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União não pode reter receitas do Fundo de Combate à Pobreza

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2 de abril de 2004, 20h36

A União deve se abster de reter, bloquear ou por qualquer outro meio aproprie-se de frações ou percentuais de recursos ou receitas que pertencem, constitucionalmente, ao Fundo de Combate à Pobreza do Estado do Rio de Janeiro. A determinação é do ministro do Supremo Tribunal Federal, ministro Marco Aurélio.

O relator determinou ainda a abstenção da União em impor qualquer penalidade, multa ou sanção direta ou indireta, em face da não transferência, para seus cofres, dos valores correspondentes, especificamente, ao pagamento do percentual de pagamento mensal da dívida pública estadual incidente sobre as receitas do referido fundo, enquanto estiver sendo discutido o direito a não-contabilização de tais valores na apuração do montante mensal devido pelo mencionado estado.

A decisão atende pedido do Rio de Janeiro, que ingressou com a Cautelar contra a União, representada pela Secretaria do Tesouro Nacional (STN), órgão do Ministério da Fazenda, por supostamente estar se apossando de receitas, que constitucionalmente, pertenceriam ao estado fluminense.

O estado alega que a STN estaria obrigando-o a incluir as receitas do Fundo de Combate à Pobreza (Lei fluminense 4056/02) nos cálculos contábil-orçamentários sobre os quais obriga a incidir o conceito de Receita Líquida Real (RLR). Alega que o resultado prático dessa determinação é o acréscimo de frações de receitas do mencionado fundo sobre o montante sobre o qual se calculam as parcelas de pagamentos de dívida do estado à União. (STF — AC 231)

Leia a liminar concedida por Marco Aurélio

DECISÃO- LIMINAR

FUNDO DE COMBATE À POBREZA – LEIS DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO NºS 4.056/2002 E 4.086/2003 – COMPROMETIMENTO CONSIDERADA A DÍVIDA PARA A UNIÃO – LIMINAR DEFERIDA.

1. Esta ação cautelar objetiva evitar lesão a direito, ante a notícia de ajuizamento de ação dita principal com a qual será pleiteado o direito do Estado de “não contabilizar, como receita líquida real – para o fim específico de pagamento das parcelas de sua dívida pública para com a União – os valores pertencentes ao Fundo de Combate à Pobreza”. Em síntese, informa-se que se pretende lograr decisão judicial no sentido de a União não computar as receitas do Fundo de Combate à Pobreza como integrantes da base de cálculo do pagamento das parcelas mensais da dívida estadual.

Na inicial de folha 2 a 29, procura-se demonstrar, sob o ângulo formal, a erronia da definição da Receita Líquida Real – RLR, sucessivamente via resolução do Senado, medida provisória e lei. Para tanto, afirma-se que o tema exige lei complementar, porquanto em jogo normas gerais atinentes a todas as unidades da Federação e ao direito financeiro. São evocados os textos dos artigos 163, incisos I, II e V; 165, § 9º; 192 e 52, incisos V, VI, VII, VIII e IX, todos da Constituição Federal. No tocante ao princípio da indisponibilidade de competências, busca-se o apoio de Canotilho, citando-se também a doutrina pátria.

Na espécie, teria ocorrido seqüência de disciplina incompatível com a formalidade essencial imposta pela Carta da República. Sob o prisma da inconstitucionalidade material, são evocados os artigos 79, 80, 81 e 82 do Ato das Disposições Transitórias da Carta de 1988, tendo em conta a Emenda Constitucional nº 31/2000. Segundo o sustentado, as parcelas que compõem o Fundo possuem destinação específica, presente a vinculação constitucional.

Argumenta-se com o fato de as normas constitucionais transitórias abrirem exceção ao que contido no corpo permanente da Carta, asseverando-se que as receitas próprias ao Fundo de Combate à Pobreza não podem ser objeto de transferência à União, a título de pagamento da dívida. Então, requer-se seja determinada à União que se abstenha de reter, bloquear ou, por qualquer modo ou expediente, apropriar-se de frações ou percentuais de receitas ou recursos integrantes do Fundo de Combate à Pobreza no Estado do Rio de Janeiro, também se lhe obstaculizando impor penalidades, multas, sanções diretas ou indiretas, em razão da não-transferência aos respectivos cofres dos valores vinculados ao Fundo, pleiteando-se, sucessivamente, para a hipótese de já efetuada a transferência, o retorno ao estado anterior, oficiando-se ao Banco do Brasil para as providências cabíveis, vindo-se, alfim, a confirmar os pedidos liminares. Diz-se da relevância da articulação e do risco de manter-se a ordem de transferência. À inicial juntaram-se as peças de folha 30 a 53, sendo que recebi este processo para apreciação ao término do dia de ontem.

2. O que versado sobre a necessidade de a disciplina da matéria estar em lei complementar surge com relevância. Realmente, não se trata apenas de estabelecer teto alusivo a empréstimos e amortizações, mas de definição complexa do que denominado como “Receita Líquida Real”. Mais do que isso, a Constituição Federal, ante o interesse público primário, dispôs sobre a composição do Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza, indicando, de modo categórico, os recursos a serem para ele carreados. É o que se depreende do teor do artigo 80 introduzido no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias pela Emenda Constitucional nº 31/2000, aplicável aos Estados por força do artigo 82 que se lhe segue. Neste exame preliminar, tem-se a vinculação constitucional a afastar a absorção de valores levando em conta compromissos diversos, no caso, o relativo à amortização da dívida consolidada do Estado junto à União. Há de resguardar-se campo propício à atuação visada, no que, considerada a Constituição Federal, o fundamento básico da República Federativa do Brasil que é a preservação da dignidade da pessoa humana, atentou-se para a miséria em que vive extensa fração do povo brasileiro.

Em jogo fazem-se valores a serem sopesados à luz dos ditames maiores previstos na Lei Básica do País. À assustadora dívida pública – a absorver recursos que deveriam estar sendo canalizados para as necessidades básicas da população – contrapõem-se parâmetros rígidos e, portanto, inexpugnáveis, ligados à mitigação do sofrimento nacional. Realmente, o contexto gera preocupação maior, não se podendo olvidar o quadro que, exacerbado com a passagem do tempo, reclama providência de grande envergadura. A riqueza nacional, os recursos arrecadados são a cada dia mais comprometidos com a dívida pública, num círculo vicioso que precisará alcançar um fim. Tenha-se presente que o Fundo visou a atender aos objetivos fundamentais da República – construir uma sociedade livre, justa e solidária; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais, e promover o bem de todos.

3. Defiro a liminar pleiteada, determinando seja expedido ofício, com transmissão imediata via fac-símile, à União e ao agente financeiro Banco do Brasil S/A, para que a primeira se abstenha de reter, bloquear ou por qualquer modo ou expediente apropriar-se de frações ou percentuais de receitas ou recursos que pela Constituição Federal e pela legislação do Estado do Rio de Janeiro integrem o Fundo de Combate à Pobreza no citado Estado, deixando, também, de impor qualquer sanção pela não-transferência de valores do mencionado Fundo. Ao Banco do Brasil, para que não implemente instrução que contrarie esta medida acauteladora. Deixo de atender ao pleito de retorno de valores já transferidos, porquanto se está diante de providência acauteladora e não reparadora e, portanto, satisfativa. Ao Pleno, para o referendo desta medida.

4. Cite-se a União.

5. Publique-se.

Brasília, 2 de abril de 2004.

Ministro MARCO AURÉLIO

Relator

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