Houve um tempo em que o romantismo imperava e era cultuado em livros, filmes, peças de teatro, músicas, poesias. As pessoas tinham como projeto de vida se apaixonar perdidamente, a paixão amorosa tinha uma importância bem maior do que tem hoje, mas pouca gente conseguia o ideal de ser "feliz para sempre".
Amor rimava com dor e podia levar ao sofrimento extremo, nunca ao paraíso. Sim, porque quando enamorados se casam, desfaz-se o encanto... Desta forma, paixão mais intensa e duradoura era a que sofria oposição, encontrava barreiras terríveis e exigia dos amantes grande esforço e persistência. Alguns apaixonavam-se mais pela própria paixão do que pelo ser amado, o que se explica pelo fato da exacerbação dos sentimentos, por si só, produzir a sensação de prazer.
O dramaturgo William Shakespeare retratou magistralmente essa situação através dos personagens Romeu e Julieta, que viveram o drama do amor impossível porque suas famílias, inimigas de longos anos, não permitiam o casamento dos jovens, tomados de intensa paixão mútua. Ao fim da história, após o fracasso de uma trama engendrada para burlar a vigilância familiar e possibilitar a união dos apaixonados, ambos se matam.
O "amor romântico" ainda existe, adaptado à modernidade, mas com todos os equívocos de sempre. Fantasia e ilusão amorosas, por vezes, acometem adolescentes, gerando situação parecida com a de Romeu e Julieta, por incrível que isso possa parecer neste início de terceiro milênio, marcado pelo materialismo, individualismo, consumismo.
Só que, como ninguém consegue apartar-se inteiramente dos valores sociais de sua época e os tempos de hoje ensinam que o dinheiro é a maior conquista humana (!), os enamorados da atualidade não costumam matar-se diante da impossibilidade do casamento. Preferem usar de violência contra quem se opõe aos seus projetos de vida em comum, podendo roubar, violentar, matar. Foi o que aconteceu com Suzane Louise von Richthofen, de 19 anos, e seu parceiro, Daniel Cravinhos.
A história deles ficou conhecida por todos em razão da grande repercussão na imprensa e, ao contrário do romance de Shakespeare, não é ficção, é realidade. Suzane, moça rica e submetida pela família a padrões rígidos de comportamento, apaixonou-se por um rapaz mais pobre do que ela, em cuja família havia menos regras a serem cumpridas, o que lhe dava a sensação de liberdade que nunca tivera.
Após três anos de namoro, os pais da moça, que já não viam o rapaz com simpatia, decidiram proibir definitivamente a relação dos dois, ameaçando deserdar a filha se o namoro continuasse. Suzane se revoltou e, junto com Daniel, decidiu matar pai e mãe. O romance teve um desfecho trágico: os pais da moça foram mortos a pauladas, enquanto dormiam; alguns de seus bens foram subtraídos e, por meio do rastro deixado pelo dinheiro, a polícia identificou os assassinos.
O casal de adolescentes e um comparsa, o irmão de Daniel, foram presos. O amor acabou em separação, justamente o que os namorados não queriam. Interrogada pela Justiça sobre os motivos que a levaram a eliminar seus próprios pais, Suzane disse "eu matei por amor". Não foi a primeira que alegou isso. Gostaríamos, porém, que fosse a última.
Para a sociedade brasileira estarrecida, ficou a indagação: como tal conduta foi possível? Além do fato de mulheres raramente se envolverem em homicídios, as vítimas da menina foram aqueles que a trouxeram ao mundo. Nada mais execrável. Foi muita ilusão da parte dela achar que a vida seguiria seu rumo, normalmente, após um ato tão vil.
Os pais de Suzane se julgavam no direito de controlar inteiramente a vida da filha. É claro que a conduta das vítimas não justifica o ato monstruoso de assassinar, mas ela teve seus motivos para agir como agiu e é isso que todos gostaríamos de entender, mesmo sem concordar.
Primeiramente, é preciso lembrar que a proibição de namorar ou de casar nunca funcionou e, em alguns casos, levou à tragédia. Filhos têm suas próprias escolhas, não se enamoram dos pretendentes eleitos pelos pais. Quanto mais a família proíbe o relacionamento, mais ele se torna atrativo, desejável, inevitável para o adolescente.
A melhor maneira de lidar com o problema é deixar que o namoro continue até o momento em que a desilusão aconteça espontaneamente. Não existe paixão que sempre dure e, se não houver amor, a relação acaba. Se, por outro lado, o sentimento de união perdurar apesar do tempo e das vicissitudes, é porque a escolha foi acertada.
Assim, embora muitos pais ainda insistam em escolher, eles próprios, os companheiros dos filhos, nos dias de hoje esse comportamento medieval não é mais aceito. A opressão sexual não é mais recebida com resignação, pelo menos não no mundo ocidental.
Outro equívoco é colocar o dinheiro sempre em primeiro lugar. Ameaças do tipo "se você continuar com ele será abandonada à própria sorte, não receberá mesada, não herdará, será expulsa de casa etc" reforçam a impressão de que o dinheiro é tudo. Deve ter sido justamente isso que levou Suzane a matar: o medo de perder o apoio material. Dentro de uma família, o que não funcionar na base do amor, não vai funcionar de jeito nenhum baseado em chantagem econômica.
Comentários de leitores
2 comentários
maria (Outros)
A paixão cega mas o casamento "recupera" a visão. Por isso era costume dizer para quem estava "morrendo" de amor: casando passa... Deserdar herdeiros necessários tem alguns limites que podem ser "contornados" dependendo do tipo de patrimônio. Daí o desespero do herdeiro. Há filhos que dizem: não vou esperar 30 anos para "pegar" minha herança. "Velho de 60 anos não precisa de dinheiro" Enfim quando a relação afetiva é abalada pelo materialismo e mau caráter o desfecho é trágico. Lar, doce lar - LAR - Lugar de Afeto e Respeito!
Raimundo Bastos (Estudante de Direito)
Li a matéria da Drª Luiza Nagib Eluf, e gostei das explicações, e apesar de ser muito difícil, concordo com os pensamentos dela, por que ninguém deve ser privados dos seus direitos, mesmo quando se trata de pais e filhos, onde o dinheiro realmente tem feito várias bombas-relógios por ser colocado por alguns, como "o tudo" usando a chantagem econômica, e isto realmente não funciona, temos que torcer para que todos os pais de hoje inclusive os que não tem tanto dinheiro,para tentar resolver a coisa de outras maneiras, apenas explicando aos filhos, o porque daquela posição dele.
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