Castigo dobrado

Quem agride o meio ambiente deve pagar danos morais ao município

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23 de março de 2002, 15h08

Além de reparar danos materiais pela prática de crime ambiental, o agressor está sujeito também a pagar danos morais à coletividade prejudicada.

Essa foi a conclusão da desembargadora Maria Raimunda T. de Azevedo em decisão acompanhada pela Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.

O apelado já fora condenado a desfazer as obras executadas, sem autorização municipal, a retirar o entulho e a plantar 2.800 mudas de espécies nativas, no prazo de 90 dias.

O município do Rio de Janeiro apelou, reivindicando também danos morais. A desembargadora acolheu o parecer do Ministério Público e arbitrou a indenização no valor de 200 salários mínimos.

Leia a decisão e o acórdão

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

SEGUNDA CÂMARA CÍVEL

Apelação Cível nº 2001.001.14586 – ªVara Cível – Capital

APELANTE : Município do Rio de Janeiro

APELADO : Artur da Rocha Mendes Neto

RELATORA : Des. Maria Raimunda T. de Azevedo

Classe Regimental nº01

Poluição Ambiental. Ação Civil Pública formulada pelo Município do Rio de Janeiro. Poluição consistente em supressão da vegetação do imóvel sem a devida autorização municipal. Cortes de árvores e início de construção não licenciada, ensejando multas e interdição do local. Dano à coletividade com a destruição do ecossistema, trazendo conseqüências nocivas ao meio ambiente, com infringência às leis ambientais, Lei Federal 4.771/65, Decreto Federal 750/93, artigo 2º, Decreto Federal 99.274/90, artigo 34 e inciso XI, e a Lei Orgânica do Município do Rio de Janeiro, artigo 477. Condenação a reparação de danos materiais consistentes no plantio de 2.800 árvores, e ao desfazimento das obras. Reforma da sentença para inclusão do dano moral perpetrado a coletividade. Quantificação do dano moral ambiental razoável e proporcional ao prejuízo coletivo. A impossibilidade de reposição do ambiente ao estado anterior justificam a condenação em dano moral pela degradação ambiental prejudicial a coletividade. Provimento do recurso.

A C Ó R D Ã O

Vistos, relatados e discutidos estes autos da Apelação Cível n°14586/2001 em que é Apelante Município do Rio de Janeiro, sendo Apelado Artur da Rocha Mendes Neto.

A C O R D A M os Desembargadores da Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro em dar provimento ao recurso. Decisão unânime.

VOTO

Apela o Município do Rio de Janeiro, da sentença que julgou procedente em parte pedido deduzido em ação Civil Pública contra Artur da Rocha Mendes Neto, pela causação de danos à coletividade com a destruição do ecossistema local, obrigando-a sofrer os efeitos de tal degradação.

O apelado foi condenado a desfazer as obras executadas, sem autorização municipal, a retirada de entulho, e a plantar 2.800 mudas de espécies nativas, no prazo de 90 dias.

Não tendo havido condenação da parte quanto aos danos morais causados à coletividade, reitera o Município Apelante esta parte do pedido.

Nas razões de decidir argumenta o Juiz monocrático que por determinação constitucional (art. 225, parágrafo 3° da Constituição Federal) as condutas lesivas ao meio ambiente sujeitam os infratores às sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.

Os documentos acostados à inicial, atestam o corte de 40 árvores, inicialmente, além de onze (11) subsequentes, a supressão de sub-bosque, provocando a diminuição da cobertura vegetal da região, com a diminuição do valor ecológico e paisagístico para o local e a execução de obras sem a devida licença da municipalidade.

A real utilidade e a necessidade do sub-bosque pode ser avaliada pela descrição, após inspeção técnica no local:

“A cobertura arbórea, além do seu valor ecológico/paisagístico para o local, tem como funções importantes tamponar os impactos gerados nas zonas ocupadas contribuindo para amenizar o microclima local; conter a erosão do solo; reter poluentes e ruídos; servir como porta sementes; atrair a fauna entre outros aspectos relevantes, para uma área próxima a uma Unidade de Conservação Ambiental.”( fls.04)

Quanto à obra em si, foi ressaltado pelos técnicos que “estará impedindo a regeneração natural da vegetação local, como também impermeabilizando grande parte do terreno. Por ser obra clandestina poderá ainda acarretar poluição hídrica e do solo, devido a falta de critérios técnicos que as construções irregulares costumam ter”.

As providências a serem tomadas para a reversão dos danos ambientais causados pelo Réu, como seja a compensação do dano ambiental com o plantio de 2.800 mudas de espécies nativas de acordo com orientação da Secretaria do meio ambiente, além da demolição das construções e retirada de entulho, ainda assim, não propiciam reversão ao estado anterior, certo que em nova vistoria foi constatado o aumento de corte de árvores, já em número de 51, em total desacordo com as leis de controle ambiental.

De acordo com o relatório de vistoria de fls.12, trata-se de área com cerca de 3.091 metros quadrados, situada em torno do Parque Estadual da Pedra Branca. Apesar de já estar descaracterizada da original mata Atlântica, possui um misto de espécies nativas com exóticas. Com o povoamento municipal, os lotes situados naquele local só podem ser desmembrados em áreas mínimas de 5.000 metros quadrados e edificados em 10%.

Embora haja impugnação das exigências ao assunto de que houve desdobramento do terreno, no Registro Geral de Imóveis, este desdobramento foi efetuado em desacordo com a legislação proibitiva por implicar em degradação ao meio ambiente na forma da lei Federal 4771/65, o Decreto Federal 750/93, artigo 1°, a Resolução da CONAMA n°13 de 06.12.90, o artigo 2°, Decreto Federal 99.274/90, artigo 34, inciso XI e a Lei Orgânica do Município do Rio de Janeiro, artigo 477.

Por outro lado, a condenação imposta com o objetivo de restituir o meio ambiente ao estado anterior não impede o reconhecimento de reparação do dano moral ambiental.

Pacífico o entendimento por este Colegiado de que a indenização por dano moral comporta pedido genérico, deixando-se ao arbítrio do julgador a quantificação, a ausência de pedido certo e determinado não impede a condenação, uma vez existente pedido genérico.

Em se tratando de proteção ambiental a responsabilidade é objetiva, bastando a demonstração do dano existente com a prova do fato perpetrado contra a coletividade pela degradação do ambiente.

Uma coisa é o dano material consistente na poda de árvores e na retirada de sub-bosque cuja reparação foi determinada com o plantio de 2.800 árvores. Outra é o dano moral consistente na perda de valores ambientais pela coletividade.

O dano moral ambiental tem por característica a impossibilidade de mensurar e a impossibilidade de restituição do bem ao estado anterior.

Na hipótese, é possível estimar a indenização, pois a reposição das condições ambientais anteriores, ainda que determinado o plantio de árvores, a restauração ecológica só se dará, no mínimo dentro de 10 a 15 anos. Conforme atestam os laudos (fls. 11/12 e 17/18) nesse interregno a degradação ambiental se prolonga com os danos evidentes à coletividade, pela perda de qualidade de vida nesse período.

Os danos ao meio ambiente, vêm sendo cada vez mais perpetrados, resultante da insensibilidade dos perpetradores, por isso que devem ser reprimidos a benefício da coletividade.

Assim sendo, de acordo com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade norteadoras da fixação do valor, e de acordo com o brilhante parecer do Procurador de Justiça Dr. Luiz Otávio de Freitas, que na forma regimental passa a integrar o julgado, dá-se provimento ao apelo, para condenar o apelado ao pagamento de danos morais ambientais, no equivalente a 200 (duzentos) salários mínimos nesta data, revestidos em favor do fundo previsto no artigo 13 da Lei 7.347/85.

Rio de Janeiro, 06 de março de 2002.

Desembargador João Wehbi Dib

Presidente

Des. Maria Raimunda T. de Azevedo

Relatora

Revista Consultor Jurídico, 23 de março de 2002.

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