Questão de respeito

STF regulamenta reclamação que preserva autoridade de seus julgados

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10 de abril de 2004, 12h57

Visando disponibilizar ao jurisdicionado o remédio cabível para que a Suprema Corte faça valer a força de seus julgados, o Supremo Tribunal Federal, em sessão administrativa de 25/03/04, acrescentou ao artigo 161 do Regimento Interno do Tribunal a possibilidade do ministro-relator de Reclamação julgá-la, quando a matéria em questão for objeto de jurisprudência consolidada na Corte.

O remédio jurídico à disposição dos jurisdicionados visando preservar ou garantir a autoridade das decisões da Corte Constitucional perante os demais tribunais se chama Reclamação.

Trata-se de um processo sobre preservação de competência do STF e que se encontra previsto na Constituição Federal de 1988, artigo 102, inciso I, letra l, e regulamentada pelos arts. 156 e ss., do Regimento Interno do STF. Cabe esclarecer que, além dos requisitos gerais comuns a todos os recursos, deve ser instruída com prova documental suficiente e necessária à demonstração da violação da decisão do Supremo, que se pretenda ver respeitada e obedecida.

Como já consabido, cabe aos Tribunais inferiores adequarem seus entendimentos jurisprudenciais em obediência à orientação então já manifestada pela Corte Máxima — guardiã da Lex Legum — sob pena de negar vigência ao disposto no art. art. 102, caput e inciso III (a), que define a expressa e exclusiva competência do STF para decidir e julgar (…)as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida contrariar dispositivo desta Constituição.

A dissintonia de concepção acerca de um mesmo enunciado do texto constitucional tem sido uma realidade constante entre a Suprema Corte e os Tribunais inferiores.

Caso típico é o que pertine à adoção do salário mínimo como indexador para a paga do adicional de insalubridade. O STF já decidiu reiteradas vezes não ser possível sua adoção, diante da vedação constitucional expressa constante do inciso IV do art. 7º:

“salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim”.

Apesar disso, persiste o TST em manter o mesmo entendimento já ultrapassado de sua jurisprudência cristalizada, no sentido de que a base de cálculo do adicional de insalubridade seja o salário mínimo, salvo existência norma convencional mais favorável ao empregado:

“Enunciado do TST Nº 228 Adicional de insalubridade. Base de cálculo – Nova redação – Res.121/2003, DJ 21.11.2003. O percentual do adicional de insalubridade incide sobre o salário mínimo de que cogita o art. 76 da CLT, salvo as hipóteses previstas no Enunciado nº 17”.

“Enunciado do TST Nº 17 Adicional de insalubridade – Restaurado – Res. 121/2003, DJ 21.11.2003. O adicional de insalubridade devido a empregado que, por força de lei, convenção coletiva ou sentença normativa, percebe salário profissional será sobre este calculado.(RA 28/1969, DO-GB 21.08.1969)

Esse posicionamento em nosso entender segue na contramão da história, dos novos rumos anunciados pelas urnas em favor da “esperança”, anunciando necessidade de mudança de postura em favor da sociedade como um todo. Ou seja, ao invés da defesa flexibilizadora de interesses econômicos em favor do capital, cabe-lhe retornar no rumo certo em prol do social, do Estado de Bem Estar Social tutelado pelo art. 193 da Carta Política vigente:

“A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais”(CF, art. 193).

Elucidativo sobre a necessidade de assegurar a primazia aos direitos sociais, humanos e trabalhistas e não aos interesses do capital pelo lucro, o artigo de Érika Camossi, publicado na Revista Consultor Jurídico, entitulado, Trabalho informal – A ótica da Declaração Universal dos Direitos Humanos:

“A Declaração Universal dos Direitos Humanos que, em seu artigo 23, estabelece que “Toda pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego” e a Carta Constitucional brasileira que investe o Estado da responsabilidade pelo bem-estar mínimo dos cidadãos, são diplomas que devem ser respeitados, não podendo ser aceito o engrandecimento do mercado informal de trabalho, em vista do seu caráter depreciativo do ordenamento jurídico brasileiro”.

Vide artigo citado e publicado no endereço seguinte: http://conjur.uol.com.br/textos/25854/

É fato consabido que o simples ato de se pagar o adicional de insalubridade em qualquer grau já demonstra o incumprimento da lei em favor da vida, de se assegurar um ambiente de trabalho equilibrado onde o trabalhador possa laborar para retirar o seu sustento e não o encontro da morte.

As garantias em favor da saúde do trabalhador têm de ser cumpridas à risca, não sendo por acaso que o Poder Constituinte já elevou esse direito ao nível da proteção constitucional (CF, art. 225), evitando que o trabalhador seja submetido aos infortúnios resultantes dos riscos físicos, químicos, biológicos prejudiciais à saúde humana e à vida, num meio ambiente de trabalho desiquilibrado.

O entendimento flexibilizador ao lado da falta de fiscalização estatal adequada e suficiente serve de incentivo ao capital, para que continue desrespeitando e descumprindo a legislação vigente e até mesmo aquelas normas mais gerais e específicas, tais quais as míminas constantes das NRs: (5 CIPA, 7 PCMSO, 9 PPRA, 17 ENGONOMIA), dentre outras não menos importantes. Permitindo-se com essa prática a inversão do ônus que é jogado nos ombros do trabalhador que, infortunado, ainda tem que arcar com os meios de prova do nexo causal entre a doença contraída em serviço e aquela que por ventura possa não ser decorrente do meio ambiente de trabalho, diretamente, mas sim indiretamente, posto que sabido que a pressão, o psicoterror atualmente utilizado como prática voltada à busca da maior lucratividade e produtividade, causa outros tipos de doenças no homem, conhecidas como “psocissomáticas”.

Agravando ainda mais o quadro dessa complexidade legal e processual, o TST tem no geral procurado manter intacto o entendimento de sua Súmula cristalizada de que a base de cálculo para o pagamento do adicional de insalubridade continue a ser mesmo o salário mínimo.

Para tanto, mesmo que a matéria venha prequestionada já desde a exordial, tem reiteradamente vedado o processamento dos Recursos Extraordinários à Suprema Corte, visando que este faça valer a força de seus julgados ao entendimento de que a violação apontada não teria violado de forma direta o texto constitucional.

Como mero exemplo do entendimento reiterado do STF em decidir não ser possível a adoção do salário mínimo para indexador do adicional de insalubridade, transcreve-se algumas das decisões então ementadas:

“EMENTA. ADICIONAL DE INSALUBRIDADE: VINCULAÇÃO AO SALÁRIO MÍNIMO, ESTABELECIDA PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS, QUE CONTRARIA O DISPOSTO NO ART. 7º, IV, DA CONSTITUIÇÃO” (STF, RE-236.396-5/MG, 1ª T, Rel. Ministro SEPULVEDA PERTENCE, in DJU, em 20.11.98).

“ADICIONAL DE INSALUBRIDADE (LC 432;85) – Vinculação ao salário mínimo. Vedação constitucional, (art. 7º, IV). Precedentes do STF. Fundamento do despacho agravado não afastado. Regimental não provido”. (STF-AGRRE 271752 – 2ª T. Rel. Nelson Jobim- DJU 20.10.2000 – P. 125).

“EMENTA: Adicional de insalubridade. Há pouco, esta Primeira Turma, julgando caso análogo ao presente, decidiu no RE 236.396: “Adicional de insalubridade: vinculação ao salário mínimo, estabelecida pelas instâncias ordinárias, que contraria o disposto no art. 7º, IV, da Constituição”. Dessa orientação discrepou o acórdão recorrido. Recurso extraordinário conhecido e provido. (STF RE-234714-0-MG, REL. Ministro MOREIRA ALVES, Primeira Turma”(in DJU de 31.03.2000, ata 9/2000).

“EMENTA – Agravo regimental contra despacho que afastou a incidência do adicional de insalubridade sobre o salário mínimo e determinou a baixa dos autos ao TRT para que ali se decida qual critério legal substitutivo do adotado é aplicável. I – Improcedência da alegação de julgamento extra petita: a decisão agravada se limitou a afastar a vinculação ao salário mínimo, nos termos do pedido formulado no RE; seja como for, o direito ao adicional de insalubridade – reconhecido pelas instâncias ordinárias e não contestado pelo empregador – não pode ser inviabilizado pela proibição de vinculação ao salário mínimo. II – Impossibilidade da fixação de parâmetros a serem observados pelas instâncias ordinárias na substituição do critério afastado, para evitar possível reformatio in pejus: não deve o STF prevenir a ocorrência de evento futuro, incerto e inteiramente situado no plano da legislação ordinária, escancarando para as partes a via expressa da reclamação. III – Improcedência da alegação de que os autos deveriam retornar à primeira instância: a questão é de mérito, e não de validade das decisões ordinárias. Segue-se que, ao negar provimento ao recurso ordinário, o acórdão do TRT substituiu a sentença de primeiro grau: se, fazendo-o indevidamente a manteve e contrariou a Constituição, esse o error in judicando a corrigir”. (STF, AGRAG-233271 / MG, unânime, Relator Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE , in DJ de 29-10-99, PP-00005 EMENT VOL-01969-05 PP-00947).

Leia a íntegra da regulamentação do novo recurso, reclamação, à disposição dos jurisdicionados para fazer valer a força das decisões da Alta Corte:

“STF – SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Supremo altera Regimento e relator poderá julgar Reclamação. O Supremo Tribunal Federal, em sessão administrativa de 25/03/04, acrescentou ao artigo 161 do Regimento Interno do Tribunal a possibilidade do ministro-relator de Reclamação julgá-la, quando a matéria em questão for objeto de jurisprudência consolidada na Corte. A modificação ocorreu a partir de uma proposta feita pelo ministro presidente, Maurício Corrêa. Ele ponderou que nos últimos meses o STF promoveu alterações em sua jurisprudência relacionada ao instituto da Reclamação, previsto no artigo 102, inciso 1º da Constituição Federal. Segundo Corrêa, após o julgamento da Reclamação 1987 e do Agravo Regimental na Reclamação 1.880, a ampliação do rol de legitimados poderia sobrecarregar a pauta do Plenário, em especial nos casos que repercutem em grande proporção. “É um legítimo receio do Tribunal para não inviabilizar a sua função maior de guardião do ordenamento jurídico constitucional”, afirmou o ministro. Para o ministro presidente, nos casos de Reclamação julgada procedente, seria possível a decisão monocrática, pela aplicação analógica do artigo 557, parágrafo 1º-a, do Código de Processo Civil, que prevê a possibilidade de a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do Supremo, o relator poderá dar provimento ao recurso. Citou algumas decisões monocráticas proferidas em Reclamações por alguns ministros do STF. Citou algumas decisões monocráticas proferidas em Reclamações por alguns ministros do STF. A Reclamação é um processo sobre preservação de competência do STF. Está prevista na Constituição Federal de 1988, artigo 102, inciso I, letra l, e regulamentada pelos arts. 156 e ss., do Regimento Interno do STF. Sua finalidade é preservar ou garantir a autoridade das decisões da Corte Constitucional perante os demais tribunais. Além dos requisitos gerais comuns a todos os recursos, deve ser instruída com prova documental que mostre a violação da decisão do Supremo” (Fonte: Supremo Tribunal Federal – 30/3/2004).

Conclusão

Dispõem agora de forma regulamentada os jurisdicionados de remédio jurídico apropriado para reclamando, permitir que a Suprema Corte possa agir e que possa ter então respeitada e preservada a autoridade de seus julgados.

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