Negócios virtuais

Negócios na Web precisam de regras sólidas para atrair confiança

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14 de março de 2001, 0h00

A computação P2P (peer-to-peer computing) está em alta nesta virada de milênio. O que significa? Em sua essência, trata-se de compartilhar conteúdo ou realizar tarefas entre indivíduos/usuários, sem qualquer controle central ou organização administrativa, isto é, sem intermediários. Em resumo, é o business model das comunidades internautas.

Mas o grande desafio que se esconde por trás do P2P é que teoricamente ninguém o possui, não há dono, então como é que outras pessoas além dos membros podem tirar algum lucro disso? Na realidade, porém, da mesma forma que nas outras modalidades de negócios virtuais, como B2B (business to business) e B2C (business to consumer), existe um servidor central que auxilia as pessoas a encontrar umas às outras na Web bem como músicas, obras de arte ou outras aplicações que desejam compartilhar.

A par das inúmeras questões suscitadas pelo affair Napster e seus antagonistas, se será criado um mecanismo de pagamento de direitos autorais pelo uso de músicas ou se o site sobreviverá simplesmente da verba publicitária, surge agora a dúvida se sites como o Napster serão superados pelo modelo P2P sem servidor central, sem pagamentos e sem publicidade.

Poderá alguém lucrar vendendo software P2P para usuários individuais ou o sistema continuará sempre funcionando em forma gratuita, compartilhada? Ainda outra questão surge no horizonte com relação ao Napster, se os serviços do modelo P2P, que são genuinamente descentralizados, não iriam diretamente de encontro ao sistema em função de que alguns usuários persistem em tentar anarquizar as coisas, ao oferecerem versões “corrompidas” de músicas, com títulos e nomes de artistas e intérpretes trocados.

Essas comunidades podem não precisar de controle central e/ou organização, mas – surpresa ! – apesar de estarem disponibilizando programas e ferramentas entre si, necessitam efetivamente de uma formam de definir e aplicar regras próprias entre seus membros. E será justamente daí, dessas micro-auto-administrações que deverá surgir o cerne regulador e de confiança que terceiros precisam para dar e receber informações com segurança e, em última análise, obter lucro nas transações virtuais assim realizadas.

As comunidades P2P precisam de meios para identificar e definir os seus integrantes. Precisam definir suas próprias regras e modus operanda para poderem punir e/ou excluir os infratores. E, principalmente, precisam de um modelo para pagar por esse serviço.

A diferença desse novo e embrionário modelo de controle que está surgindo é que (1) a filiação é voluntária e (2) a aplicação das regras é fruto de contratos e não de leis. Por mais irônico que pareça, já está acontecendo na Grande Rede.

Podemos dividir o mundo globalizado de hoje basicamente em dois setores: o privado (o mercado) e o público. O mercado representa o ambiente das escolhas individuais, resultados diferentes para todos e cunho comercial em geral. A participação é sempre voluntária nas duas pontas e os clientes podem decidir de quem e onde comprar, assim como, guardadas certas proporções, as empresas podem escolher a quem servir. Já o setor público é a esfera de ação coletiva, de decisões definidas que são impostas ao grupo. Governos não podem escolher a quais cidadãos servir nem indivíduos a que leis obedecer.

Diante dessa realidade, a Internet está vendo proliferar algo como um tipo de jurisdições privadas, semi-públicas tais como o Napster, onde a ordem é mantida por um agente da iniciativa privada. A participação é voluntária e os infratores podem ser punidos ou denunciados às autoridades competentes. Quem não gostar das regras pode simplesmente se retirar. E estas jurisdições operam em forma supranacional, isto é, sem considerações da ordem de fronteiras geográficas e/ou políticas. Seu endereço e sua nacionalidade não importam, o que importa é cumprir as regras gerais estabelecidas pelo grupo para continuar tomando parte naquela(s) comunidade(s).

Apenas na questão de dinheiro, de pagamento, é que entram em cena certos contratos, estabelecendo uma jurisdição de determinado país para que o sistema funcione regularmente. Que tipo de regras pode esse sistema P2P vir a criar e depois aplicar? Podem abranger diversas áreas, notadamente os direitos autorais, a propriedade intelectual em geral, exigência de identificação para coibir o anonimato virtual etc.

Por outro lado, os negócios da iniciativa privada, na medida em que vão se tornando bem-sucedidos atraem a atenção reguladora das autoridades, principalmente por razões tributárias, aspecto até hoje ainda não claramente definido na Internet. Na medida em que as empresas vão se tornando monopólios e oligopólios diante das dezenas de fusões e aquisições de mercado, elas começam a ter que cumprir as mesmas obrigações que os Governos têm, ou seja, de servir a todos e não apenas a alguns.

O caso da AOL – America Online é típico, pois até hoje a empresa só oferece o seu serviço de correio eletrônico para os seus próprios filiados. Podemos então começar a nos aproximar da conclusão de que a Internet, ao mesmo tempo em que acelera o crescimento dos negócios das empresas privadas, assemelha-se cada vez mais a um governo propriamente dito, tanto em sua capacidade regulatória como em seu dever de permanecer livre, aberta a todos.

É real e premente a necessidade de criação de regras sólidas para os negócios virtuais, pois, se determinado site permanece pequeno e privado, ele pode se tornar arbitrário na aplicação de suas regras internas e se se tornar tão bem-sucedido que venha a consolidar uma posição monopolística, acabará sendo alvo de leis anti-truste para atender a todo e qualquer cliente no mercado, sem discriminação.

Enquanto há bem pouco tempo “regulamentação” era sinônimo de ingerência estatal na economia e nos negócios, curiosamente as coisas estão mudando nesta virada de século. A regulamentação pode vir a se tornar um dos modelos de comércio mais duradouros, na medida em que significa uma prática que os indivíduos não podem realizar por si mesmos.

Requer ação coletiva, seja da iniciativa privada pró-lucro, seja pelos governos sustentados por contribuintes. O modelo P2P precisará de alguma forma de regulamentação para consolidar seu adequado funcionamento e correspondente longevidade.

Ainda veremos vários capítulos desta implementação, mas uma coisa é certa, diante dos acalorados debates ora em curso sobre questões de controle na Internet, aparentemente a anarquia inicial da Grande Rede está sendo cada vez mais substituída pela certeza dos usuários de que irão ter muito mais confiança em migrar com seus negócios para a Web se houver mecanismo que salvaguardem em forma eficaz os seus interesses.

Revista Consultor Jurídico, 14 de março de 2001.

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