Juros sobre juros

Justiça do Rio nega pedido de consumidores para limitar juros

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21 de março de 2002, 16h00

A Associação Nacional de Defesa do Consumidor e Trabalhador (Anacont) entrou com uma ação coletiva contra bancos do Rio de Janeiro para limitar a taxa de juros bancários em 12% ao ano, pedir revisão de contratos e tirar os nomes de consumidores do cadastro dos inadimplentes. Não conseguiu.

A 18ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio julgou improcedente todos os supostos abusos apontados pelos consumidores.

A primeira instância havia julgado procedente o pedido de vedação definitiva e total da prática de anatocismo nos contratos bancários e

a devolução em dobro do que foi pago a título de juros capitalizados por clientes. A primeira instância fixou multa de R$ 5 mil por dia caso fosse comprovada a capitalização de juros.

O entendimento foi derrubado no TJ-RJ, por unanimidade. A Justiça acatou os argumentos do advogado Sérgio Machado Terra, do escritório Paulo Cezar Pinheiro Carneiro Advogados Associados, que representa o Citibank.

Segundo o TJ-RJ, a Medida Provisória n° 1.367/96, através de sucessivas reedições, legitima a cobrança de juros compostos pelas instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional. Além disso, não ficou comprovado os supostos abusos praticados pelas instituições financeiras, de acordo com a decisão.

Veja o acórdão e o voto do desembargador Nascimento Póvoas

Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro

TJRJ – 18ª Câmara Cível – Apelação Cível nº 7.092/2001

Classe 2

Apelação Cível nº 7.092/2001

1º Apelante: Banco do Estado do Rio de Janeiro S.A em Liquidação Extrajudicial

2º Apelante: Banco Bradesco S.A. e outros

3º Apelante: Banco Citibank S.A.

4º Apelante: Banco Francês e Brasileiro S.A.

Apelada: Anacont Associação Nacional de Assistência ao Consumidor e Trabalhador

Relator: Dês. Nascimento Povoas

Acórdão

Direito do Consumidor. Ação Civil Coletiva proposta por associação, constituída há mais de um ano, com o objetivo de defender os interesses dos consumidores. Legitimidade da mesma, ainda que o objeto da causa sejam interesses individuais homogênos.

Competência da Justiça Comum, e do Foro da Comarca da Capital, em vista da abrangência, e dos limites territoriais da extensão da coisa Julgada.

Ausência de demonstração dos fatos constitutivos do direito invocado pela autora e de indicação das cláusulas contratuais por ela reputadas como abusivas, autorizativas da suposta prática de juros abusivos, e de sua capitalização periódica. Anatocismo. Legislação vigente que autoriza as Instituições Financeiras a praticá-lo.

Vistos, relatados, e discutidos estes autos da apelação Cível nº 7.092/2001, em que é 1º apelante Banco do Estado do Rio de Janeiro S.A. em Liquidação Extrajudicial, 2ºs. apelantes o Banco Bradesco S.A. e Outros, 3º Banco Citibank S.A., e 4º Banco Francês e Brasileiro S.A., sendo Apelada Anacont Associação Nacional de Assistência ao Consumidor e Trabalhador, Acorda a 18ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por unanimidade, em improver os agravos retidos e em rejeitar as preliminares, suscitadas, em cada uma das apelações, salvo a de ilegitimidade passiva do 1º apelante (Banco do Estado do Rio de Janeiro S.A., em liquidação extrajudicial), que foi acolhida, para excluí-lo do processo, e, ainda por unanimidade, em dar provimento aos apelos, para, reformando a doura sentença recorrida, julgar improcedente os pedidos, sem imposição de ônus sucumbenciais à apelada, nos termos do voto do Relator.

Rio de Janeiro, 30 de outubro de 2001.

Des. Miguel Pachá

Presidente

Relator

Des. Nascimento Povoas

Voto

Cumpre, de início, apreciar as matérias que servem de objeto aos agravos retidos, interpostos oportunamente em face da r. decisão de fls. 766/768, que repeliu numerosas questões preliminares, uma vez que referidos recorrentes, pleitearam expressamente seu exame quando do oferecimento dos segundo e quarto apelos, agora em julgamento.

A mais abrangente e decisiva, até para determinação da validade do processo, concerne à invocada incompetência absoluta do Juízo, mas que não pode prosperar, porquanto não cuida a presente causa de qualquer questão capaz de justificar o interesse da União ou do Banco Central, e, quando menos, porque não se cuida aqui de questionar ou alterar a normação reguladora do Sistema Financeiro Nacional, como pareceu aos suscitantes, mas simplesmente de examinar e decidir se legítimas são as práticas adotadas pelos Bancos demandados, quando, no seu relacionamento contratual com a clientela, exigem encargos alegadamente renegados pela Ordem Jurídica nacional, em especial em face do direito consumerista, o que diz respeito tão somente aos protagonistas de tais relações jurídicas, nada justificando o pretendido litisconsórcio necessário com indigitados Órgãos Oficiais, única hipótese capaz de deslocar a competência para a Justiça Federal, como foi cogitado.


Também descabido é apontar como competente o foro do Distrito Federal, em razão do âmbito de influência do julgado na presente causa, consoante previsão do inciso II do art. 93 da Lei nº 8.078/90 (CDC), e tão só porque os réus têm atuação em todo o território nacional, realizando uniformemente suas operações de crédito, em que observam as mesmas práticas aqui estigmatizadas; ocorre, inobstante isso, que o art. 16 da Lei nº 7.347/85 (Ação civil Pública), com a redação dada pela Lei nº 9.494/97, prevê que a sentença aqui prolatada somente fará coisa julgada “erga Omnes”, em caso de acolhimento da pretensão deduzida, nos limites da competência territorial do Órgão julgador respectivo, o que está a indicar o foro desta Capital como o competente par conhecer e julgar a causa presente.

Igualmente inexitosa é a argüição de ilegitimidade ativa da associação postulante, não se podendo acolher qualquer dos argumentos expedindo pelos então agravantes, agora apelantes, para justiçar essa sua conclusão.

Antes de qualquer outra abordagem a respeito do tema, urge considerar que esta E. Câmara, ao julgar o Agravo de Instrumento nº 8.882/99, já apreciou e decidiu as sucessivas e exaustivas questões agora novamente suscitadas pelos litigantes, relativamente à legitimidade ativa da associação aqui apelada (autos apensados), pronunciando-se assim:

“Ação Civil Coletiva de responsabilidade por danos infligidos a consumidores, legitimidade ativa de associação regularmente constituída há mais um ano para defesa de interesses daqueles, ainda que postulando em seu próprio nome, ação coletiva cujo ajuizamento independe da iniciativa individual de cada consumidor cabível a ação civil coletiva para tutela de interesses individuais homogêneos. Interação das normas processuais das Leis 7.347/85, 8.078/90 e CPC.

Serviços Bancários de fornecimento de crédito a clientela de

Instituição Financeira prestadora dos mesmos constituem atividade integrante de relações de consumo, sujeita a normação singular à elas aplicável. Possibilidade jurídica do pedido de repetição de juros indevidamente exigidos dos usuários do crédito não se confunde ausência de “causa petendi”, que tornaria a petição inicial inepta, com a pertinência ou não da mesma ao pedido deduzido pela parte com fundamento na mesma, suscetível de apreciação pelo juízo respectivo”.

Nada há a acrescentar aos princípios consagrados naquele julgamento, e resumidos na aludida Ementa, que decidiu, com a concisão desejável, as questões agora novamente suscitadas, razões pelas quais, com arrimo nas disposições regimentais pertinentes, reportamo-nos as observações e conclusões contidas no aludido Aresto como se integrassem este voto, para rejeitar as preliminares que agora se renovam desnecessária e redundantemente.

A tal respeito, cabe, ainda observar que inexiste a propalada incompatibilidade lógica entre a simultânea invocação, na petição inicial, do disposto no art 192 e seus parágrafos da C.F., e das normas constantes do CDC, pois, ao contrário do que sustentaram os réus, ora apelantes e agravante, estas últimas não se destinam especificamente a disciplinar as operações e serviços realizados pelas entidades componentes do chamado “Sistema Financeiro Nacional”, para cuja regulação previu a Constituição Nacional a edição de uma lei complementar que lhe desse feição e disciplina, mas visam simplesmente ordenar as relações de consumo que se desenvolvem entre o fornecedor de crédito, atividade que inegavelmente se constitui em produto da atividade empresarial das instituições financeiras atuantes no mercado de capitais, e sua clientela, inexistindo, por conseguinte aquela alegada incongruência entre os aludidos regimes legais, como quiseram fazer crer os ora recorrentes.

Inexiste, assim, óbice algum ao regular processamento da causa, pois não padece dos vícios capazes de comprometer a validade de sua constituição e desenvolvimento, assim como apresenta legitimada a associação postulante para obter o pronunciamento judicial por ela reclamado, por outro lado, apresentam-se como igualmente capazes de sofrer os efeitos jurídicos da decisão por aquela perseguida as instituições financeiras em face das quais foram deduzidas as pretensões constantes desta causa, não se identificando na peça inaugural deficiência qualquer capaz de a tornar inepta, e, por isso, rejeitam-se os Agravos Retidos antes ofertados, como ora se faz.

Ainda a esse respeito, cabe reconhecer uma única ressalva, ou seja, acolher a argüição da ilegitimidade passiva “ad causam” do primeiro apelante (Bando do Estado do Rio de Janeiro, em liquidação extrajudicial), formulada quando da interposição de sue recurso, uma vez que ao ser ajuizada a corrente causa, em dezembro de 1997 (fls. 2), já fora decretada a sua liquidação extrajudicial, decisão essa publicada em 31/12/96 (fls. 897), e, ademais, os ativos de que era titular, inclusive os de que cuida o presente feito, foram transmitidos a terceiro (fls. 905/916), e, assim, não se apresenta ele como sujeito processual apto a suportar, com propriedade, os efeitos de eventual reconhecimento dos direitos aqui postulados.


No que respeita à matéria de fundo, cabe reconhecer razão aos réus, ora apelantes, quando sustentam a total ausência de material probatório capaz de apoiar a veracidade das circunstâncias fáticas decisivas, e constitutivas dos pedidos formulados pela autora, ou seja, a cobrança de juros extorsivos e capitalizados.

Com efeito, a autora, agora apelada, limitou-se a alegar que os réus, fundados em disposições clausulares abusivas, por eles supostamente impostas a seus clientes, sem que a respeito de sue conteúdo admitissem qualquer discussão, cobram destes exorbitantes taxas de juros, praticando, ainda, o anatocismo, colocando-os em manifesta e exagerada desvantagem, onerando-os, assim, infundada e ilegitimamente, não obstante isso, sequer esclareceu a postulante, agora apelada, quais eram as aludidas e estigmatizadas cláusulas, assim como não apresentou um único documento capaz de evidenciar a veracidade de tais afirmações.

Ainda a esse respeito, urge reconhecer razão, ao ora terceiro apelante (Citibank), quando se insurge contra a assertiva contida na v. sentença, alias como parte integrante dos fundamentos de decidir, segundo a qual os réus não teriam negado a prática do alegado anatocismo, porquanto, ao menos tal recorrente e fez quando do oferecimento de sua contestação, como se constata pela leitura do texto dessa peça, em especial o da matéria ali abordada sob os nºs 84 e seguintes (fls. 438), e sob os nºs 443), e, assim, consoante dispõe o art 333, I do CPC, à postulante, ora recorrida, cabia produzir a prova do alegado, o que, entretanto, não providenciou.

A esse propósito, e com a devida vênia do ilustre prolator do v. julgado ora em análise, cumpre reconhecer a impropriedade do mesmo, ao impor, apenas nessa oportunidade extrema, a inversão dos ônus da prova, para carreá-los aos réus, aqui apelantes, posto que, como por estes sustentando, foram surpreendidos com indigitado comando, que, por evidente, acabou por impedir que tivessem oportunidade de efetivamente produzirem qualquer atividade instrutória, até porque foi anunciada essa deliberação quando do julgamento da causa na própria sentença que julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados, fundadas suas conclusões precisamente na falta de prova contrária à assertiva, contida na petição inicial, de que os réus praticam o profligado anatocismo.

Ademais, forçoso é reconhecer o desacerto do v. julgado em exame ao inverter o ônus da prova, para atribuir esse encargo aos réus, pois, para tanto, nos precisos termos do inciso VIII do art. 6º da Lei nº 8.078/90 (CDC), indispensável seria que qualquer dos consumidores individualmente, ou em grupos determinados, se apresentassem como postulantes em face de poderosos conglomerados financeiros, em razão do mecanismo de complexas operações dessa ordem, cuja exata concepção possa estar longe do entendimento daqueles, isoladamente considerados, hipótese em que haveria de se reconhecer a sua hipossuficiência; ocorre que, no caso em apreço, a demandante, ora apelada, é uma Associação, em que se organizam os respectivos associados, consumidores, precisamente para neutralizar a desvantagem em que inequivocamente estaria qualquer dos clientes das entidades financeiras rés, isoladamente considerado, caso demandasse individualmente contra elas, o que inocorre aqui.

Se assim é, razão inexiste para se excepcionar a regra geral, insculpida no CPC, pela qual a proa dos fatos constitutivos do direito invocado pelo autor da ação, em geral,cabe a ele, e nesta causa, na verdade, não produziu a ora apelada qualquer prova de suas alegações apesar do alentado volume que atingiu estes autos.

De qualquer modo, não se pode olvidar que a Ordem Jurídica nacional vigente desde a invocada Medida Provisória nº 1.367/96, através de sucessivas reedições, que vieram a desaguar na promulgação da Medida Provisória nº 2.170 e suas sucessivas reedições, a qual legítima a cobrança de juros, compostos pelas instituições integrante do Sistema Financeiro Nacional, mediante a previsão contida no seu art. 5º., que assim se expressa:

“Nas operações realizadas pelas instituições integrantes dos Sistema Financeiro Nacional, é admissível a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano.”

Como se constata, legítima é a exigência contra a qual se insurgiu a ora apelada, e, por isso, se dá provimento a este apelo, para se julgarem improcedentes os pedidos formulados na inicial, sem imposição dos ônus sucumbenciais à vencida, nos termos do art. 87 da Lei nº 8.078/90.

Rio de Janeiro, 30 de outubro de 2001.

Nascimento Povoa

Des. Relator

Revista Consultor Jurídico, 21 de março de 2002.

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