Menos vagas

Mais de mil vereadores podem perder o emprego em todo país

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21 de março de 2002, 13h15

O STF vai decidir, este mês, se os municípios que têm mais vereadores do que a Constituição estabelece podem ser mantidos no emprego ou se deverão ser sumariamente afastados.

Estima-se que haja, em todo o país, mais de mil vereadores além do que a Constituição permite.

A ação (RE nº 266.994-6-SP) foi apresentada pelo Ministério Público paulista contra a Câmara Municipal de Teodoro Sampaio que, pelas contas dos procuradores, tem ao menos quatro vereadores a mais. A cidade tem 20 mil habitantes.

A Constituição prevê que municípios com até um milhão de habitantes tenham o mínimo de nove e o máximo de 21 vereadores. A conta deve ser feita dentro da premissa de que o número de legisladores municipais seja sempre ímpar. Embora haja diferentes critérios em discussão para essa contabilidade, mesmo na hipótese mais favorável à Câmara, a cidade poderia ter, no máximo, nove vereadores.

O artigo 29 da Constituição Federal prevê que o número de vereadores deve ser proporcional à população do município (inciso IV) e o limite de 21 vereadores para cidades com até um milhão de habitantes (inciso IV, letra “a”).

Pelo cálculo direto, um município com 20 mil habitantes teria direito a menos de seis vereadores, mas é beneficiado pelo número mínimo de nove representantes por cidade. Teodoro Sampaio tem treze.

Segundo o promotor Airton Florentino de Barros, há cidade com menos 5 mil habitantes com mais de quinze vereadores. “O julgamento desse caso vai se refletir em todos os municípios brasileiros”, afirma o representante do Ministério Público.

Veja o pedido feito ao Supremo

EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO MAURÍCIO CORRÊA

DIGNÍSSIMO RELATOR DO RE 266.994-6-SP

EGRÉGIO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Tendo em vista que se encontra na pauta para o julgamento o RE nº266994-6-SP, tomo a liberdade de encaminhar a Vossa Excelência o presente memorial, abordando os pontos que entendo fundamentais para a definição do caso.

Como resultado de ações civis públicas propostas pelo Ministério Público objetivando reduzir o número de vereadores em dezenas de Municípios do Estado de São Paulo, algumas Câmaras Municipais já se adaptaram a decisões judiciais favoráveis.

A hipótese que deu origem ao recurso supramencionado é a do Município de Teodoro Sampaio-SP que, embora contando à época da propositura da demanda, com aproximadamente 20.000 habitantes apenas, possuía 13 vereadores, 4 a mais do que o mínimo constitucional (art.29, IV, a).

Impulsiona-me a encaminhar-lhe as presentes razões o fato de que o julgamento desse caso por essa Corte Suprema tornará possível a esta Procuradoria Geral de Justiça e certamente às dos demais Estados da Federação adotar posição definitiva acerca do tema, bem como amenizar a angústia de prefeitos municipais, candidatos, eleitores e da comunidade em geral, decorrente da insegurança jurídica dos interessados.

Aliás, pronto também para julgamento, inclusive com parecer do Ministério Público Federal, o RE nº197.917-8-SP, relativo à Câmara Municipal de Mira Estrela, ainda hoje com menos de 3.000 habitantes.

Entende o Ministério Público do Estado de São Paulo, que o número de vereadores deve ser rigorosamente fixado dentro da proporcionalidade à população do município, nos termos e sob pena de ofensa não só ao preceito do artigo 29, IV, da Constituição Federal (1), como do artigo 37, da mesma Carta, que impõe à Administração Pública a observância aos princípios da legalidade, da moralidade, da eficiência e da razoabilidade (2), impedindo, além disso, no seu §4º, a prática de atos que resultem em dano ao erário sem a conseqüente responsabilização do agente público causador, o que encontra consonância com o artigo 1º, que qualificou o Brasil como Estado republicano.

Primeiro, porque a CF, no mencionado artigo 29, IV, poderia ter excluído a locução proporcional à população do Município se quisesse conceder ao Município a faculdade de apenas fixar um número aleatório entre o máximo e mínimo previstos nas alíneas. E, como é sabido, a lei não usa palavras inúteis.

Segundo, porque a proporcionalidade à população local, referida expressamente no citado dispositivo, por não ser política, mas matemática, não é discricionária e, sim, vinculada. Nem precisaria de Lei Orgânica Municipal para ser aplicada, como entendeu, aliás, na Representação nº8.883/88-TER-SP (Rec.8.084, julg.1.12.88, Rel.Min. AMÉRICO LUZ) o TSE que, para a eleição então em andamento, incumbiu à Justiça Eleitoral a fixação do número de cadeiras nas Câmaras Municipais.

Terceiro, porque a proporcionalidade foi imposta constitucionalmente por absoluta necessidade, isto é, para compor, em todos os níveis, uma máquina estatal eficiente para assegurar a prestação de serviços e garantir direitos fundamentais a todos os cidadãos e a representatividade democrática, mas sem gastos danosos ao patrimônio público e muito menos a autofagia. Muitos Municípios não conseguem suportar nem sequer os ônus decorrentes da prestação de serviços essenciais e, no entanto, contam com vereadores em número demasiadamente desproporcional à sua população, sem considerar todos os recursos materiais e humanos necessários para a manutenção dos vereadores excedentes.


Aliás, justamente para forçar o equilíbrio fiscal e orçamentário, admite a CF severa redução de gastos públicos com pessoal (3).

Quarto, os danos ao erário, não sem razão, são rigorosamente coibidos, nos termos do artigo 37, da CF que, aliás, chega a deferir a qualquer cidadão, no seu artigo 5º, LXXIII, a ação popular para garantir a integridade do erário (4). Não pode, pois, a Municipalidade, mesmo através de seu Legislativo, cujos atos são lato senso atos de Administração Pública e, portanto, sujeito aos referidos princípios, criar mais cargos de vereador além do indispensável, devendo ser obedecida, pois, a proporcionalidade à população local, visto que o excedente acarretará danos ao erário.

Quinto, do princípio da moralidade decorre a necessária razoabilidade, princípio consagrado implicitamente na CF e explicitamente na Constituição paulista (5). Não se pode entender como razoável que um município de menos de 3.000 habitantes tenha, por exemplo, 21 vereadores, que é o máximo previsto para os Municípios de até 1.000.000 de habitantes.

Considerando que há no Estado de São Paulo cerca de 300 Municípios com menos de 10.000 habitantes, se admitido sempre o número máximo, chegar-se-ia a um excedente de 3.300 vereadores, sem contar que cada vereador acaba dispondo de uma estrutura composta por diversos funcionários. Não se pode esquecer que o Estado tem hoje cerca de 600 Municípios.

Para os Municípios de população de até 1.000.000 de habitantes, parece incontestavelmente razoável o cálculo de proporcionalidade exposto na inicial do caso ora examinado: divide-se a população de 1.000.000 de habitantes em 7 grupos (para obter-se sempre número impar ¾ 9, 11, 13, 15, 17, 19 e 21 ¾ e evitar-se empate nas votações), chegando-se ao número de vereadores escalonadamente: 1.000.000 : 7 = 142.850, daí concluindo-se que contando o Município com até esse número de habitantes (142.857) pode ele ter apenas 9 vereadores.

A partir daí, observa-se a multiplicação por 2, 3, 4, 5, 6, 7, conforme a sequência dos grupos já mencionados (142.857 x 2 = 285.714) Os Municípios que contam com uma população superior a 142.857 e até 285.714 podem ter 11 vereadores; os que contam com uma população superior a 285.714, até 3 x 142.857, isto é, 428.571, podem ter 13 vereadores e daí por diante (571.428, 714.285, 857.142 e 1.000.000).

É verdade que outros critérios podem ser utilizados para o estabelecimento da proporcionalidade, seja dividindo a população máxima considerada (1.000.000) pelo número máximo de vereadores (21 vereadores (47.619), seja pelo número total de vereadores, entre máximo e mínimo, isto é, 13 vereadores, contando-se de 9 a 21 (76.923). Em todos os casos, o mínimo populacional, base de cálculo, ultrapassaria 45.000 habitantes.

Isto significa que, mesmo tomando-se o critério menos rigoroso, não haveria a menor chance de um município com menos de 45.000 habitantes contar com mais de 9 vereadores.

Sexto, não vinga o argumento de que perderia o Município a sua autonomia. Ora, se a função do princípio federativo é assegurar a autonomia dos Estados e conseqüentemente a de seus Municípios, não exclui também a de obedecer a convenção entre eles que, por essa forma, manifestaram o desejo de reconhecer soberania à União. Assim, os limites da autonomia dos Municípios, para a questão, são fixados concretamente pela Constituição Federal, que não pode tornar-se letra morta.

Sétimo, porque outro princípio a que se sujeita todo ato de Administração Pública é o da eficiência que, paralelamente ao da razoabilidade, determina que o Estado não pode contar senão exatamente com os órgãos necessários para que sua atividade seja exercida eficientemente.

Por essa razão é que, apenas a título de exemplo, nas ações civis públicas ajuizadas para a redução do número de vereadores dos Municípios de Mairinque e Espírito Santo do Pinhal, decidiu o Egrégio Tribunal de Justiça pela redução pleiteada, em 7 de maio de 6 de agosto últimos, respectivamente (TJSP, 6ª Câmara de Direito Público, Ap.Civ. 207.689.5/0 e 168.517-5/4, sendo Relatores os eminentes Desembargadores VALLIM BELLOCCHI e JOSÉ HABICE).

Oitavo, porque, a prevalecer a situação, haveria ofensa ao princípio constitucional da isonomia, na medida em que, ao não se observar o citado princípio da proporcionalidade, os votos de eleitores de um município acabam tendo menor ou maior peso do que os dos eleitores de outros municípios, sem qualquer critério que o justifique.

A propósito, há precedentes desse Colendo Supremo Tribunal Federal que merecem menção (ADIn 692-4, Goiás e 1.038-7, Tocantins). Mencione-se também o caso de Sorocaba-SP, em que decidiu-se o Juiz da Comarca pela redução, negando a 2ª Instância suspensão dos efeitos da decisão (TJSP, 6ª Câmara de Direito Público, AI.167.521-5/5, Rel. Des. CHRISTIANO KUNTZ e Pleno, Areg. 76.396-0/9-01, Presidente e Relator Des. MARCIO BONILHA), por decisões de 7.8.00 e 25.10.00, mantidas no Tribunal Superior Eleitoral (TSE, MC 962-SP, Rel.Min. GARCIA VIEIRA, em 24.11.00) e nesse Colendo Supremo Tribunal Federal (STF, Reclamação nº 1.733-8, Rel.Min. CELSO DE MELLO, de 24.11.00).


De tal relevância a questão, que o TSE já decidiu que a fixação do número de cadeiras no Legislativo Municipal não sofre a glosa do artigo 16, da Constituição Federal (RMS 1.967, 31.8.93, public. DJU 01.10.93, Relator Min. MARCO AURÉLIO).

Não impressiona também o argumento de que a cada modificação populacional a Lei Orgânica Municipal teria que ser alterada, pois a lei local pode fazer previsão de aumento populacional de longo prazo para regulamentar a matéria.

Observe-se, ademais, que a inconstitucionalidade, no caso aqui examinado, é suscitada como causa de pedir (o objeto do pedido não é a declaração da inconstitucionalidade da lei municipal), de modo que não se pretendeu substituir a ação direta de inconstitucionalidade pela ação civil pública, perfeitamente adequada para a hipótese.

É o que tinha respeitosamente a observar.

São Paulo, 19 de março de 2002.

JOSÉ GERALDO BRITO FILOMENO

Procurador Geral de Justiça

Notas de rodapé

1 – CF, Atrt.29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos:…

IV ¾ número de Vereadores proporcional à população do Município, observados os seguintes limites: a) mínimo de nove e máximo de vinte e um nos Municípios de até um milhão de habitantes; b) mínimo de trinta e três e máximo de quarenta e um nos Municípios de mais de um milhão e menos de cinco milhões de habitantes; c) mínimo de quarenta e dois e máximo de cinqüenta e cinco nos Municípios de mais de cinco milhões de habitantes;

2 – CF, Art.37. A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:…

3 – CF, Art.169, §3º.

4- CF, Art.5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: …LXXIII ¾ qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência.

5 – Artigo 111 – A administração pública direta, indireta ou funcional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá os princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação e interesse público.

Revista Consultor Jurídico, 21 de março de 2002.

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