As declarações do presidente do Supremo Tribunal Federal ao Estado de S.Paulo, publicadas com grande destaque no dia 15 de janeiro, abalaram os mercados financeiros, o governo, os juristas, os bacharéis, o Legislativo, os aposentados de todas as categorias. Primeiro confronto sério entre dois poderes em duas semanas de governo. O país tremeu nas bases, saltou o risco-país, os ventos de mudança amainaram:
"Previdência só muda com revolução, diz Mello" (1ª página, oito colunas).
"Para Marco Aurélio, reforma só com revolução" (pág. A8, oito colunas).
Dia seguinte o jornalão mandou brasa na fala do presidente do Supremo com um daqueles seus famosos petardos da página de opinião: "Fora dos autos e à margem da ética"
Uma semana depois (22/1), no mesmo Estadão, manchete na página 5, igualmente em oito colunas:
"Menos polêmico, Mello pede fim dos privilégios"
O que aconteceu? Alguém falou o que não devia ou alguém reproduziu mal o que ouviu?
Nem uma coisa nem outra. O ministro-presidente disse duas coisas registradas com igual precisão no corpo da matéria:
Os direitos adquiridos, cláusula pétrea da Constituição, só podem ser alterados por uma Assembléia Constituinte ou por um estado de exceção.
É favorável ao regime único de aposentadorias, desde que respeitados os direitos adquiridos.
O problema é que a manchete apoiou-se apenas no elemento potencialmente mais explosivo (reforma da Previdência só com uma revolução) deixando de lado a opinião do declarante contra a manutenção dos privilégios.
Está na hora de reexaminar nossos procedimentos e padrões para a formulação de títulos, sobretudo as grandes manchetes. Partindo do pressuposto reacionário de que o leitor brasileiro não tem condições de compreender um título que contenha dois fatos ou afirmações divergentes, adotamos o princípio do falso impacto: "uma sentença, uma idéia".
Pá-pum.
Acontece que no jornalismo moderno (e nem só no anglo-saxão), editores preocupados com os perigos do simplismo recorrem a manchetes com duas idéias: usam o ponto-e-vírgula para separá-las e confrontá-las ou recorrem à complicada conjunção mas para justapô-las. Evita-se, assim, oferecer apenas um ângulo da questão ou, no caso de conflitos, exibir preferências.
Em matéria jurídica - como a entrevista do magistrado-mor - é indispensável abandonar a linearidade nos títulos. Impõe-se a bipolaridade. Existem fórmulas expositivas (ou gráficas) capazes de deixar intactas as sutilezas ou as necessárias contradições do raciocínio de um jurista.
O presidente do STF sabe que no caso dos direitos adquiridos mexer na Constituição só com um golpe, mas, por outro lado, está convicto de que é necessário igualar os benefícios. Ele é magistrado, registrou os dois lados da questão - cabe aos políticos encontrar maneiras de conciliar o inconciliável.
De nada adianta ouvir as duas partes, reproduzi-las no corpo da matéria se a titulação - o espelho fiel da busca da verdade - beneficia apenas um ângulo.
Sabemos que é mais trabalhoso compor títulos com duas proposições e que o ponto-e-vírgula é recurso complexo, mas se é para fazer barulho, façamo-lo com os dois lados da questão. Pode ser mais chamativo e certamente será mais veraz.
Conviria refletir sobre outra questão jornalística embutida no episódio - se a imprensa reclama das manifestações do magistrado não devia ouvi-lo. Se o procura é porque quer a sua opinião. Quando o Observatório na TV entrevistou o ministro Marco Aurélio (18/6/02), a primeira questão - e, portanto, a tônica - foi clara e transparente: sua invulgar disposição para intervenções públicas.
Fonte: Observatório da Imprensa
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