Lei da Mordaça

Ministério Público mobiliza-se contra a Lei da Mordaça

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18 de março de 2002, 20h27

A Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp) e a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) estão se mobilizando pela rejeição dos dois Projetos de Lei (um com origem na Câmara, outro do Senado) que propõem a chamada “Lei da Mordaça” para os integrantes do Ministério Público e outros agentes públicos.

Os projetos encontram-se na pauta da Comissão de Constituição e Justiça do Senado para esta quarta-feira (20/3) e têm por relator o senador Bello Parga (PFL/MA).

Entre as disposições do projeto, está a proibição aos promotores de Justiça, delegados de polícia, procuradores, juízes e conselheiros dos tribunais de contas de divulgar fatos de que tenham ciência em razão do cargo, e que violem o sigilo legal, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas.

Para o presidente da Conamp, Marfan Martins Vieira, essa restrição fere o direito da imprensa de informar e o da população de ser informada. “Inúmeros casos, inclusive de corrupção nos cofres públicos, somente foram esclarecidos por conta da possibilidade de atuação independente do MP”, ressaltou.

O projeto da Câmara também institui o foro privilegiado na Lei de Improbidade Administrativa, impedindo que governadores, ministros, juízes e procuradores sejam investigados e processados com maior agilidade.

O projeto altera ainda a Lei da Ação Civil Pública, restringindo o principal instrumento de investigação do Ministério Público — o Inquérito Civil Público.

A proposta tem o apoio do governo, que considera inaceitáveis as sucessivas ações por improbidade administrativa apresentadas contra administradores públicos e que, ao final, mesmo consideradas improcedentes, acabam por prejudicar a imagem dos acusados e do próprio governo.

ANPR vai à luta

A Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) vai distribuir nesta terça-feira (19/3) uma carta aberta contra o projeto. A carta será distribuída a todos os 48 senadores titulares e suplentes que compõem a Comissão de Constituição e Justiça.

O documento chama atenção para a inclusão do Projeto de Lei na pauta e apela para que os senadores “digam não à retaliação contra os procuradores da República”.

De acordo com trecho da carta, a restrição à informação apresentada no PL (art. 3º, “j”), além de genérica e ambígua, proíbe tornar público o que é direito de todos conhecer, contribuindo para a propagação da corrupção e o desvio de recursos público, agredindo o direito fundamental do cidadão à informação, à liberdade de imprensa, à indispensável publicidade dos processos e à transparência na Administração Pública, garantidos constitucionalmente”. (Segue abaixo, a íntegra da carta envidada aos senadores).

Proibido proibir

O presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Marco Aurélio de Mello, ao ser indagado por jornalistas sobre a proposta, afirmou que a liberdade de expressão é assegurada constitucionalmente. “É proibido proibir no campo da liberdade de expressão, quer quanto às autoridades públicas, quer especialmente em relação aos veículos de comunicação, que têm o dever de informar a sociedade”, disse.

“Nós vivemos sob a égide de uma constituição democrática. Mas é claro, os desvios devem ser coibidos, buscando-se a responsabilidade” afirmou Marco Aurélio.

Veja a íntegra da carta redigida pela ANPR

CARTA ABERTA AOS SENADORES

Diga não à retaliação contra os Procuradores da República

A Associação Nacional dos Procuradores da República, convicta de que os senhores Senadores, mais do que ninguém, têm ciência da importância da liberdade de informação para a democracia, vem a público conclamar os integrantes da CCJ do Senado a rejeitar o insidioso Projeto de Lei da Câmara nº 65/99 (nº 2.961/97, na Casa de origem), e seu anexo, Projeto de Lei Senado nº 536/99, conhecidos popularmente como LEI DA MORDAÇA, que surpreendentemente entraram novamente em tramitação nessa respeitável Comissão, e serão votados na próxima sessão do dia 20/03.

A restrição à informação apresentada no PL (art. 3º, “j”), além de genérica e ambígua, proíbe tornar público o que é direito de todos conhecer, contribuindo para a propagação da corrupção e o desvio de recursos público, agredindo o direito fundamental do cidadão à informação, à liberdade de imprensa, à indispensável publicidade dos processos e à transparência na Administração Pública, garantidos constitucionalmente.

Tomando essa atitude, estarão evitando a possibilidade de introduzir no sistema jurídico brasileiro um instrumento de censura, travestido de defesa da honra e da vida privada, que veda os membros do Ministério Público, e outros agentes públicos, de prestarem informações de suas atividades.

Além disso, referido Projeto insere o foro privilegiado na Lei de Improbidade Administrativa, evitando que autoridades como Governadores, Ministros, Juízes e Procuradores sejam investigadas e processadas, com maior agilidade, pelos mesmos procuradores da República que têm a incumbência de investigar qualquer indivíduo, contrariando orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal.

Malsinado Projeto altera ainda a Lei da Ação Civil Pública, restringindo não só o principal instrumento de investigação do Ministério Público — o Inquérito Civil Público —, estabelecendo curto prazo para sua conclusão, mas também criando mecanismos burocráticos que, além de atentarem contra a independência funcional dos membros do Ministério Público, causam delongas na conclusão dos procedimentos investigatórios.

O povo brasileiro não merece ser penalizado com uma Lei que contribua para a impunidade no país e que foi apresentada, e irá à votação, como uma forma de retaliação aos trabalhos desenvolvidos pelos procuradores da República na defesa do patrimônio público e na busca da punição de autoridades que não honram os cargos que exercem e desenvolvem suas funções de forma criminosa e ímproba.

Brasília, 18 de março de 2002

Associação Nacional dos Procuradores da República — Diretoria

Revista Consultor Jurídico, 18 de março de 2002.

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