Sob nova direção

Edson Vidigal quer acabar com pedido de vista no STJ

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2 de abril de 2004, 17h57

O ministro Edson Vidigal, que na próxima segunda-feira (5/4), assume a presidência do Superior Tribunal de Justiça, está determinado a fazer uma profunda reformulação nos procedimentos judiciais brasileiros. A começar por um desassombrado apoio ao controle externo do Judiciário que, defende ele, é um instrumento fundamental para dar governabilidade à Justiça.

Nesta entrevista exclusiva à revista Consultor Jurídico, Vidigal fala das mudanças que pretende fazer no tribunal. Só o Conselho Nacional de Justiça, com a participação de pessoas estranhas ao Judiciário, de acordo com ele, fará as mudanças administrativas necessárias para a melhor racionalização e aplicação do dinheiro público.

O ministro tem uma forte preocupação com a questão da celeridade processual. Considera importante, por isso, a “comissão pente fino” que deverá ser criada no Congresso para enxugar a chamada legislação extravagante que “embasa e sustenta a infinidade de recursos que ensejam a morosidade processual”.

Internamente, Edson Vidigal pretende criar a Ouvidoria Geral da Justiça, porque as pessoas precisam saber do andamento de seus processos, e lançará o Diário da Justiça on line, com conteúdo de validade oficial. As decisões contarão prazo a partir da zero hora do dia da sessão em que foram tomadas.

O ministro também quer acabar com os pedidos de vista da Corte, por meio de um sistema informatizado em que os ministros da Turma se consultem sobre seus relatórios dois dias antes da sessão. “Vamos fazer como o PSD de Minas Gerais. Primeiro combina-se e depois reúne-se”. Sob seu comando, como ele diz, o STJ vai ser exemplar no Brasil, trabalhando em período integral. “Se eu tenho muito trabalho, não dá para começar ao meio dia cumprindo meio expediente”, afirma.

Para falar das mudanças no Judiciário, Vidigal participará do seminário “A nova Justiça”, no dia 23 de abril, em Florianópolis (SC).

Leia a entrevista do ministro:

Como o senhor avalia a Reforma do Judiciário?

Acho positivo a criação do Conselho Nacional de Justiça tal como o proposto no substitutivo do senador José Jorge. Fui voto vencido no STJ. Mas não é o Judiciário, nem a posição majoritária e respeitável dos ilustres magistrados, que vai decidir. O palco é o Congresso Nacional, que representa o povo e o povo brasileiro quer que a Justiça melhore. Há uma aspiração nacional muito grande no sentido de que o Judiciário saia do atoleiro em que se encontra.

E no que o controle externo pode ajudar nesse sentido?

Trata-se de um órgão que dê governabilidade ao Poder Judiciário. O Judiciário é o único dos três Poderes que não tem governo. Não pode ficar como na canção do Chico Buarque: “o que será, que será, o que não tem governo, nem nunca terá”. E o governo do Poder Judiciário tem o objetivo de formular políticas e estratégias, tendo em vista a melhoria das condições de infra-estrutura, de logística para que, aí sim, suas excelências, os magistrados, possam ter melhores condições de trabalho.

Então o Conselho se limitará às questões administrativas?

Sua finalidade é exercer a supervisão administrativa e orçamentária de todo o Poder Judiciário. A melhoria das condições de trabalho passam necessariamente por mudanças administrativas, melhor aplicação e racionalização do dinheiro público. Nós somos o maior nas cobranças da sociedade e o menor na participação do orçamento. Com as dificuldades que o Brasil atravessa não dá para nós ficarmos desperdiçando tempo, providências e dinheiro.

Como o senhor vê a irracionalidade na aplicação do dinheiro?

Cada Tribunal tem um sistema de informática, cada Tribunal resolve construir um prédio da maneira que entende, cada Tribunal tem seu quadro de pessoal, uns tem gente demais e outros tem gente de menos. Cada Tribunal é uma ilha, num imenso arquipélago, e algumas tomam ares como se fossem capitanias hereditárias. Então é preciso um órgão gestor central ao qual todo o povo brasileiro possa se dirigir, ao qual todos nós possamos nos reportar, que seja, portanto, o foro próprio das discussões e decisões da Justiça.

O documento dos Tribunais superiores diz que a posição da instituição é contrária.

A Justiça não pode ser feita para a Justiça, quem tem que decidir é o Congresso Nacional. A Justiça é patrimônio do povo brasileiro, do estado de direito democrático, da República e a República é coisa pública. Juiz é empregado, é servidor público, é pago pelo contribuinte. O salário que paga o ministro, o desembargador e o juiz é o mesmo que paga o cabo da polícia, o coronel da Aeronáutica, o capitão do Exército e o ascensorista do elevador da repartição pública. Todo esse dinheiro vem do povo brasileiro, que é o contribuinte. Paga para caramba e caro para manter um estado pesado, que não responde às demandas de saúde, de segurança, de educação.


Como ocorreu essa decisão no STJ? Qual foi o quórum?

Cerca de 10 ministros foram favoráveis à proposta tal como ela está. Uns 25, contrários. Mas há um equívoco no foco dessa questão. A reforma que se pretende não é para os juízes, procuradores ou advogados. A reforma que se pretende, que o Brasil precisa e exige, é uma reforma para o povo em geral, para melhorar as condições da população no acesso à Justiça, do exercício da cidadania. Ora, se eu estou buscando condições melhores para que o Judiciário se reaparelhe, se modernize, que use melhor os seus recursos, por que isso é contra os juízes?

Por que a reforma não contempla medidas processuais que permitiriam dar maior celeridade às decisões?

Não vamos chegar a isso através apenas de reformas constitucionais. O outro substitutivo do senador José Jorge, que vai de volta para a Câmara dos Deputados, prevê que se crie uma comissão em tempo certo que passará um pente fino em toda a legislação processual civil, penal e na chamada legislação extravagante, que embasa e sustenta a infinidade de recursos que ensejam a morosidade processual. Ele também propõe o juizado de instrução criminal que vai dar uma grande celeridade aos feitos criminais.

Como o senhor vê o instituto da súmula impeditiva de recursos?

Para atender a arquibancada, o governo que quer a reforma, veio com a proposta, também apresentada por suas excelências os nossos coleguinhas magistrados, no sentido de que, em vez da súmula vinculante pura para o STJ e o TST, cria-se uma tal súmula impeditiva de recursos que não vai resolver nada. Vai apenas estimular vaidades.

Que vaidades?

Quando o juiz aplicar a súmula, não tem recurso. Se recusar a súmula, você pode recorrer. Isto abre uma porta muito larga para os egos, que são normais na condição humana. Tem juiz que vai pensar: que negócio de súmula, vem me dar ordem aqui? Não vou aplicar. Vai redigir 30, 40 laudas, fará uma tese de mestrado. E o recurso aparecerá aqui. A súmula impeditiva é a coisa pela metade.

O ministro Nilson Naves disse que já existe um impedimento. Qual é ele?

A legislação processual já autoriza o juiz a decidir, invocando a reiterada jurisprudência. Mas cabe recorre. O processo não morre. O recurso chega aqui e o relator, prontamente, por despacho, confirma aquela decisão com base na reiterada jurisprudência. Só que a outra parte entra com agravo, o processo vai para a turma, para o colegiado e para o plenário da Corte.

Então o STJ deveria ter a súmula vinculante como a proposta para o Supremo?

Mais da metade do que entulha o Poder Judiciário são processos, não são causas. Grande parte delas tem como origem o poder público. Causa é quando você tem uma questão nova. Essa questão nova, decidida milhares de vezes, enseja milhares de processos para os mesmos juízes, tribunais e instâncias. Então, eu aplico a jurisprudência reiterada, resumida de uma súmula.

Não se corre o risco de engessamento? A realidade não muda na base que está distante dos tribunais superiores?

Não engessa coisa nenhuma, porque não se vai sumular todos os artigos de todas as leis. Só as questões que já foram resolvidas 10, 15, 20 vezes e que retornam para cumprir o mesmo itinerário. A emenda prevê um processo sumulativo e ela pode ser questionada por inconstitucionalidade e por ilegalidade. Também pode ser revogada quando já tiver atingido o seu objetivo.

Como o senhor avalia a criação da Escola Nacional da Magistratura?

Ainda ninguém parou para pensar como se faz um juiz no Brasil. Já se escreveu livro nos Estados Unidos sobre como se faz um presidente da república. Foi o Theodore White, que cobriu, como jornalista, a campanha do John Kennedy. Aqui, o aluno vai para a faculdade, que lhe enfia na cabeça doutrinas e mais doutrinas, o professor não dá aula, faz discurso, e ele sai bacharel em direito, em alguns casos sem nunca ter visto um processo. Perde-se mais tempo com teoria, do que com prática. Mas, também não dá para mudar esse negócio agora da noite para o dia, mexendo com cartórios que não têm tamanho, faculdades, gente que ganha dinheiro com isso, faculdade de fim de semana, faculdade noturna.

Mas não são poucos que passam nos concursos da Justiça?

O concurso é uma gincana de pegadinhas, quase sempre. Em cada estado é um concurso diferente, embora o direito que se vai operar seja um só, o direito nacional federal. O aluno nunca foi induzido a pensar em administração da Justiça. Não tenho o registro da existência de sequer uma cadeira de administração judicial. Nem sempre um bom juiz é um bom administrador. Mas, aí ele entra em um concurso e com 24, 25 anos já é sua excelência, o magistrado. Não sabe nada da vida, mas é nomeado para interpretar o direito, para dizer o que é legal, para decidir sobre a liberdade e o patrimônio das pessoas. Nada mais lhe passa a ser exigido em termos de reciclagem e de conhecimento.


E o que a Escola vai fazer agora?

Vai normatizar, centralizar, fazer um currículo só. Vamos nos acertar com a OAB, que tem uma escola de advogados, podendo funcionar como se fossem aqueles antigos exames de admissão ao ginásio. Passando pela prova da escola da OAB, ele vai então se matricular num curso de preparação e poderá prestar concurso. Ele vai ser direcionado para a profissão que escolheu, que exercerá para o resto da vida.

Como vai funcionar a Escola?

Com duas ou três salas, um escritório, com gente de alto nível, bem capacitada, vai se trabalhar a gerência desses cursos que poderão ser transferidos para fundações como a Getúlio Vargas ou organizações como OAB, com a sua supervisão. A escola vai preparar o acesso à magistratura, como também reciclará as suas excelências. No Brasil, eu sou indicado para ser ministro, passo no teste da reputação ilibada, sou sabatinado no Senado para provar que tenho notável sabedoria. No dia seguinte, eu tomo posse e qualquer besteira que eu disser está valendo.

O senhor acredita que vai conseguir fazer tudo isso?

Não sei porque não presido o Poder Judiciário, presido o STJ. E isto aqui é um colegiado. Até para mudar uma mesa do lugar tem que obter a concordância dos outros. A maior prova de que, estando no poder, nem sempre você tem o poder, é quando preside um governo colegiado.

Fora das mudanças legislativas, o senhor pretende fazer mudanças regimentais com vistas à celeridade?

Já estou negociando com o sindicato dos servidores e o STJ dará o exemplo: vamos trabalhar em dois expedientes. Se eu me queixo que tenho muitos processos, muito trabalho, não dá para trabalhar meio expediente, começando ao meio dia.

Hoje como funciona?

Hoje, chega-se ao meio dia e vai-se até, formalmente, às 19 horas. O povo em geral só pode chegar no tribunal ao meio dia. Temos que começar às 7h30. Vou ter dois turnos. A rigor, eu tenho mais funcionários do que espaço e estou fazendo concurso, depois mais outro concurso e, daqui a pouco, não vou ter mais espaço aqui. Não é que eu tenha funcionário demais. Eu tenho muito trabalho para pouca gente.

E os salários ficam como estão?

Isso pode ser feito porque há um decreto no Executivo que podemos aplicá-lo por analogia. Pode ser uma resolução, já fizemos o esboço para os outros ministros. O sindicato vai entender que é bom para eles, para o povo, para o tribunal e para a nossa moral.

Quais são as outras medidas contra a morosidade que o senhor pretende implantar?

Outra medida envolve a modernização da administração. Investir em softwares, nos últimos recursos da informática, de modo que façamos mais e melhor uso das últimas conquistas da tecnologia. Vamos adotar o sistema aberto de software livre, o linux, porque é bom para o dinheiro público. Vamos sair da tutela de cartórios. Para isso, teremos que ter apoio, não só aqui do tribunal, mas da sociedade, dos formadores de opinião.

E as mudanças regimentais?

Poderemos acabar com o pedido de vista, trabalhando um sistema de informática em que os ministros de cada turma se correspondam a respeito daquilo que vão julgar. Tomam conhecimento do relatório dois dias antes da sessão. Num segundo momento, o ministro pode até disponibilizar o acórdão completo, permitindo a concordância e as mudanças dos demais. Quando chegar na sessão, já estará tudo resolvido. É a doutrina do PSD de Minas Gerais, combina-se antes e reúne-se depois. Tudo isso vai integrar uma agenda de estudos.

Já existe um grupo de trabalho montado para isso?

Nós estamos trazendo, para gerenciar o STJ, o que há de melhor em matéria de recursos humanos. Foi difícil montar a equipe em razão dos baixos salários. Quero aproveitar o tempo, que é curto e passa depressa. A presidência são só dois anos. Ou eu faço o melhor uso do tempo disponível ou termino sem conseguir sequer sonhar.

O que o senhor pretende fazer na área da comunicação com a sociedade?

Uma reformulação para melhor porque existia muita coisa esparsa na estrutura. Estamos centralizando tudo numa secretaria de comunicação social. Ela vai tomar conta da televisão, da rádio que vamos ter e da informação on line. Pretendo criar também o Diário da Justiça on line.

Como ele vai funcionar?

No momento em que a decisão da Turma for proclamada, o advogado sai com a certidão do resultado e essa decisão é colocada no ar em tempo real. À zero hora, entra no formato do Diário da Justiça on line. Isso significa que os prazos começarão a contar à zero hora do dia em que se realizou a sessão.

Para isso, basta uma mudança regimental?

Mandei fazer uma pesquisa para saber se há alguma vedação. Se não tiver houver cobertura legal, já estou acertado com o pessoal no Congresso para fazer a lei. Ou a gente aceita o mundo moderno ou vamos retroagir ao tempo do Gutemberg, quando não tinha nem linotipo. Era monotipo.

O que mais o senhor pretende fazer?

Vou criar a Ouvidoria Geral da Justiça, junto com o Tribunal de Contas da União. No mesmo dia em que o ministro Valmir Campelo anunciar a ouvidoria dele, nós vamos anunciar a nossa. Os estudos estão bem adiantados. É grande o volume de correspondência dirigido ao Tribunal e as cobranças também são grandes. Vamos centralizar isso na ouvidoria, porque as pessoas precisam saber como está o seu processo.

O senhor acha que existe hoje uma “indústria” de ações por dano moral?

Não creio que haja uma indústria. O que existe são alguns exageros da parte dos demandantes. Mas o STJ está enquadrando essa questão. O dano moral é apenas uma sanção moral. Não pode significar o enriquecimento ilícito de uma pessoa que se julga ofendida por outra. O direito à reparação moral é para pagar a credibilidade. O simples fato do réu ser condenado ao pagamento, seja de 20 centavos, porque a ofensa moral não tem preço – não tem como eu estabelecer uma tabela de acordo com o palavrão que o outro proferiu. É uma reparação moral e, sendo moral, é no sentido de dizer à sociedade o caluniador não tem credibilidade e, por isso, foi condenado a pagar 20 centavos para o cofre da igreja. Ninguém deve colocar a mão nesse dinheiro.

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