potencial se transforme em direito inconteste, desde o primeiro momento em que postulado em Juízo. E isso graças ao notário que pode descrever uma situação que presencia e, com palavras, consigná-la em uma ata notarial. Deste modo, se pleitear judicialmente a preservação de um direito cuja prova que o autorize eu possa apresentar, concomitantemente com o pedido – e esta prova for, a princípio, erga omnis -, não vejo como não ser lograda a tutela jurisdicional antecipadamente, uma vez cumpridas as demais formalidades legais, é claro.

III – Testemunhos com fé pública

Se, exercendo meu direito de cidadão-consumidor, eu resolver comprar apenas a CPU de um computador fabricado pela IBM (não o teclado, o mouse ou o monitor – e, muito menos o software), provavelmente o vendedor não formalizará a venda; não haverá o negócio, pois segundo sua míope ótica consumerista a prática de venda casada é comum e legal. Comum, sim; legal, em nenhum momento, posto que fere o artigo 39, alínea a, primeira parte, do Código de Defesa do Consumidor(5), uma vez que estou sendo forçado a comprar não o que desejo, mas o que me é imposto.


Conseqüentemente, nada me impede de ingressar com uma medida judicial contra aquele estabelecimento comercial para que ele respeite o disposto pela Lei consumerista. Entrementes, como é notável, pelo menos meses correrão até que eu possa consolidar o exercício de meu potencial direito porque, em razão do princípio do contraditório, a outra parte deve ser ouvida.

E as coisas seriam assim caso eu não pudesse me valer dos préstimos de um fabuloso instituto que os profissionais do direito, em larga maioria, ignoram: a testemunha com fé pública que, em outras palavras, nada mais é do que o próprio notário.

Através desse instrumento por ele lavrado, posso pré-constituir uma prova (ou aquilo que se chama salvaguarda de direitos). Exemplificarei.

Se quando de minha ida ao estabelecimento comercial que se recusou me vender apenas a CPU do computador, eu estivesse acompanhado de um notário, esse último poderia relatar os fatos ocorridos em uma ata notarial, subscrevê-la e – ¡bingo! – teria um documento com fé pública para comprovar a prática da aludida venda casada praticada.

Com a ata notarial – que tem fé pública – eu posso pré-constituir a prova e, assim, se pleitear a antecipação da tutela jurisdicional em uma execução de obrigação de fazer, ou uma medida cautelar qualquer, é bem provável que ela me seja deferida, haja vista que o direito de meu pleito se encontra, inequivocamente, provado através da ata notarial.

IV – Provando a existência dos bits

Alguém me ofendeu em um website acessável na Internet.

Para provar esse fato eu disponho de dois meios: ou promovo uma ação objetivando a produção antecipada de prova(6) ou me valho de uma medida cautelar inominada(7) para lograr essa prova. Em ambos os casos os custos são altos, a demora dos resultados é inequívoca e, ademais, tudo pode ser inócuo caso o autor da ofensa retire-a do ar antes da perícia.

Já com uma ata notarial, os custos são ínfimos e o resultado é de plano. Todos ganham: os advogados porque lograrão seus objetivos em horas (não mais em meses, quando não em anos, em se tratando do Estado de São Paulo…); o Poder Judiciário porque será menos solicitado; o notário porque passará a auferir receitas decorrentes de um ato de sua jurisdição até então em desuso, e principalmente o cidadão que busca Justiça, pois os ônus de sua perseguição de Justiça cairão e o Tempo será abreviado.

V – O protocolo judicial, via ata notarial

Processualmente a ata notarial pode se prestar para a confirmação de certos atos judiciais como, v.g., o envio de petições via fac símile (fax), nos moldes da Lei nº 9.800 de 26 de maio de 1999(8).

Afinal, caso não sejam recebidos por questões técnicas, eu poderei provar que eles foram enviados desde que eu os tenha enviado a partir do computador de um notário, o qual, através de uma ata notarial, pode constatar que aos tanto de tanto, em seu Tabelionato, foi por mim a ele solicitado que discasse para o número xis e que, uma vez constatado o notório sinal para envio de fac simile, ele colocou em seu aparelho de fax as folhas de meu petitório dirigidas para a Casa de Justiça Tal, as quais, na seqüência, são pelo notário transcritas. Assim agindo concretizei o que o Código de Processo não prevê: o protocolo judicial, via ata notarial.

VI – O notário substituindo o oficial de justiça

Numa hipotética ação de despejo, no correr do processo o imóvel objeto da ação pode ser abandonado pelo inquilino. Caso o autor da ação pleiteie a imissão de posse sobre referido imóvel, por certo, e prudentemente, o Julgador determinará que um Oficial de Justiça constate a desocupação antes de emitir a ordem de imissão de posse.

Quem milita na Justiça sabe que, apesar da singeleza da questão e da simplicidade do ato, não serão poucos os grãos de areia que correrão na ampulheta do Tempo até que o desígnio do autor da ação seja alcançado. Entrementes, caso ele se valesse de uma ata notarial, todos esses entraves estariam eliminados e, na mesma petição que denunciou o abandono do prédio haveria a prova do aludido abandono – e com fé pública.

VII – o notário substituindo o perito judicial

Se um imóvel dado em locação for entregue com vícios visíveis (um vazamento, uma parede com umidade, vidros quebrados &c), nada obsta o notário de constatar tais vícios no prédio através de uma ata notarial. E com isso eliminaríamos uma perícia.

VIII – Conclusão

Por tudo isso, convido a todos para que não deixem de estar presentes no primeiro workshop sobre a ata notarial no Brasil, que terá vez aos 19 e 20 de abril de 2004, na sede do IASP, na Cidade de São Paulo.


Entre os palestrantes estarão presentes Narciso Orlandi (ex-Desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo), João Theodoro da Silva (Tabelião de Notas de Belo Horizonte, MG), Walter Ceneviva (advogado paulistano) e o escriba que ora lhes escreve.

Esse evento conta com o apoio da Ordem dos Advogado de São Paulo, Secção de São Paulo, Instituto dos Registradores do Brasil, Associação dos Notários e Registradores do Estado de São Paulo e do Colégio Notarial do Estado de São Paulo.

Veja mais informações sobre o evento

Coordenação:

AMARO MORAES E SILVA NETO

MARCOS ROLIM FERNANDES FONTES

Programa:

19 de abril de 2004

I – ATA NOTARIAL: CONFIGURAÇÃO DO INSTITUTO

LEONARDO BRANDELLI

Oficial de Registro

II – ATA NOTARIAL: APLICAÇÃO PRÁTICA DO INSTITUTO

JOÃO THEODORO DA SILVA

Tabelião de Notas

20 de abril de 2004

III – O CIBERESPAÇO E A ATA NOTARIAL

AMARO MORAES E SILVA NETO

Advogado

IV – ATA NOTARIAL COMO INSTRUMENTO DE PROVA NO DIREITO PROCESSUAL

WALTER CENEVIVA

Advogado

Horário:

Das 18h às 20h30

Valor e inscrições:

R$ 300,00 (os inscritos receberão a obra “Ata Notarial”, coordenada por Leonardo Brandelli, ed. Sergio Antonio Fabris).

Formas de pagamento:

Na secretaria do IASP ou por depósito bancário na C/C 3148-8, agência 2692-1, Banco Bradesco S/A (é necessário comprovante de pagamento pelo telefax 3106-8015). Os associados do IASP estão isentos do pagamento. As vagas são limitadas.

Local:

Rua Líbero Badaró, 377, 26º andar, Centro, São Paulo, SP. Telefax: (11) 3106-8015

E-mail: [email protected]

Notas de Rodapé

(1) “Quando chegou ao Novo Mundo, Colombo trazia, entre seus oitenta e dois comandados, Rodrigo D’Escobedo, o Tabelião do Consulado dos Mares, notável notário que o acompanhou quando de seu desembarque da nau.

“Em terra firme, no Continente, cercado por estupefatos silvícolas e assombrada comitiva, Colombo proclamou à comunidade indígena que lá se encontrava para tomar posse daquelas terras em nome dos reis de Espanha. Escobedo, que a seu lado estava, tudo isso anotava – ¡e com fé pública!

“Na seqüência, Colombo perguntou aos índios (que obviamente desconheciam a língua espanhola) se eles se opunham aos espoliantes atos dos europeus. Sepulcral silêncio. Assim sendo, em decorrência da quietude indígena, Escobedo lavrou uma ata que atribuía o domínio e a posse das terras americanas aos reis católicos do Reino de Castilha, por inexistência de oposição dos naturais da terra.”

Cf. in A IMPORTÂNCIA DA ATA NOTARIAL PARA AS QUESTÕES RELATIVAS AO CIBERESPAÇO, de minha autoria, na coletânea ATA NOTARIAL, coordenada por Leonardo Brandelli (Sérgio Antonio Fabris Editor, Porto Alegre, 1ª Edição, fls. 187).

(2) SANTOS, Moacyr Amaral dos, PRIMEIRAS LINHAS EM DIREITO PROCESSUAL CIVIL, 18ª edição, Saraiva (São Paulo), 1997, 2º vol., p. 327.

(3) Cf. in A IMPORTÂNCIA DA ATA NOTARIAL PARA AS QUESTÕES RELATIVAS AO CIBERESPAÇO, de minha autoria, na coletânea ATA NOTARIAL, coordenada por Leonardo Brandelli (Sérgio Antonio Fabris Editor, Porto Alegre, 2004, 1ª Edição, fls. 187).

(4) Paralelamente ao direito em potência, existem o direito em existência e o direito inconteste. Os direitos em existência são aqueles que seu detentor não os precisa provar (bem como não existam opoentes que o discutam), face sua notoriedade. Os direitos em potência são aqueles discutíveis ou que já estejam em discussão. Por fim, direitos incontestes são aqueles já reconhecidos judicialmente.

(5) Artigo 39, do Código de Defesa do Consumidor – É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:

I – condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos;

(6) Artigo 846, do Código de Processo Civil – A produção antecipada da prova pode consistir em interrogatório da parte, inquirição de testemunhas e exame pericial.

(7) Artigo 796, do Código de Processo Civil – O procedimento cautelar pode ser instaurado antes ou no curso do processo principal e deste é sempre dependente.

(8) Em decorrência da Portaria nº 02 do Primeiro Tribunal de Alçada de São Paulo, de 09 de janeiro de 2001, que disciplinou a Lei Federal, poderão ser enviadas petições a esse Tribunal através do telefone (11) 256-02-33, ramal 2223, que está instalado na Seção de Protocolo Judiciário.

Autores

  • Brave

    é advogado paulistano com dedicação às questões relativas a direito e tecnologia das informações. Além de autor de diversos outros livros, é partícipe da coletânea ATA NOTARIAL (SAFe [Porto Alegre], 2004, 1ª Edição). Foi o coordenador de cursos sobre a importância da ata notarial em diversos Estados, em 2004

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