No Limite

Promotor discute limite de competência da Justiça do DF

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25 de março de 2002, 12h40

Tema que merece reflexão é o da Justiça competente para o processo e o julgamento de causas relacionadas ao Poder Judiciário, ao Ministério Público e à Defensoria Pública do Distrito Federal e dos Territórios, assim como às Polícias Civil e Militar e ao Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal.

O Distrito Federal não pode continuar a ser tratado da mesma forma que os Estados, como os simplistas costumam fazer. A propósito, na Lei Complementar n.º 101, de 4 de maio de 2000, denominada Lei de Responsabilidade Fiscal, estabeleceu-se que nas referências a Estados entende-se considerado o Distrito Federal (art. 1º, parágrafo 3º, inc. II).

Suas natureza jurídica e realidade organizativa, porém, não são as dos Estados. Por isso que, muito acertadamente, o Tribunal de Contas do Distrito Federal (Decisão n.º 9.475/2000, Processo n.º 1.864/2000) e a Câmara Legislativa (Lei distrital n.º 2.573, de 27.7.2000, art. 36, parágrafo 2º, Lei distrital n.° 2.766, de 31.8.2001, art. 38), no que concerne a limites de despesa com pessoal, enquadraram o Distrito Federal nos percentuais estabelecidos na Lei de Responsabilidade Fiscal para os Municípios.

Na Constituição Federal dispõe-se que é de competência da União organizar e manter (art. 21) “o Poder Judiciário, o Ministério Público e a Defensoria Pública do Distrito Federal e dos Territórios” (inc. XIII) e “a polícia civil, a polícia militar e o corpo de bombeiros militar do Distrito Federal” (inc. XIII); estabelece-se que é de competência privativa da União legislar sobre “organização judiciária, do Ministério Público e da Defensoria Pública do Distrito Federal e dos Territórios, bem como organização administrativa destes” (art. 22, inc. XVII); estatui-se que “lei federal disporá sobre a utilização, pelo Governo do Distrito Federal, das polícias civil e militar e do corpo de bombeiros militar” (art. 32, parágrafo 4º); assenta-se que cabe ao Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da República, dispor sobre todas as matérias de competência da União, especialmente sobre (art. 48) “organização administrativa, judiciária, do Ministério Público e da Defensoria Pública da União e dos Territórios e organização judiciária, do Ministério Público e da Defensoria Pública do Distrito Federal” (inc. IX); determina-se que a União deve criar, no Distrito Federal e nos Territórios (art. 98), juizados especiais (inc. I) e justiça de paz (inc. II); insere-se o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios como um dos ramos integrantes da estrutura do Ministério Público da União (art. 128, inc. I); dispõe-se que “lei complementar organizará a Defensoria Pública da União e do Distrito Federal e dos Territórios” (art. 134, par. ún).

Atentando-se para esses dispositivos, vê-se que a estrutura política e administrativa do Distrito Federal não possui Poder Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública, nem Polícias Civil e Militar e Corpo de Bombeiros Militar. JOSÉ AFONSO DA SILVA (Curso de Direito Constitucional Positivo, 18. ed., São Paulo, Malheiros, 2000, págs. 633-634), depois de afirmar que a “autonomia” do Distrito Federal “compreende, em princípio, as capacidades de auto-organização, autogoverno, autolegislação e auto-administração sobre áreas de competência exclusiva”, preleciona que “essas capacidades sofrem profundas limitações em questões fundamentais”, e explica que “as capacidades de auto-organização e autogoverno não envolvem a organização e manutenção de Poder Judiciário nem de Ministério Público nem de Defensoria Pública nem mesmo de polícia civil ou militar ou de corpo de bombeiros, que são organizados e mantidos pela União (art. 21, XIII e XIV) a quem cabe também legislar sobre a matéria”.

Prossegue evidenciando que “o governo do Distrito Federal não tem sequer autonomia de utilização das polícias civil e militar e do corpo de bombeiros militar, porque só poderá fazê-lo nos limites e na forma por que dispuser a lei federal (art. 32, parágrafo 4º)” e concluindo que “a autonomia do Distrito Federal é tutelada”.

Da Magna Carta depreende-se que a competência deferida expressamente à União para organizar e manter “o Poder Judiciário, o Ministério Público e a Defensoria Pública do Distrito Federal e dos Territórios” e “a polícia civil, a polícia militar e o corpo de bombeiros militar do Distrito Federal” é exclusiva, isto é, atribuiu-se à União com a exclusão do próprio Distrito Federal, nem mesmo se admitindo delegação quanto à matéria. Vale dizer, a União, ao legislar a respeito, não pode violar os princípios da autonomia administrativa, financeira, política e legislativa assegurados ao Distrito Federal pela Constituição Federal de 1988, transferindo-lhe competências que são somente suas (da União).


A competência exclusiva atribuída à União, a despeito de ser material, pressupõe, também, competência legislativa plena, de mesma grandeza, uma vez que as expressões organizar e manter implicam dispêndio de recursos públicos que só podem ser destinados mediante autorização legislativa e previsão orçamentária específica, de acordo com a própria Constituição da República.

O Supremo Tribunal Federal já pacificou o entendimento de que o Distrito Federal não pode legislar sobre organização administrativa e manutenção das suas Polícias Civil e Militar e do seu Corpo de Bombeiros Militar, tendo, inclusive, assentado a impossibilidade de criação, por norma local, de aumento de despesa com a segurança pública (Tribunal Pleno, AGRSS n.º 846-3/DF, rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, julg. em 29.5.1996, publ. no DJU de 8.11.1996, pág. 43208; AGRSS n.º 1154/DF, rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, julg. em 30.4.1997, publ. no DJU de 6.6.1997, pág. 212; RE n.º 241.494-DF, rel. Min. OCTAVIO GALLOTTI, julg. em 27.10.99, maioria, notic. no Informativo n.º 168 – 25 a 29.10.1999; ADIMC n.º 2.102/DF, rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, julg. em 16.2.2000, unânime, publ. no DJU de 7.4.2000, pág. 44), ainda que a despesa criada seja custeada por recursos locais (ADI n.º 1.475/DF, rel. Min. OCTAVIO GALLOTTI, julg. em 19.10.2000, maioria, publ. no DJU de 4.5.2001, pág. 2), já que estar-se-iam destinando recursos para atender competência material que não é do Distrito Federal. Além do que, admitir-se criação de vantagens por norma local a servidores que devem ser mantidos pela União, implicaria consagrar inaceitável regime híbrido.

Como se vê, não pode o Distrito Federal, legislar acerca de seus Poder Judiciário, Ministério Público e Defensoria Pública e nem de suas Polícias Civil e Militar e de seu Corpo de Bombeiros Militar. Desse modo, a legislação aplicável a esses entes, assim como a seu pessoal, é a federal, não estando eles submetido a normas distritais.

Dessa premissa desponta claríssimo o interesse da União. Por isso, a competência para processar e julgar feitos relacionados ao Poder Judiciário, ao Ministério Público e à Defensoria Pública do Distrito Federal e dos Territórios, assim como às Polícias Civil e Militar e ao Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal, em princípio, é da Justiça Federal, sendo a Justiça do Distrito Federal absolutamente incompetente.

Tenha-se em mente a dicção da Constituição da República, quando determina que compete aos juízes federais processar e julgar (art. 109) “as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho” (inc. I), “os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral” (inc. IV) e “os mandados de segurança e os habeas data contra ato de autoridade federal, excetuados os casos de competência dos tribunais federais” (inc. VIII).

No que concerne aos mandados de segurança, a Constituição não explicita o que se deva entender pela expressão “autoridade federal”. Seu alcance, contudo, é dado pelo artigo 2º da Lei n.º 1.533, de 31 de dezembro de 1951, a própria Lei do Mandado de Segurança, no qual estatui-se que deve ser considerada “federal a autoridade coatora, se as conseqüências de ordem patrimonial do ato contra o qual se requer o mandado houverem de ser suportadas pela União Federal ou pelas entidades autárquicas federais”.

O Superior Tribunal de Justiça já decidiu reconhecendo que os efeitos patrimoniais mencionados no artigo 2º da Lei do Mandado de Segurança determinam a competência da Justiça Federal (Primeira Seção, CC n.º 10.511/RS [1994/0026782-7], rel. Min. CÉSAR ASFOR ROCHA, unânime, julg. 13.9.1994, publ. no DJU de 10.10.1994, pág. 27058). Do mesmo modo, mais recentemente, em processo em que se discutia força normativa de Lei distrital que tratava de remuneração de servidores da carreira Policial Civil do Distrito Federal, afirmou que a competência para julgar mandado de segurança era da Justiça Federal (Terceira Seção, ROMS 9.115/DF [1997/0077328-0], rel. Min. LUIZ VICENTE CERNICCHIARO, rel. para o acórdão em virtude de aposentadoria do relator originário, Min. EDSON VIDIGAL, unânime, julg. 14.6.2000, publ. no DJU de 14.8.2000, pág. 135).

Em casos de mandado de segurança, portanto, se houver possibilidade de a prolação da sentença onerar a União, que, v. g., teria de arcar com os custos de reajuste que seria concedido ao pessoal do Poder Judiciário, do Ministério Público ou dos órgãos de segurança do Distrito Federal, concluir pela competência da Justiça do Distrito Federal significaria negar vigência ao artigo 2º da Lei n.º 1.533, de 1951, e contrariar a própria Constituição Federal.


É bem verdade que no parágrafo 6º do artigo 144, da Constituição da República, estabelece-se que “as polícias militares e corpos de bombeiros militares, forças auxiliares e reserva do Exército, subordinam-se, juntamente com as polícias civis, aos Governadores dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios”. A melhor exegese a ser conferida a esse dispositivo, entretanto, é a que propugna o entendimento de que o Governador do Distrito Federal, concorrentemente ao Presidente da República, detém competência para expedir decretos regulamentares para a fiel execução das leis federais sobre a matéria, nos limites dispostos pela Constituição e por leis federais. E. g., a competência que a Medida Provisória n.º 2.218, de 5 de setembro de 2001, ainda vigente por força do disposto no artigo 2º da Emenda Constitucional n.º 32, de 11 de setembro de 2001, atribuiu ao Governo do Distrito Federal para regulamentar determinados direitos concedidos aos militares do Distrito Federal.

A seu turno, o diretor-geral da Polícia Civil e os comandantes-gerais da Polícia e do Corpo de Bombeiros Militares do Distrito Federal, igualmente, detêm parcela de poder administrativo. A respeito, no que concerne às Corporações militares, por força do artigo 40 da Lei n.º 6.450, de 14 de outubro de 1977, o comandante-geral da Polícia Militar e, do artigo 9º, da Lei n.º 8.255, de 20 de novembro de 1991, o comandante-geral do Corpo de Bombeiros Militar, são os responsáveis pela administração, comando e emprego da Corporação. Em situação idêntica estão o Presidente do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, o procurador-geral de Justiça do Distrito Federal e Territórios e o defensor público-geral do Distrito Federal e dos Territórios. Os atos dessas autoridades estão sujeitos a controle por meio de mandado de segurança e é evidente que, se o julgamento da causa não implicar possibilidade de aumentar-se o dispêndio de recursos da União, a competência da Justiça do Distrito Federal estará presente.

Quanto aos crimes funcionais cometidos por agentes desses órgãos, a competência será da Justiça do Distrito Federal, já que não há conseqüências de ordem patrimonial para a União, excepcionados, unicamente, os membros do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios que, por pertencerem ao Ministério Público da União, estão sujeitos a julgamento perante os Tribunais Regionais Federais, consoante estatui-se no artigo 108 e inciso I da Constituição Federal.

Nas demais causas, a competência sempre será da Justiça Federal. Por exemplo, nas ações de indenização decorrentes de danos causados por agentes do Poder Judiciário, do Ministério Público, da Defensoria Pública ou dos órgãos de segurança do Distrito Federal, quem deve figurar no pólo passivo é a União e, por isso, a competência é da Justiça Federal.

O Superior Tribunal de Justiça já teve oportunidade de decidir que a Justiça Federal era competente para processar e julgar ação popular que impugnava ato praticado pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, porque seria a União quem suportaria «os encargos econômicos, bem como, ao que se colhe do inciso XVII, do artigo 22, da Constituição Federal é privativo da União Federal a organização administrativa da Justiça do Distrito Federal» (Primeira Seção, CC n.º 1.106/DF [1990/0002683-0], rel. Min. PEDRO ACIOLI, unânime, julg. em 8.5.1990, publ. no DJU de 4.6.1990, pág. 5048). Na Lei da Ação Popular ¾ Lei n.º 4.717, de 29 de junho de 1965 ¾, aliás, estatui-se expressamente que «para fins de competência, equiparam-se atos da União, do Distrito Federal, do Estado ou dos Municípios aos atos das pessoas criadas ou mantidas por essas pessoas jurídicas de direito público, bem como os atos das sociedades de que elas sejam acionistas e os das pessoas ou entidades por elas subvencionadas ou em relação às quais renham interesse patrimonial» (art. 5º, parágrafo 1º).

Verifica-se, pois, que é necessária acurada atenção para desvendar-se qual é a Justiça competente para o processo e o julgamento de causas relacionadas ao Poder Judiciário, ao Ministério Público e à Defensoria Pública do Distrito Federal e dos Territórios, assim como às Polícias Civil e Militar e ao Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal, sob pena de a decisão buscada incorrer em nulidade absoluta além de procrastinar a solução da lide.

Revista Consultor Jurídico 25 de março de 2002.

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