Dentre as notícias sempre desestimulantes oriundas do mundo virtual no que se refere aos empreendimentos comerciais e suas possibilidades de lucro, uma gama de empresas ponto.com está comemorando euforicamente. Aproximadamente 1.500 empresas cibernéticas americanas conseguiram fechar o ano fiscal de 2002 com lucro operacional. Coisa rara desde a explosão da bolha da Web nos últimos dois anos em que até gigantes como a Amazon.com operavam no vermelho.
Mas uma empresa em especial se destaca na paisagem, capitaneando a lenta revolução que começa a se instalar na Grande Rede: a eBay, um sítio de leilões que começou timidamente em 1995 e hoje se transformou num colosso que só no ano passado gerou o equivalente a US$ 15 bilhões entre produtos e serviços, quase 20% de todas as vendas online do planeta. Apesar dos aparentes bons ventos que começam a soprar, operar comercialmente na Internet ainda representa um grande desafio, principalmente pela velocidade que as transações virtuais requerem e porque os interessados escolhem a Web justamente pela comodidade de não precisarem se deslocar de suas casas ou escritórios, sem falar na celeridade com que os negócios são fechados.
O grande problema reside na outra ponta do comércio virtual, mormente a questão da entrega pontual, dos estoques e dos preços. Um site que você esteja acessando agora e que comercialize produtos de seu interesse pode estar sediado na Ásia ou no Canadá e aí a questão do frete pode muitas vezes lançar por água abaixo a pechincha do preço que tanto o atraiu.
As questões jurídicas também começam a despontar com cada vez mais intensidade, na medida em que fronteiras geográficas são ignoradas, aspectos de territorialidade no que tange à aplicação da legislação se tornam fundamentais e primados de proteção à propriedade intelectual compõem a ordem do dia. Uma das áreas mais promissoras do Direito hoje é, sem dúvida, o Direito Eletrônico, como já vem sendo chamado em várias partes do mundo, e que lida exatamente com as intrincadas nuances geradas pela simples existência da grande rede de computadores.
O Direito Penal, por exemplo, vem sendo objeto central de diversos desdobramentos criminosos da Internet, como a pedofilia, as invasões virtuais (hacking), fraudes bancárias e comerciais e ataques racistas, entre outros. A inexistência, ainda, de tendências lineares de aplicação da legislação existente para os chamados crimes virtuais, vem dando origem a uma série de especulações e controvérsias sobre se será mesmo necessário criar leis específicas para lidar com a Internet ou se a adaptação e a interpretação desdobrada das leis atualmente existentes é suficiente.
Existem, entre os juristas e estudiosos do Direito Autoral e da Propriedade Intelectual, duas correntes mais destacadas: os que acreditam que as leis do mundo real são suficientes para coibir e lidar com as questões da Web e os defensores de um novo ordenamento jurídico capaz de cuidar especificamente do mundo eletrônico.
Em nossa opinião, a floresta de leis que já nos assola é muito extensa para abrigar mais um corolário de diplomas legais que fatalmente passarão despercebidos pela sociedade e trarão mais mazelas aos profissionais jurídicos do futuro. Os crimes, as fraudes, as irregularidades e as violações da propriedade intelectual que ocorrem no mundo virtual são os mesmos que acontecem no mundo real. Não há diferença entre a pedofilia praticada na Internet e aquela resultante de vídeos e revistas no mundo convencional.
O elemento central que se interpõe entre os dois mundos é tão somente a tecnologia, que confere ao território eletrônico as vantagens da velocidade, do sigilo parcial e do acobertamento à distância. Mas nem assim devem diferir o tratamento e a aplicação propiciados pela lei. No caso específico da Propriedade Intelectual, por exemplo, as leis 9.609/98 e 9.610/98, que aperfeiçoaram a nossa primeira lei autoral (5.988/73) para incluir os programas de computador e a Internet ainda carecem de ampla regulamentação em face das aplicações práticas de seu teor aos casos concretos.
É justamente a falta desta regulamentação, somada à inexistência de uma cadeira obrigatória em nível de graduação superior que restringem a ampliação do conhecimento da matéria no Brasil, comprometendo a boa jurisprudência, a literatura jurídica adequada e, em última análise a contínua formação de profissionais especializados em Direito Eletrônico.
Com o Código Penal a coisa também não é muito diferente. Promulgado em 1940, este diploma legal já está na terceira idade, com atualização sempre prometida e nunca materializada pelo Congresso Nacional, apesar dos intensos clamores da sociedade brasileira diante do recrudescimento da violência dos últimos anos. E as penalidades pela violação da propriedade intelectual e do direito de autor são realmente pífias em nossa lei penal substantiva.
Resumem-se a dois artigos, 184 e 186, conferindo um máximo de 4 anos de detenção aos infratores. Desafiamos os leitores a lembrarem-se de um único caso de infração a direito autoral que tenha lançado o perpetrante na cadeia no Brasil.
Todas estas considerações nos levam a imaginar, a despeito de sermos inicialmente influenciados pelo pessimismo, que existe um entusiástico futuro para a carreira jurídica em termos de Direito Eletrônico e urge que as faculdades de Direito, as subseções da OAB em todo o país e as escolas profissionalizantes e associações judiciárias aprofundem seus estudos, seminários e debates sobre as questões que emanam do mundo virtual, verdadeira nova paisagem no mercado de trabalho da era da Internet.
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