Método arriscado

Os motivos que deixaram o Cade atrás de 25 agências do mundo

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2 de setembro de 2002, 15h55

A revista Global Competition Review (GCR) publicou, em seu número de julho de 2002, matéria chamada “Rating the Enforcers”, como faz todos os anos. Trata-se da classificação, levando em conta parâmetros objetivos e entrevistas feitas com advogados de várias partes do mundo. Deve ser observado que os advogados entrevistados falam não apenas sobre as agências de seus países, de tal sorte que a avaliação brasileira foi feita por advogados brasileiros e de alguns outros países. Esse método, por si só, faz com que se corra o risco de cair em algumas distorções, pois é possível que advogados de determinadas nacionalidades queiram esconder as falhas dos organismos de seus países.

Apenas para efeito metodológico, devemos dizer aqui que a atividade antitruste – incluindo, por um lado, a atividade de repressão e punição das condutas contrárias à livre concorrência e, por outro lado, a atividade preventiva de controle dos atos de concentração econômica – é feita por três entidades: a Secretaria de Direito Econômico (SDE), do Ministério da Justiça, a Secretaria de Acompanhamento Econômico (SEAE), do Ministério da Fazenda, e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), autarquia dotada de independência e vinculada apenas administrativamente ao Ministério da Justiça.

Essas três entidades compõem o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC), ao qual deve ser acrescentada a Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL), que substitui a SDE e a SEAE em matéria de telecomunicações. A SDE e a SEAE (e, em se tratando de telecomunicações, a ANATEL) são organismos preparatórios e/ou instrutórios e o Cade é o organismo decisório.

Ainda para efeito metodológico, devemos esclarecer que, quanto ao controle dos atos de concentração, a sua entrada ocorre perante a SDE, mas o primeiro passo é o parecer da SEAE, seguido de despacho do secretário da SDE; o feito é então enviado ao Cade, cujo Plenário, após ouvida a respectiva Procuradoria-Geral, emite sua decisão. Quanto à repressão e punição das condutas contrárias à livre concorrência, o feito é processado pela SDE, que pode ouvir (geralmente o faz) a SEAE; a SDE remete pode remeter o feito ao Cade com recomendação de condenação ou arquivá-lo, com recurso de ofício para o Cade. Quando o mercado envolvido é o de telecomunicações, a ANATEL substitui conjuntamente a SDE e a SEAE, sendo que o Cade continua a ter poder decisório.

No dia 16 de agosto de 2002, o jornal Valor Econômico publicou matéria chamada “Especialistas Avaliam Desempenho do Cade”, em que faz referência à matéria da GCR e diz: “A renomada revista de regulação econômica colocou o Cade atrás de 25 agências de defesa da concorrência no mundo”. Mais até do que a matéria original, a matéria do Valor Econômico tem provocado muitas especulações.

Vale lembrar que o professor João Grandino Rodas, presidente do Cade salientou (“Fora a Estrela do Cade”, Valor Econômico, 27 de agosto de 2002, pág. A-10), com absolutas correção e fidelidade aos fatos, alguns pontos primordiais em decorrência dos quais a análise da GCR foi considerada por ele equivocada e injusta. Salientamos os seguintes trechos:

(i) “Conforme costume, inédito em outros tribunais, quer brasileiros, quer internacionais, é usual que os advogados das partes requeiram e haja deferimento de audiência, particular ou pública, em que todos os sete Conselheiros e o Procurador-Geral do Cade, bem como a respectiva assessoria, presenciem, com beneditina atenção, apresentações de advogados, economistas e diretores de empresas, com o intuito de melhor se assenhorear da questão, para que o julgamento seja o mais justo possível”;

(ii) “os conselheiros buscam incessantemente novas maneiras, ancoradas na lei, para realizar o seu múnus. Evidência disso foi adoção do Acordo de Preservação de Reversibilidade, para substituir, com notáveis vantagens, nos casos possíveis, a imposição unilateral de medidas preventivas ou cautelares. Para tanto, contudo, são necessárias larguíssimas horas de negociação. O sacrifício compensa, pois inúmeras querelas são evitadas, e se favorece a civilizada, mas não menos firme, atuação pró-concorrencial”;

(iii) “isso tudo sem se falar nas atividades do Cade relativas à disseminação da cultura concorrencial, sob a forma de mesas de direito da concorrência, de seminários; no treinamento anual de duas turmas de estagiários (que, diga-se de passagem, acabam por se transformar em mão-de-obra contratada pelos escritórios de advocacia); e na publicação da Revista de Direito Econômico, que está no seu 33º número”.

Concordamos com tudo o que foi escrito pelo professor João Grandino Rodas. Entretanto, nosso objetivo aqui – longe de apenas lamentar e atacar a matéria – é, por um lado, tentar compreender os motivos que levaram a GCR a deixar o Brasil em colocação tão baixa e, por outro lado, verificar o que é possível fazer para alterar a avaliação.


Deve ficar claro, desde logo, que a avaliação não foi do Cade mas sim do SBDC, incluindo Cade, SDE, SEAE e, em matéria de telecomunicações a ANATEL. É certo que o Cade é o órgão mais conhecido, não só porque tem o poder decisório como também porque tem maior transparência, podendo as audiências ser assistidas por todos, já que públicas (com exceção de poucos e limitados casos confidenciais).

Examinemos, para começar, a metodologia que a GCR afirma ter utilizado. Explica a GCR (em tradução livre): “Como em anos anteriores, o questionário seguiu – aos milhares – para especialistas em concorrência que são advogados, consultores jurídicos internos das empresas e economistas, da mesma forma que outros (…). Este ano, todavia, nós decidimos deixar o modelo baseado em questionários e fizemos um processo baseado em entrevistas. Conduzimos entrevistas durante um período de quatro meses em todos os 25 países classificados. Visitamos Bruxelas, Cidade do Cabo, Paris, Londres, Nova York, Toronto, Sidney e Washington. Conduzimos entrevistas em alguns países que não aparecem – tais como Noruega, Coréia e Peru. Com relação a estes nós infelizmente não conseguimos construir uma base de correspondentes utilizável” (pág. 10).

Examinemos agora as 15 perguntas (pág. 10) feitas aos entrevistados (em tradução livre):

– “por favor avalie o desempenho da agência no controle de atos de concentração”;

– “por favor avalie o desempenho da agência em casos de cartéis”;

“por favor avalie o exame que a agência faz dos mercados e da atuação geral”;

“por favor avalie o conhecimento econômico da agência”;

“por favor avalie a qualidade da orientação que a agência oferece (dois tipos: publicada e relativa a casos específicos)”;

“por favor avalie a capacidade da agência de manter consistência”;

“por favor avalie a eficiência da agência”;

“por favor avalie a capacidade da agência de olhar os fatos sob o ponto de vista comercial”;

“por favor avalie quão eqüanimemente o procedimento trata os interessados;

“por favor avalie o tratamento dado pela agência às informações confidenciais”;

“por favor avalie a independência da agência em relação à influência política”;

“por favor avalie a contribuição do líder da agência”;

“por favor avalie os recursos humanos da agência (inclusive sua capacidade de recrutar e manter funcionários-chave)”;

“por favor avalie o respeito interno da agência (por exemplo, a tendência dos funcionários hierarquicamente superiores desautorizarem os hierarquicamente inferiores)”;

“por favor avalie a capacidade inovadora da agência”.

Mais ainda, a GCR procurou obter dados sobre as agências: número de funcionários, orçamento e número total de casos (dividindo-os em atos de concentração, cartéis, abusos de posição dominante e outros). O resultado de tudo isso se demonstrou altamente desabonador para o Brasil, sendo que o exame dos detalhes pode trazer não apenas uma explicação dos motivos que levaram a GCR a classificar tão mal o Brasil como também uma possível reação para mudar a classificação.

Vejamos, em primeiro lugar, alguns dados, comparando-os com os de outros países.

Para começar, os recursos humanos: no Brasil (1 ponto de um total de 5) (pág. 17) foi descrita a existência de 52 funcionários, para um total de 711 casos, dos quais 584 são atos de concentração. Comparemos com o Canadá (3,5 pontos) (pág. 19), que tem 383 funcionários para um total de 852 casos, dos quais 328 são atos de concentração. Já a Austrália (4 pontos) (pág. 14) tem 224 funcionários para um total de 693 casos, dos quais 265 são atos de concentração. Israel (2,5 pontos) (pág. 31) tem 61 funcionários para um total de 200 casos, dos quais 160 são atos de concentração. Deixamos de fazer as comparações com dados de países europeus porque seria longa (para o âmbito desta matéria) a explicação a respeito da competência da União Européia face às competências nacionais.

A comparação mais importante, todavia, é com os Estados Unidos. Aqui há uma particularidade importantíssima: a GCR classificou separadamente as duas agências americanas (a Federal Trade Commission – FTC e o Department of Justice – DoJ, as duas com 5 pontos), o que não fez com o Brasil, apesar de reconhecer que existem o CADE, a SDE e a SEAE (pág. 16). A FTC (pág. 49) tem 1.010 funcionários para 275 casos, dos quais 219 são atos de concentração. Já o DoJ (pág. 49) tem 400 funcionários para 275 casos, dos quais 175 são atos de concentração.

A simples comparação desses dados (e nem chegamos a mencionar os orçamentos) já mostra a debilidade do Brasil, sendo que isso é algo que obviamente não pode ser imputado ao CADE, à SDE ou à SEAE. O número de funcionários é obviamente muito pequeno em relação ao número de casos envolvidos. E quando se fala em classificação, as agências melhor classificadas são as que têm maior número de funcionários em relação aos casos envolvidos.


Com efeito, se aqui criarmos – apenas para efeito expositivo, já que esse é um assunto que compete aos economistas – um índice constituído meramente da divisão do número de casos pelo número de funcionários –, que podemos aqui chamar – também apenas para efeito expositivo – de índice GCR, teremos: Estados Unidos (FTC) (5 pontos): 3,6; Estados Unidos (DoJ) (5 pontos): 1,4; Canadá (3,5 pontos): 0,44; Austrália (4 pontos): 0,32; Israel (2,5 pontos): 0,30: Brasil (1 ponto): 0,07. Como é possível perceber, não pode ser coincidência a constatação de que, quanto mais alto o índice, mais alta a pontuação Ressalte-se a pequena diferença entre Austrália e Canadá, em que a margem de erro admitida leva à inversão da situação, o que certamente não invalida a conclusão.

É evidente que esse índice é incipiente, sendo que podemos deixar para os economistas a elaboração de um índice bem mais eficiente, que, entre outros acréscimos a sua base de dados, (i) contemple as provisões orçamentárias das diversas agências, (ii) leve em conta a experiência média dos funcionários (os brasileiros são em média muito jovens e, apesar das melhores intenções, são obviamente inexperientes) e (iii) inclua a União Européia e os países que a integram, após o esclarecimento das questões relativas às competências internas.

Assim, utilizando-se o aqui denominado índice GCR, o que se pode ver é que o limitadíssimo contingente de pessoal dedicado à tarefa concorrencial – somado à pouca experiência média – dificilmente permitiria uma classificação mais elevada, por maior que seja a dedicação dos que trabalham nos casos. Isso, obviamente, não é culpa dos que se encontram à frente dos órgãos competentes, sendo que a responsabilidade só pode ser atribuída a quem não dá a esses órgãos os meios necessários para que eles cumpram a sua tarefa. E não adianta, neste ponto, a criação de uma nova entidade (agência, conforme já se tentou), a não ser que se dê a essa entidade os recursos necessários.

A GCR faz, na matéria em tela, a classificação de alguns pontos, atribuindo-lhes os qualificativos – nesta ordem crescente de excelência – de fraqueza, fraqueza moderada, força moderada e força. São estes os pontos que devem na seqüência ser examinados. O primeiro ponto examinado é o de controle de atos de concentração, ao qual a GCR atribuiu o qualificativo de fraqueza (portanto, o mais baixo). Vejamos agora o que mais contribuiu para tal qualificação.

Em primeiro lugar, a GCR considera (pág. 16) que a lei diz que devem ser submetidos ao controle de atos de concentração os atos praticados por empresas cujo faturamento bruto anual exceda R$ 400 milhões (ou seu equivalente em moeda estrangeira). A jurisprudência do Cade estabeleceu que o limite do faturamento é do grupo de empresas ao qual pertence a empresa que pratica o ato e, ainda, que tal faturamento deve ser considerado no seu âmbito global. A GCR conclui que um dos problemas é (em tradução livre) “o teste do faturamento global que pega negócios internacionais não relacionados” (ou sem importância no Brasil). Em outras palavras (em tradução livre): “a agência gasta muito tempo trabalhando em assuntos que não têm efeitos locais”.

Em segundo lugar, a GCR aponta (em tradução livre) que (pág. 16) “ainda não existe orientação ou clareza sobre o que constitui um ‘gatilho’ – o que é ridículo, considerando quão freqüentemente a questão tem sido debatida dentro do Cade”. Podemos aqui esclarecer que a questão do “gatilho” acionador do prazo para a obrigação de apresentar um determinado ato de concentração decorre de uma combinação da lei e do regulamento que leva a considerar que uma operação deve ser apresentada no prazo de 15 dias úteis a contar do primeiro ato ou fato (geralmente um documento) vinculativo.

Na verdade, a questão se resolve em multas aplicadas contra as partes que incorrem em intempestividade ao apresentar os atos de concentração. A GCR reproduz esclarecimento do Cade, segundo o qual (em tradução livre) (pág. 17), “se as partes tivessem seguido a orientação da Resolução 15 rigorosamente, nenhuma delas teria sido multada”. Cumpre aqui esclarecer que o § 4º do art. 54 da Lei nº 8.884, de 1994, estabelece que “os atos (…) deverão ser apresentados para exame previamente ou no prazo máximo de quinze dias úteis de sua realização”.

O parágrafo seguinte determina a imposição de multa pelo descumprimento do prazo. Já o art. 2º da Resolução nº 15, de 1998, do Cade, estabelece que “o momento da realização da operação, para os termos do cumprimento dos §§ 4º e 5º da Lei nº 8.884/94, será definido a partir do primeiro documento vinculativo firmado entre as requerentes (…)”. A crítica da GCR diz respeito exatamente à dificuldade de definir o que é documento vinculativo, o que faz com que muitas vezes as partes submetam ao SBDC operações ainda em fase embrionária, baseadas em cartas de intenções ou memorandos de entendimentos.


Trata-se, enfim, da questão da tempestividade, devendo ser dito aqui que o número de multas aplicadas por apresentação tardia dos atos de concentração tem diminuído significativamente (o âmbito da presente matéria não comporta demonstrações estatísticas). Podem ser duas as razões dessa diminuição: ou o Cade tornou-se mais brando ou as partes tornaram-se mais cautelosas. A favor do Cade deve ser dito que não têm ocorrido situações como algumas que já foram verificadas no passado, como, por exemplo, considerar vinculativo (e, portanto, acionador do “gatilho”) um acordo de confidencialidade.

A favor das partes deve ser dito que sua cautela faz com que, ante a existência de cartas de intenções ou memorandos de entendimentos que podem, de longe, criar uma leve dúvida a respeito da vinculação, as partes, alertadas por seus advogados, com freqüência já apresentem os atos de concentração a partir das cartas de intenções ou memorandos de entendimentos. Esta última hipótese cria, entre advogados estrangeiros, a (em grande parte falsa) a idéia de que o Brasil é o único país do mundo que obriga a apresentação de atos de concentração com base em cartas de intenções e memorandos de entendimentos.

Em terceiro lugar, a GCR aponta (em tradução livre) que (pág. 16) “a decisão demora a chegar. O Brasil é freqüentemente o primeiro a começar e o último a terminar as revisões de atos de concentração”; é apontado um caso (com a ressalva de que se trata de um caso extremo, embora não isolado) envolvendo a Petrobrás e a Repsol, que foi apresentado em agosto de 2000 e foi aprovado apenas em abril de 2002. Quanto ao exemplo dado, a GCR reproduz esclarecimento do Cade segundo o qual o caso só foi remetido ao próprio CADE em dezembro de 2001, sendo que o Cade não tem controle sobre os demais organismos. O esclarecimento do Cade é correto, o que reforça a idéia de que a avaliação deveria ser distinta para cada organismo envolvido (Cade, SDE, SEAE e, em se tratando de telecomunicações, ANATEL). Mas a realidade é que a demora, dentro do SBDC, é grande.

O segundo ponto examinado é o de controle de cartéis, ao qual a GCR atribuiu o qualificativo de fraqueza (portanto o mais baixo). Vejamos agora o que mais contribuiu para tal qualificação.

O diminuto número de casos de cartéis resolvidos já é uma indicação clara inicial do motivo da baixa pontuação brasileira. Diz a GCR (em tradução livre) que (pág. 16) “a SDE, que deve mandar os casos ao Cade, aparentemente tem 150 casos em aberto”. É bem possível que, dentro da perspectiva traçada pelo exemplo acima considerado, com a consistente explicação do Cade, a demora a este não deva ser atribuída. Mas a demora para que os casos cheguem ao fim é real.

O terceiro ponto examinado é o conhecimento econômico, ao qual a GCR atribuiu o qualificativo de fraqueza moderada (portanto o segundo mais baixo de um total de quatro graus), sem dar maiores explicações.

Temos aqui, como já foi mencionado acima, a pouca experiência da maioria dos funcionários do SBDC, aliada ao seu número diminuto, tudo isso dentro de um cenário em que não existem quadros de carreira, o que é altamente desestimulante no que diz respeito à permanência dos funcionários por períodos de tempo mais prolongados. O cenário fica completo com os baixos salários pagos pelo serviço público e o treinamento deficiente que recebem os integrantes do sistema.

O quarto ponto examinado é a orientação, ao qual a GCR atribui o qualificativo de fraqueza (portanto o mais baixo). Vejamos aqui o que mais contribuiu para tal qualificação.

Diz a GCR (em tradução livre) que (pág. 16) “o Cade não oferece orientação específica para os casos, enquanto os integrantes da SEAE – que constituem o primeiro ponto de contato após a notificação – pertencem à escola que acha que as reuniões são para seu benefício, não os das partes. Eles fazem o jogo com suas cartas junto ao corpo. A SEAE publicou algumas orientações (guidelines), mas nós não as consideramos consistentes com a prática”.

A realidade é que não existe orientação prévia, inclusive e sobretudo por falta de previsão legal, sendo que a jurisprudência é ainda incipiente. Um dos pontos mais curiosos é o da dosimetria das multas aplicadas pelo Cade. A jurisprudência não permite vislumbrar a existência de um critério objetivo. Efetivamente, a Gazeta Mercantil de 30 de agosto de 2002 reproduz entrevista do ex-Conselheiro do Cade, Prof. Celso Fernandes Campilongo (pág. A-24), segundo o qual “nós ainda não sabemos aplicar a lei quanto à dosimetria da multa”. Mas a verdade é que as multas são aplicadas, embora gerem muitas vezes processos judiciais.

O quinto ponto examinado é a consistência, ao qual a GCR atribuiu o qualificativo de fraqueza moderada (portanto o segundo mais baixo de um total de quatro graus), sem dar maiores explicações. O sexto ponto examinado é a independência, ao qual a GCR atribuiu o qualificativo de força (portanto o mais alto).


Diz a GCR (em tradução livre) (pág. 16): “Independência política é uma força. O Cade é excepcional entre organismos brasileiros pelo seu grau de independência de pressões políticas, o que em parte é devido ao fato de ser um foro público – o público pode comparecer às sessões”. A GCR não informa qual o peso dado ao item.

O sétimo ponto examinado é a liderança, ao qual a GCR atribuiu o qualificativo de força moderada (portanto o segundo mais alto de um total de quatro graus).

Diz a GCR (em tradução livre), a respeito do Prof. João Grandino Rodas, presidente do Cade, que (pág. 16) “seu estilo é mais discreto que o de seu antecessor Gesner Oliveira. Há uma escola de pensamento que acredita que ele deve procurar uma exposição ligeiramente mais elevada em círculos internacionais, ao menos para levantar a moral da agência”.

Deve aqui ser registrado o comentário do Cade (em tradução livre) (pág. 17): “O Cade mandou trabalhos para todos os encontros internacionais relevantes no ano passado e tem respondido a todas as pesquisas para as quais foi solicitado. A agenda do Cade torna impossível que o presidente esteja presente fisicamente a cada encontro internacional”.

Com efeito, existe multiplicidade de encontros internacionais; está certo o Cade quando diz que o seu Presidente não pode comparecer a todos (não faria muitas outras coisas). Todavia, além da tarefa poder ser dividida com os outros Conselheiros e o Procurador-Geral, uma eventual integração do SBDC traria como conseqüência um maior número de pessoas disponíveis.

O oitavo e último ponto examinado é o dos recursos humanos, ao qual a GCR atribuiu o qualificativo de fraqueza moderada (portanto o segundo mais baixo de um total de quatro graus). Diz a GCR (em tradução livre) (a respeito dos Conselheiros, incluindo o Presidente, e do Procurador-Geral, cujo mandato é de dois anos, renovável por apenas um período adicional de dois anos) que (pág. 16) “a agência precisa pagar mais e tornar a permanência no emprego mais longa, se quiser melhorar neste ponto.

O período de dois anos (além do fato de trabalhar em Brasília) não oferece qualquer incentivo. Poucos nomeados chegam com algum grau de especialização em concorrência”. GCR ressalta, entretanto (pág. 16) que as quatro recentes nomeações para o Cade foram de pessoas com experiência: o Prof. João Grandino Rodas (Presidente) e o Prof. Thompson Andrade (Conselheiro) foram nomeados para o segundo mandato, já acumulando no mínimo a experiência do primeiro; foram também nomeados Cleveland Prates Teixeira, que trabalhava anteriormente na SEAE, e o Prof. Fernando de Oliveira Marques, advogado praticante e professor de uma das melhores faculdades de direito do país.

Se a crítica aos baixos salários pagos aos Conselheiros, incluindo o Presidente, e ao Procurador-Geral é absolutamente procedente, a situação dos funcionários menos graduados mas não menos importantes e/ou necessários é ainda pior. O desestímulo é muito grande, já que não existe quadro de carreira e conseqüentemente não se vislumbra a possibilidade de crescimento, a não ser em cargos de confiança, que são, por natureza, temporários. Devemos, neste ponto e após o diagnóstico, passar a verificar o que é possível fazer para modificar o quadro.

O primeiro item a ser examinado é, segundo concordância de todos os críticos, o do orçamento. Não é possível combater condutas contrárias à livre concorrência, praticadas por empresas muitas vezes poderosas, e controlar os atos de concentração dessas mesmas empresas, com orçamento tão limitado. O que se pode constatar é que os atuais integrantes do sistema fazem o que podem e certamente muito mais; a sua dedicação e o seu sacrifício certamente merecem elogios.

O segundo item é o que diz respeito ao pessoal. É preciso que haja quadros de carreiras, treinamento de funcionários e a sua fixação nos empregos, para que não se perca a já pouca experiência acumulada (há um grande número de funcionários que deixaram o SBDC para trabalhar não apenas em outras áreas do governo como também na iniciativa privada). Além disso, é preciso que o número de pessoas dedicadas a esta atividade seja muito maior do que o evidentemente insuficiente contingente atual, pois atual dentro de severas limitações.

O terceiro item é o que diz respeito ao número de atos de concentração que precisam de aprovação do Cade. Por um lado, é possível o estabelecimento, por lei, de requisitos diferentes para a necessidade de aprovação do Cade, de modo que número menor de casos (certamente os de maior importância) chegue lá. Ou é possível a criação de uma espécie de “filtro” dentro do próprio sistema, mas sempre com a possibilidade de revisão (avocação) pelo próprio Cade. Isso seria, na verdade, a adoção de um sistema de duas fases, nas quais na primeira seriam aprovados os casos mais simples (ante a verificação sumária de que não se verificam danos para a concorrência e conseqüentemente não se fazem necessárias análises mais profundas) e na segunda haveria uma investigação mais completa.

O quarto item é o que diz respeito ao chamado “gatilho”. É preciso clareza quanto ao momento em que deve ser apresentada a operação ao SBDC, sendo que a idéia de “primeiro documento vinculativo”, sem ao menos uma definição regulamentar ou uma orientação jurisprudencial, é insuficiente para esta finalidade.

O quinto item é o que diz respeito à transparência, pelo menos para os advogados. É certo que o Cade, atuando em sessões públicas e com seus Conselheiros e seu Procurador-Geral recebendo condignamente os advogados das partes, demonstra que atua com plena transparência. Mas existe dificuldade de atuação dos advogados em outras esferas, inclusive para exame dos autos dos processos a qualquer tempo, o que até mesmo contraria a lei.

O sexto item é o que diz respeito à transparência da própria matéria “Rating the Enforcers”, que poderia classificar separadamente – a exemplo do que fez nos Estados Unidos, em que avaliou separadamente a FTC e o DoJ – o Cade, a SDE, a SEAE e a ANATEL. Assim, não se tomaria a parte pelo todo. A sugestão deve ser reforçada com um eventual convite a ser feito aos editores da GCR para que façam visitas aos órgãos em questão, inclusive verificando sessões públicas do Cade.

Devemos esclarecer aqui que o âmbito da presente matéria é muito limitado; não se tem por objetivo confirmar ou negar o resultado da análise feita pela GCR. Pelo contrário, o que se quer é apenas tentar entender e, na medida do possível, tentar explicar. Não se pode negar a existência de falhas do SBDC (parte delas aqui apontada) mas também não se pode negar a boa vontade de um punhado de pessoas que tenta melhorar o sistema, muitas vezes com sacrifícios pessoais.

Deve ser salientado também o papel dos advogados, sobretudo quando têm que dar explicações a seus colegas e a seus clientes de outros países, que, lidando com sistemas mais eficazes em seus foros de origem, muitas vezes têm dificuldades para entender o que aqui ocorre. Esperamos ter dado uma pequena contribuição para o entendimento do que é a matéria publicada na Global Competition Review de julho de 2002, denominada “Rating the Enforcers”. Esperamos também, longe de apelos emocionais, ter dado uma pequena contribuição para a mudança da má classificação do Brasil na mencionada matéria.

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