Ética e técnica

Advocacia: formação profissional precária ameaça o cliente e o Direito

Autor

24 de março de 2002, 13h42

Estimulada a realizar um pensamento crítico acerca do papel social desenvolvido pelo advogado, defronto-me com algo que parece inequívoco: trata-se do artigo 133 da CF. “O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.”

Parece-nos que é aí que reside a subjetividade da atividade postulatória.

Há algo que transcende o entendimento simples, e às vezes, simplório do que se perceba como sendo “seguir a lei.”

A realização e elaboração de conceitos a esse respeito nos reportam ao início da reflexão filosófica sobre o entendimento das leis, dos homens e da justiça.

Para que não pareça absurdamente abstrato, pontuaremos algumas noções.

Sócrates, que defendia o princípio da racionalidade e da atividade intelectual da razão como único elemento capaz de desenvolver o homem, deixará constando que fora do Estado e fora da lei não há humanidade e, portanto, não há conhecimento. Mesmo no caso da lei ser injusta ela deve ser obedecida, porque ela existe em função de uma escolha.

Tal conceito se verifica tão atual que nos faz concluir que ele é produto e fato da maneira como a sociedade se organiza; e nem sempre, se diga, os indivíduos percebem com clareza, a influência que o desempenho de suas ocupações profissionais exercem sobre a sociedade. Chegamos no ponto.

Não são raras, infelizmente, as críticas feitas aos profissionais da área jurídica, sobretudo, aos advogados – que, aqui, nos propusemos a enfocar.

Algumas das abordagens são e, assim, deve-se reconhecer, absolutamente verdadeiras, enquanto outras, parecem, no mínimo, equivocadas.

Parece ingênuo, na melhor das hipóteses, atribuir a uma só categoria profissional os fracassos de uma sociedade pluricultural e que, segundo Descartes, vive em uma “moral provisória”.

Tamanha a rapidez em que evolui a humanidade que, muitas vezes, se torna inviável agir a longuíssimo prazo.

Tal argumento não se desculpa. A má formação de alguns profissionais os leva, às vezes, a irrevogáveis decisões na vida do cidadão sem que tenham para tanto, preparação efetiva. E, o que parece pior, envolvimento na e com a vida de indivíduos que dependem de sua capacitação para não serem definitivamente injustiçados.

É evidente que dois conceitos precisam ser diferenciados nesta reflexão, são eles os de informação e formação.

Informação a nosso ver poderá ser adquirida por meios usuais ou não, sendo em instituição convencional de ensino, seja por atividade autodidata.

O segundo conceito, embora pouco comentado, parece-nos mais complexo e merecedor de abordagem diferenciada. Formação é o meio pelo qual o indivíduo é apresentado ao convívio social, o que poderá se dar pela influência familiar, escolar, e até espiritual.

Seria leviano almejar que a competente formação do indivíduo possa se dar apenas, com sua convivência acalorada nos bancos da escola.

A idéia que fazemos de nós mesmos, é sem dúvida, o resultado da maneira com a qual aprendemos a pensar e a lidar com os problemas sociais. E isso se repetirá adiante, na conceituação tecida a respeito da ética.

Dificilmente, para não dizer, improvável, alguém que se deixa viver por anos crendo que o curso superior lhe dará tudo, inclusive, ética, poderá se destacar como advogado. Ao menos, em nosso entendimento do que vem a ser um profissional de destaque.

O comportamento ético não será oriundo de leis, ou regras sociais rígidas. Ele será desenvolvido ao longo da existência do indivíduo segundo sua informação, mas, sobretudo, por sua formação, o que poderá ser adquirido pela educação no âmbito da família, da escola, e porque não, da universidade.

É preciso mais que o artigo da Constituição para que o profissional da advocacia tenha e mereça o respeito que lhe é devido pela sociedade.

Faz-se necessário, o entendimento de que a advogado é antes de qualquer coisa um inconformado do bem. Alguém que pela formação e essência compreende sua importância social e faz cumprir, como outros operadores do direito, seu papel social de condutor das leis e fiscalizador de aberrações sociais.

O “indivíduo só age mal pela ignorância”. E esta se caracteriza pelo não saber, pelo desconhecer. É preciso acreditar nesta idéia de Sócrates para que se alcance o conhecimento, como fonte de uma sociedade mais justa.

O conceito de ética vai estar intimamente relacionado com o de justiça.

A justiça deve ser a devida proporção em que cada elemento deve contribuir para o bem comum, nisto, que é a contribuição para o bom uso da lei comum, se realiza a justiça.

O indivíduo precisa ser educado para seu processo de realização, e esta só se dará na plenitude através do desenvolvimento ético da sua capacidade de analisar o direito, as diversas faces que ele possui, e utilizá-lo como meio e objetivo de construir uma sociedade melhor, mais digna e justa.

Agir com ética é ter a justa medida do que se pretende realizar enquanto indivíduo. Os resultados positivos advindos da carreira bem sucedida, como status e realização econômica não podem se antecipar à consciência de se estar contido na Magna Carta de um país, que durante anos, foi amordaçado na totalidade de seus direitos e deveres, porque não somos somente sujeitos de direito, mas antes, sujeitos cujos deveres viabilizam a vida social.

Nenhuma categoria profissional tem a capacidade de avaliar a disposição da alma de seus profissionais, mas sem dúvida, caberá a ela excluir aqueles que agirem em desacordo com a verdadeira função social de suas ocupações.

Provavelmente, as aberrações no mundo jurídico nunca cessarão. A questão, contudo, é não permitir a sua institucionalização. Que o sentimento incontido de ambição perniciosa se antecipe à noção de cidadania e civilidade, ocasionando a transgressão de direitos e deveres fundamentais.

Os verdadeiros avanços, independem de leis perfeitas. Elas realizam função incondicional, no momento em que são aproveitadas condignamente.

A leitura da atividade postulatória deve se dar como imprescindível numa sociedade de direitos preservados; para tanto, se faz necessária a perfeita conscientização de profissionais e instituições de ensino que se propõe a formar seus porta-vozes no mundo atual.

Revista Consultor Jurídico, 24 de março de 2002.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!