Reação no TRF

Juiz acusado de venda de sentenças vai processar jornal

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13 de março de 2002, 11h08

O juiz do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, José Ricardo de Siqueira Regueira, divulgou nota para se defender das acusações divulgadas na série de reportagens do jornal O Globo. Regueira, Francisco Pizzolante e Ivan Athié são investigados pelo Ministério Público por venda de sentenças e outras irregularidades.

As notícias publicadas também pela Consultor Jurídico baseiam-se em farta documentação coletada pela Corregedoria do TRF e que há tempos vem sendo objeto de levantamentos da Advocacia-Geral da União e do Ministério Público Federal.

“Uma série de decisões previamente anunciadas, todas condenando-me por delitos que jamais cometi, equiparando-me a bandidos e marginais, sem a mais mínima atenção à presunção de inocência de que, assim como qualquer cidadão, sou beneficiário”, afirmou.

Segundo o juiz, “as pseudo denúncias” servem apenas “para embasar as ações cíveis e criminais” contra os responsáveis pelas reportagens por causa da “tentativa de linchamento moral”.

Regueira disse que um dos repórteres do jornal chegou a trabalhar com ele “nos tempos de dificuldade”, e “sabe” da “lisura” de seus procedimentos.

De acordo com notícia divulgada no jornal O Globo, nesta quarta-feira (13/3), o Ministério Público Federal pediu as declarações de Imposto de Renda dos juízes à Receita Federal desde 1990.

(Leia as acusações feitas contra os juízes)

Veja a nota publicada por Regueira

1. “Todos são iguais perante a Lei” é primado de Direito que a Constituição Federal consagra em seu art 5O. Assim, a qualquer acusado, em qualquer processo, é garantido o direito ao devido processo legal, à ampla defesa e, principalmente, à presunção de inocência até que decisão definitiva em sentido contrário seja proferida.

2. Nada disso, porém, me tem sido concedido pelos que tomaram em suas mãos a impossível missão de, a um só tempo, acusar e julgar; ao contrário, o que se tem visto das notícias publicadas envolvendo meu nome é uma série de decisões previamente anunciadas, todas condenando-me por delitos que jamais cometi, equiparando-me a bandidos e marginais, sem a mais mínima atenção à presunção de inocência de que, assim como qualquer cidadão, sou beneficiário.

3. Mesmo ameaçado de prisão sem que sentença condenatória tenha sido proferida, e apenado por infrações comprovadamente inocorrentes, venho a público prestar esclarecimentos acerca de tudo quanto de mim se disse – um amontoado de inverdades que, à luz das provas que serão produzidas no foro e no momento próprios, evidenciarão que as pseudo “denúncias” contra mim formuladas para nada servem, senão para embasar as ações cíveis e criminais que iniciarei contra os responsáveis pela tentativa de linchamento moral a que estou sendo submetido.

4. Inicialmente, registro que sou Juiz de carreira e cheguei ao cargo de Juiz do Tribunal Regional Federal após 12 anos de magistratura de 1° grau, onde fui Titular da 18a Vara da Seção Judiciária do Rio de Janeiro.

5. Em 1998, por antigüidade – sem precisar adular quem quer que seja (Ministros, Presidentes, ou quaisquer outras autoridades eventuais e temporárias) – fui nomeado para o cargo que atualmente ocupo.

6. Antes, fui advogado durante quase 15 anos nos Estados de Pernambuco, da Bahia e do Rio de Janeiro, funcionando tanto em escritório particular, como para empresas.

7. Ao fazer concurso para Promotor de Justiça do Rio de Janeiro – em que fui aprovado – e, posteriormente, para Juiz Federal – em que, novamente, obtive aprovação – meu tempo de prática forense foi realmente comprovado por documentos hábeis e por processos efetivamente ajuizados, numa indicação clara não só de minha experiência profissional, mais também da lisura com que sempre agi.

8. Todos meus bens sempre foram declarados à Receita Federal; nada tenho a esconder, apesar de não possuir todos os bens alardeados nas notícias ora comentadas. Na verdade, além da casa em que moro, adquirida em 1989 do Citibank N.A (e que está localizada numa rua sem calçamento, sem água, sem esgoto e sem gás encanado), possuo mais um terreno ao lado, e um apartamento na Rua Senador Vergueiro, adquirido em 1976 mediante financiamento já integralmente quitado. Além desses bens, possuo um pequeno imóvel em Jaboatão-PE, herdado de meu pai, e 01 (uma) unidade de apart-hotel, nesta cidade do Rio, adquirida sob financiamento ainda não quitado.

Minha esposa tem uma sala no bairro do Flamengo, adquirida por R$ 20.000,00. Esse é, em síntese, meu patrimônio, o qual viu-se constituído ao longo dos anos, como evidenciado à Receita Federal e, também, ao Tribunal Regional Federal da 2a. Região, que tenho a honra de integrar.

9. As estórias contadas através das “notícias” publicadas desde 10.03.2002, envolvendo meu nome, são inexatas e absolutamente fantasiosas.

10. A primeira, com relação aos títulos da dívida pública, peca por omissão gravíssima, e por flagrante inversão da verdade dos fatos. Ao contrário do que se disse, eu concedi efeito suspensivo à Apelação da União e a sentença de 1o. grau nunca foi executada. A prova disso acha-se nos autos do Processo 99.000.30613, em que, afinal, dei-me por suspeito, por questão de foro íntimo.

11. Também não se revelou ao público o fato de que o sistema de distribuição de processos no TRF-2 já foi objeto de uma inspeção, determinada pelo então Presidente, Des. Alberto Nogueira, ato para o qual foram convocados o Ministério Público Federal e a Ordem dos Advogados do Brasil, que concluiu: “Desta forma, a título de conclusão do trabalho técnico de auditoria, objeto principal desta comissão, podemos afirmar que nada de irregular foi encontrado e que o sistema de controle processual do Tribunal Regional Federal da 2a. Região encontra-se dotado de procedimentos sistematizados que realizam distribuições por sorteio aleatório, livres de qualquer vício ou possibilidade de fraude.”

12. Também não se disse que, em face do caráter peremptório de tais conclusões, o Corregedor-Geral e Presidente da Comissão Temporária Específica do Sistema de Distribuição do Tribunal Regional Federal da 2a. Região, Frederico Gueiros, proferiu o seguinte despacho: “Encaminhe-se o presente processo administrativo ao Eminente Presidente desta Egrégia Corte no qual se pode verificar que, após o trabalho de auditoria realizado pela comissão, chegou-se à conclusão de que nada de irregular foi encontrado e de que o sistema de controle processual do Tribunal Regional Federal da 2a. Região encontra-se hígido, sendo as distribuições efetivadas por sorteio aleatório, livres de qualquer vício ou possibilidade de fraude. À consideração da Egrégia Presidência as sugestões apresentadas pela Comissão no seu último relatório para aperfeiçoamento dos procedimentos operacionais e informatizados, o que, a juízo deste Presidente da Comissão, se adotadas, sem dúvida, tornarão mais transparentes e seguros os referidos procedimentos.”

13. O silêncio acerca de tais fatos revela, ou a incompetência de quem se abalou a fazer reportagens sem a mais mínima investigação acerca dos fatos reportados, ou nítida intenção de maldizer e malferir meu nome – o que será esclarecido no curso das ações judiciais que proporei visando à ampla reparação moral a que tenho direito.

14. No que se refere a decisões por mim proferidas, em suposta lesão aos recursos do FGTS, a matéria publicada é amplamente equivocada. Isso porque, como Relator, em processo julgado pela 1a Turma que acolheu o recurso da parte por unanimidade, limitei-me a permitir que trabalhadores sacassem os fundos a que tinham direito, em razão da evidente quebra de seus respectivos vínculos empregatícios, tal como consta do Processo 98.02.37251-0.

15. Tudo o mais que se sucedeu, então, decorreu da opção da CEF de protocolar sucessivos recursos, que tiveram seguimento negado ou foram indeferidos.

16. No que diz respeito à morte de um réu que teria lesado o INSS – cuja menção se faz em seguida a notícias sobre mim – esclareço que, como se vê das notas taquigráficas dos autos do Hábeas- Corpus n. 2000.0201055312-1, fls. 795, 798, 800, 801, 803 e 805, eu reiteradamente concordei com a expedição de ofício a fim de apurar-se a denúncia de envolvimento de “…desembargador-federal…” no caso – o qual só não foi expedido porque a Turma julgadora entendeu não ser o meio processual cabível para tal apuração.

17. Eu jamais me opus a que essa apuração fosse feita; ao contrário, enfaticamente manifestei-me no sentido de que ela ocorresse, como está registrado nas notas taquigráficas já mencionadas.

18. Por fim, na questão do desaparecimento de um Processo versando sobre uma desapropriação, as notícias ora respondidas não informaram que, ao contrário do que alegam, tal desaparecimento deu-se em minhas férias e, ao delas voltar, determinei a restauração dos respectivos autos – que tomaram o n. 98.00476288 – numa claríssima indicação da nenhuma vinculação entre mim e o referido desaparecimento.

19. Mais ainda: a reportagem ora comentada também não explicitou o fato de que eu obstara o escandaloso “acordo”, que dera origem, certamente, ao desaparecimento dos autos.

20. Lamento se tenho processos atrasados. E, igualmente, lamento, se erro. Não sou perfeito e não sou Deus, apesar de alguns juízes assim se considerarem. Não sou campeão em nada, parafraseando Fernando Pessoa. Creio que todos que militam com responsabilidade no Judiciário os têm, apesar de, segundo as estatísticas do TRF da 2a Região, ter julgado mais de 5000 processos no ano passado, colocando-me em segundo lugar em produtividade, a despeito de ter tirado uma licença de 2 meses para tratamento de saúde. Não tenho como humanamente possível manter todo trabalho em dia, com tal volume.

21. Lamento, igualmente, o procedimento de todas as pessoas envolvidas na questão.

22. De um dos repórteres, porque me conhecendo, com relativa aproximação, tendo, inclusive, nos tempos de dificuldade, trabalhado para mim em congresso que organizei, sabe da lisura de meus procedimentos.

23. De um advogado que, tendo interesses postulados sob minha relatoria, faz invectivas contra minha honra e conclui citando Picasso – que todos admiramos e talvez ele mais.

24. De um Juiz, já travestido em político, que perde a isenção ao tratar a mim e meus colegas com absoluto desrespeito, sem que leve em consideração de que ainda não fomos julgados, e que qualquer manifestação de um Juiz, como está claro na Lei da Magistratura, deve ser nos autos – e neles, tão somente.

25. E, finalmente, da infeliz colega – ou vice-versa – que hoje não assume a responsabilidade pelo que fez, ao distribuir uma notícia crime – que seria seu direito se, contudo, não tentasse coagir o órgão julgador, o Superior Tribunal de Justiça, com a criação artificial de um clamor público, renegando suas obrigações como magistrada.

26. Tenho tido, em toda a minha vida, uma absoluta dedicação à Justiça e, para quem quiser, basta a observação dos milhares de processos que já julguei, quer como Juiz de 1o grau, quer como de 2o, para observar a nenhuma incoerência de minha parte, ou o favorecimento de quem quer que seja, através de dar a um e não dar ao outro.

27. Concluo, acreditando na absoluta isenção do órgão julgador, que na hora oportuna, sob o pálio do devido processo legal, haverá de proclamar minha absoluta inocência relativamente ao cometimento do “crime de hermenêutica” – que, de fato, constitui o cerne das acusações a mim dirigidas – e dará o resultado da apuração que a sociedade pede e que eu, juntamente com todos os outros magistrados, exijo”.

JOSÉ RICARDO DE SIQUEIRA REGUEIRA

Desembargador Federal

Revista Consultor Jurídico, 13 de março de 2002.

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