IPTU progressivo

IPTU progressivo fere princípio de igualdade tributária

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8 de março de 2002, 12h44

A progressividade do Imposto Predial e Territorial Urbano ingressou em nosso sistema jurídico mediante o artifício da carona, inserido que foi em legislação constitucional que objetivava, tão somente, financiamento para ações e serviços públicos de saúde. Trata-se da Emenda Constitucional n.º 29, de 13 de setembro de 2000, que em seu artigo 3º acabou dando nova redação ao parágrafo 1º do artigo 156 da Constituição Federal e nele acrescentando dois incisos.

Ponto de fundamental importância para a pertinência ou não da constitucionalidade do artigo 3º, da E.C. 29/2000, encontra-se em famoso acórdão citado por vários juristas de escol: o Recurso Extraordinário n.º 153.771-0-MG do Supremo Tribunal Federal, Rel. Min. Moreira Alves, julgado em plenário aos 20.11.96 e publicado no DJU, Seção I, em 05.09.97 e na LEX-STF, vol. 229, pp. 177/219, que definiu a posição da mais alta Corte de Justiça com relação ao tema pois que afirmou que o IPTU, no sistema tributário nacional e em face do que dispõe os artigos 145, parágrafo 1º e o parágrafo 2º c/c o inciso II, parágrafo 4º do artigo 182, todos da Constituição Federal, é um imposto real, não sendo admitida a sua progressividade.

Os adeptos e favoráveis à progressividade do IPTU de pronto entenderam que a E.C. n.º 29/2000 retirou do acórdão retro mencionado a sua eficácia, não mais condicionando a progressividade ao cumprimento da função social da propriedade estampada no inciso XXIII, do artigo 5º ou à progressividade temporal prevista no parágrafo 4º, do artigo 182, ambos da Lei Maior, autorizando, assim, sua imposição.

Entendo que tal não ocorre, permanecendo íntegro o espírito que norteou aquele v. acórdão e, de seqüência, a inconstitucionalidade do artigo 3º da E.C. n.º 29/2000. De fato, o texto anterior do parágrafo 1º, artigo 156 da Constituição Federal, assim norteava:

“O imposto previsto no inciso I poderá ser progressivo, nos termos de lei municipal, de forma a assegurar o cumprimento da função social da propriedade.” (grifamos)

Enquanto que o inciso II, parágrafo 1º do atual texto vem assim expresso:

“parágrafo 1º – Sem prejuízo da progressividade no tempo a que se refere o artigo 182, parágrafo 4º, inciso II, o imposto previsto no inciso I poderá:

I – …omissis…

II – ter alíquotas diferentes de acordo com a localização e o uso do imóvel.” (idem)

Como se observa, o cotejo entre os dois dispositivos não só mantém íntegra a função social da propriedade, dando maior relevância a expresso dispositivo constitucional pétreo (XXIII, art. 5º), como também corrobora entendimento esposado no acórdão citado de que o imposto predial e territorial urbano não poderá extrapolar os limites temporais expressos nos parágrafos 2º e 4º do artigo 182 da Constituição Federal.

Isto porque na medida em que se determinam alíquotas diferenciadas levando-se em conta a localização e o uso do imóvel está-se, na verdade, querendo dizer que se o Município quiser estimular uma área e desestimular outra, para algum uso, preservação ou conservação imobiliária, tal como ocorre nos locais denominados de manaciais ou naqueles ditos de corredores comerciais, poderá valer-se do IPTU progressivo e, ao assim proceder, estará obedecendo, exatamente, sua política urbana na forma preconizada nos parágrafos 2º e 4º do artigo 182 da Constituição Federal, configurando-se o IPTU como imposto real, não suscetível de progressividade.

De forma que a E.C. n.º 29/2000, em vez de retirar a vedação de progressividade do IPTU, acabou por corroborá-la e ampliá-la, ficando em evidência séria redundância entre o disposto no inciso II e o seu parágrafo 1º.

Outro aspecto de suma importância, ainda na linha dos adeptos da progressividade do imposto municipal e que determina a inconstitucionalidade do artigo 3º, da E.C. n.º 29/2000, é aquele que autoriza a possibilidade de tributar a propriedade territorial e urbana como forma de efetuar uma maior arrecadação segundo a capacidade contributiva de cada cidadão, impondo-se um tributo maior àquele que não der ao imóvel o uso e a ocupação que o Plano Diretor do Município entenda como correto ou necessário.

O princípio da capacidade contributiva, como é notório, informa que cada cidadão deve contribuir para a coletividade em função de sua respectiva força econômica, resguardando-o, destarte, quanto à sua impossibilidade econômica na imposição do tributo (parágrafo 1º, art. 145 da C.F.).

Para a identificação da capacidade econômica do contribuinte este princípio deve atender, por expressa disposição constitucional, três critérios: o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte. De outro lado, a capacidade contributiva pode ser dividida em subjetiva ou objetiva, estrutural ou funcional, etc., sendo de interesse, porém, que tanto num como noutro caso deve-se diferenciar entre a possibilidade econômica de cada indivíduo e a aparência de riqueza, quem são os iguais e quem são os desiguais para, ao final, dar-se o justo tratamento fiscal.

Atender a um critério não significa que o contribuinte atenda, necessariamente, aos demais. Aparentar riqueza também nem sempre implica em possibilidade econômica do cidadão, pelo que se deve, assim, analisar cada caso em concreto.

Com efeito, inúmeros contribuintes possuem diversos imóveis na periferia de seus respectivos municípios, com valores venais irrisórios, e que nem por isso serão tributados progressivamente porque não atenderam a qualquer um dos critérios insertos no parágrafo 1º, do artigo 145 da C.F., enquanto que outro contribuinte, com um único imóvel em uma região considerada “valorizada”, terá um imposto maior porque se atendeu, tão somente, a um daqueles critérios.

Demais disso, seja por herança, doação, prêmio, etc. o contribuinte poderá ter um imóvel localizado em local altamente valorizado, mas nem por isso poderá auferir rendimentos ou ter atividades econômicas suficiente para mantê-lo, fazendo-o com muito custo na vã esperança de manter o parco patrimônio no seio familiar.

Como se observa, a simplicidade com que se trata a progressividade do imposto predial e territorial urbano pode levar de cambulhada princípios e dispositivos constitucionais pétreos. É certo que a ofensa à lei ou até mesmo a sua negação pode se dar de forma oblíqua, indireta, disfarçada, negada, virtual ou implícita, mostrando-se mesmo velada através das mais variadas campanhas publicitárias ¾ que afirmam que “paga mais quem tem mais” ¾ ou por entusiastas em arrecadação, e tudo porque tal tributação parte da falsa premissa de que o proprietário de um imóvel de alto valor venal tenha capacidade econômica para pagar o imposto, gerando, conseqüentemente, injustiça social, cujo ponto, de pronto, é repudiado pela Carta Magna.

Insta comentar, também, o princípio da progressividade do imposto ao qual não foi dada a merecida atenção na E.C. n.º 29/2000 e por aqueles que nele só vêem os meios e não os fins.

A tributação progressiva tem por escopo a justiça fiscal decorrendo, pois, do princípio da capacidade contributiva de forma que a progressão de tarifas ou alíquotas incida na proporção em que a riqueza associada ao fato gerador seja incrementada, mantendo-se, assim, uma relação sempre crescente de tributação no espaço e tempo, muito embora o patrimônio do contribuinte possa sofrer diminuição.

Economicamente colocada, a tributação progressiva se traduz com efeitos negativos sobre os investimentos e empregos pois que desestimula o trabalho e a acumulação de riquezas; noutro turno, poderá até ser considerada como tendo um caráter redistributivo, diminuindo as desigualdades sociais e gerando um desenvolvimento econômico mais equilibrado.

No entanto, não é o que ocorre com o imposto predial e territorial urbano, configurando-se, novamente, a inconstitucionalidade do artigo 3º da E.C. n.º 29/2000.

Com efeito, é sabido que não é o proprietário do imóvel quem efetua o lançamento de seu valor venal, mas sim a municipalidade local que, anualmente, atualiza a planta genérica de valores alavancandos, por vezes, uma valorização irreal a determinadas regiões e imóveis do município sem que a tanto tenha fornecido quaisquer condições básicas de saneamento e infra-estrutura.

A par disso, se determinada região vier a sofrer desvalorização imobiliária, como ocorreu com os imóveis localizados ao longo do famoso “Minhocão” na cidade de São Paulo, ainda assim a municipalidade fará a atualização venal da planta genérica de valores, não se revestindo o respectivo aumento do valor venal, seja ela em que proporção for, em uma riqueza associada ao fato gerador (ao imóvel propriamente dito), mas sim mero reajuste de valores com o objetivo precípuo de efetuar uma arrecadação maior aumentando, conseqüentemente, a desigualdade social, não gerando um desenvolvimento econômico mais equilibrado. Portanto, invalidando o tributo como um imposto de caráter progressivo, decorrente do princípio da capacidade contributiva do cidadão, de forma a corroborar, mais uma vez, o entendimento esposado pelo Supremo Tribunal Federal.

Por derradeiro, a base de cálculo da planta genérica de valores embute os dois princípios anteriormente discutidos: a progressividade e a capacidade contributiva do cidadão, não se justificando, portanto, emenda constitucional para assegurar aquilo que já se encontra assegurado.

É fato que a municipalidade (ao menos na cidade de São Paulo) ao elaborar o cálculo do valor predial e territorial urbano utiliza-se da planta genérica de valores a qual, em linhas gerais, leva em conta a localização do imóvel, fatores de obsolescência, zoneamento, características, região, infra-estrutra, área construída, padrão de construção, terreno, testada, etc. Tal cálculo tem por escopo atingir o valor venal do imóvel, definindo-se este como aquele valor pelo qual o imóvel pode ser vendido, ou seja, valor de mercado.

Pode até ocorrer que o valor venal não corresponda ao valor real do imóvel mas, para os fins destas considerações, basta entender que é a própria municipalidade quem efetua a base de cálculo e não o contribuinte, sendo relevante notar que é sobre este valor venal que é efetuado o lançamento do imposto que, dependendo do município, pode variar em percentuais.

Assim, o imóvel lindeiro e próximo de córregos abertos ou marginais, sem qualquer infra-estrutura ou saneamento, terá um valor venal (de mercado) inferior daquele situado em uma região eminentemente de uso residencial dotado de farta infra-estrutura.

Conclui-se, portanto, que inserido está na elaboração e base de cálculo do valor venal os princípios da capacidade contributiva do cidadão e o da progressividade, revestindo-se o artigo 3º da Emenda Constitucional n.º 29/2000 em verdadeiro fim com o objetivo de aumentar a arrecadação e não de meio para efetuar a justiça social e fiscal.

Eis, em síntese apertada, os motivos pelos quais não se pode permitir a mantença da progressividade do IPTU pois que fere, flagrantemente, o princípio da igualdade tributária.

Revista Consultor Jurídico, 8 de março de 2002.

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