Notícia divulgada recentemente pela OAB paulista anunciou que "na próxima eleição para presidência da OAB SP, que acontece no final de novembro, a Ordem vai utilizar, pela primeira vez, urnas eletrônicas".
A notícia é alvissareira, eis que o processo de votação ficará mais simplificado e será mais veloz. Por outro lado, contudo, surgem outras preocupações. É desagradável reconhecer mas, por mais que sucessivas diretorias se esmerem em buscar a legitimidade, nossos pleitos sempre têm sido objeto de intermináveis suspeitas suscitadas pelos eventuais vencidos.
Cada chapa mobiliza um exército de fiscais que acompanham as mesas coletoras e apuradoras, vigiando de perto o modo como se desenrolam os trabalhos mas, com advogados em seiscentos e tantos municípios, é impossível evitar que surjam boatos desairosos (muito embora, jamais comprovados).
Na votação eletrônica, todavia, a maior parte daquilo que era feito perante os olhares zelosos dos fiscais passará a ser executado por impulsos elétricos dentro daquela caixinha informática imperscrutável.
O presidente da Seccional revelou que, desde o começo do ano, vem "negociando com o Tribunal Regional Eleitoral o empréstimo das urnas eletrônicas". Para muito eleitor desavisado, passará despercebido, contudo, que a execução do verdadeiro trabalho eleitoral não reside nestes aparelhos, mas sim nos programas que as fazem operar e é neste território que surgem inquietações.
Em geral, os softwares integram terreno dominado pela suspeita porque só fazem aquilo para o qual foram programados. Então, diferentemente da eleição tradicional, não vai adiantar muito aos fiscais vigiarem a urna eletrônica, já que as possibilidades de desvio, em sua maioria, ocorrem bem antes do início da votação. Quando começarem a colher os votos, em tese, aquilo que alguns temem já pode estar irremediavelmente consumado mediante uma singela modificação no programa.
Junto com as urnas, a Justiça Eleitoral deverá emprestar os programas e a respeito destes, vale lembrar as palavras do presidente da comissão de direito eleitoral da OAB-SP:
"Do ponto de vista legal, temos confiança na lisura dos Tribunais, tanto do Tribunal Superior Eleitoral como dos Tribunais Regionais. Porém, existe a possibilidade de fraude, como a no painel do Senado. Há, portanto, possibilidade de fraude em todos os sentidos. (...) Não adianta tapar o sol com a peneira e dizer que não e que podemos ficar tranqüilos. Nada disso". (1)
As garantias do processo eleitoral são de caráter objetivo -- e não subjetivo --, sendo necessário que os programas sejam previamente examinados pelos diversos candidatos e que estes tenham garantias que aquilo que foi examinado é que irá rodar nas máquinas na hora da eleição. O que preocupa é que os pacotes vão ser emprestados pela Justiça Eleitoral e presume-se que sejam exatamente os mesmos que a OAB questionou na eleição passada.
Foi porque não se concedeu acesso suficiente a este material que o representante da OAB no seminário sobre o voto eletrônico, feito no Senado Federal, questionou a postura do TSE, relembrando a resposta dos céticos às garantias de César sobre a honradez de sua esposa: "a mulher de César não basta ser honesta, tem que parecer honesta".
Aliás, tal frase veio à baila para encimar as críticas à Justiça Eleitoral por não imprimir o voto, providência que era reputada como a única que poderia dar garantias. Em resumo, as mesmas perguntas que a OAB fez ao TSE na última temporada eleitoral, vão ser formuladas à entidade pelos candidatos.
Da mesma forma que a infeliz Calpúrnia, pobre esposa de César, além de desprezada por causa da beldade egípcia, ainda viu sua honradez, injustamente, dançar na boca do povo, o voto eletrônico ainda desfruta de reputação suspeita graças à postura do TSE que não abriu os programas ao exame público.
É o mesmo TSE que vai ceder sua parafernália à OAB e, junto com o restante equipamento, no mesmo pacote, vamos receber o "presente de grego" deste famigerado fantasma da possibilidade de fraude que ficará a pairar sobre todos nós.
A iminência do pleito faz com que estas preocupações comecem a aflorar e impõe que a diretoria e a comissão eleitoral tomem as devidas providências para despir o pacote do TSE das suspeitas que o tem revestido (em boa parte, imputadas pela própria OAB), de sorte a evitar a maré de reclamos que pode ser gerada por estas inquietações.
Como dito na citação acima reproduzida, é melhor "não tapar o sol com a peneira", colocando desde logo os programas à disposição dos eventuais pré-candidatos e começar o diálogo a respeito da questão. Para todos, será melhor assim.
Nota de rodapé:
(1) www.votoseguro.com.br
Comentários de leitores
2 comentários
Eli Alves da Silva ()
Além de tudo que já foi comentado, também tem que ser esclarecido, como será efetivada a apresentação das chapas na eventualidade de uso de urna eletrônica: Por número que cada chapa vai receber? Pelo nome do candidato a Presidente? Pelo nome da Chapa? Enfim, se realmente for utilizada a urna eletrônica, é necessário que seja feita uma ampla divulgação. Também concordo que a urna eletrônica não é o meio mais seguro. Ademais, não vejo muita vantagem em utilizar duas formas de votação, uma para a diretoria e conselheiros seccionais e outra para a diretoria das subsecções. Por outro lado, acredito ainda que, a votação através de cédula é mais democrática, pois o advogado eleitor, terá à sua frente os nomes de todos integrantes da chapa que pretende escolher.
Aldimar de Assis (Advogado Sócio de Escritório)
O autor do texto, Dr. João José Sady, acertou na mosca. Se nem o presidente da Comissão de Direito Eleitoral da OAB SP poder afirmar a plena segurança, é porque ela não existe. Valem lembrar, ainda, que a votação eletrônica somente será para a eleição da Diretoria e Conselho Seccional, não se aplicando às eleições das Subseccões da OAB SP, o que implicará na mesma demora que sempre existiu nos pleitos eleitorais anteriores naqueles locais. Aldimar de Assis, Conselheiro da OAB SP
Comentários encerrados em 12/09/2003.
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