Estrutura arcaica

Presidente da OAB diz que Judiciário precisa se modernizar

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11 de abril de 2004, 15h29

Nos bastidores da Comissão de Constituição e Justiça do Senado, o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Roberto Busato, considera que assistiu na última semana uma das mais importantes vitórias da entidade que administra: a conclusão da votação da reforma do Judiciário.

Aos 49 anos, o advogado, especialista em Direito empresarial, tornou-se ferrenho defensor da reforma, contrapondo-se aos ministros que lideravam os tribunais superiores do país. No último dia 5, durante a posse do novo presidente do Superior Tribunal de Justiça, Edson Vidigal, Busato não poupou críticas à política econômica do governo de Luiz Inácio Lula da Silva.

Nesta entrevista ao jornalista João Cláudio Netto do Jornal de Brasília, o presidente da OAB falou, entre outros temas, da necessidade de mudanças na estrutura do Poder Judiciário.

O presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Maurício Corrêa, já comentou que a reforma do Judiciário não vai resolver os problemas da Justiça. O senhor concorda com essa avaliação?

Não concordo. Eu acredito que a reforma, embora não seja totalmente a ideal, deve iniciar uma mudança no Poder Judiciário. Não é só a reforma que está sendo implementada, mas, ao lado disso, há uma reforma infraconstitucional. Por outro lado, essa discussão ampla que está sendo feito pela mídia sobre a reforma deve mudar um pouco a mentalidade da magistratura brasileira. Talvez ela vá se sentir na obrigação de mudar conceitos, mudar posturas e modernizar o pensamento.

O senhor falou em modernizar. O Judiciário brasileiro se tornou acomodado?

Sim. O Judiciário brasileiro perdeu, em alguns setores, a noção de que existe em função do povo, do cidadão, e não para si próprio. Temos que conseguir um instrumento que possa desafogar os tribunais superiores, mas não é cortando o acesso do povo que vai se resolver o problema.

Qual seria a solução então?

Nós defendemos a súmula impeditiva de recurso. Ela limitaria o acesso do maior mau litigante desse país, que é o poder público. O particular não é o causador do acúmulo dos processos, é o poder público. Poderíamos ter súmulas para disciplinar os recursos do poder público, que o impedissem de estar a todo instante recorrendo de decisões contra si.

O ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, disse em certa ocasião que a súmula vinculante criaria a “ditadura do STF”…

Pouca gente repercutiu essa declaração do ministro. Outro problema grave da súmula é o novo viés que vai se aplicar sobre o Congresso Nacional. Já existe o viés da medida provisória, que o Poder Executivo legisla em detrimento do Legislativo, e agora vamos ter também o poder normativo do STF legislando. A súmula vinculante tem quase a força de uma lei e só pode ser revista em situações muito especiais.

Os senadores foram praticamente unânimes ao defender o controle externo, mas a súmula vinculante acabou dividindo até mesmo a bancada do PT. O que ocorreu então?

Acho que houve um lobby muito forte de alguns setores da magistratura em cima da Comissão de Constituição e Justiça no sentido de se aprovar esse mecanismo baseado em números. Se olharmos o número frio, algo tem que acontecer, mas o Senado não pode julgar em cima de números, tem de julgar em cima do instrumento que está em jogo.

O Executivo promete tentar restaurar a perda sofrida pelo órgão responsável pelo controle externo, o Conselho Nacional de Justiça, da prerrogativa de demitir juízes envolvidos em irregularidades. Foi uma perda muito considerável em relação ao texto original?

Sim. Creio que nada pode ser deixado de levar ao Poder Judiciário. Uma decisão de demitir um juiz poderá sofrer revisão pelo próprio Judiciário. Outro argumento contra o controle é o critério da vitaliciedade, mas esse argumento não prospera. No momento em que o juiz cometer um ato indigno e sofrer processo pela corregedoria, vai se chegar a perda do cargo também e quebrará o princípio da vitaliciedade.

Então qual a diferença?

Acho que seria muito mais transparente dar esse poder ao controle porque ele está sendo colocado para controlar o Poder Judiciário exatamente no aspecto ético, moral e disciplinar.

Por que retirar essa prerrogativa se um eventual juiz que se sentir prejudicado poderá recorrer ao Judiciário?

Qualquer um pode ir ao Judiciário a qualquer instante. O órgão externo teria a possibilidade de promover um julgamento imparcial do magistrado.

A discussão em torno do controle externo do Ministério Público veio à tona por conta do escândalo do subprocurador da República Santoro. O senhor também é favorável ao controle do MP?

Sim, e não é por conta deste caso específico. Inclusive este assunto já está dentro do projeto, essa reverberação sobre o caso do Santoro, para controle externo do MP, não tem nenhum sentido. Usar o caso é se aproveitar de um desvio de conduta de um servidor para tentar por aí diminuir o outro lado do problema que é o escândalo dentro da Casa Civil.

Se houvesse o controle externo da Justiça ou do MP, casos como o do subprocurador Santoro ou do juiz Rocha Matos (João Carlos da Rocha Matos, juiz federal, suspeito de participar de um esquema de venda de sentenças judiciais) teriam sido evitados?

Acho que haveria um órgão com muito mais sensibilidade para apurar esses fatos, denunciá-los e chegar a essa realidade, pelo menos para que não se tornassem de forma sistemática. O caso do juiz Rocha Matos é emblemático, típico da falta de absoluto controle interno da parte da magistratura.

O caso Santoro retomou a discussão sobre a Lei da Mordaça. Seria o caso de sua instituição?

A Ordem é contrária à Lei da Mordaça, mas sempre com o alerta de que a investigação tem que ser feita dentro do processo, e não na mídia, como fazem alguns procuradores. O controle do MP poderá disciplinar, resolver e adequar essa tendência negativa que, às vezes, o MP tende a praticar.

A maior polêmica no que diz respeito ao controle externo é quanto à composição do órgão responsável pelo controle. Os tribunais defendem a presença somente de magistrados ao passo que a proposta do governo inclui pessoas de fora da magistratura. O ideal é mesmo que tenha pessoas externas?

Não posso entender essa matemática de controle externo só com pessoas internas. O órgão já está sendo constituído por nove magistrados e seis que são externos à magistratura, mas não o são ao Poder Judiciário. Querem o controle externo só com pessoas internas, então não seria controle externo, mas sim uma grande corregedoria.

A composição do conselho traz duas pessoas indicadas pelo Parlamento. Não seria uma interferência entre os poderes? Não há o risco de uma politização desse órgão?

Não acho que haja politização, nem acredito em interferência. Faz parte do equilíbrio de poderes o controle por poderes externos. O TCU controla o Executivo em relação às verbas. O controle externo que o povo faz sobre o Executivo por meio das eleições, o controle do Legislativo sobre o Executivo via CPIs, são modalidades de controle externo. Nunca foi falado que o TCU interfere na independência dos poderes e ele atua em cima de todos eles.

Fugindo desses assuntos. Recentemente, a OAB fez uma avaliação sobre os cursos de Direito e o resultado não foi nada satisfatório. Por que há uma proliferação tão grande desse curso?

Por conta do lucro fácil. O curso de Direito dá uma ampla possibilidade de carreiras. É um curso que não depende de muito capital para sua instalação. Ao par disso, há uma política altamente liberalizante e desastrosa do Ministério da Educação, que abriu as porteiras para a existência de péssimos cursos de Direito.

Intercâmbio jurídico

Roberto Busato está em Cabo Verde, onde começa nesta segunda-feira (12/4) o VII Encontro da Associação das Ordens e Associações de Língua Portuguesa. O encontro é realizado a cada dois anos e terá este ano a participação da Guiné Bissau, Angola, Portugal e do país anfitrião.

Ao chegar ao país e tomar conhecimento da situação de caos urbano que vive o Rio de Janeiro, com a caça aos traficantes no morro da Rocinha, e da reportagem da Folha de S.Paulo, que mostra que os primeiros quinze meses de governo Lula foram de estagnação nas despesas sociais, o presidente da OAB afirmou que o governo do Brasil está promovendo “um arrocho contra a população de todos os níveis, principalmente, de forma inédita, contra a população mais carente”.

Sobre a violência no Rio de Janeiro, Busato afirmou que o conflito social naquele pode ser comparado como uma guerra civil.

O encontro bienal de advogados de língua portuguesa teve início a partir da 17ª Conferência da OAB, realizada em agosto de 1999 no Rio de Janeiro, durante a gestão do ex-presidente Reginaldo Oscar de Castro. Nesta segunda, acompanhado do Embaixador do Brasil, Vitor Candido Paim Gobato e pela presidente da Ordem de Cabo Verde, Ligia Dias Fonseca, o presidente da OAB será recebido em audiência pelo Presidente da República, Pedro de Verona Rodrigues Pires.

Haverá, ainda, audiências com o presidente da Assembléia Nacional, Aristides Raimundo Lima; com a Ministra da Justiça, Cristina Lopes Almeida Fontes Lima (que recentemente esteve visitando a sede do Conselho Federal em Brasília) e com o presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Benfeito Mosso Ramos.

Após as visitas protocolares, Busato vai expor dois painéis no evento. O primeiro intitulado “Função Constitucional da Advocacia – as Ordens de Advogados e a luta pela Liberdade e pelos Direitos Fundamentais”. Além de Busato, o painel terá entre seus expositores os presidentes das Ordens de Advogados de Guiné Bissau, Angola, Portugal e Cabo Verde.

O segundo painel exposto pelo presidente da OAB será sobre “Ética e Deontologia na Advocacia”. Dele, também participarão como expositores os presidentes das Ordens de Portugal, Moçambique e Macau.

O secretário-geral da OAB, Raimundo Cezar Britto, que acompanha Busato nesta viagem à África, também participa do encontro como debatedor dos temas “Ensino Jurídico e Formação Profissional do Advogado” e “Advocacia e Virtualização”.

Neste último, o secretário-geral falará sobre os avanços da informática aplicados ao cotidiano do advogado brasileiro. Ambos os debates contarão com a participação de representantes da advocacia de Angola, Portugal, Moçambique e Macau.

Cabo Verde

A República de Cabo Verde é um arquipélago constituído por dez ilhas. A maior é a ilha de Santiago (onde se localiza a capital Praia), com uma superfície de 930 km2. A menor é a ilha de Brava. Segundo o censo realizado em 2003, Cabo Verde, um país de clima quente, tem aproxidamente 485 mil habitantes.

Desse total, segundo a Ordem local, 140 são advogados. O país conseguiu a sua independência em 5 de julho de 1975, quando libertou-se da ocupação e colonização de Portugal. A sua Constituição é de 1980, mas em 1992 foi aprovada uma nova Lei Constitucional. O sistema legal é baseado na lei civil européia e no sistema comum de direito europeu continental, com grande influência do sistema legal português.

O Poder Judiciário é composto dos seguintes tribunais: Supremo Tribunal de Justiça, Tribunais Judiciais de Primeira Instância, Tribunal de Contas, Tribunais Militares, Tribunais Fiscais e Aduaneiros e Tribunal de Família e do Trabalho.

A moeda local é o escudo de Cabo Verde, o equivalente a um dólar para noventa escudos. O idioma oficial é o português mas a população nativa utiliza-se também do “creuolo”, uma língua materna usada pelos cabo-verdianos mais antigos. (OAB)

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