Busca e apreensão

Professor critica opinião de procurador sobre apreensão na Lunus

Autor

  • Luís Guilherme Vieira

    é advogado e cofundador e conselheiro do IDDD (Instituto de Defesa do Direito de Defesa) e da Sacerj (Associação dos Advogados Criminais do Estado do Rio de Janeiro).

25 de março de 2002, 11h17

A partir da busca e apreensão realizada, por ordem da justiça federal de Tocantins, na empresa de propriedade da governadora Roseana Sarney (PFL-MA) e de seu marido, a imprensa brasileira noticiou divergentes opiniões sobre sua legalidade e sobre o modo como foi efetivada. A última foi apresentada por Carlos Frederico Santos, presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (JB, 20/3/02).

Sem comentar o fato gerador da ordem judicial, porque é defeso, pode-se dizer que a lei dispõe ser o inquérito policial sigiloso – exceto para os advogados e partes interessadas –, posto ser o sigilo essencial à investigação, a qual objetiva elucidar o fato delituoso, recolhendo indícios mínimos de autoria e materialidade (conjunto de provas que evidenciam o crime), com a finalidade de municiar o Ministério Público na promoção do processo criminal contra o infrator.

No exercício profissional, pode o delegado e as partes – Ministério Público e interessados – requererem ao Judiciário a busca domiciliar (o escritório é equiparado ao domicílio), podendo o juiz concedê-la ou não, assegurando-se, ao último, a faculdade de determinar, por sua deliberação, a diligência.

Portanto, só o Judiciário é que detém o poder – que não é discricionário e, sim, regrado – para resolver acerca da pertinência e da imprescindibilidade da busca, tida como extrema, que só pode ser levada a efeito nos exatos e rígidos limites da lei. Fora daí a decisão é abusiva.

Para que o magistrado decida, sempre de forma fundamentada, sob pena de nulidade, pela adoção da revista, é indispensável a constatação de fundadas razões que o levem a crer que, sem ela, será impossível comprovar a existência do crime e de sua materialidade. Mais: tenha, o juiz, concreto motivo para acreditar que a demora no recolhimento da prova põe em risco o sucesso da investigação, devendo ser verificado, ainda, se o pretendido encontra abrigo no Direito. Sem a presença, conjunta, de todos os requisitos, a busca não pode ser autorizada.

Tem a diligência o fim de apreender coisa certa e determinada, devendo esta constar da ordem judicial (mandado), a qual mencionará o motivo, os fins da diligência etc. Não se concebe, em honra ao Estado de direito democrático, a busca pela busca, porque não mais vivemos nos tempos das Devassas.

Por conseguinte, somente pode ser apreendido o determinado pelo juiz. Nada mais! Qualquer objeto, documento, papéis etc. arrecadado e não contemplado na ordem – por maior relevância que aparentemente tenham – será considerado prova ilícita, de uso vedado no inquérito/processo, e o responsável pelo ilegal confisco passível de responder a processo por crime de abuso de autoridade. Ademais, deve o magistrado devolver, sem delongas, ao investigado, tudo que indevidamente foi-lhe retirado.

Terminada a apreensão, há de ser lavrado um auto circunstanciado, no qual será descrito, de forma pormenorizada (garantia do devido processo legal), tudo que foi pego, ficando o arrecadado custodiado pela autoridade policial ou judicial, as quais têm o encargo de preservá-lo.

Vê-se, pois, que o elemento surpresa é de suma relevância para consecução almejada, porque, desse jeito, se pretende evitar possível destruição de provas. Mas, se a “surpresa” for detectada pela parte interessada ou seu advogado, no legítimo direito que possuem de acompanharem o inquérito/processo, ainda assim a ordem será cumprida, garantindo-se a eles o acesso aos autos da medida cautelar de busca e apreensão (medida assecuratória), mesmo em feitos sigilosos, sendo-lhes facultado acompanhar a revista.

De outro lado, sendo a casa – que também é igualada ao escritório – habitada, a busca deve ser feita de modo que não moleste os moradores (presentes ou não) mais do que o indispensável para o êxito da diligência.

Privilegia-se, assim, desde 1940 até os dias atuais, a imagem e a privacidade do investigado, que têm de ser preservadas em obediência aos princípios constitucionais da presunção de inocência e da dignidade da pessoa humana. Condena-se, por repugnante, a publicidade desmesurada e opressiva, que aviltam o homem, porque o expõe à execração pública.

Como o procedimento policial é sigiloso, nada do que foi recolhido pode ser divulgado, às escâncaras ou à sorrelfa, devendo qualquer tipo de violação ser objeto de investigação criminal, pouco importando a função do maroto informante. Aliás, o delegado é obrigado a instaurar um inquérito policial, com o escopo de apurar o vazamento de informações sigilosas. Não o fazendo, tem o Ministério Público a obrigação de ordená-la, sob pena de prevaricação.

Então, ao contrário do afirmado pelo procurador Carlos F. Santos – finda a busca, findo o sigilo –, sendo o auto da busca e apreensão parte integrante do inquérito policial, porque dele derivado, o sigilo também lhe é extensível, pois ele integra o todo da investigação, a qual é sigilosa, por força do art. 20, do Código de Processo Penal.

A pensar do jeito do procurador da República, nunca mais existiria o sigilo no inquérito a partir de qualquer busca, o que não se coaduna com os princípios que governam o Estado de direito democrático.

Revista Consultor Jurídico 25 de março de 2002.

Autores

  • Brave

    é advogado criminal (RJ e BSB) e diretor do Instituto de Defesa do Direito de Defesa. Foi secretário-geral do Instituto dos Advogados Brasileiros, onde presidiu, também, a Comissão Permanente de Defesa do Estado Democrático de Direito.

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