Questão de competência

Francisco Fausto apóia mudança para julgar crimes contra o trabalho

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4 de setembro de 2002, 11h06

O presidente do Tribunal Superior do Trabalho, ministro Francisco Fausto, defendeu o deslocamento da competência para o exame dos crimes contra a organização do trabalho da Justiça Federal para a Justiça Trabalhista. Com a proposta, formulada pela Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (Anamatra), delitos contra a organização do trabalho, como o trabalho escravo, passariam a ser examinados por juízes trabalhistas.

A medida é vista, pelo presidente do TST e a entidade de classe, como decorrência natural da atuação dos juízes trabalhistas e um passo importante para pôr um fim às irregularidades.

“Nós não vamos acabar com o trabalho escravo no Brasil enquanto um responsável não for mandado para a cadeia e ter suas terras confiscadas”, afirmou o ministro Francisco Fausto durante audiência concedida ao presidente da Anamatra, juiz Hugo Mello. “Nenhuma instituição está mais preparada do que a Justiça do Trabalho para decidir sobre essa matéria. Nós vivenciamos a questão trabalhista, estamos por dentro de tudo que acontece nas relações patrão e empregado e isso é fundamental para que se compreenda a gravidade de um crime como, por exemplo, o trabalho escravo”, completou o presidente do TST.

A mudança está sendo proposta pela Anamatra por meio de emenda ao texto consolidado da Reforma do Judiciário, atualmente em tramitação no Senado. “A Anamatra apresentou várias emendas à Reforma do Judiciário no Senado. Uma delas trata da atribuição, à Justiça do Trabalho, de competência criminal para os dois tipos de crime já previstos no Código Penal: os delitos contra a administração da justiça – quando acontecerem na órbita da Justiça Trabalhista e contra a organização da trabalho”, afirmou Hugo Melo, que espera o acolhimento da sugestão pelo atual relator da matéria, senador Bernardo Cabral.

“Achamos extremamente oportuno a retomada de um amplo debate sobre a questão no momento em que a mídia volta suas atenções ao problema do trabalho escravo, que é uma das modalidades de crime contra a organização do trabalho”, acrescentou o presidente da Anamatra, que foi acompanhado, durante a audiência, pelo vice-presidente da entidade, Grijalbo Coutinho.

Segundo ele, a mudança da competência para o exame dos delitos deve ser vista como um acréscimo ao conjunto de mudanças já propostas pela direção do TST para reprimir o trabalho escravo. “O presidente do TST já se pronunciou diversas vezes sobre a matéria e lançou sugestões extremamente felizes como a criação da Vara Itinerante para a verificação in loco dessas situações denunciadas, numa operação que envolveria também o Ministério Público do Trabalho, o Ministério do Trabalho pela fiscalização, e a própria Polícia Federal para a prisão em flagrante dos autores desta espécie de crime. Também consideramos muito feliz a idéia do confisco de terras onde o trabalho escravo é utilizado. No bojo dessa discussão, é importante a inclusão da competência criminal para a JT”, disse.

Tal qual o presidente do TST, Hugo Mello entende que a questão principal é a especificidade da matéria. “O juiz do Trabalho já está vocacionado e está ambientado, conhece de perto esses problemas. O crime se dá no desenvolvimento de uma relação de trabalho. Existe também o Ministério Público do Trabalho, a quem seria atribuída a competência para a persecução criminal da matéria, o que desafogaria o Ministério Público Federal”.

O número maior de Varas do Trabalho, e a perspectiva iminente de sua ampliação, também justifica a mudança da competência. “As Varas do Trabalho têm maior capacidade para alcançar o interior do Brasil e chegar às cidades onde se utiliza o trabalho escravo. O conjunto de todas essas medidas vai beneficiar e provavelmente eliminar essa prática no Brasil” considera Hugo Mello.

“Os juízes do trabalho já tomam conhecimento, no seu dia-a-dia, não na área criminal, mas na trabalhista, deste tipo de relação. Muitos trabalhadores que atuavam na condição de escravos procuram a Justiça do Trabalho para a reparação de seus direitos sonegados, no âmbito trabalhista. A questão aí não é de fazer qualquer restrição aos juízes federais. Nós achamos que a Justiça do Trabalho pode ser mais eficaz pela proximidade com o fato e a intimidade com a matéria”, declarou o presidente da Anamatra.

Hugo Mello lembrou a existência de divergência jurisprudencial quanto à competência para julgar o trabalho escravo, entre a Justiça Federal e a Estadual. “Isso tem provocado, inclusive, declarações de dirigentes das associações de magistrados federais no sentido de reconhecer que, dificilmente, alguém é punido criminalmente pela exploração do trabalho escravo”.

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