Lixo eletrônico

Spammers querem o bônus, mas rejeitam o ônus

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4 de setembro de 2002, 5h22

Economicamente, o spammer causa prejuízos de monta aos usuários da rede e aos provedores de acesso à Internet. Socialmente, coloca em risco o bom funcionamento da Web como um todo, podendo, po-tencialmente, até mesmo levá-la ao colapso. No pertinente à boa-fé, essa não lhe pode ser emprestada, pois que, com voluntariadade e acinte, ele se dispõe a invadir a privacidade de terceiros para perturbar sua tranqüilidade. O spammer está cônscio de que, além dos aborrecimentos decorrentes de sua ação no campo anímico, também há transferência dos custos de sua operação publicitária aos destinatários de suas mensagens. Interessa-lhe apenas os lucros daquele empreendimento que nada lhe custou. Quer os bônus, mas rejeita os ônus (1).

O spammer excede os mais comezinhos limites dos bons costumes com sua atitude desrespeitosa em relação à privacidade dos destinatários de suas mensagens eletrônicas. Ignora que sua ação, quando menos, configura nítido abuso de direito.

E, nos moldes da Lei, para que haja a configuração de abuso de direito não é essencial a existência de culpa: basta, que o agente exceda “os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes” (artigo 187, CC/2002) – e cada grupo tem seus próprios costumes, nos quais existem regras a serem obedecidas.

Mesmo que o agente aja estritamente dentro das limitações legais, sem qualquer mínima ofensa ao ordenamento jurídico, ainda assim caracterizar-se-á abuso de direito se ele se exorbitar em sua ação.

Excesso nunca foi algo bem visto pelos bons costumes. Beber socialmente é uma coisa; já preservar o corpo em álcool é outra e bastante distinta. Fazer um gracejo, numa roda social, pode ser aprazível e oportuno; porém se transformar numa cornucópia de gentilezas é um grande inconveniente.

Em se tratando de Internet, atente-se para suas normas, para suas regras, para sua etiqueta, ou melhor, netiqueta. Logo, se alguém deseja trafegar pela comunidade virtual e com essa conviver, deve seguir suas normas, como é esperado que se faça em qualquer comunidade. “Em Roma, como os romanos”…

Para que a rede atenda os interesses de seus usuários, esses têm que ser ouvidos, porque, em última análise, eles é que são os responsáveis pela rede. O comportamento abusivo dos spammers prejudica a todos, não apenas a alguns. Daí o solidário repúdio geral dos usuários da Internet quanto ao spamming.

Não há o mais tênue vislumbre de fumus boni iuri na conduta do spammer porque quem age de boa-fé não remete emails não solicitados maciçamente, com constância, ainda mais se tendo em vista que junto com a correspondência – além dos encargos de remoção do spam – vem a conta de sua remessa.

Contudo, a atitude do spammer é mais que abuso de direito. O spamming é um evento/resultado que fere a inviolabilidade da privacidade dos internautas, uma prerrogativa constitucional (2), regulamentada, em parte, pelo artigo 21, CC/2002, ex vi:

* Artigo 21, CC/2002 – A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma.

Porém o spamming, além de violar o transcrito artigo 21, afronta, outrossim, incontáveis outros dispositivos legais, dentre os quais destacam-se os seguintes:

* CF – artigo 5º, II e X,

* LCP – artigo 65,

* CP – artigos 146, 265 e 266,

* CDC – artigos 4º, I e III, 6º, II e IV, 33, 36, 37, 39, II, III, IV, V e parágrafo único, 43, §§ 2º e 3º, 51, III, IV e XV, 66, §§ 1º e 2º, 67, parágrafo único, 72 e 73.

Como se vê, ilicitude e ação voluntariosa (negligente e imprudente) se evidenciam na prática do spamming, como se evidenciam, ainda, os danos de materiais e morais (3) causados pelo spammer.

Materiais são os danos decorrentes dos prejuízos impingidos ao destinatário do spam que dizem respeito às despesas por ele arcadas com eletricidade, provedor de acesso à Internet (caso ele não se valha de um serviço de acesso gratuito) e conexão telefônica. Normalmente tais danos são de pequena monta, em se considerando a questão individualmente (4).

Morais, por sua feita, são os danos que dizem respeito à vida anímica dos destinatários do spam. Nesse caso os prejuízos passam a ter outra significância, haja vista que o spamming é um atentado à dignidade do cidadão destinatário de seu email. Com sua ação, o spammer despoja a vítima de sua autoderminação; faz com que altere o que planejara para o seu cotidiano para que faça o que não desejava, qual seja, atender os insolícitos interesses do spammer. Fosse isso pouco, o destinatário se irritará ainda mais ao saber que terá que pagar pelos caprichos comerciais do spammer.

A perturbação à tranqüilidade pessoal do destinatário do spam fere as bases que estruturam e suportam a dignidade humana, cujo pressuposto é a liberdade de se fazer o que se quer fazer, não de obedecer o que é imposto fora das normas legais e sociais.

Frente ao exposto, é defeso concluir que a prática do spamming é, insofismavelmente, um ato civil ilícito, passível de gerar reparação às suas vítimas.

Notas de rodapé:

(1) Ubi emolumentum, ibi onus.

(2) Artigo 5º, X, CF – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.

(3) Os doutrinadores têm por hábito distinguir os danos em patrimoniais e em não patrimoniais. No primeiro caso estão abarcados os prejuízos causados ao patrimônio físico da vítima. Nos últimos estão compreendidos os valores morais que têm significância no Mundo psíquico da vítima.

Contudo, a par das diferenças apontadas pelos doutrinadores entre danos patrimoniais e não patrimoniais, a verdade é que todo dano se reduz à patrimonialidade, quando o evento tem vez na esfera civil.

(4) Caso esteja anexado ao spam algum arquivo “malicioso” (um vírus, por exemplo), os prejuízos poderão ser significativamente maiores. Imagine se, por um infausto acaso é lhe enviado um spam que traz, anexado, um vírus que pode deletar todos os seus arquivos com a extensão .doc em seu computador. Nesse caso os danos causados serão irreversíveis e irreparáveis.

Autores

  • é advogado paulistano com dedicação às questões relativas a direito e tecnologia das informações. Além de autor de diversos outros livros, é partícipe da coletânea ATA NOTARIAL (SAFe [Porto Alegre], 2004, 1ª Edição). Foi o coordenador de cursos sobre a importância da ata notarial em diversos Estados, em 2004

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