A fraude do dólar

Advogado afirma que FMI foi usado para salvar FHC em 1998

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11 de março de 2002, 18h13

A história secreta da desvalorização cambial de 1999, um dos segredos mais bem guardados pela ekipekonômica brasileira está à venda nas livrarias americanas por 30 dólares. O jornalista Paul Blustein, do “The Washington Post”, publicou um livro contando a história do fracasso do Fundo Monetário Internacional na crise financeira de 1998, aquela que terminou destroçando o populismo cambial brasileiro em janeiro de 1999.

Para isso, entre a segunda metade de agosto de 1998 e o dia 13 de janeiro de 1999, a ekipekonômica torrou perto de US$ 30 bilhões de nossas reservas e mais outros US$ 9 bilhões cedidos pelo FMI, numa política de fingimento de que o dólar então valia R$ 1,20.

Esta política elevou os juros para 42%, cortando os músculos dos investimentos públicos, conduzindo-se ao fracasso de nosso desenvolvimento no ano de 1999, com crescimento zero e contração de 1,5% na renda per capita.

Com o apoio do FMI, o governo pode criar a tal da banda diagonal endógena, levando o representante da Alemanha e o vice-presidente do Banco da Inglaterra a acusar a falta de transparência do plano de ajuda, já que eles achavam que a desvalorização era inevitável. A mesma opinião foi compartilhada pelos canadenses e japoneses. Mesmo assim o governo americano impôs aos europeus o plano de ajuda, anunciando o FMI a negociação de uma rede de proteção de US$ 41 bilhões para o Brasil.

Neste acordo de 1998, o FMI aproveitou-se da crise brasileira e incluiu as cláusulas 33 e 34, exigindo que o País encaminhasse ao Congresso Nacional em regime de urgência o Projeto da prevalência do negociado sobre o legislado, agravando o dramático ambiente de desemprego, impondo arrocho salarial e precarizando as relações de trabalho, em atendimento às exigências externas, como denuncia o deputado federal, Inácio Arruda, em seu artigo “Governo quer reduzir direitos dos empregados”, divulgado pela Revista Consultor Jurídico.

Quando a banda estourou, houve desespero, pelo temor de ficar sem apoio externo, sendo que no dia 16 de janeiro, um sábado, Malan e o então presidente do Banco Central, Francisco Lopes, estavam no gabinete de Michel Camdessus, então diretor-geral do FMI, em Washington.

O doutor Camdessus abriu a conversa propondo uma dolarização semelhante a da Argentina, com a moeda americana cotada, no máximo, a R$ 1,47. A proposta foi rebarbada. Agora que a Argentina foi ao ralo, bem que Camdessus poderia contar que futuro reservava ao Brasil. Ao ver que não havia jogo, Camdessus propôs que a livre flutuação do real fosse acompanhada por uma alta dos juros, para algo entre 60% e 70% ao ano.

Chico Lopes, que já não era flor do orquidário do FMI, recusou-se a aceitar esse caminho. (Os juros brasileiros tinham caído de 42% para 29% e voltado a subir para 37%). No dia 29 de janeiro de 1999, o mercado financeiro brasileiro teve uma sexta-feira negra, com corridas aos bancos e o dólar cotado em R$ 2,07.

A essa altura, voltou à pressão para que FHC seguisse o exemplo argentino, dessa vez nas palavras do então sacrossanto Domingo Cavallo, do eterno sacrossanto Rudiger Dornbusch, do MIT, e do então economista-chefe do BID, Ricardo Hausman.

Três dias depois, Stanley Fischer voou de Davos, na Suíça, para Brasília. Ao chegar, recebeu sinais de que Chico Lopes seria defenestrado. Cozinhou sua ida ao Ministério da Fazenda, à espera do anúncio de sua queda. Fischer reuniu-se com FHC no dia 3 de fevereiro, e o governo começou a armar um dos maiores programas de contenção de gastos e investimentos públicos da história nacional.

Pouco mais de um mês depois, FHC rebateu uma crítica do governador Itamar Franco dizendo o seguinte: “Toda hora alguém diz: “O FMI exigiu”. Não exigiu nada. Falamos no ajuste há quatro anos. Precisamos é fazer o que é preciso”.

Veja texto da Folha de S. Paulo – edição de 10/3/02, do jornalista Elio Gaspari

A história secreta da desvalorização cambial de 1999

“Um dos segredos mais bem guardados pela ekipekonômica brasileira está à venda nas livrarias americanas por 30 dólares. O jornalista Paul Blustein, do “The Washington Post”, publicou um livro contando a história do fracasso do Fundo Monetário Internacional na crise financeira de 1998, aquela que terminou destroçando o populismo cambial brasileiro em janeiro do ano seguinte. Chama-se “O Castigo – Por dentro da Crise que Abalou o Sistema Financeiro e Humilhou o FMI” (“The Chastening Inside the Crisis that Rocked the Global Financial System and Humbled the IMF“). É possível que a edição brasileira saia dentro de alguns meses.

Entre a segunda metade de agosto de 1998 e o dia 13 de janeiro de 1999, a ekipekonômica torrou perto de US$ 30 bilhões da Viúva e outros US$ 9 bilhões do FMI defendendo o real sobrevalorizado (fingia-se que o dólar valia R$ 1,20). Levou os juros para 42%, cortou os músculos dos investimentos públicos e acabou rendendo-se, ao preço da ruína no ano de 1999. (Crescimento zero, contração de 1,5% na renda per capita).

Blustein entrevistou inúmeros funcionários do FMI, inclusive Stanley Fischer, que na época era seu vice-diretor. Falou com FHC e Pedro Malan, cometeu pecados veniais, como dizer que o ministro da Fazenda é filho de general. Ainda assim, seu livro é uma aula para a patuléia de Pindorama.

Depois de lê-lo, informa o professor Antônio Delfim Netto: “O Blustein mostra, sem dizer, que o governo Clinton usou o FMI na defesa do real sobrevalorizado para salvar o presidente Fernando Henrique e impedir a eleição do Lula”.

Suas revelações

Em setembro de 1998, logo que a crise começou a se aproximar do Brasil, Fischer e Teresa Ter-Minassian, gerente da encrenca brasileira no Fundo, sugeriram a Malan uma desvalorização de 12% a 15%. Mais adiante, o subsecretário do Tesouro americano, Lawrence Summers, perguntou-lhe: “Qual é o seu plano B?”. Não havia plano B.

Quando o FMI anunciou a negociação de uma rede de proteção de US$ 41 bilhões para o Brasil, o representante da Alemanha e o vice-presidente do Banco da Inglaterra acusaram o projeto de servir como rota de fuga para os capitais da especulação eletrônica. Eles achavam que a desvalorização era inevitável. Os canadenses e japoneses também. Depois que o governo americano impôs aos europeus o plano de resgate, o economista-chefe do FMI, Michael Mussa, acreditava que ele tivesse 50% de chances de êxito.

Prevaleceram os outros 50%, e o governo decidiu criar a tal banda diagonal endógena. Ao ser avisado, Stanley Fischer disse a Malan que aquilo não ia dar certo. Quando a banda estourou, os interlocutores cosmopolitas da ekipekonômica informaram: acabem com esse negócio ou vocês ficarão sem apoio externo.

Blustein fecha sua narrativa dizendo que, como as coisas acabaram melhor do que se pensava, tanto Lawrence Summers como Stanley Fischer passaram a sustentar que o socorro de novembro de 1998 foi uma boa idéia, pois adiou o colapso do real, dando-lhes tempo para respirar. Persiste a maldição dos europeus, para quem o programa de novembro serviu apenas para abrir uma rota de fuga aos investidores que estavam encalacrados em reais.

O jornalista limita-se a registrar que não há alma viva capaz de lembrar que os arquitetos do resgate de novembro de 1998 achavam que ele era apenas uma manobra protelatória de uma desvalorização inevitável. O FMI está colhendo depoimentos a respeito da propriedade de sua intervenção de 1998. Quer entender direito o que fez.

Revista Consultor Jurídico, 11 de março de 2002.

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